quarta-feira, 16 de julho de 2025

Bispo de Setúbal interveio nas jornadas parlamentares do PSD e do CDS

 
Disponível para contribuir, pela palavra, em eventos para que seja convidado, o bispo de Setúbal, D. Américo Aguiar, interveio, a 15 de julho, em Évora, no âmbito as jornadas parlamentares conjuntas do Partido Social Democrata (PSD) e do partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP), que formam a nova Aliança Democrática (AD), responsável pelo atual elenco governativo, solicitando aos deputados que procurem trabalhar numa base “alargada de consensos”, com vista a solucionar os problemas do país.
“Temos de trabalhar com base cada vez mais alargada de consensos para reforçar a confiança dos Portugueses. E como é que isso se faz? Resolvendo os problemas da saúde, resolvendo os problemas da educação, resolvendo os problemas da habitação”, sugeriu D. Américo Aguiar, segundo a Rádio Renascença (RR).
O tema do painel destas jornadas era “Portugal não deixa ninguém para trás”. E o purpurado português, que também é o prelado da diocese sadina, abordou outras questões, como a situação das prisões, e reforçou o pedido aos políticos para resolverem os problemas do país, visto que é urgente os Portugueses voltarem a ter “confiança e esperança” em quem dirige o país, senão há outras forças que ocupam o poder. “São 10, 20 anos e o cidadão não tem esperança que alguma coisa possa mudar e, quando não temos confiança e esperança, qualquer um pode tomar conta da barca”, advertiu, num forte aviso político para as possíveis consequências políticas.
D. Américo Aguiar vincou, em concreto, o funcionamento das urgências hospitalares em Setúbal, estabelecendo uma comparação com um jogo de flippers, com os doentes a deslocarem-se de um lado para o outro. “Havia aquelas máquinas flippers, a gente fazia aquela bolinha, lá em cima, ela vinha assim, fazia aquele barulho. Portanto, todos os dias é assim. Seja obstetrícia, seja outra especialidade, isto não ajuda a criar confiança”, observou.
O bispo de Setúbal lamentou o facto de os doentes não saberem a que unidades hospitalares se dirigir, já que a disponibilidade de serviços está sempre a mudar. E exemplificou, ironicamente: “De manhã dói-me a barriga, eu tenho que ir, não sei onde, ver onde é que tratam da barriga, porque todos os dias a barriga salta de sítio”, exemplificou.
D. Américo Aguiar referia-se aos constrangimentos hospitalares, em particular, na região de Setúbal, que têm sido notícia nas últimas semanas, estando em causa a atuação da ministra da Saúde, Ana Paula Martins, que o orador não contesta.
Não obstante, a parte do discurso em que interveio sobre Saúde foi a que mereceu menos acenos de concordância com a cabeça e menos aplausos da plateia, ao invés de outras passagens.
Na sua intervenção, o bispo defendeu, em princípio, os responsáveis políticos, mas não deixou de alertar para as consequências da degradação dos serviços e da forma como os cidadãos perdem a esperança, quando se sucedem ministros na pasta, mas os problemas não são resolvidos:Isto não ajuda a criar confiança”, afirmou, e os problemas arrastam-se e agravam-se ao longo dos anos: “Para o cidadão comum, a experiência dele é essa. E, depois, não é um ano, são dois, são cinco, são dez, são quinze, são vinte, e o cidadão olha para a situação e não vê, não tem esperança de que alguma coisa possa mudar. E isto tudo junto é um cocktail molotov. É uma receita, é uma receita muito boa, que alguns até podem ajudar a fazer, para que estoure.”
Foi neste contexto que surgiu o aviso acima referido: “E, quando nós não temos confiança e não temos esperança, meus amigos, qualquer um pode tomar conta da barca.”
Sobre os migrantes, o prelado defendeu que o Estado tem de “responder às expectativas que criou” ao que estão em Portugal, “há muitos anos”, diferenciando esta situação de uma política de imigração para o futuro. “Eu tenho dado este exemplo: vamos imaginar que eu posso acolher, em minha casa, 20 pessoas, e posso acolhê-las, dando a cada uma aquilo que é a sua dignidade e os seus direitos e os seus deveres. Então, eu torno público esse número”, referiu, indicando que tal significa “respeitar a sua dignidade”.
Porém, como afirmou, se for dito, ao invés, que “podem vir todos e vierem mil [imigrantes]”, estão a criar-se falsas expectativas para os restantes 980, que é, no seu entender o que está a acontecer em Portugal. “Nós criámos a expectativa a todos os que pudessem e quisessem, e não temos capacidade de corresponder, e estamos a desrespeitar a dignidade dessas pessoas, estamos a fazer o contrário”, salientou o prelado sadino.
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A ideia, transversal à intervenção do orador, é que, se os governos não dão respostas, há uma erosão na confiança dos eleitores, que terá consequências. Na saúde, avisou, é preciso dizer a verdade aos cidadãos:Sem confiança e sem esperança, não estamos cá, como povo nem como coletivo, a fazer absolutamente nada. E, na questão da saúde, e eu não percebo nada do assunto, mas é preciso dizer aos nossos concidadãos que não é possível termos todas as urgências a toda hora a funcionar em todo o território. E continuar a dizer o contrário é mentir.”
Américo Aguiar defende consensos entre os partidos políticos, para garantir soluções efetivas aos problemas dos cidadãos e concluiu com a ideia: “É uma questão que nos deve preocupar e preocupa, certamente. Agora, os pobres não podem esperar, os doentes não têm a paciência para esperar. E há gravidades e urgências que, humanamente, é bom que não se espere muito.”
As palavras de D. Américo Aguiar surgem quando a ministra da Saúde está sob fortes críticas, por causa do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) e pelos problemas nas urgências de Obstetrícia, sobretudo, no distrito de Setúbal, em que os três hospitais da região têm estado, com frequência, com todos os serviços de urgência obstétrica fechados. Entretanto, a governante prometeu, que a partir de setembro, o Hospital Garcia de Orta, em Almada, passará a ter as suas urgências de obstetrícia abertas diariamente.
O tema do painel das jornadas era, como se disse, “Portugal não deixa ninguém para trás” e o bispo da diocese setubalense abordou também temas, como a pobreza ou a falta de condições nas prisões, deixando notas de preocupação, incluindo sobre a imigração. Neste ponto, distinguiu refugiados (que saem da terra, por causa de conflitos armados ou por causa da fome ou de práticas repressivas) de imigrantes, que procuram o país por questões económicas e, nos últimos, entre os que estão há mais ou menos tempo em Portugal, defendendo que “o Estado é uma pessoa de bem, deve corresponder às expectativas que eram proporcionadas”. Já quanto a acolher novos imigrantes, apontou a necessidade de garantir condições a quem vem para Portugal, exemplificando, como já foi referido.
Ora, parecendo dar a mão à política da nova AD, neste aspeto, foi esta a parte do discurso mais aplaudida.
Sem apontar caminho, como a fixação de quotas para o número de imigrantes que o país pode acolher, Américo Aguiar afirmou não ser especialista na matéria, mas reforçou: “Como país, como nação, temos a obrigação de receber bem quem queremos acolher ou quem acolhemos e, para isso, temos de ter consciência daquilo que são as nossas capacidades, e dizer – não sei se anualmente, se é trimestral, não faço a mínima ideia – tornar claro, transparente, para todos saberem ao que vêm. Caso contrário, a avalanche permanente de homens e mulheres de todos os pontos do mundo acaba em exploração indigna e em situações muito graves.” Porém, defendeu que o Estado tem de “responder às expectativas que criou aos que cá estão, há muitos anos”.
Numa plateia com deputados, mais precisamente, com elementos dos grupos parlamentares dos dois partidos, lamentou, ainda, a deterioração da confiança entre eleitores e eleitos: “Aliás, chegámos ao ponto que se pensa ser uma mais-valia apresentar-se como não político. Eu aprendi que o político tinha a ver com a polis, o tratar da coisa pública, da cidade, é uma honra, é uma missão, não é uma coisa tóxica, não deve ser”, considerou, com toda a razão.
“Temos que trabalhar, deixar o Luís trabalhar, não é?”, deixou em tom de graça, a propósito do lema da campanha eleitoral da AD.
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Pelo que transpirou na comunicação social, o bispo foi cuidadoso na intervenção. Sem tentar melindrar, inutilmente, a plateia, não deixou de dizer as verdades, como lhe competia. Aí correu riscos, tal como os correu quem o convidou. Que a região de Setúbal precisava de quem fizesse ouvir a sua voz e requerer que lhe deem vez, é inteiramente verdade.
Do meu ponto de vista, o cardeal não precisava de dizer que não é especialista. Efetivamente, ninguém o convidou nessa qualidade. Possivelmente, até poderiam ter em mente instrumentalizá-lo, o que seria difícil. Não obstante, o bispo conhece os problemas da sua diocese e o curso de Teologia deu-lhe alargada visão da História e do Mundo atual.       
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No 24 Notícias, a 14 de julho, António Marujo, diretor do jornal digital 7Margens, traça uma espécie de guião, sugerido pela notícia, de 3 de julho, de que o prelado interviria naquelas jornadas. Não sei se o cardeal o terá lido, mas parece não ter andado longe dessas sugestões, obviamente, com a devida adequação ao contexto.    
Assim, António Marujo menciona as declarações de Eugénia Quaresma, responsável da Obra Católica Portuguesa das Migrações, ao 7Margens sobre dúvidas da constitucionalidade das pretensas alterações à Lei da Nacionalidade, nomeadamente, no quadro das restrições ao reagrupamento familiar, um direito fundamental, garante “de uma integração estável” e de uma política humanista digna desse nome, alertando: “Se o diploma permanecer como está, vai introduzir desigualdades e assimetrias dentro das próprias famílias. A capacidade de escuta e diálogo são cruciais, a bem da justiça e paz social.”
Segundo o articulista, os partidos que estão a favor das alterações recusaram ouvir as associações que representam os imigrantes; e, além de um bispo católico, os responsáveis parlamentares poderiam ter convidado também o xeque David Munir, imã da Mesquita Central de Lisboa, vaiado nas comemorações do 10 de Junho, o qual teria, certamente, “muito a dizer sobre o que um governo e um Parlamento podem fazer em favor da inclusão – incluindo de muitas pessoas que são portuguesas, mas cujo nome ou tom de pele as cataloga como estrangeiras”.
Lembra António Marujo que, a 1 de julho, as comissões Justiça e Paz (CJP) do país publicaram uma nota a defender que o combate à pobreza deve ser “um desígnio nacional prioritário” (o que não tem sido) e que “o Estado como um todo, a sociedade civil e as Igrejas e comunidades religiosas” se devem mobilizar em torno desse objetivo. Considerando que a pobreza é fenómeno estrutural, há décadas, em cerca de 20%, a declaração conjunta da Comissão Nacional Justiça e Paz, da Comissão Justiça, Paz e Ecologia dos Institutos Religiosos, e de comissões diocesanas Justiça e Paz do Algarve, de Aveiro, de Braga, de Évora, de Lamego, de Santarém, de Setúbal, de Viana do Castelo, de Vila Real e de Viseu, é relevante, quando “um novo governo inicia funções”.
Refere o diretor do 7Margens que, em março, o Observatório da Cáritas Portuguesa publicou o estudo “Pobreza e Exclusão Social em Portugal”, assinalando que, “embora, nos últimos anos, tenha havido alguma melhoria nos indicadores da privação material e social da população portuguesa, o ritmo do progresso é manifestamente insuficiente, para atingir as metas estabelecidas na Estratégia Nacional de Combate à Pobreza”.
Sobre outros temas, a nota das comissões Justiça e Paz recorda que “particularmente preocupante é a deterioração do acesso à habitação e da garantia de condições mínimas de vida dignas, com o aumento das pessoas sem-abrigo e de famílias a viver em condições claramente desadequadas”. Além disso, a 14 de julho, o Instituto Nacional de Estatística (INE) revelou que, entre 2023 e 2024, aumentou o número de pessoas que gastam quase metade dos seus rendimentos com a habitação. E, no dizer de António Marujo, poderia juntar-se “o bloqueio que muitos jovens sentem na hora de pensar em fazer família – não têm casa, os empregos são precários, o horizonte de vida é escasso”.
Por outro lado, aponta que a Igreja Católica e outras comunidades cristãs “insistem na importância da família”, mas “não se pode esquecer que todas essas condições – e desde logo, uma casa decente – são relevantes para que qualquer família possa viver de forma digna, saudável e justa”. Ora, não havendo casas, nem futuro para os mais novos, estes não podem “constituir família e aprender a pensar nos outros”; e não podem “as sociedades renovar-se, se se recusam possibilidades de futuro aos de ‘cá’ e se expulsam ou não se deixam vir as crianças dos de ‘fora’.”
Recentemente, a maioria de direita parlamentar recusou a petição de mais de sete mil subscritores dinamizada pela Obra Vicentina de Apoio aos Reclusos (OVAR) e pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), que solicitava amnistia para penas de prisão mais leves, para resolver ou atenuar “muitos dos problemas do sistema prisional” como a sobrelotação, a falta de condições de higiene e outros. E António Marujo recorda que foi o cardeal Américo Aguiar quase a única voz, entre os bispos (houve referências dos de Évora e Guarda) a falar da amnistia, a pretexto do Jubileu, a ponto de “entregar uma carta no Parlamento falando do tema”.
O diretor ao 7 Margens põe o dedo no “anunciado retrocesso no direito ao fim da violência obstétrica” e nos “gravíssimos problemas no acesso ao Serviço Nacional de Saúde”. Porém, assinala que a homilia do bispo de Viseu, a 13 de julho, na bênção dos finalistas do curso de Enfermagem, se ficou pelas referências ao “não ao aborto, à eutanásia e a outras formas de extermínio da pessoa humana”, olvidando que tal “extermínio” se dá “em todas as condições que, tantas vezes, não existem, para tanta gente, ao longo de toda a vida”.
Por fim, o articulista alvitrou a referência à falta de políticas de combate eficaz à violência doméstica ou à emergência climática, entre outros temas, e “nos quais a Igreja Católica e todos os crentes deveriam ter um papel ativo”. E trouxe à superfície o facto de Gaza e de a Ucrânia continuarem a ser questões geridas “em função de interesses armamentistas e não da busca da paz”, relevando que “nunca houve, da parte do episcopado, nenhuma reação às ideias que Nuno Caiado publicou, no 7Margens, como propostas “para sensibilizar os católicos e a sociedade portuguesa para a urgência da paz e da não-violência”.
E concluiu António Marujo que “imigração, nacionalidade, família e reagrupamento familiar, combate à pobreza, habitação, humanização das prisões, violência doméstica e obstétrica, clima, guerra e paz”, constituem “um bom guião para, a partir das intervenções dos papas, do pensamento social católico e do Evangelho”, o prelado dizer aos deputados algo importante.

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2025.07.16 – Louro de Carvalho


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