A 26 de junho, a Iniciativa Liberal (IL) anunciou que iria propor uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à gestão do Instituto Nacional de Emergência Médica INEM, na sequência do relatório da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS), que apontou falhas no serviço de emergência, na greve de novembro, das quais terá resultado a morte de algumas pessoas.
A este respeito, Mariana Leitão considerou “inadmissível” o Estado falhar, numa área que atinge, diretamente, a vida das pessoas, e que, só através de uma CPI, se conseguirá chegar, a fundo, “ao nível das responsabilidades políticas que também é preciso apurar nesta questão”.
Segundo a líder parlamentar e candidata à liderança IL, o partido decidiu avançar com a CPI, após ter “esgotado todos os mecanismos” que tinha à disposição, nas últimas legislaturas, e só assim poderá ir-se a fundo e perceber os problemas do INEM, apesar das promessas de alterações de sucessivos governos; pretende analisar o contexto do INEM, nos últimos cinco anos, sustentando que a situação se agravou, progressivamente, desde 2019, antes da pandemia; e propõe audições da ministra da Saúde, Ana Paula Martins, dos ex-ministros da Saúde, Marta Temido e Manuel Pizarro, bem como do presidente do Conselho Diretivo do INEM, Sérgio Janeiro, e dos antigos presidentes do INEM, Luís Meira e Vítor Almeida, e dos sindicatos do INEM.
Marina Leitão esperava contar com os votos de outros partidos para a CPI ser viabilizada, num repto ao Partido Social Democrata (PSD), ao partido do Chega e ao Partido Socialista (PS), pois estava certa de que vários grupos parlamentares representados na Assembleia da República (AR) e vários deputados únicos estariam solidários com a necessidade de resolver os problemas do INEM. Porém, escusou-se a defender a demissão de Ana Paula Martins, alvitrando que a governante, depois de ter dito que iria assumir todas as responsabilidades, deve, com o primeiro-ministro (PM), com base no relatório que também vai sair, fazer essa avaliação e verificar como “vão assumir essas responsabilidades”.
A proposta da IL refere que os “eventuais atrasos”, no atendimento, durante a greve de novembro do INEM, “levantaram dúvidas” sobre a possível relação entre a greve e a morte de utentes, sendo este mais um episódio que mostra “a clara falta de meios que o INEM tem para dar uma resposta adequada à população”, em “anos de má gestão que colocam em risco a vida dos utentes”.
A 7 de julho, o líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, revelou que o seu partido se absterá na votação da proposta da IL para a abertura da CPLI, sobre a situação do INEM, o que significará a sua aprovação. Também o PS anunciou a abstenção. Ao invés, o Chega e o Partido Comunista Português (PCP) anunciaram o voto favorável.
Hugo Soares, verificando que “esta legislatura tem cerca de um mês” e crendo que “já vamos para o terceiro projeto” de CPI, lamentou que se esteja “a banalizar” este instrumento parlamentar, mas ressalvou que não será pelo PSD que esta CPI não se realizará. Do ponto de vista do PSD, se for intenção da AR que a CPI apure o que tem sido o desinvestimento no INEM e o seu abandono, durante vários anos sucessivos, e se puder fazer até o paralelo com o investimento que se fez no INEM, no último ano, esta CPI “pode, então, ter razão de ser”. Ou seja, o objetivo do PSD, com a viabilização, será apontar responsabilidades aos governos socialistas.
Do seu lado, o PS, que ainda não tinha divulgado, em definitivo, o sentido do seu voto, sustentava que não se oporia à CPI, mas recusava que esta “desvie as atenções do essencial”. E, no dizer de Maria Antónia de Almeida Santos, o essencial é saber o que o PM “pensa disto, um ano depois de ter anunciado planos que falharam”, visto que “há questões do INEM e há o concurso do INEM que está em causa”, que é do último ano e “da inteira responsabilidade deste governo”.
Para aquela dirigente do PS, “são casos muito graves que se passam e não se pode criar esta sensação de que não há estruturas que possam, de alguma forma, responder ao socorro emergente e à emergência médica”.
Também Mariana Mortágua, coordenadora do Bloco de Esquerda (BE), anunciou que o seu partido votará a favor da proposta, para compreender uma “sucessão de incompetências que são partilhadas entre vários serviços e que têm uma ministra em comum, que é a ministra da Saúde”.
Com a aprovação garantida, a 9 de julho, pela abstenção do PSD e do PS, a CPI ao INEM – proposta pela IL – promete ser um jogo de “passa-culpas” entre as responsabilidades do atual governo e os do PS. O debate, na AR, foi exemplo disso, com a oposição a apontar o dedo aos dois lados, o PSD a criticar a “banalização” do instrumento da CPI e o PS a acusar a “total ausência de autoridade política” da ministra da Saúde, a grande ausente do debate.
Da esquerda à direita, os partidos lamentaram que o governo não tenha marcado presença na sessão parlamentar e que a titular da pasta da Saúde não assuma as devidas consequências políticas. “O que se passa com o INEM é, em muitos aspetos, um reflexo do que se passa na Saúde, em Portugal. Demasiadas promessas, poucas reformas, poucos resultados e demasiadas consequências para a vida das pessoas”, afirmou Joana Cordeiro, deputada da IL, frisando que o PS e o PSD têm “muitas responsabilidades” na atual situação do INEM.
O debate foi marcado por acusações mútuas entre o PS e o PSD e por farpas dos restantes partidos. Mariana Vieira da Silva defendeu que o INEM talvez “seja o maior exemplo da total ausência de autoridade política” da ministra da Saúde e garantiu que o PS está “totalmente disponível” para assumir todas as suas responsabilidades, pois, no último ano, dois ex-ministros da Saúde foram ouvidos, na AR, sobre o INEM. “O Partido Socialista está disponível para assumir as suas responsabilidades. O PSD e a Ministra da Saúde é que nunca estão”, carregou.
Miguel Guimarães, do PSD, criticou a “banalização” das CPI, usadas como “instrumentos de ataque político”, e considerou “precipitado” o avanço com uma CPI sobre o INEM. Contudo, o PSD abstém-se, para não contrariar a maioria e para mostrar que o plano de refundação do INEM “está a ser cumprido”. Já André Ventura, semiparceiro do executivo, acusou o PS e o PSD de “fugirem às responsabilidades”, vincando que o PS governou durante oito anos e agravou a situação do INEM, ao “colocar, antes, mais dinheiro” e “nomear cargos” de “boys” de um aparelho partidário para a Saúde, que, por sua vez, o PSD chegou ao governo e a ministra disse que retiraria consequências do relatório da IGAS, mas decidiu manter-se no cargo.
Pelo Livre, Paulo Muacho defendeu que o INEM tem sido “cronicamente subfinanciado” pelos sucessivos governos e que as “fragilidades” do serviço de emergência são muitas, com “falhas”, com “atrasos” e com falta de profissionais. E a comunista Paula Santos concordou que os problemas do INEM se arrastam, há vários anos, com os governos a sacudirem responsabilidades e a atirarem para o executivo seguinte.
Mariana Mortágua, reconhecendo que há falta de meios no INEM, explicou o voto a favorável do BE, para tentar identificar também as situações de “incúria” e de “irresponsabilidade”, como as que surgiram, agora, pelos concursos dos helicópteros, que vêm atrasados dos governos do PSD e do PS. Também a deputada Inês Sousa de Sousa Real, do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN), votou a favor, lamentando relatos “perturbadores” de cidadãos, sobre falhas na emergência médica, e o deputado Filipe Sousa, do partido Juntos pelo Povo (JPP), votou a favor, sustentando que a CPI deve esclarecer alegadas falhas na resposta do INEM, face à “carência de meios humanos” e “materiais”.
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Em
todo este debate, ressalta, quiçá como panaceia, a ideia da refundação do INEM
que o PSD anunciou e que, pela voz de Miguel Guimarães, diz estar a cumprir.Na verdade, a 11 de dezembro de 2024, a ministra da Saúde, que tinha prometido, em resposta à crise, a refundação do INEM, sustentou que tal refundação passará por este se tornar um instituto público de regime especial, por ter o conselho diretivo reforçado com mais elementos e por ter representantes dos bombeiros e Cruz Vermelha na comissão técnica e científica.
Ana Paula Martins, que falava na Comissão Parlamentar de Saúde, onde foi ouvida sobre a refundação do INEM, a pedido do BE, sustentou que a alteração da lei orgânica a fazer servirá para que o instituto seja visto como autoridade nacional de emergência médica, reforçando o seu papel de regulador e de gestor do Sistema Integrado de Emergência Médica (SIEM).
A governante revelou que, na sua ótica, a composição Conselho Diretivo do INEM terá três elementos (presidente e dois vogais) e garantiu, em resposta ao então deputado do PS João Paulo Correia, que “o governo não vai privatizar o CODU [Centro de Orientação de Doentes Urgentes]”.
Sobre o concurso para o serviço de transporte aéreo de doentes, avançou que o concurso internacional, já lançado, mereceu o interesse de, pelo menos, cinco empresas, que as propostas serão abertas e que será feita a seleção até ao final do ano (de 2024) – uma muito diferença grande, “porque os valores em causa não são, significativamente, maiores e não correspondem ao que tinha sido pedido pelas empresas que se tinham candidatado”, afirmou a responsável governamental.
Entretanto, pelo Despacho n.º 3169/2025, de 12 de março, foi criada, pelo governo, uma comissão técnica independente (CTI), com o objetivo de estudar, analisar e enquadrar as competências legais do INEM – Instituto Nacional de Emergência Médica, I. P.
Nos termos do diploma, assinado pelo ministro de Estado e das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, e pela ministra da saúde, Ana Paula Martins, os trabalhos da comissão, liderada pela juíza conselheira jubilada Leonor Furtado, devem estar concluídos no prazo de nove meses. Ou seja, esta CTI – mais uma comissão independente nomeada pelo governo, a quem deve prestar contas (bela independência!) – tem um prazo de nove meses para apresentar uma proposta de reorganização do INEM, ou de refundação, no dizer da titular da pasta da Saúde, de cuja tutela depende, diretamente o INEM. Tal refundação deve-se à carência de recursos humanos e a alegadas falhas no socorro à população.
A reforma do SIEM, prevista no Programa do Governo para a modernização do Serviço Nacional de Saúde (SNS), implica uma reestruturação do INEM, reforçando as suas atribuições dentro do SIEM e “segregação das suas competências regulatórias”.
No início de janeiro, o Ministério da Saúde anunciou que a CTI, a criar, seria presidida por Leonor Furtado juíza conselheira jubilada, cuja nomeação foi aprovada, por unanimidade, pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM) e teria mais oito elementos oriundos do nundo académico (áreas da Economia, da Gestão, do Direito, da Sociologia, da Medicina, da Informática e das Forças Armadas).
Nos termos do despacho em referência, a CTI integra, além dos membros que a compõem, “equipas de trabalho constituídos por técnicos com formação e qualificações adequadas ao desenvolvimento do seu trabalho, com recurso à colaboração de entidades externas”; a presidente da CTI pode solicitar a colaboração de entidades externas, de peritos e / ou especialistas, sempre que se revele necessário, para o cumprimento da sua missão e funções; o apoio logístico e administrativo necessário ao regular funcionamento da CTI “é providenciado e assegurado pela Secretaria-Geral do Ministério da Saúde”; e as despesas decorrentes do funcionamento e emergentes das atividades que se reputem adequadas ao exercício das funções da comissão são suportadas pelo orçamento do Ministério da Saúde.
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Há
governantes que fazem reformas com a mudança de designação das instituições e
dos organismos que perderam credibilidade, caso de Marcello Caetano; outros,
como Cavaco Silva, reformaram, passando direções-gerais a institutos e a
departamentos e criando direções regionais; outros, como Passos Coelho (este
acabou com os governos civis, sem extinguir os distritos), passaram institutos
a entidades independentes, serviços a autoridade, e direções regionais a
direções-gerais; outros, como António Costa, mantiveram comissões regionais,
mas reforçaram-nas com eleições acertadas entre o PS e o PSD, ou usaram outros
artifícios para reformar. O atual governo reforma, enunciando pacotes de medidas.Todos,
porém, reformam, pondo “boys” competentes nos lugares-chave do Estado!
O
governo da nova AD (Aliança Democrática) não reestrutura, pois isso resume-se a
extinguir balcões, a dispensar pessoal e agravar as condições dos utentes,
clientes ou pacientes (frequentar serviços públicos requer muita paciência,
vontade de não ser cliente e pouca facilidade de ser utente). No caso do INEM,
porque há problemas, falta de meios e falta de pessoal, optou-se pela refundação.
Ora, uma refundação, à partida, implica demolir e reconstruir ou refundar sobre os escombros ou sobre novos alicerces. Ora, uma instituição que mexe com a vida humana, não se destrói, não se refunda, porque tem de manter-se no sistema de evolução na continuidade. Alterar a lei orgânica do INEM, recompor os seus órgãos diretivos e consultivos, dar-lhe novas competências, mais meios humanos, técnicos, financeiros e logísticos, bem como autonomia responsável, era o bastante e o desejável. O resto é premonitório de que se altera cosmética e tudo fica na mesma. Já estamos habituados.
Devo lembrar que a refundação é uma medida excecional e rara. Por exemplo, temos várias universidades que assumiram o estatuto jurídico de fundação (com nova orgânica), e ninguém falou em refundação; duas universidades, em Lisboa, fundiram-se numa só, e ninguém falou em refundação; agregaram-se escolas e freguesias, e ninguém falou em refundação (em qualquer um dos casos se propalava que as entidades agregadas mantinham a sua identidade e sua cultura, ainda que muitos tenham esquecido tais pressupostos). Nem Portugal foi refundado, em 1640 (restaurou a sua independência política de facto, que não de jure, pois nunca a perdeu), nem com a revolução liberal (os súbditos passaram a cidadãos), nem com a revolução republicana, nem com o Movimento de 28 de Maio, nem com a Revolução dos Cravos. Portugal é o mesmo, ainda que mudem as suas instituições.
Por isso, refundar o INEM é desnecessário, inútil e absurdo. As pessoas que precisam não têm paciência para aturar este tipo de políticas, que só mascaram a falta de vontade política.
Ora, uma refundação, à partida, implica demolir e reconstruir ou refundar sobre os escombros ou sobre novos alicerces. Ora, uma instituição que mexe com a vida humana, não se destrói, não se refunda, porque tem de manter-se no sistema de evolução na continuidade. Alterar a lei orgânica do INEM, recompor os seus órgãos diretivos e consultivos, dar-lhe novas competências, mais meios humanos, técnicos, financeiros e logísticos, bem como autonomia responsável, era o bastante e o desejável. O resto é premonitório de que se altera cosmética e tudo fica na mesma. Já estamos habituados.
Devo lembrar que a refundação é uma medida excecional e rara. Por exemplo, temos várias universidades que assumiram o estatuto jurídico de fundação (com nova orgânica), e ninguém falou em refundação; duas universidades, em Lisboa, fundiram-se numa só, e ninguém falou em refundação; agregaram-se escolas e freguesias, e ninguém falou em refundação (em qualquer um dos casos se propalava que as entidades agregadas mantinham a sua identidade e sua cultura, ainda que muitos tenham esquecido tais pressupostos). Nem Portugal foi refundado, em 1640 (restaurou a sua independência política de facto, que não de jure, pois nunca a perdeu), nem com a revolução liberal (os súbditos passaram a cidadãos), nem com a revolução republicana, nem com o Movimento de 28 de Maio, nem com a Revolução dos Cravos. Portugal é o mesmo, ainda que mudem as suas instituições.
Por isso, refundar o INEM é desnecessário, inútil e absurdo. As pessoas que precisam não têm paciência para aturar este tipo de políticas, que só mascaram a falta de vontade política.
2025.07.10 – Louro de Carvalho
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