A lei também obriga a que os pedidos de autorização de residência sejam feitos fora de território nacional. Até agora, havia uma possibilidade para os cidadãos de países que não precisavam de visto de entrada.
As alterações à lei foram apresentadas pelo governo de coligação de direita – formada pelo Partido Social Democrata (PSD) e pelo partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP) –, tendo também incorporado algumas alterações propostas pelo partido Chega.
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Em
relação às prometidas e polémicas alterações à Lei da Nacionalidade, o PSD
aceitou abrir um período de audições até setembro, antes da votação final do
diploma, mas avisa que este não se pode estender para lá da conclusão do
processo legislativo do Orçamento de Estado para 2026.
No âmbito da discussão em comissão
parlamentar, a 9 de julho, o PSD aceitou abrir um período de audições, a realizar
até ao fim da terceira semana de setembro. A decisão ocorre após
terem sido rejeitadas, pela direita, audições de associações que representam
imigrantes propostas pela esquerda, no âmbito da Lei da Nacionalidade.
No dia 4, a proposta de lei, que aumenta
o período de permanência, em Portugal, para a obtenção da cidadania – de cinco
para sete ou 10 anos, consoante se trate de cidadãos lusófonos ou não lusófonos
–, baixou à fase de especialidade, sem votação na generalidade.
O diploma prevê, ainda, a
possibilidade da perda da nacionalidade para os naturalizados, há menos de 10
anos e que sejam condenados a pena de prisão efetiva igual ou superior a cinco
anos, pela prática de crimes graves. Quanto à atribuição de nacionalidade
originária a descendentes de estrangeiros residentes em Portugal, passa a
exigir-se a residência legal durante três anos.
No debate na generalidade, foram
levantadas dúvidas quanto à constitucionalidade da proposta,
nomeadamente, em questões como a possibilidade de perda da nacionalidade obtida
por naturalização e por decisão judicial, em caso de condenação por crimes, bem
como sobre o efeito retroativo da medida, já que pessoas que reúnem,
hoje, os requisitos para requerer a nacionalidade deixarão de o fazer, podendo
estar em causa a violação do princípio da proteção de confiança, que protege os
cidadãos, face a mudanças inesperadas e arbitrárias nas leis.
Das 41393 pessoas que receberam
passaporte português, em 2023, os mais representados foram os Israelitas, com
16377 cidadãos. De todos os novos portugueses, 40% são descendentes de
judeus sefarditas. Do número total de estrangeiros
naturalizados naquele ano, 24408 não vivem no país, ou seja, 60% dos cidadãos
estrangeiros que adquiriram a nacionalidade portuguesa vivem fora de Portugal.
A tendência que se tem verificado,
desde 2021, de que há mais estrangeiros a viver no estrangeiro a adquirir
nacionalidade do que os que residem em Portugal, será revertida, se as
alterações à Lei da Nacionalidade se materializarem. A proposta também pretende
a revogação
da naturalização dos descendentes de sefarditas, medida
aprovada, unanimemente, em 2013.
Nos últimos anos, este regime tem
estado envolto em polémica por suspeitas de ser usado, de forma fraudulenta,
por pessoas sem ligação ao país, mesmo que ancestral.
Depois dos cidadãos israelitas, o segundo lugar é ocupado
por brasileiros, que representam 23,5% de todos os casos
de 2023, seguido, com grande diferença, por cabo-verdianos (4,3%) e ucranianos
(3,5%). Um total de 2795 cidadãos do Nepal (1156), da Índia (776), do Bangladesh
(513) e do Paquistão (350) obteve a nacionalidade portuguesa.
Apenas um quarto de todas as nacionalidades adquiridas
foi concedida a estrangeiros que residiam em Portugal, há pelo menos seis anos
– os tais que serão afetados pela mudança da lei. Destes a viver em Portugal,
30% são de países de Língua Portuguesa, como o Brasil e Cabo Verde.
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A
nacionalidade portuguesa passa a ser das mais difíceis de obter na Europa. Na
verdade, a proposta do governo representa uma mudança substancial no regime
atual, colocando Portugal entre os países europeus com critérios mais exigentes para
aquisição da cidadania por naturalização. Esta alteração afasta Portugal da média
europeia, que tende a variar entre os cinco e os sete
anos. Por exemplo, a França, a Bélgica, a Finlândia, a Irlanda e a
Suécia, mantêm o requisito mínimo dos cinco anos,
enquanto a Alemanha admite a naturalização, ao fim de cinco anos ou
mesmo três, caso haja demonstração de forte integração. E a Espanha exige 10 anos,
embora com redução para dois, no caso de cidadãos de países da América Latina.
No atinente ao conhecimento da Língua
e da Cultura, a proposta visa reforçar os critérios de integração, com a
introdução de um exame que abrange a proficiência linguística de nível A2 (básico),
exigido atualmente, e conhecimentos de Cultura, de História e dos direitos
fundamentais da República. É uma orientação que aproxima o país das práticas de
países, como França e a Alemanha, que exigem conhecimentos mais
aprofundados. O nível de exigência linguística francês pode equivaler ao B1
(intermédio) ou B2 (avançado), enquanto na Alemanha o B1 é obrigatório, a par
do exame de integração. E a Espanha exige um teste de Língua
(também B1) e uma prova cultural, que avalia conhecimentos
constitucionais e socioculturais.
Outro ponto controverso nas propostas
são os critérios aplicados às crianças nascidas em solo português. Filhos de
pais estrangeiros deixam de adquirir a nacionalidade, de forma automática, e só
podem aceder à nacionalidade, se, pelo menos, um dos progenitores residir
legalmente no país, há pelo menos três anos, e for feito um pedido formal.
Esta alteração
contrasta com modelos, como o francês, onde a nacionalidade
pode ser adquirida, automaticamente, aos 18 anos, caso o jovem tenha residido
em França, durante, pelo menos, cinco anos. A Alemanha concede
nacionalidade no nascimento a filhos de estrangeiros, desde que, pelo menos, um
dos progenitores resida legalmente no país, há cinco anos, e possua autorização
de residência permanente. A naturalização por nascimento em território, na Espanha e na Itália, depende
de múltiplas condições, sendo raramente automática. A aquisição
de nacionalidade através do mecanismo do reagrupamento familiar sofre um
reforço de critérios substancial, o que levou os críticos a acusarem o governo
de querer separar famílias.
As novas regras exigem dois anos de
residência legal do requerente para que o direito ao reagrupamento familiar
possa ser exercido. Além disso, passa a restringir-se o reagrupamento de
pessoas que estejam em território nacional a menores. Os maiores terão de o
pedir fora do território nacional e de sujeitar-se a deferimento pelas
autoridades portuguesas. É obrigatória prova de meios de subsistência, sem
incluir prestações sociais, e alojamentos adequados. E os menores têm de
frequentar o ensino obrigatório.
Quanto à possibilidade de revogação
da nacionalidade, por motivos de segurança ou por criminalidade grave, prevê-se
a retirada da cidadania a naturalizados que cometam crimes particularmente
graves, como homicídio ou terrorismo. A medida tem paralelo em diversos países
europeus: a França, a Alemanha e a Espanha têm disposições similares para
casos de ameaça à segurança nacional, sobretudo, se os indivíduos mantêm dupla
nacionalidade.
Relativamente a descendentes de judeus
sefarditas. Portugal tinha um dos regimes mais generosos da Europa, aceitando a
naturalização sem exigência de residência para os que demonstrassem ligação a
comunidades sefarditas expulsas no século XV. Em Espanha, mecanismo semelhante
acabou em 2021. A generalidade dos países da União Europeia (UE) não dispõe de regimes
análogos.
Em contraste com o endurecimento
europeu, em Itália, decorreu um referendo para reduzir de 10 para cinco anos o
tempo de residência exigido para a naturalização. Apesar de a maioria (65%) dos
votantes ter optado pela diminuição do prazo, a consulta falhou, por baixa
participação: apenas cerca de 30% dos eleitores compareceram.
As novas medidas afastam-se da posição de abertura dos
últimos anos e colocam Portugal num patamar de exigência superior ao de muitos dos parceiros
europeus. A serem aprovadas, as alterações tornam mais difícil
receber um dos passaportes mais valiosos do Mundo do que permitir viajar, sem
visto, para 189 países.
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O
Sindicato dos Trabalhadores dos Registos e do Notariado (STRN) considera que,
após as alterações à Lei da Nacionalidade, não há capacidade para responder à procura
nas conservatórias.
Bastou o anúncio de alterações à lei,
para se desencadear uma “corrida às conservatórias”, para
submissão de novos pedidos, a juntar aos 700 mil já pendentes, alertou o STRN.
De acordo com o sindicato, o
crescimento no número de novo pedidos é transversal a todo o território,
ocorrendo tanto nas submissões online –
feitas por advogados e por solicitadores – como presencialmente, nos postos de
atendimento: Conservatória dos Registos Centrais, Arquivo Central do Porto e
restantes Conservatórias do Registo Civil em todo o território nacional.
“A autêntica corrida às conservatórias está a exercer
uma pressão insustentável sobre serviços que já se encontravam em situação de
rutura, agravada por uma carência crítica de recursos humanos,
estimada em cerca de 40% abaixo das necessidades reais”, denunciou o STRN.
Segundo o STRN, faltam 266 conservadores de registos e os 120 em formação apenas estarão aptos para entrar em serviço, no final de 2026. Faltam 1867 oficiais de registos, tendo sido preenchida apenas metade das 240 vagas recentemente levadas a concurso, “devido à falta de atratividade das carreiras”, a que se juntam as dezenas de aposentações, a cada mês.
O STRN prevê que as férias dos funcionários sejam fator de agravamento das pendências, no período de verão. E menciona “constrangimentos tecnológicos”, visto que “a plataforma informática criada para submissão desmaterializada dos pedidos de nacionalidade, financiada pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), apresenta falhas graves”, sem solução à vista, e porque a interoperabilidade com a AIMA continua a funcionar com sérias limitações.
“Apesar dos esforços incansáveis dos conservadores e oficiais de registos, está a tornar-se humanamente impossível conter os atrasos e o número de processos pendentes continua a aumentar de forma dramática”, reforçou o STRN.
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Digo isto, porque o TC, se verificar algum segmento de inconstitucionalidade ou de ilegalidade (e haverá) na Lei de Estrangeiros já aprovada ou na futura nova Lei da Nacionalidade, fica-se pelos mínimos, pois, como é óbvio, não julga a bondade das leis. Já o PR tem a possibilidade de fazer um juízo político e de ponderar se o debate foi suficientemente claro e tão consensual quanto possível. E, ainda que a AR viesse a confirmar os diplomas, com a maioria constitucional requerida, o país teria uma voz política a defender os princípios do humanismo, da dignidade humana, do personalismo (valores do PSD de Sá Carneiro e seu), do Portugal plúrimo que sabe acolher e integrar; e, sem negar a legitimidade da vontade das maiorias, a sustentar o dever de respeito pelas minorias, pelo seu direito à vida, à família (o que os tradicionais partidos amigos da família olvidam), ao trabalho e à convivência social.
2025.07.17 – Louro de Carvalho
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