A 21 de julho, vários órgãos de comunicação
social (CS) deram vez e voz a um comunicado da Associação Comercial do Porto (ACP-CCIP), segundo o qual o ex-primeiro-ministro
e ex-presidente do Partido Social Democrata (PSD) Passos Coelho, o ex-deputado
socialista Sérgio Sousa Pinto e o presidente da ACP-CCIP, Nuno Botelho, coordenam um estudo sobre a reforma do sistema
político, que
envolve a Católica Porto Business School e a Faculdade de Economia da
Universidade do Porto e que será apresentado no último trimestre de 2026.
Segundo a ACP-CCIP, este é um de dois estudos de interesse estratégico
nacional, para avaliar a necessidade de
reforma do sistema político e dos cargos de titulares de órgãos de
soberania, pretendendo a associação contribuir para alargada reflexão sobre o
funcionamento da democracia representativa, através da discussão de temas
centrais, como a qualidade da representação, os mecanismos de responsabilização
política e a capacidade das instituições para responderem às exigências sociais
e económicas contemporâneas. Já o
segundo estudo analisará, de forma abrangente, as reformas estruturais consideradas
determinantes para a superação de bloqueios persistentes à modernização do país,
na vertente económica e na administração do Estado. “A constituição desta
equipa espelha a ambição de garantir pluralidade de perspetivas, profundidade
analítica e legitimidade no debate democrático”, vinca o referido comunicado.
Nuno Botelho sustenta que estes
estudos “são de elevada relevância para o presente e futuro” da nossa democracia,
ao procurar, de modo rigoroso e independente, “identificar os principais
bloqueios e potenciais caminhos para a reforma do nosso sistema político e
mecanismos de modernização do Estado”. Por outro lado, na ótica da ACP-CCIP, a
elaboração destes estudos está integrada nas prioridades delineadas para o novo
mandato da direção, afirmando o compromisso da instituição com a produção de
conhecimento rigoroso e com a qualificação do debate público em áreas
estruturantes para o desenvolvimento do país.
***
A modo telegráfico, devo dizer que, concorde-se ou não com o atual governo,
é preciso dar tempo a que dê resultados (suficientes ou não) a reforma do
Estado em curso, a cargo do respetivo grupo de trabalho, nos termos do Despacho
n.º 8479/2025, de 23 de julho, que altera
o Despacho n.º 9075-A/2024, que estabelece o grupo de trabalho com a missão de
preparar e executar a reforma orgânica e funcional da Administração Pública (AP),
o qual vem na sequência do Despacho n.º 13583/2024, de 18 de
novembro, que cria o grupo de trabalho da gestão de mudança e
comunicação para a Reforma da Administração Pública – o qual surge na sequência
do Despacho n.º 14408/2022, de 16 de dezembro, que cria
um grupo de trabalho com a missão de executar a reforma funcional e orgânica da
AP, prevista no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Isto é, a reforma do
Estado, com esta designação ou com a de reforma administrativa ou de
modernização, já vem de longe. O primeiro titular da pasta ministerial da
Reforma Administrativa foi Rui Pena, no II Governo Constitucional.
***
É de recordar que, para a reforma do sistema
político, a Associação para o Desenvolvimento Económico e
Social (SEDES) publicou o estudo “Reforma do Sistema Político
/ Definição Administrativa do Território”, do grupo de trabalho Finanças Públicas, coordenado
Henrique Monteiro (jornalista e membro
do Conselho Coordenador da SEDES) e por Miguel Poiares Maduro (ex-ministro Adjunto e do Desenvolvimento
Regional e especialista em Direito Constitucional e em Direito
da União Europeia), e cujo relator foi Luis Archer, advogado.
Em
21 páginas, o grupo identificou sete dimensões de ação reformista, devendo cada
uma constituir-se em painel de discussão no Congresso da SEDES: recentrar o
Parlamento, credibilizar AP, escrutinar poder executivo e reequacionar a
relação entre os poderes executivo, legislativo e judicial; ativar a cidadania
política, pela reforma do sistema eleitoral; modernizar e abrir os partidos
políticos, pela reforma da Lei dos Partidos Políticos, da Lei do Financiamento
Partidário e do Estatuto dos Deputados; desconcentrar o poder nacional, pela
descentralização política e administrativa; democratizar o poder local, pela
reforma das autarquias locais; proteger a pluralidade, pela reforma do quadro
regulatório da comunicação social; e sustentar a transição intergeracional,
reformando os mecanismos de transição geracional.
No âmbito da reequação
da relação entre os poderes, foi apontada a necessidade de aprofundar a
separação e a independência dos poderes, designadamente, “uma separação clara
entre as magistraturas e o exercício de cargos na administração pública,
incluindo os de nomeação”, de modo a não haver porta giratória entre um setor
do poder e o outro. O magistrado, para concorrer a um cargo da administração
pública, deve renunciar à magistratura. E, a evitar a permeabilidade entre os
órgãos de soberania e as entidades reguladoras, propôs-se um período de dois
anos, antes da possível a nomeação de ex-governantes para qualquer função em
entidade reguladora, bem como a proibição de, nos 24 meses subsequentes ao
exercício de tais funções, voltar a desempenhar cargos no governo ou como
deputado à Assembleia da República (AR).
Foi
relevado o papel central da AR, que deve ter maior peso decisório e operante,
tornando-se o “centro da decisão e do escrutínio democrático”. Assim, devem ser
revisitados os artigos 164.º e 165.º da Constituição, para reequilibrar as
reservas absolutas e relativas de competência legislativa, visando a diminuição
das possibilidades de autorização legislativa concedidas ao governo e
procurando criar condições para assegurar o primado efetivo da AR. Além disso,
é pertinente discutir a continuidade do atual desenho constitucional de
concorrência legislativa entre a AR e o governo – algo sui generis, no quadro europeu e dos países democráticos, em geral
–, tal como é de exigir que os membros do governo sejam escolhidos de entre
deputados eleitos, assegurando que os cidadãos votam nos seus governantes, o
que implica uma reforma mais ampla dos mecanismos de recrutamento e de seleção
da classe política (incluindo os deputados).
A
AR deve ser chamada, não só a discutir, mas também a aprovar o programa de
governo, cujo incumprimento pode constituir motivo para apresentação de moção
de censura. E, não obtendo um partido maioria absoluta em eleições legislativas,
o partido que forme governo apresentará o programa de governo de coligação para
quatro anos, ao invés de negociações pontuais e anuais com os demais partidos.
Por outro lado, é necessário submeter à AR, através de audições parlamentares
e, nalguns casos, de aprovação por maioria simples, as nomeações políticas mais
relevantes, como a dos principais dirigentes de entidades dotadas de
personalidade jurídica e de autonomia administrativa e financeira, ou de
entidades reguladoras, neste caso, na sequência de proposta do Presidente da
República (PR). Consequentemente, os nomeados prestarão contas, anualmente, à
AR e os orçamentos das respetivas entidades a ser aprovados autonomamente, devendo
ser feita a prestação anual de contas. E deve valorizar-se as petições legislativas,
oriundas de assembleias de organizações, de modo a poderem converter-se em propostas
de lei.
É
necessário estender a legislação que proíbe nomeações familiares diretas a
familiares indiretos, ao poder local e a todas as entidades públicas, bem como
reduzir as instâncias de nomeação feitas por um só detentor de funções
públicas.
Propôs-se
o reforço de meios de órgãos de fiscalização e de supervisão como a Comissão de
Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (CReSAP) e as inspeções-gerais.
A CReSAP deve assumir papel central na transição entre o atual sistema de
nomeações políticas (em substituição), ao longo de um período mais longo do que
uma legislatura, conduzindo o processo de nomeação, através de concursos
públicos abertos de todos os cargos dirigentes de 1.º Grau na AP, com avaliação
prévia à idoneidade da pessoa a indigitar. Neste sentido, a constituição de
júris da CReSAP deve obedecer a critérios mais rígidos que garantam maior
independência das suas decisões.
Promovendo
o papel presidencial, defendeu-se maior intervenção do PR na regulação e na
justiça, cabendo este indicar à AR proposta para presidentes das autoridades reguladoras,
bem como nomear o procurador-geral da República (PGR) e o governador do Banco
de Portugal (BdP), com vista ao reforço da independência dessas entidades e
instituições, face ao executivo.
Quanto
ao combate à corrupção, defendeu-se a implementação incondicional das
recomendações do Group of States Against Corruption (GRECO). E, para reforçar a
cultura de transparência na ação governativa, devem tomar-se medidas simples,
mas importantes, como a publicação das atas do conselho de ministros e das
agendas de reuniões de todos os membros do governo na respetiva página da Internet, identificando os temas e os participantes.
É imperiosa a redução do pessoal político nos gabinetes ministeriais, que devem
reforçar a sua articulação real e efetiva com institutos, agências, direções-gerais
e secretarias-gerais, a cargo do respetivo ministério, robustecendo as suas
capacidades técnicas. É de promover a regulamentação do lobbying, a partir de amplo debate desencadeado pela AR. Com vista
à formação dos altos quadros da AP, é importante reativar, com mais meios e em
rede com Universidades, o Instituto Nacional de Administração (INA); e, para os
reter, há
que dotar os cargos
de direção de melhores salários. No
âmbito da reforma do sistema eleitoral, há que prover à adoção de círculos
uninominais locais e de um círculo de dimensão nacional, bem como à criação de
uma câmara alta parlamentar. Além disso, é de eliminar o dia de reflexão e de alargar
do período de votação para dois dias (domingo e sábado) ou outros dias da
semana, para garantir, em absoluto, a integridade do ato eleitoral ou o voto eletrónico,
bem como estender o direito de voto aos maiores de 16 anos.
Sobre
partidos políticos, propõe-se a sua reforma, mormente, no investimento em estruturas
de formação e de produção de saber, que deverão atrair 25% do financiamento dos
partidos, o que levará à revisão da Lei do Financiamento Partidário. É
necessário analisar o impacto da realização de eleições primárias abertas, na
escolha dos líderes dos partidos. E é imperativo cada partido implementar a sua
comissão de ética e melhorar o seu sistema jurisdicional interno.
Quanto
ao estatuto dos deputados, sobretudo, no atinente à exclusividade no exercício
de funções, nos casos em que a profissão de origem seja regulada por ordem
profissional, “por forma a mitigar conflitos de interesses e evitar
promiscuidade com funções exercidas” fora da AR, urge o aumento substancial da
remuneração, com o intuito de tornar a função mais atrativa para mais cidadãos
e de dissuadir os seus titulares de atitudes e comportamentos prejudiciais ao
exercício da política. Além disso, é de restabelecer o subsídio de reintegração,
quando o deputado cessa funções.
No
respeitante à desconcentração e à descentralização, considerou-se exigível um
processo de descentralização significativa para estruturas regionais e locais
de governação, com mais clara e objetiva arquitetura de governação subnacional,
a nível da assunção das despesas públicas e da promoção do emprego público, e devendo
ser implementadas medidas de descentralização administrativa, política e
fiscal, a par da aposta clara na desconcentração de serviços.
Reconheceu-se
a importância de incentivar a partilha de serviços entre municípios,
aprofundando as práticas de cooperação intermunicipal e promovendo as
necessárias economias de escala, por via da iniciativa local. Todas as novas agências /
estruturas / serviços da Administração central sejam instalados fora da Área
Metropolitana de Lisboa. E é essencial maior alinhamento entre divisões administrativas
– região autónoma, comissão de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR), nomenclatura de unidades territoriais para fins estatísticos
(NUTS), área metropolitana (AM), comunidade intermunicipal (CIM, etc. –
e círculos eleitorais para a AR.
Quanto
ao poder local, entende-se que o presidente da câmara municipal (PCM) tem
demasiado poder, não havendo forma de o moderar ou de o destituir, a não ser
por via judicial. Por isso, defendia-se a possibilidade de destituição política
do PCM por maioria qualificada dos membros da assembleia municipal (AM) (nunca
inferior a 50%, para evitar casos de arbitrariedade ou de oportunismo político)
através de moção de censura parte dos membros eleitos diretamente. Além disso,
é desejável um modelo de organização política autárquica em que o executivo
resulte da maioria eleita na AM, abolindo-se as listas para a CM.
No
quadro da proteção da pluralidade e no âmbito da proteção contra a desinformação,
considerou-se desejável que as universidades, no âmbito dos cursos e centros de
investigação, na área da CS, desenvolvam, com financiamento especial,
observatórios académicos da qualidade da informação prestada pelos órgãos de
CS. E o Estado “deve possuir meios de CS públicos, que prestem um serviço
público e complementem os privados, independentes do poder executivo, e sem
objetivos concorrenciais, face aos meios privados”, o que requer “o fim da
publicidade nos meios públicos de CS”.
Propôs-se
a dedução, em sede do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS)
dos gastos com informação (assinatura de jornais, de revistas, de streaming, etc.); a doação de parte do
valor do IRS para a CS, incluindo a imprensa local; a incorporação na política
externa e europeia da defesa da fixação dos impostos dos GAFA (Google, Amazon,
Facebook e Apple), além de outros que surjam”. Pediu-se eliminação do
financiamento público direto (incluindo de autarquias locais e de empresas
públicas) da CS, com exceção do financiamento do serviço público de rádio e
televisão. E sugeriu-se que se impeça quem escolheu nova carreira de assessoria
de comunicação no governo ou na CM, de regressar, de imediato, ao jornalismo.
Finalmente,
quanto à transição intergeracional, julgou-se necessário facilitar a
constituição de organizações juvenis com independência e autonomia,
conferindo-lhes, mediante a aplicação de rigorosos critérios objetivos, apoio
financeiro e logístico. Também se considerou que a Educação para a Cidadania
deve reforçar as componentes políticas, abordando temas como os sistemas
políticos e de governo, a importância da participação cívica e da
responsabilidade política, perante os concidadãos, a gestão transparente de
recursos públicos, o estado de direito democrático, e ser orientada para que os
jovens desenvolvam um pensamento crítico, face a temas da atualidade. Além
disso, julgou-se relevante a implementação efetiva do conselho municipal de juventude
em todos os municípios, como órgão consultivo do executivo municipal e com
capacidade para realizar ações de formação e de sensibilização política e
social, nos estabelecimentos de ensino do concelho, sempre em estreita
colaboração com eleitos locais.
***
Pelos
vistos, não falta estudo para a reforma do sistema político, o que falta é
levá-la a cabo. Não obstante, a direção da ACP-CCIP precisa de mostrar trabalho, que pode ser
útil, embora, do meu ponto de vista, não tenha escolhido bem os coordenadores (alinhados
com a onda de direita radical), exceto o seu presidente. E não sei se o novo
grupo de trabalho optará pela valorização da AR e do reforço dos poderes do PR,
que mantém, indevidamente, um poder discricionário de dissolução da AR e pode condicionar
a agenda política da AR e do governo.
2025.07.23 – Louro de Carvalho
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