Em
comunicado de 29 de julho, o Ministério
da Defesa Nacional (MDN) anunciou que o governo formalizou, em Bruxelas, a
manifestação de interesse para aderir ao programa Security Action for Europe (SAFE), o instrumento de ação para a segurança na Europa, ou seja, o
programa de empréstimos da Comissão Europeia para rearmar a Europa.
Nesse sentido,
o país pretende liderar dois processos de contratação conjunta com outros
estados-membros da União Europeia (UE), para a
compra de equipamento militar, constituindo esta uma das formas de se aproximar,
gradualmente, do cumprimento da meta acordada, no âmbito da Organização do
Tratado do Atlântico Norte (NATO), do orçamento de 5% do produto interno bruto
(PIB) no setor da Defesa. E, segundo o Comissário da
Defesa e do Espaço, Andrius Kubilius, o
SAFE “não é apenas um instrumento financeiro”, mas é “um compromisso político
com uma Europa mais segura, mais capaz e mais unida”.
Ora, Portugal tem de passar de um “bom aluno” da UE a interveniente
e cooperante.
Embora o governo não tenha revelado a natureza
dos projetos apresentados, nem os montantes necessários, garante a cobertura
dos três ramos das Forças Armadas, abrangendo necessidades, como “munições,
sistemas de satélites, sistemas terrestres, plataformas navais, sistemas não
tripulados e outras capacidades”, em alinhamento próximo do que defendia o
almirante Gouveia e Melo, enquanto desempenhava o cargo de chefe do Estado-Maior
da Armada (CEMA).
Como refere o jornalista Vítor Matos, no Expresso online, a 29 de julho, a
vantagem da contratação conjunta entre países é “gerar economias de escala,
desenvolver a indústria europeia e homogeneizar o tipo de armamento usado pelas
Forças Armadas dos vários estados europeus”. Por isso, a Comissão Europeia
estimula-a, como uma das condições para os países recorrerem ao pacote de 150
mil milhões de euros para empréstimos em condições favoráveis do SAFE.
De acordo com o MDN, a Comissão Europeia
indicará, em agosto, o montante do envelope financeiro que se destina a
Portugal, devendo a formalização do pedido de assistência financeira ser
realizada “apenas em novembro”.
Como insinuámos acima, os montantes para os
empréstimos inserem-se num programa mais alargado, o ReArmeurope, cujo objetivo
é aumentar as capacidades militares da Europa, por forma a tornar o continente
mais autónomo dos Estados Unidos da América (EUA). Por outro lado, é de
recordar que Portugal se comprometeu, na cimeira da NATO, realizada em Haia, em
junho, em chegar aos 2% do PIB com gastos em Defesa, já neste ano económico.
Segundo Vítor Matos, para estudar a melhor
forma de atingir estes objetivos, Nuno Melo, ministro da
Defesa Nacional, criou “o Grupo de Trabalho SAFE, para o
desenvolvimento da proposta de manifestação de interesse e [para o] subsequente
pedido formal de assistência financeira”, como refere o comunicado em
referência. Entregue a proposta em Bruxelas, o grupo de trabalho, “entrará na
fase seguinte dos trabalhos para a qual foi mandatado, focando-se no
desenvolvimento técnico dos projetos e na preparação do pedido formal de
assistência financeira até 30 de novembro de 2025”, diz o comunicado.
O pedido de empréstimo, conforme informação do
MDN, será “acompanhado por um plano de investimento detalhado na indústria
europeia de Defesa, com especial enfoque na integração da indústria nacional
nas futuras cadeias de valor promovidas pelos projetos financiados ao abrigo do
SAFE”.
Recorda Vítor Matos que, embora o MDN não
avance pormenores, Portugal já participa no fabrico de componentes
do avião de transporte KC-390, da brasileira Embraer e, recentemente,
assinou um protocolo para a possibilidade de adquirir 10 destes aviões para os
revender a países da NATO ou da UE. Outra possibilidade é Portugal contribuir
com os Super Tucano, os aviões de ataque ao solo do mesmo fabricante, com que a
Força Aérea trabalhou nos requisitos NATO. Outra possibilidade é a área dos
drones ou de munições.
Aliás, Ricardo Pinheiro Alves, presidente da
idD Portugal Defence, a holding do
Estado para as indústrias de Defesa, pormenorizou ao Jornal de Notícias (JN) sobre a fábrica de munições de que Nuno
Melo já tinha falado. Será uma fábrica de munições de pequeno
calibre, a instalar em Alcochete, num investimento que rondará os 40 milhões de
euros. O projeto está concluído e será apresentado ao governo nos
próximos meses, segundo avançou o JN.
O tríplice objetivo é capacitar as Forças Armadas com este tipo de projéteis,
exportar para países da NATO e marcar o regresso de Portugal à produção destas
munições.
A fábrica funcionará junto da unidade de
desmilitarização da idD, contará com uma participação do Estado entre 35% e
60%, terá capacidade para produzir 50 milhões de munições, por ano, e criar 70
postos de trabalho.
***
O site da Comissão Europeia dá a
explicação do processo de criação do SAFE, como se explicita aqui, de forma
sucinta (cf https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/ip_25_1340).
Em março de 2025, a Comissão Europeia propôs o “Livro Branco
para a Defesa Europeia – Preparação 2030 e o seu Plano ReArm Europe/Preparação
2030” como o pacote ambicioso de Defesa que fornece alavancas financeiras aos
estados-membros da UE para impulsionar o aumento das capacidades de Defesa. A
ativação da cláusula de derrogação nacional do Pacto de Estabilidade e
Crescimento (PEC) para Defesa, com o SAFE, constituem, segundo o executivo
comunitário, a espinha dorsal do Plano ReArm Europe/Preparação 2030, permitindo
aos estados-membros aumentar, substancial e rapidamente, os investimentos na Defesa
europeia. Ao abrigo do empréstimo SAFE, a Comissão angariará até 150 mil
milhões de euros nos mercados de capitais, com base na abordagem de
financiamento unificada e consolidada. Embora, ao abrigo da cláusula de
derrogação nacional, os estados-membros beneficiem de uma margem adicional para
despesas de Defesa, as regras orçamentais da UE continuam a aplicar-se na
íntegra.
Quaisquer desvios das trajetórias de despesas líquidas
aprovadas, além dos especificados, serão monitorados de acordo com o
Regulamento (UE) 2024/1263, durante todo o período de ativação.
O custo de componentes originários de fora da UE, dos Estados
EEE-EFTA e da Ucrânia não deve exceder 35% do custo estimado dos componentes do
produto final, reforçando o princípio de “gastar europeu”, nos termos do
acordo. O SAFE define condições de elegibilidade para contratantes e
subcontratantes, garantindo que os investimentos atendam aos interesses de
segurança e defesa da UE e reforcem a Base Tecnológica e Industrial Europeia de
Defesa (BITDE).
É, pois, natural que a Comissão Europeia tenha acolhido com satisfação o
acordo alcançado a 27 de maio de 2025, no Conselho da UE, sobre o SAFE. Assim,
garantiu: “Conforme proposto no Plano ReArm Europe/Readiness 2030, a Comissão
angariará até 150 mil milhões de euros nos mercados de capitais, proporcionando
aos estados-membros da UE alavancas financeiras para aumentarem os investimentos
em áreas-chave da Defesa, como a defesa antimísseis, os drones ou os facilitadores
estratégicos.”
A este respeito, Ursula von der Leyen, presidente da Comissão
Europeia, afirmou: “Tempos excecionais exigem medidas excecionais. Saúdo o
acordo de hoje sobre o SAFE, o nosso instrumento de Empréstimo para a
Preparação Industrial em Defesa, como um passo crucial em frente. A Europa deve,
agora, assumir uma maior quota-parte de responsabilidade pela sua própria
segurança e defesa. Com o SAFE, não estamos apenas a investir em capacidades de
ponta para a nossa União, para a Ucrânia e para todo o continente; estamos
também a reforçar a base tecnológica e industrial de Defesa europeia. Trata-se
de prontidão. Trata-se de resiliência. E trata-se de criar um mercado verdadeiramente
europeu para a Defesa. A Europa está a avançar, com propósito, [com] unidade e [com]
um roteiro claro para a Preparação 2030.”
Os fundos serão angariados nos mercados de capitais e
desembolsados aos estados-membros interessados, mediante pedido, com base nos
seus planos de investimento na indústria europeia de Defesa. O SAFE, que
incentivará os estados-membros a investir e a adquirir capacidades em
cooperação, é “um ambicioso instrumento de defesa, aumentará as capacidades de
defesa europeias, reforçando, simultaneamente, a competitividade e a
interoperabilidade de uma forte base industrial europeia de Defesa”, pode
ler-se no site da Comissão Europeia.
Os estados-membros estão a usufruir do prazo de seis meses, a
partir da entrada em vigor do Regulamento, para apresentarem os seus planos
nacionais iniciais, que serão, posteriormente, avaliados pela Comissão. Na
sequência de proposta da Comissão, o Conselho adotou decisões de execução, que
incluem o montante do empréstimo e qualquer pré-financiamento. O
pré-financiamento, que pode ascender a até 15% do empréstimo, garantirá que o
apoio possa ser pago rapidamente para cobrir as necessidades mais urgentes,
potencialmente a partir de 2026. Os estados-membros terão de apresentar
relatórios sobre o progresso da implementação quando apresentarem os seus
pedidos de pagamento, o que pode ser feito duas vezes, por ano. A última
aprovação para desembolsos pode ocorrer até 31 de dezembro de 2030.
Além da presidente da Comissão Europeia, também Andrius
Kubilius, Comissário da Defesa e do Espaço, saudou o acordo sobre o SAFE,
proferindo as seguintes asserções: A aprovação do instrumento de empréstimo
para a defesa SAFE representa um passo crucial no reforço da prontidão da
Europa, em matéria de Segurança e de Defesa. Saúdo este acordo dos nossos estados-membros,
[que] envia um sinal claro de que a Europa está pronta para investir na sua
própria defesa, resiliência e base industrial. Juntos, os estados-membros podem,
agora, também comprar com a Ucrânia, para a Ucrânia e na Ucrânia. Este não é
apenas um instrumento financeiro; é um compromisso político com uma Europa mais
segura, mais capaz e mais unida.”
***
Portugal
espera, com a adesão a este programa europeu de empréstimos a condições
favoráveis para o reforço da Defesa, cobrir necessidades prioritárias das
Forças Armadas.
Ora,
do meu ponto de vista, essa expectativa pode sair gorada, pois o SAFE foi criado
para apoiar os estados-membros em investimentos urgentes na base tecnológica e
industrial de Defesa, através de empréstimos com prazos até 45
anos, com períodos de carência de até 10 anos e com possibilidade de
pré-financiamento de até 15%. Não se trata de cobrir, por exemplo, a
necessidade de reorganização das Forças Armadas, ao nível do número de
efetivos, da formação militar de base ou do funcionamento normal das diversas
unidades militares.
Entende-se
que o governo, para satisfazer os compromissos com a NATO, veja nisto a galinha
dos ovos de ouro, mas pode receber, em troca, a galinha morta sem ovos. A
compra conjunta faz ganhar escala, mas exige sábia gestão dos recursos e do
tempo. Os assessores do MDN devem saber como esta gestão de verbas é
escrutinada pelas instâncias europeias e, sobretudo, do lado dos países ricos
(ditos frugais, que os do Sul chamam forretas).
Depois,
o pacote ambicioso é de 150 mil milhões de euros em empréstimos a condições
favoráveis para compras conjuntas que reforcem a Defesa comunitária, mas a que
podem candidatar-se os 27 estados-membros. E ou os países candidatos mostram
grande capacidade de execução física e financeira na aplicação das verbas ou
elas ficam pelo caminho. A este propósito, gostava de saber que parte do bolo
dos cerca de 78 mil milhões euros emprestada a Portugal pela troika não foi efetivamente
aplicada.
Além
disso, como se trata de empréstimo, apesar das condições favoráveis, é preciso
pagar oportunamente. E, aqui, aplica-se a dúvida de Santana Lopes expressa, há
dias: “Há um zunzum de que não se mexe no Estado Social, para reforçar o
investimento na Defesa. Então mexe-se onde? Nalgum lado tem de haver corte. Só
quero dizer que na ferrovia é um erro crasso.” (Revista Sábado, 23 de julho).
Pode
o Estado Social não sofrer cortes por esta via, no nosso tempo, mas sofrê-los-á,
com as gerações vindouras. Aliás, 45 anos passam depressa.
Também
não acredito que o investimento na Defesa reentre no Estado Social pelo lado da
Economia, através dos impostos como afirma o candidato presidencial Gouveia e
Melo.
Porém,
governa-se através de opções políticas e, neste caso, de acordo com o
comunicado em referência, Portugal pretende alinhar todos os investimentos
realizados, neste âmbito, com os objetivos da NATO, no sentido de amplificar as
capacidades operacionais que foram identificadas no desenho estratégico do
sistema de forças português e dos seus compromissos de ordem internacional.
É a vida política e diplomática! Prefere-se as armas à
negociação da paz e à criação e manutenção de condições de vida digna para
todos.
2025.07.30 – Louro
de Carvalho
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