quarta-feira, 30 de julho de 2025

Portugal interessado no programa de empréstimos SAFE para Defesa

 

Em comunicado de 29 de julho, o Ministério da Defesa Nacional (MDN) anunciou que o governo formalizou, em Bruxelas, a manifestação de interesse para aderir ao programa Security Action for Europe (SAFE), o instrumento de ação para a segurança na Europa, ou seja, o programa de empréstimos da Comissão Europeia para rearmar a Europa.
Nesse sentido, o país pretende liderar dois processos de contratação conjunta com outros estados-membros da União Europeia (UE), para a compra de equipamento militar, constituindo esta uma das formas de se aproximar, gradualmente, do cumprimento da meta acordada, no âmbito da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), do orçamento de 5% do produto interno bruto (PIB) no setor da Defesa. E, segundo o Comissário da Defesa e do Espaço, Andrius Kubilius, o SAFE “não é apenas um instrumento financeiro”, mas é “um compromisso político com uma Europa mais segura, mais capaz e mais unida”.
Ora, Portugal tem de passar de um “bom aluno” da UE a interveniente e cooperante.
Embora o governo não tenha revelado a natureza dos projetos apresentados, nem os montantes necessários, garante a cobertura dos três ramos das Forças Armadas, abrangendo necessidades, como “munições, sistemas de satélites, sistemas terrestres, plataformas navais, sistemas não tripulados e outras capacidades”, em alinhamento próximo do que defendia o almirante Gouveia e Melo, enquanto desempenhava o cargo de chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA).
Como refere o jornalista Vítor Matos, no Expresso online, a 29 de julho, a vantagem da contratação conjunta entre países é “gerar economias de escala, desenvolver a indústria europeia e homogeneizar o tipo de armamento usado pelas Forças Armadas dos vários estados europeus”. Por isso, a Comissão Europeia estimula-a, como uma das condições para os países recorrerem ao pacote de 150 mil milhões de euros para empréstimos em condições favoráveis do SAFE.

De acordo com o MDN, a Comissão Europeia indicará, em agosto, o montante do envelope financeiro que se destina a Portugal, devendo a formalização do pedido de assistência financeira ser realizada “apenas em novembro”.

Como insinuámos acima, os montantes para os empréstimos inserem-se num programa mais alargado, o ReArmeurope, cujo objetivo é aumentar as capacidades militares da Europa, por forma a tornar o continente mais autónomo dos Estados Unidos da América (EUA). Por outro lado, é de recordar que Portugal se comprometeu, na cimeira da NATO, realizada em Haia, em junho, em chegar aos 2% do PIB com gastos em Defesa, já neste ano económico.

Segundo Vítor Matos, para estudar a melhor forma de atingir estes objetivos, Nuno Melo, ministro da Defesa Nacional, criou “o Grupo de Trabalho SAFE, para o desenvolvimento da proposta de manifestação de interesse e [para o] subsequente pedido formal de assistência financeira”, como refere o comunicado em referência. Entregue a proposta em Bruxelas, o grupo de trabalho, “entrará na fase seguinte dos trabalhos para a qual foi mandatado, focando-se no desenvolvimento técnico dos projetos e na preparação do pedido formal de assistência financeira até 30 de novembro de 2025”, diz o comunicado.

O pedido de empréstimo, conforme informação do MDN, será “acompanhado por um plano de investimento detalhado na indústria europeia de Defesa, com especial enfoque na integração da indústria nacional nas futuras cadeias de valor promovidas pelos projetos financiados ao abrigo do SAFE”.

Recorda Vítor Matos que, embora o MDN não avance pormenores, Portugal já participa no fabrico de componentes do avião de transporte KC-390, da brasileira Embraer e, recentemente, assinou um protocolo para a possibilidade de adquirir 10 destes aviões para os revender a países da NATO ou da UE. Outra possibilidade é Portugal contribuir com os Super Tucano, os aviões de ataque ao solo do mesmo fabricante, com que a Força Aérea trabalhou nos requisitos NATO. Outra possibilidade é a área dos drones ou de munições.

Aliás, Ricardo Pinheiro Alves, presidente da idD Portugal Defence, a holding do Estado para as indústrias de Defesa, pormenorizou ao Jornal de Notícias (JN) sobre a fábrica de munições de que Nuno Melo já tinha falado. Será uma fábrica de munições de pequeno calibre, a instalar em Alcochete, num investimento que rondará os 40 milhões de euros. O projeto está concluído e será apresentado ao governo nos próximos meses, segundo avançou o JN. O tríplice objetivo é capacitar as Forças Armadas com este tipo de projéteis, exportar para países da NATO e marcar o regresso de Portugal à produção destas munições.

A fábrica funcionará junto da unidade de desmilitarização da idD, contará com uma participação do Estado entre 35% e 60%, terá capacidade para produzir 50 milhões de munições, por ano, e criar 70 postos de trabalho.

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O site da Comissão Europeia dá a explicação do processo de criação do SAFE, como se explicita aqui, de forma sucinta (cf https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/ip_25_1340).
Em março de 2025, a Comissão Europeia propôs o “Livro Branco para a Defesa Europeia – Preparação 2030 e o seu Plano ReArm Europe/Preparação 2030” como o pacote ambicioso de Defesa que fornece alavancas financeiras aos estados-membros da UE para impulsionar o aumento das capacidades de Defesa. A ativação da cláusula de derrogação nacional do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) para Defesa, com o SAFE, constituem, segundo o executivo comunitário, a espinha dorsal do Plano ReArm Europe/Preparação 2030, permitindo aos estados-membros aumentar, substancial e rapidamente, os investimentos na Defesa europeia.
Ao abrigo do empréstimo SAFE, a Comissão angariará até 150 mil milhões de euros nos mercados de capitais, com base na abordagem de financiamento unificada e consolidada. Embora, ao abrigo da cláusula de derrogação nacional, os estados-membros beneficiem de uma margem adicional para despesas de Defesa, as regras orçamentais da UE continuam a aplicar-se na íntegra.
Quaisquer desvios das trajetórias de despesas líquidas aprovadas, além dos especificados, serão monitorados de acordo com o Regulamento (UE) 2024/1263, durante todo o período de ativação.
O custo de componentes originários de fora da UE, dos Estados EEE-EFTA e da Ucrânia não deve exceder 35% do custo estimado dos componentes do produto final, reforçando o princípio de “gastar europeu”, nos termos do acordo. O SAFE define condições de elegibilidade para contratantes e subcontratantes, garantindo que os investimentos atendam aos interesses de segurança e defesa da UE e reforcem a Base Tecnológica e Industrial Europeia de Defesa (BITDE).
É, pois, natural que a Comissão Europeia tenha acolhido com satisfação o acordo alcançado a 27 de maio de 2025, no Conselho da UE, sobre o SAFE. Assim, garantiu: “Conforme proposto no Plano ReArm Europe/Readiness 2030, a Comissão angariará até 150 mil milhões de euros nos mercados de capitais, proporcionando aos estados-membros da UE alavancas financeiras para aumentarem os investimentos em áreas-chave da Defesa, como a defesa antimísseis, os drones ou os facilitadores estratégicos.”
A este respeito, Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, afirmou: “Tempos excecionais exigem medidas excecionais. Saúdo o acordo de hoje sobre o SAFE, o nosso instrumento de Empréstimo para a Preparação Industrial em Defesa, como um passo crucial em frente. A Europa deve, agora, assumir uma maior quota-parte de responsabilidade pela sua própria segurança e defesa. Com o SAFE, não estamos apenas a investir em capacidades de ponta para a nossa União, para a Ucrânia e para todo o continente; estamos também a reforçar a base tecnológica e industrial de Defesa europeia. Trata-se de prontidão. Trata-se de resiliência. E trata-se de criar um mercado verdadeiramente europeu para a Defesa. A Europa está a avançar, com propósito, [com] unidade e [com] um roteiro claro para a Preparação 2030.”
Os fundos serão angariados nos mercados de capitais e desembolsados aos estados-membros interessados, mediante pedido, com base nos seus planos de investimento na indústria europeia de Defesa. O SAFE, que incentivará os estados-membros a investir e a adquirir capacidades em cooperação, é “um ambicioso instrumento de defesa, aumentará as capacidades de defesa europeias, reforçando, simultaneamente, a competitividade e a interoperabilidade de uma forte base industrial europeia de Defesa”, pode ler-se no site da Comissão Europeia.
Os estados-membros estão a usufruir do prazo de seis meses, a partir da entrada em vigor do Regulamento, para apresentarem os seus planos nacionais iniciais, que serão, posteriormente, avaliados pela Comissão. Na sequência de proposta da Comissão, o Conselho adotou decisões de execução, que incluem o montante do empréstimo e qualquer pré-financiamento. O pré-financiamento, que pode ascender a até 15% do empréstimo, garantirá que o apoio possa ser pago rapidamente para cobrir as necessidades mais urgentes, potencialmente a partir de 2026. Os estados-membros terão de apresentar relatórios sobre o progresso da implementação quando apresentarem os seus pedidos de pagamento, o que pode ser feito duas vezes, por ano. A última aprovação para desembolsos pode ocorrer até 31 de dezembro de 2030.
Além da presidente da Comissão Europeia, também Andrius Kubilius, Comissário da Defesa e do Espaço, saudou o acordo sobre o SAFE, proferindo as seguintes asserções: A aprovação do instrumento de empréstimo para a defesa SAFE representa um passo crucial no reforço da prontidão da Europa, em matéria de Segurança e de Defesa. Saúdo este acordo dos nossos estados-membros, [que] envia um sinal claro de que a Europa está pronta para investir na sua própria defesa, resiliência e base industrial. Juntos, os estados-membros podem, agora, também comprar com a Ucrânia, para a Ucrânia e na Ucrânia. Este não é apenas um instrumento financeiro; é um compromisso político com uma Europa mais segura, mais capaz e mais unida.”

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Portugal espera, com a adesão a este programa europeu de empréstimos a condições favoráveis para o reforço da Defesa, cobrir necessidades prioritárias das Forças Armadas.

Ora, do meu ponto de vista, essa expectativa pode sair gorada, pois o SAFE foi criado para apoiar os estados-membros em investimentos urgentes na base tecnológica e industrial de Defesa, através de empréstimos com prazos até 45 anos, com períodos de carência de até 10 anos e com possibilidade de pré-financiamento de até 15%. Não se trata de cobrir, por exemplo, a necessidade de reorganização das Forças Armadas, ao nível do número de efetivos, da formação militar de base ou do funcionamento normal das diversas unidades militares.

Entende-se que o governo, para satisfazer os compromissos com a NATO, veja nisto a galinha dos ovos de ouro, mas pode receber, em troca, a galinha morta sem ovos. A compra conjunta faz ganhar escala, mas exige sábia gestão dos recursos e do tempo. Os assessores do MDN devem saber como esta gestão de verbas é escrutinada pelas instâncias europeias e, sobretudo, do lado dos países ricos (ditos frugais, que os do Sul chamam forretas).

Depois, o pacote ambicioso é de 150 mil milhões de euros em empréstimos a condições favoráveis para compras conjuntas que reforcem a Defesa comunitária, mas a que podem candidatar-se os 27 estados-membros. E ou os países candidatos mostram grande capacidade de execução física e financeira na aplicação das verbas ou elas ficam pelo caminho. A este propósito, gostava de saber que parte do bolo dos cerca de 78 mil milhões euros emprestada a Portugal pela troika não foi efetivamente aplicada.   

Além disso, como se trata de empréstimo, apesar das condições favoráveis, é preciso pagar oportunamente. E, aqui, aplica-se a dúvida de Santana Lopes expressa, há dias: “Há um zunzum de que não se mexe no Estado Social, para reforçar o investimento na Defesa. Então mexe-se onde? Nalgum lado tem de haver corte. Só quero dizer que na ferrovia é um erro crasso.” (Revista Sábado, 23 de julho).

Pode o Estado Social não sofrer cortes por esta via, no nosso tempo, mas sofrê-los-á, com as gerações vindouras. Aliás, 45 anos passam depressa.

Também não acredito que o investimento na Defesa reentre no Estado Social pelo lado da Economia, através dos impostos como afirma o candidato presidencial Gouveia e Melo.

Porém, governa-se através de opções políticas e, neste caso, de acordo com o comunicado em referência, Portugal pretende alinhar todos os investimentos realizados, neste âmbito, com os objetivos da NATO, no sentido de amplificar as capacidades operacionais que foram identificadas no desenho estratégico do sistema de forças português e dos seus compromissos de ordem internacional.

É a vida política e diplomática! Prefere-se as armas à negociação da paz e à criação e manutenção de condições de vida digna para todos.

2025.07.30 – Louro de Carvalho


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