domingo, 31 de agosto de 2025

Humanizar, dar profundidade à vida e abrir-se à fraternidade

 
A Palavra de Deus proclamada e meditada neste 22.º domingo do Tempo Comum no Ano C questiona os crentes sobre que valores querem assumir para alicerçar a vida. A soberba, a ganância, a arrogância, a obsessão pelas honrarias, as apostas interesseiras não são boas companheiras de peregrinação. Por isso, a Palavra de Deus insta a que optemos por valores que nos humanizem, que deem profundidade à vida e que nos abram à fraternidade, para nos tornarmos testemunhas e arautos do Mundo novo sonhado por Deus.
 
Na primeira leitura (Sir 3,19-21.30-31), um sábio judeu dos inícios do século II a.C. exorta os concidadãos a não se deixarem deslumbrar pela cultura helénica e que, fiéis aos valores dos antepassados, rejeitem a soberba e escolham a humildade. Assim, agradarão a Deus e aos homens. Porém, é de vincar que a humildade não é fraqueza, mas a opção pela verdade, feita pelos que estão apostados em viver uma vida plena de sentido.
O sábio, dirigindo-se aos seus discípulos, assume o papel do pai que instrui os filhos nos valores que devem privilegiar na construção das suas vidas. Na presente instrução, exalta-se a humildade.
O homem sábio mantém-se sempre humilde. Mesmo que seja altamente apreciado e desempenhe relevantes papéis na sociedade, deverá assumir sempre uma atitude de humildade. O homem cuja vida segue os ditames da sabedoria, não se sobrepõe aos outros, não pisa ninguém, não trata os outros com arrogância, coloca-se no lugar que lhe corresponde, o que lhe granjeará a consideração, o apreço e o afeto dos que o rodeiam. O homem humilde será tão querido como o homem generoso.
O homem humilde “encontrará graça diante do Senhor”, pois Deus aprecia os humildes e cumula-os de bênçãos. Só eles são capazes de contemplar o poder e a grandeza de Deus, sem sentirem Deus como um rival; só eles reconhecem a verdade de que tudo o que são e têm é dom de Deus; só eles se entregam nas mãos de Deus com total confiança; só eles são capazes de cantar a glória de Deus. Por isso, Deus ama-os de forma especial.
Nos antípodas do humilde está o homem de coração soberbo. Da soberba Ben Sirah diz apenas que é uma “doença” que “apanha” o homem, que se enraíza nele e que não tem cura. Nessa árvore, crescem diversos ramos que produzem maldade: a arrogância, o orgulho, a autossuficiência, a vaidade. Por isso, a soberba, que é um pecado capital, destrói a vida do soberbo e a daqueles que o rodeiam. É provável que, ao referir a soberba como fonte de males, Jesus Ben Sirah tenha em mente os arrogantes helenistas – convictos da superioridade da sua cultura e da sua forma de vida – que procuravam impor os seus valores ao humilde Povo de Deus.
A humildade não é o valor dos fracos, dos vencidos, dos que não têm a coragem de lutar para conquistar o Mundo; é o valor, a virtude dos que, seguindo a lógica de Deus, se dispõem a servir e a amar os irmãos. De acordo com o pensamento do sábio Ben Sirah, é aí que reside o segredo da vida e da felicidade.
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Evangelho (Lc 14,1.7-14) introduz-nos na casa de um fariseu que tinha convidado Jesus para a refeição de sábado. Aos convivas que lutavam pelos “primeiros lugares”, Jesus fala de humildade e de simplicidade. Ao dono da casa, rodeado de amigos unidos por idêntica rede de interesses, Jesus convida a sair fora do círculo exclusivo e privilegiado, para abraçar o amor gratuito e desinteressado a todos. Segundo Jesus, é possível contruir o Reino de Deus, a partir dos valores da humildade, da simplicidade, do amor universal, do acolhimento misericordioso de todos.
Antes de a refeição começar, em casa do “chefe de fariseus”, Jesus curou um homem hidrópico. O gesto de Jesus – grave infração contra o sábado – não caiu bem nos fariseus ali presentes, mas nenhum comentou a ação de Jesus. Terminado o espetáculo da cura do doente, os convidados correram para a mesa, decididos a tomar de assalto os lugares a que se julgavam com direito.
Na sociedade israelita, a hierarquia dos lugares era importante, pois o lugar que cada um ocupava definia a sua importância dentro de um grupo social. Por exemplo, os convidados considerados mais dignos deviam ficar o mais perto possível do dono da casa, até porque os lugares mais centrais (próximos do dono da casa) eram aqueles onde se comia melhor, aonde chegavam, rapidamente, os melhores bocados de comida. Depois, a importância social e a idade da pessoa eram critérios importantes na ocupação dos lugares à mesa.
Em geral, não havia o uso de colocar, na sala do banquete, a indicação do lugar onde cada convidado devia instalar-se. Cada um escolhia o lugar que julgava corresponder à sua dignidade e importância. Ora isto provocava, muitas vezes, discrepâncias e conflitos. Por outro lado, com frequência, havia convidados especiais – que o dono da casa tratava com mais consideração – os quais só se dirigiam para a mesa no último instante, a fim de não ficarem muito tempo à espera do banquete. Se os lugares de honra estivessem ocupados, o dono da casa pediria a algum dos convidados que cedessem o seu lugar à pessoa ou pessoas de categoria que pretendia honrar. O que tinha de ceder o lugar seria relegado para um dos lugares ainda vazios, ao fundo da sala, o que era um rebaixamento.
É neste contexto (talvez após um momento de luta pelos lugares mais dignos) que Jesus Se dirige aos presentes e lhes recomenda: “Quando fores convidado para um banquete nupcial, não tomes o primeiro lugar […]. Vai sentar-te no último lugar; e, quando vier aquele que te convidou, dirá: ‘Amigo, sobe mais para cima’; ficarás então honrado aos olhos dos outros convidados”. O “dito” de Jesus não é original. Os sábios de Israel diziam algo similar: “Não te ponhas no lugar dos grandes. É melhor que te digam: ‘sobe para aqui’, do que seres humilhado diante de um superior” (Pr 25,6-7). A intenção de Jesus não é ensinar aos presentes naquele banquete um truque para obterem êxito social, mas propor-lhes a lógica do Reino de Deus. No Reino de Deus os mais importantes não são os que procuram os lugares de honra e que salvaguardam a sua posição na hierarquia social, mas os humildes, que não se têm por superiores aos outros. A indicação de Jesus fazia muito sentido naquela reunião de fariseus, que se tinham por dignos de toda a consideração, por parte dos outros, e que desprezavam as outras pessoas.
Algum tempo depois, já em Jerusalém, Jesus recomendará aos discípulos que tomem cuidado com os doutores da Lei, que “gostam de serem cumprimentados nas praças públicas, dos primeiros lugares nas sinagogas e dos primeiros assentos nos banquetes.
Aqui, Jesus conclui a sua lição com uma frase desafiante: “Quem se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado.” De facto, quem vive só para concretizar os seus sonhos de grandeza e de glória, falhará na sua vida, Ao invés, quem se apresentar diante dos irmãos, com humildade e com simplicidade, será grande aos olhos de Deus e dará sentido pleno à sua vida. Definitivamente, a lógica de Deus é completamente diferente da lógica dos homens.
Quase no final da refeição, Jesus dirigiu-se ao dono da casa e deixou-lhe algumas sugestões sobre as pessoas a quem devia dirigir convite para um banquete. Os fariseus escolhiam os seus convidados para a mesa. Em geral, evitavam convidar pessoas de nível menos elevado, pois a “comunidade de mesa” vinculava os convivas. Ora, eles não estavam dispostos a estabelecer laços com qualquer um, nomeadamente, com gente desclassificada e pecadora. A tradição social que vigorava impunha que se convidassem para a mesa quatro categorias de pessoas: os amigos, os irmãos, os parentes, os vizinhos ricos. O conselho de Jesus rejeita esta lista e propõe uma lista de convidados diametralmente oposta à sugerida pelas convenções sociais: “Quando ofereceres um banquete, convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos.”.
A proposta de Jesus parece descabida: seria social e religiosamente incorreto convidar a gente da terra (o “am ha-aretz”) que não cumpria todos os mandamentos da Lei para se sentar à mesa com um fariseu importante; seria inadmissível convidar “os aleijados, os cegos e os coxos” (gente pecadora e maldita, que não era admitida no espaço sagrado do Templo) para um ambiente elevado e santo, onde se discutia a Lei.
Jesus não pretendia provocar o anfitrião, nem escandalizar aquela sociedade seleta de gente “santa”. Jesus ter-se-á apercebido, no decorrer da refeição, que o círculo de relações daquele fariseu era restrito e selecionado: girava à volta de um grupo de interesses, de mútuas vantagens e de intercâmbio de favores. O pequeno mundo onde o dono da casa se movia era de grande estreiteza de horizontes. Aquele homem necessitava de alargar os horizontes, de ver para lá da lógica interesseira, de se libertar do convencionalismo em que se tinha instalado, de descobrir o sentido da partilha e do amor desinteressado, de experimentar um modo mais humano de viver. É este o desafio que Jesus quer deixar-lhe. Não sabemos o impacto da proposta de Jesus na vida daquele homem, mas o dardo foi lançado.
Como pano de fundo destas lições de Jesus está a realidade do Reino de Deus. Jesus nunca desistia de o propor, a propósito e a despropósito. Este Reino é como um banquete onde os convivas estão unidos por laços de familiaridade, de irmandade e de comunhão. Para este banquete, todos são convidados, inclusive os que as convenções – sociais, religiosas, baseadas em interesses pessoais ou corporativos – excluem e marginalizam. As relações entre os que aderem ao banquete do Reino serão pautadas pela gratuitidade e pelo amor desinteressado; e os participantes devem despir-se de qualquer atitude de superioridade, de orgulho, de ambição, para se colocarem numa atitude de humildade, de simplicidade, de serviço.
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Na segunda leitura (Heb 12,18-19.22-24a), um pregador cristão da segunda metade do século I convida os crentes a reavivarem a opção por Cristo, pois a experiência cristã leva-nos até Deus, insere-nos na família de Deus, faz-nos entrar na Jerusalém celeste, irmana-nos aos “santos” cujos nomes estão inscritos no céu.
Dirigindo-se aos crentes, o pregador procura mostrar que o caminho cristão é experiência feliz e libertadora, que devem acolher com entusiasmo e compromisso. Nesse sentido, convida-os a compararem a religião antiga (revelada a Moisés, no monte Sinai) e a religião de Jesus.
Na perspetiva da Carta, a experiência de Israel no Sinai não foi experiência motivadora, capaz de entusiasmar e de arrebatar. No Sinai, Deus estava distante, inacessível, escondido; não houve proximidade, nem o estabelecimento de relação pessoal entre Deus e o seu povo. A proposta de Deus chegou ao povo, através de mandamentos escritos na dureza e na frialdade da pedra. O cenário do Sinai era inquietante, de medo e de opressão: “o fogo ardente, a nuvem escura, as trevas densas ou a tempestade, o som da trombeta e aquela voz tão retumbante que os ouvintes suplicaram que não lhes falasse mais”. O quadro da revelação sinaítica é terrífico e não serviu para aproximar os homens de Deus, para os levar a um encontro com Deus, alicerçado no amor e na confiança. Compreende-se, pois, que esta experiência religiosa não tenha entusiasmado aqueles que a fizeram.
Ao invés, os que se encontraram com Cristo fizeram uma experiência de Deus completamente diferente, que não teve nada de assustador, de terrível, de opressivo. Pelo Batismo, os cristãos acercaram-se de Deus, sentiram a sua proximidade, entraram em comunhão com Ele, descobriram o Seu amor. Aproximaram-se do monte Sião, do lugar da salvação, da cidade do Deus vivo; acederam ao espaço onde reside Deus, o juiz do universo; tocaram o Mundo novo de milhares de anjos em reunião festiva; irmanaram-se com muitos outros santos e santas, homens e mulheres que escolheram Deus, que atingiram a perfeição e que são co-herdeiros da vida eterna; encontraram-se com Jesus, o mediador da nova aliança, Aquele que lhes deu a possibilidade de descobrirem o verdadeiro rosto de Deus e de integrarem a família de Deus. Os que se encontram com Cristo e aderem ao plano de salvação de que Ele é portador chegaram a uma vida luminosa e gratificante de festa, de louvor, de ação de graças, de adoração, de contemplação.
O pregador que elaborou esta reflexão não nos interroga, mas uma putativa pergunta fica a pairar no ar, destinada a todos os crentes: “Não valerá a pena apostar tudo nesta experiência e vivê-la com entusiasmo?”
A resposta cabe a cada um, mas é conveniente que seja procurada e encontrada na comunidade eclesial.
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O simples e humilde sabe rezar como o Salmista:
“Na vossa bondade, Senhor, / preparastes uma casa para o pobre.”
 
“Os justos alegram-se na presença de Deus, / exultam e transbordam de alegria. / Cantai a Deus, entoai um cântico ao seu nome; / o seu nome é Senhor: exultai na sua presença.
“Pai dos órfãos e defensor das viúvas, / é Deus na sua morada santa. / Aos abandonados Deus prepara uma casa, / conduz os cativos à liberdade.
“Derramastes, ó Deus, uma chuva de bênçãos, / restaurastes a vossa herança enfraquecida. / A vossa grei estabeleceu-se numa terra / que a vossa bondade, ó Deus, preparara para o oprimido.”
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“Aleluia. Aleluia. Tomai o meu jugo sobre vós, diz o Senhor, e aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração.”

2025.08.31 – Louro de Carvalho


Chega é o parceiro do governo na lei do Trabalho, como na da Imigração

 

Luís Montenegro procurará novo acordo, em termos das leis laborais, com André Ventura, tal como aconteceu com a Lei da Imigração, devendo o tema ser abordado, a 3 de setembro.
A este respeito, não deixa dúvidas a pena de Frederico Bártolo, em artigo intitulado “Lei laboral: Governo elege Chega como parceiro primordial”, publicado no Diário de Notícias online (DN), a 30 de agosto.
Entrando o Orçamento do Estado para 2026 (OE 2026) na ordem de prioridades do Executivo, a partir da primeira semana de setembro, com as eleições autárquicas no horizonte, sabe-se que o primeiro-ministro (PM), Luís Montenegro irá conversar, por si ou por figuras gradas do seu partido, o Partido Social Democrata (PSD), com todos os partidos representados na Assembleia da República (AR), priorizando áreas, como a Saúde, a Defesa e o Trabalho. Para tal conta, com a contribuição de vários quadrantes, tendo à cabeça o Partido Socialista (PS), mas também a Iniciativa Liberal (IL), o partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) e o partido do Chega. Para trás ficam o Livre, o Bloco de Esquerda (BE) e o Partido Comunista Português (PCP). É claro que o partido do Centro Democrático Social (CDS), que integra a coligação governativa, estará do lado do governo, nas negociações.
Porém, no âmbito do Trabalho, o executivo entende que a aprovação parlamentar dependerá, fundamentalmente, da aprovação do Chega. Assim, serão feitos esforços de aproximação ao partido de André Ventura para a Lei Laboral.
Tal como na questão da lei da Imigração, o PSD volta a preferir o parceiro mais à direita.
Na última semana inteira de agosto, o PS indicou ao DN, pela voz do deputado Miguel Cabrita, a preocupação com o anteprojeto de lei relativo às alterações laborais, a que o governo chama flexibilização laboral, que não convence os socialistas. O PS, sustentando que as novas propostas são “desequilibradas” e representam um “retrocesso”, questiona a possibilidade de uma “eterna precarização”. Está em causa o alargamento da duração dos contratos a termo certo, de dois para três anos, e a termo incerto, de quatro para cinco anos, constante do anteprojeto de lei aprovado em Conselho de Ministros, ainda sem o parecer da Concertação Social.
Por conseguinte, os socialistas questionam a base das decisões de Maria do Rosário Palma Ramalho, ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS), e pedem que lhes seja dado conhecimento das queixas registadas pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) e de outras que tenham chegado ao MTSSS, sobre esta matéria, bem como de estudos sobre o impacto das medidas implementadas em 2018.
Fizeram-no como o fizeram, em tempos, com várias perguntas às quais ainda não tiveram resposta, relativamente a abusos no direito à amamentação, que o governo, agora, quer limitar a dois anos e com entrega de atestado médico. Ora, quanto a alegados abusos, parece que não surgiram casos concretos, da parte do Estado, nem da parte dos empresários.
Outra linha vermelha, para os socialistas, é a facilitação do despedimento por justa causa, até porque as medidas que José Sócrates avançou, em 2009, consideradas institucionais, não eram corroboradas por vários flancos do seu partido, já então. Contudo, nada transpirou para a opinião pública. A maior parte dos socialistas pôde, soube e quis permanecer calada.
Sobre esta matéria, Miguel Cabrita, membro do grupo de trabalho do tema, vincando a “clara ameaça à segurança dos direitos laborais, explicou ao DN: “Durante um processo, há uma fase em que os trabalhadores podem, por um lado, pedir ao patrão provas dos elementos que estão a fundamentar o despedimento e, por outro lado, apresentar testemunhas para, no fundo, contrariarem, a decisão. O que o governo faz é simplificar, muitíssimo, as obrigações relativas a esta fase instrutória. Temos de pensar que o trabalhador está numa situação mais frágil e que não se pode defender.”
O secretário-geral do PS, José Luís Carneiro, no fim de julho, foi claro: “Não podemos aceitar a precariedade como modo de vida para os nossos trabalhadores. Aquilo que foi apresentado por parte do governo, agora vai ter a apreciação dos sindicatos. O Partido Socialista, quando olhou para as propostas que apareceram, nomeadamente, deitar por terra a agenda para o trabalho digno e procurar desvalorizar a contratação coletiva, [avisou que] são linhas vermelhas que o PS não pode aceitar.”
Ora, sabendo que as políticas justificarão o voto negativo na AR, da parte da restante esquerda e que o PS não está disponível para a flexibilização, nestas matérias, o PSD e o CDS chamam o Chega à conversa para um possível, acordo sob a capa da estabilidade governamental.
Cristina Rodrigues, vice-presidente do grupo parlamentar do Chega, em declarações ao DN, em fins de julho, insurgiu-se com “as propostas que afetam os direitos das famílias, como [o luto pela] perda gestacional, a amamentação ou a flexibilidade de horários”. Todavia, com algum ajuste, poderá o seu partido encaminhar-se para um acordo que garantirá a viabilização da proposta do governo.
“O Chega concorda com a necessidade de modernizar o Código do Trabalho e há pontos em que podemos estar de acordo, por exemplo, quanto à redução das horas de formação nas empresas mais pequenas, ou [em] revisitar os serviços mínimos nas greves”, disse a deputada, mas salientando que o seu partido “prepara propostas de alteração.”
A primeira reunião entre o PSD e o Chega está agendada para 3 de setembro, pela manhã. O PS, por questões de agenda, marcou a sua reunião com o PSD para o dia 5, mas os seus temas em debate serão a Defesa, a Saúde e o reconhecimento do Estado da Palestina – o que indicia, claramente, o afastamento entre os partidos do governo e o PS, em matéria laboral.
A IL será recebida na tarde do dia 3. Em declarações ao DN, Mariana Leitão elencou prioridades aquando da polémica em torno da amamentação. Atacou a proposta de “controlo”, pedindo o reforço dos direitos parentais e sustentando a necessidade de se encontrarem “modelos de trabalho ajustados à vida das pessoas e [à] realidade das empresas” e o “reconhecimento do trabalho independente, remoto ou por projeto.
É óbvio que o governo tentará negociar com este partido medidas a aplicar, mas os seus nove deputados não fazem maioria com os do governo. Por isso, a prioridade é, novamente, dada ao Chega, que tem 60 deputados, tendo ascendido, em 2025, ao patamar de segundo maior grupo parlamentar.

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A 29 de agosto, em Faro, o secretário-geral do PS, no final da rota “Pela Coesão e Valorização do Território”, que fez pela Estrada Nacional n.º 2 (EN2), ao longo do país, garantiu que o seu partido se oporá a opções que sejam inscritas no OE 2026 que traduzam as alterações à legislação laboral que o governo pretende aprovar. “Nós estamos totalmente contra opções orçamentais que deem respaldo à legislação laboral que o governo quer aprovar”, vincou.

José Luís Carneiro insistiu em que “a legislação laboral, se tiver respaldo no orçamento, naturalmente, contará com a oposição do Partido Socialista”. “O governo terá intenções de alterar a Lei de Bases da Saúde. Se o orçamento do Estado for um respaldo para alterar premissas fundamentais dos serviços da saúde público, terá também a nossa oposição”, assegurou o secretário-geral do PS.

José Luís Carneiro advertiu ainda que, “se o orçamento do Estado tiver respaldo para alterar a natureza pública da […] proteção social e da segurança social pública, naturalmente terá a oposição do Partido Socialista”. “Há que aguardar, mas, agora, vamos esperar pelo passo do governo, porque, agora, a palavra está ao lado do governo”, considerou.

É de recordar que o anteprojeto de reforma da legislação laboral, aprovado pelo governo e apresentado, a 24 de julho sob a designação “Trabalho XXI”, prevê a revisão de mais de 100 de artigos do Código de Trabalho e, ainda antes da respetiva negociação com os parceiros sociais, já foi contestado pelas centrais sindicais.

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Segundo a revista Sábado, de 20 de agosto, a 3 de julho, o PM e o líder do Chega entenderam-se em diversas matérias, como a descida do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), do segundo ao quinto escalão, e as restrições à Lei de Estrangeiros e à Lei da Nacionalidade. André Ventura “anunciou o entendimento como uma plataforma comum”, mas a convergência tinha começado já antes, passando, doravante, as duas entidades a resolver, no segredo dos bastidores, os contratempos que vão surgindo.

O operacional das negociações, da parte do PSD, é Hugo Soares, secretário-geral e líder do grupo parlamentar, que dialoga, por diversos meios, com André Ventura e também com Pedro Pinto, secretário-geral do Chega e líder do seu grupo parlamentar.

O próximo tema de entendimento é, pelos motivos já explanados, a reforma laboral, com o Chega disponível para negociar uma proposta conjunta, pois é preciso apresentar a proposta do OE 2026 à AR, em tempo útil. A proposta da Lei da Nacionalidade já foi objeto de entendimento.

Além disso, ao retomarem as negociações, em setembro, está em jogo a forma como a AR há de responder às normas que o Tribunal Constitucional (TC) julgou inconstitucionais no decreto sobre as alterações à Lei de Estrangeiros, bem como a afinação das alterações à Lei da Nacionalidade.

É claro, segundo a Sábado, que houve alguns desentendimentos, como a divergência na retirada da nacionalidade, em caso de determinados crimes graves, com o Chega a defender a retirada automática e o governo a preferir que seja decretada por um juiz. Sendo assim, nem uma parte, nem a outra conseguem tudo.

Para transformar o “não é não”, de Luís Montenegro, em “não é sim”, o núcleo duro do PSD, que havia dito, após as eleições de maio, que o “não é não” era para só para integrar o governo, agora, já alega que é normal e aconselhável o diálogo entre o PM e o líder da oposição e que foi o povo quem delegou no Chega “a responsabilidade de ser a segunda força parlamentar”.

Além de, supostamente, o PSD só estar “a respeitar o Estatuto do Direito da Oposição”, a nova configuração parlamentar obrigou o PSD a transformar o ‘não é não’ numa plataforma de diálogo pontual”, mas que se tornará recorrente, se os interesses governativos o exigirem. Por isso, em vez de o povo ter de deixar “o Luís trabalhar”, tem de deixar trabalhar “o Luís e o André.

Diz a Sábado que a escolha do novo ministro dos Assuntos Parlamentares, Carlos Abreu Amorim, já visava esta estratégia, face a uma AR com um puzzle de três blocos, tendo o Chega 60 deputados e o PS 58.

Carlos Abreu Amorim encontra-se, em reuniões forais e informais, com Pedro Pinto e com o presidente da Comissão de Orçamento e Finanças, Rui Afonso, “para articular consensos”.

Pelos vistos, Abreu Amorim tem uma relação antiga com Diogo Pacheco Amorim, deputado do Chega e vice-presidente da AR. Segundo a Sábado, ter-se-ão conhecido, enquanto jovens, no Movimento Independente para a Reconstrução Nacional (MIRN), fundado pelo general Kaúlza de Arriaga, em 1975. Depois, caminharam juntos no CDS, com Pacheco Amorim a chefe de gabinete parlamentar, na liderança de Manuel Monteiro, e com Abreu Amorim a desempenhar funções internas na distrital do Porto. Mais tarde, ambos foram cofundadores da Nova Democracia, sob a égide de Manuel Monteiro, que se desfiliou do CDS.

Enfim, a suposta estratégia, segundo alguns elementos do núcleo duro do PSD, é virar-se “para onde der mais jeito”, o que representa uma tática interesseira. Assim, se o tema estivar relacionado com a imigração ou com o trabalho, a conversação será com o Chega; se disser respeito a política europeia, a conversação será com o PS.

A isto convém opor as seguintes objeções: Haverá alguma política, em Portugal, que não tenha a ver com as políticas europeias? Trabalho e Imigração, Impostos, Saúde, Educação e Segurança Social, Economia, Habitação e Transportes, Ambiente e Negócios Estrangeiros podem entender-se fora do âmbito europeu? Só se deve negociar com partidos com os quais se possa desenhar uma maioria absoluta ou uma maioria qualificada.

Por último, é de questionar se é real e plausível a visão que a Sábado atribui a Luís Montenegro de que “o Chega tem mostrado uma responsabilidade crescente”, apena restando saber “se se mantém ou se é Sol de pouca dura”.

Isso de táticas com fins eleitorais e governativos levam os partidos a agarrarem-se ao poder como lapas às rochas, em ambiente marinho e de praia, e podem materializar-se na afirmações como a supostamente feita pelo ministro da Economia e da Coesão Territorial, na Universidade de Verão do PSD, segundo qual o povo votará no governo, se lhe meterem dinheiro nos bolsos.  

Pobre povo, que atura estes arranjinhos partidários! Comem quase tudo e pouco deixam.   

2025.08.31 – Louro de Carvalho

Diane Foley conta como perdoou a um dos assassinos do filho

 

Eugenio Murrali entrevistou, para o Vatican News – Rádio Vaticana, Diane Foley, mãe do jornalista James W. Foley, sequestrado no Norte da Síria, em 2012, e brutalmente assassinado (por decapitação) pelo Isis, há 11 anos, a qual se encontrou com o Papa Leão XIV, na presença do escritor Colum McCann, com quem escreveu um livro para narrar, além dos acontecimentos ligados à morte do filho, o seu percurso humano e interior que também a levou a encontrar um dos assassinos.
Diane Foley é mãe. E “não há definição mais exata para descrever esta mulher e a sua “história de misericórdia”, no dizer de Eugenio Murrali, que prossegue, dizendo: “O filho é James W. Foley, Jim, jornalista sequestrado no norte da Síria, em 2012 e decapitado pelo Isis, dois anos depois.” Em outubro de 2021, a mãe encontrou Alexanda Kotey, um dos assassinos de Jim, para conversar com ele e para lhe dizer quem era o filho: “um rapaz generoso e corajoso, interessado em contar as vidas e a verdade das pessoas que encontrava”.
Diane Foley eternizou, no livro “Uma Mãe”, escrito com o escritor Colum McCann, o retrato do amado filho morto brutalmente, mas ancorou, com palavras duradouras, o seu caminho de dor, de compaixão e de compreensão, para enfrentar, sem renunciar à humanidade, a perda de Jim, para olhar nos olhos de quem contribuiu para a sua morte e para não parar de interrogar e de se interrogar, sustentada pela fé, pela força fundamental da oração. E levou a memória de Jim a Leão XIV, que a recebeu, em audiência privada, outro sinal da graça, nestes anos difíceis, de que fala na entrevista com os media do Vaticano.
Sobre o significado, para ela e para a história do filho, do encontro com Leão XIV, referiu que é uma “dádiva incrível”, pois os Norte-americanos estão “muito honrados e gratos” por terem um Papa nascido nos Estados Unidos da América (EUA), porque precisam de cura e de esperança no Mundo. Como cidadã norte-americana, sente-se “profundamente honrada por o encontrar” e vai “orar por ele, porque precisamos da sua orientação para a paz e para a esperança no Mundo”.
Quanto à decisão de encontrar Alexanda Kotey, crendo que, quando alguém está imerso na guerra e no ódio, na jihad com o Isis, não vê rostos, pessoas, mas pensa unicamente no ódio, disse querer humanizar Jim, porque era um inocente, “um homem de paz, sempre interessado em contar as histórias do povo sírio”. Desejava que Alexanda Kotey “entendesse que as pessoas escolhidas como alvo estavam a tentar dar esperança ao povo da Síria”. “Eram jornalistas, agentes humanitários. Não eram combatentes. Não carregavam armas”, vincou, para garantir que desejava que o assassino do filho o conhecesse, porque “Jim também era um professor e, realmente, se importava com os outros”, acompanhando “jovens em busca de seu caminho”. Passou muitos anos na Teach for America, organização que trabalha com o ensinamento a jovens, muitas vezes, crianças muito pobres ou que lutam para viverem nas zonas difíceis das cidades. E a mãe queria que Alexanda Kotey soubesse que tipo de pessoa era Jim, pois, em outra vida, poderiam até ter sido amigos. Até imagina Jim acompanhando Kotey, quando jovem, porque o este perdeu o pai muito cedo. Será uma pessoa que buscava algo, mas o procurou em lugares errados.
No atinente à recorrência da palavra “compaixão” no livro, sustenta que Colum McCann, com a Narrative 4, “fala de compaixão radical” e que “Jim aspirava a ser um homem de coragem moral, a fazer a diferença no Mundo, [através do] seu pequeno universo”. Por outro lado, a compaixão faz parte do modo como devemos falar mesmo com pessoas “de quem talvez nem gostemos”. Convicta de que “precisamos de uma via para nos comunicarmos, para poder ter um pouco de compaixão uns pelos outros”, reconhece que “este foi o milagre” do seu encontro com Alexanda Kotey, que a ouviu, pois rezara pela graça de o ouvir. “O Espírito Santo estava presente de um modo muito profundo. Foi uma bênção. Muito triste, mas foi uma bênção”, assegurou.
Questionada sobre a relevância da oração para viver o quotidiano da prisão do filho e, depois, o luto, enfatizou que é “fundamental”. Efetivamente, como sustenta, “de muitas maneiras”, Deus a preparou durante toda a sua vida: recebeu o dom da fé na adolescência, e a sua fé num “Deus misericordioso e amoroso” sempre foi muito importante para si. E certa de que a fé é “um dom”, “sabia que Deus estava presente” e que “muitos anjos foram enviados para nos cercar, depois que Jim foi morto”. E expande-se: “Muitos anjos, muitas bênçãos. Basta pensar na bênção de hoje: encontrar Sua Santidade. Deus foi muito bom para mim e sustentou-me junto com a Bem-Aventurada Mãe em tudo isso. Ele manteve-me firme.”
Sobre a criação, os objetivos e os resultados da fundação em homenagem a Jim, referiu que a James W. Foley Legacy Foundation foi criada, três semanas após a morte de Jim, para “inspirar a coragem moral de apoiar o retorno dos cidadãos norte-americanos, quando são capturados ou injustamente detidos, no exterior, e de promover a segurança em geral”. Revelou que “Jim e os outros americanos, os ingleses, foram mortos porque o governo optou por não negociar” com os sequestradores, nem sequer o tentou. Então, sentiu que “isso era imoral”, ficou com raiva e sentiu que era preciso desafiar o governo no dever de proteger os cidadãos inocentes, quando são capturados no exterior, não por terem cometido algum crime, mas por serem americanos. Como resultado, “mais de 170 dos nossos cidadãos voltaram para casa, livres da prisão no exterior”; e, agora, segundo pensa, “os jornalistas estão mais cientes da necessidade de se protegerem e de estarem seguros, porque hoje em dia eles são alvos”. Por conseguinte, Diane Foley passa grande parte dos seus dias a tentar “inspirar outras pessoas a usar seus dons para o bem, a aspirar a ter coragem moral, a compartilhar seus dons com o Mundo”.
Do significado da proximidade do Papa Francisco com a família, após a morte do filho, considera que a sua ligação telefónica “foi um dom profundo”. O Santo Padre ligou-lhe poucos dias depois da morte de Jim, antes de alguém do governo o ter feito. E desenvolveu: “Foi muito tocante, porque parentes do Papa Francisco tinham sofrido um acidente de carro. Portanto, ele estava a viver a própria dor, mas escolheu procurar-nos. Ficamos tocados e honrados. E o meu cunhado, que é de Madrid, estava presente, então ele pôde falar com ele em Espanhol. […] Mas foi uma dádiva. E também o modelo do Papa Francisco foi um dom para mim. Ouvi muitos dos seus audiolivros.”
Anui à ideia-força de que o conhecimento do outro, o diálogo, o encontro, tudo isto pode produzir grandes mudanças, o vale, de forma mais geral, para este complicado momento histórico. Disse que estava em Roma, mercê do encontro de Rimini (Meeting), que a “impressionou muito, porque tenta reunir pessoas de todos os países e de todo o Mundo para dialogar, para orar, para serem inspiradas pelo Espírito Santo, para aprenderem juntas e para discutirem juntas”. E concluiu dizendo que é preciso “fazer isso mais, porque o que está a acontecer em Gaza, agora, é desumano, e é tão trágico”, tal como na Ucrânia, no Sudão e em tantas partes do Mundo”, sendo também por isso que é “tão grata pela liderança do Papa Leão XIV e pelo seu apelo à paz”.

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Também o jornal La Repubblica, a 27 de agosto, publicou uma entrevista da mãe de James W. Foley a Francesco Bei, a qual, tendo falado no Encontro de Rimini, declarou, a propósito de Alexanda Kotey: “Tenho a certeza de que, para ele, Jim não era nada, nem mesmo uma pessoa. Em vez disso, eu queria humanizá-lo aos seus olhos.”

É de anotar que James W. Foley foi aluno da Marquetty University, confiada à Companhia de Jesus.

A entrevista, de teor muito semelhante à anterior, é portadora de algumas informações novas, que é conveniente reter.

O móbil do conhecimento do assassino do filho foi saber que Jim gostaria que a mãe o conhecesse e gostaria de saber o porquê dos seu assassinato. Alexanda Kotey havia-se radicalizado. A sua família tinha sido acolhida como refugiada na Grã-Bretanha. A mãe era cristã ortodoxa e ele convertera-se ao islamismo. Então, Diane Foley, como mãe, queria que ele soubesse quem era Jim, que não era um infiel, mas uma pessoa.

Apesar da oposição da família ao encontro com um dos assassinos do filho, aceitou, de imediato, o convite para o encontro, ficou nervosa, mas “rezou muito”. Como crê num Deus misericordioso, rezou pela graça de também ser misericordiosa e de ver Alexanda Kotey como uma pessoa, não como um assassino.

Confessou que tem outro filho mais ou menos da idade de Alexanda Kotey. Jim era o mais velho de cinco irmãos. E Diane Foley queria que Alexanda Kotey ouvisse a história do Jim, como Jim teria feito com ele. Com efeito, o Jim tinha um talento especial para ouvir e adorava as histórias dos outros. A mãe recorda: “Mesmo comigo, todas as vezes que nos víamos, talvez depois de uma viagem ao exterior, ele chamava-me para tomar um café e fazia-me mil perguntas.”

Questionada se, durante os três encontros que Diane Foley e Alexanda Kotey tiveram, sentiu algum remorso ou arrependimento da parte dele”, respondeu que sim, “principalmente, durante a nossa segunda visita, depois da qual me escreveu três cartas, reiterando, repetidamente, seu remorso e expressando o quanto lamentava o que havia feito”.

Isso foi por carta. Porém, o entrevistador do La Repubblica quis saber se esse remorso foi aflorado presencialmente. E a entrevistada, depois de pensar, confessou: “No primeiro encontro, não, nós os dois estávamos muito nervosos. Depois, aos poucos, ele abriu-se. O pai abandonou-o, quando ele era bem pequeno, e cresceu com a mãe. Acho que ter uma mãe mais velha na frente dele o ajudou a sentir-se mais livre. Também me mostrou fotos dos filhos e, em certo momento, até começou a chorar. Foi tudo muito triste.”

Interpelada sobre se ele estava triste com a situação ou com o mal que havia causado, a mãe de Jim, refletiu: Quando uma pessoa escolhe odiar, afunda-se no mal. E esse mal também a prejudica. É justo que ele tenha sido condenado à prisão perpétua, mas também é muito triste.”

Depois, relevou que a atitude de Alexanda  Kotey “foi muito diferente da dos seus cúmplices do ISIS”. Assim, declarou-se, imediatamente, culpado de todas as acusações. A sua equipa jurídica incluía um advogado com experiência em justiça restaurativa. E a entrevistada disse acreditar que a fé de Alexanda  Kotey em Deus também o terá influenciado.

Sobre a sua crença na justiça restaurativa, referiu que sempre foi contra a pena de morte, pois, “enquanto estivermos vivos, podemos aprender, podemos crescer e podemos mudar”. Portanto, espera que Alexanda Kotey “também encontre paz com o seu Deus”.

Por fim, questionada sobre o que se passa em Israel e se entende que o governo israelita deveria negociar a libertação dos reféns mantidos pelo Hamas ou prosseguir com a invasão, observou: “Benjamin Netanyahu está a entender tudo errado. Acredito que os governos sempre têm o dever moral de fazer todo o possível para devolver pessoas inocentes às suas famílias. Fiquei chocada por que o nosso governo tenha deixado Jim nas mãos de sequestradores, sem nem mesmo tentar negociar.

Interrogada pela forma como reagiu à notícia de que o exército israelita matou cinco repórteres palestinianos num hospital de Gaza, considerou: “Sem esses jornalistas corajosos na linha de frente, estaríamos num buraco negro sem notícias. O que aconteceu é muito triste e chocante, especialmente, porque eles estão a tentar desacreditar os mortos, alegando que eram filiados no Hamas, quando isso não é verdade.”

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É realçado o papel dos jornalistas em cenários de guerra, na luta pela informação e na denúncia do que os beligerantes não querem que seja mostrado, pelo que os profissionais da informação estão sujeitos à sanha dos poderes em conflito armado. É denunciada a injustiça para quem é feito refém por grupos terroristas, quando os governos se recusam a negociar com grupos à margem de Estados (dizem que não negoceiam com terroristas; e as pessoas são torturadas e mortas). É vincado que, na guerra, vale tudo: a fome, a mentira, o escudo humano com civis, incluindo crianças e o brincar aos acordos de cessar-fogo intermitente, mas não observados, e às negociações de paz inquinadas ou só para inglês ver.

2025.08.31 – Louro de Carvalho

sábado, 30 de agosto de 2025

Falta de professores, horários por preencher e erros nos concursos

 

A duas semanas do início do ano letivo, as escolas enfrentam um défice de cerca de três mil horários de professores por preencher. Para colmatar a falta de docentes, o governo vai abrir um concurso externo extraordinário com quase 1800 vagas, concentradas nas zonas com maiores dificuldades em atrair profissionais.

Neste sentido, a Federação Nacional dos Professores (FENPROF) considera positivo o facto de a ainda não extinta Direção-Geral da Administração Escalar (DGAE) ter publicado, a 14 de agosto (a cerca de um mês da abertura do ano letivo), as listas definitivas de colocação de docentes da mobilidade interna (MI) e da contratação inicial (CI). Porém, a boa notícia revela “a profundidade dos problemas que marcam o arranque do ano letivo 2025/2026”.

Segundo os dados divulgados pelo Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI), foram colocados  18899 docentes – 17455, por MI, e 1444 por CI, dos quais 326 correspondem a renovações (52 em horários incompletos). Porém, o MECI omite que ficaram por preencher 3152 horários, o que indicia o início do ano letivo com falta de docentes.
Apesar das 6173 vinculações no concurso nacional, 2625 decorreram de requisitos de exigência da própria lei, nomeadamente, por força da “vinculação dinâmica” (visa garantir a colocação de professores, em todo o país, permitindo que o MECI os mobilize para onde forem necessários) e da “norma travão” (contratados com três anos consecutivos de serviço em horário completo e anual, no mesmo grupo de recrutamento, têm prioridade de vinculação ao quadro onde trabalham). Paralelamente, cerca de 16816 docentes permanecem no desemprego, muitos com mais de 10 anos de tempo de serviço e uma média de idades que ultrapassa os 40 anos.  
A situação agrava-se com a entrada residual de novos professores, insuficiente para compensar as 2054 aposentações registadas entre 1 de janeiro e 31 de agosto de 2025, em resultado de um corpo docente cada vez mais envelhecido.

Outro dado preocupante é a diminuição de candidatos nas reservas de recrutamento: se, em 2024/2025, havia 19382 candidatos, em 2025/2026, são apenas 16816 (menos 13,2%). A redução é generalizada na maioria dos grupos de recrutamento, atingindo valores alarmantes no 1.º Ciclo do Ensino Básico (1.º CEB) (menos 27,7%); no grupo 120 – Inglês do 1.º CEB (menos 36,8%); no grupo 220 – Português e Inglês (menos 42,3%); no grupo 230 – Matemática e Ciências da Natureza (menos 28.8%); no grupo 300 – Português (menos 17,9%); no grupo 330 – Inglês (menos 19,7%); no grupo 420 – Geografia (menos 26%) e no grupo 910 – Educação Especial 1, (com menos 22,6%).

Entretanto, há relatos de situações irregulares ocorridas na MI. Estão em causa professores que, tendo mudado de Quadro de Zona Pedagógica (QZP) no Concurso Nacional 2025/2026, não o referiram como QZP de provimento na MI, tendo antes referido, por lapso, o anterior, ou seja, aquele em que estavam colocados à data do concurso. Nesses casos, e não tendo obtido colocação nas preferências manifestadas, deveriam ter sido colocados no QZP para o qual mudaram. Ao invés, foram colocados num agrupamento de escolas / escola não agrupada (AE/EnA) do QZP anterior, ao qual já não pertencem, nem concorreram, em clara violação das regras dos concursos, nomeadamente, do n.º 3 do artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 32-A/2023, de 8 de maio, na redação atual. Na verdade, como revelou o Diário de Notícias (DN), um erro no concurso de MI levou 27 professores do Norte a serem colocados em escolas no Sul do país, para as quais não tinham concorrido. Segundo o jornal, o lapso ocorreu no preenchimento do formulário e foi validado pelas próprias escolas, obrigando os docentes a dar aulas em zonas a centenas de quilómetros das suas residências. Os professores acusam a DGAE de má-fé e exigem correções imediatas.

Embora o erro inicial tenha sido dos docentes, no preenchimento da candidatura, é grave que o sistema tenha validado essas candidaturas incorretas, revelando falhas de controlo que permitem declarações inexatas, mesmo que involuntárias. Ora, tais situações, até serem corrigidas – o que poderá levar tempo –, criam grande instabilidade e angústia nos docentes e nas suas famílias, sobretudo, quando implicam afastamento significativo da sua residência.

O MECI já admitiu a situação e garante estar a avaliar juridicamente o caso para “encontrar uma solução que garanta a equidade”.

Assim, como enfatiza a FENPROF, o ano letivo arranca com menos professores, com mais horários por preencher, com erros nos concursos e com uma “Reforma” do MECI que, em vez de responder aos problemas da escola pública, a fragiliza e desmantela, desconsiderando docentes e as suas organizações representativas. É esta a realidade, ao invés da propaganda que diz ter trazido “paz às escolas”.

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As escolas continuam, pois, com mais de três mil horários de professores por preencher, pelo que o governo decidiu abrir um concurso externo extraordinário com quase 1800 vagas, para zonas com mais dificuldade em atrair docentes, para o que está a preparar um decreto-lei.

A duas semanas do arranque do ano letivo, há ainda “cerca de três mil horários por preencher”, revelou, a 27 de agosto, o ministro da Educação, Ciência e Inovação, Fernando Alexandre, no final de uma reunião com sindicatos, para discutir o diploma que cria um regime excecional e temporário para contratar professores para as 10 regiões do país com mais alunos sem aulas. E, antes do início do ano letivo, arranca mais uma reserva de recrutamento que permite às escolas contratar mais docentes, mas a tutela decidiu também lançar, neste ano, um concurso externo extraordinário para recrutar educadores de infância e professores dos ensinos básico e secundário, à semelhança do que aconteceu no ano letivo passado.

As cerca de 1800 vagas estão concentradas em 10 QZP, sendo a maioria – cerca de 1100 (cerca de 60%) – para dar aulas em escolas em Lisboa, disse o ministro, acrescentando que 20% das vagas serão abertas na região de Setúbal e as restantes 20% para escolas do Alentejo e do Algarve.

A este respeito, a FENPROF considera as propostas do MECI tímidas para resolver grandes problemas que “não poderão nunca resultar bem”.

Realizou-se, a 27 de agosto, uma reunião na qual o governo apresentou uma proposta de alteração ao regime de concurso externo extraordinário e em relação ao qual aquela estrutura sindical sempre teceu duras críticas e para o que apresentou propostas concretas para o melhorar, designadamente, em relação aos seguintes aspetos: “necessidade de abrir concurso interno, caso no concurso extraordinário surjam vagas não apresentadas no concurso anterior para o mesmo ano letivo”; “importância de distinguir, através de prioridades de concurso, os docentes provenientes do ensino público dos que provêm do ensino privado; consideração, neste concurso, de todas as vagas sobrantes de quadro de agrupamento / quadro de escola (QA/QE), e não apenas as de QZP; e “estabelecimento da não obrigatoriedade de concurso a outro QZP que não aquele em que se encontram providos, para os professores candidatos à mobilidade interna”.

Nesse sentido, será enviado um parecer às propostas de alteração feitas pelo governo, de forma a ainda serem introduzidas no novo diploma a aprovar. Da parte de Fernando Alexandre houve o compromisso de apreciação e de introdução dessas alterações, se apresentadas em curto prazo.

Contudo, reconhecendo a urgência de se encontrarem soluções para pôr fim à falta de professores, a FENPROF não se opôs a alterações pontuais, mas “não abdica de exigir a existência de verdadeiros processos negociais que respeitem a legislação em vigor”, não podendo, por isso, isentar o governante e a sua equipa de “responsabilidades, na apresentação tardia das suas soluções, negando, dessa forma, o direito, de as organizações sindicais, serem partes da solução”.

Ficam, pois, duas preocupações essenciais: uma, conexa “com a dita reforma do Estado e que se traduziu na abolição de um conjunto de serviços que eram interlocutores das escolas e também das organizações sindicais, através dos quais se resolviam um conjunto de problemas de gestão corrente”; e a outra, atinente às “caraterísticas das reuniões ditas negociais para as quais não há documentos prévios para debate, servindo, na maior parte dos casos, para transmitir intenções vagas do governo, em relação a legislação que pretende ver aprovada”.

Ambas as situações, segundo a FENPROF, “empobrecem o relacionamento institucional e refletem uma visão limitada e minimalista da vida democrática”. O processo de negociação coletiva, como está legalmente estabelecido, “é uma pedra basilar do regime democrático, da representatividade das organizações e do fortalecimento da participação dos cidadãos”.

O governo quer passar a ideia de que está preocupado com a solução dos problemas, mas não tem feito mais do que empobrecer os alicerces da vida democrática e dos direitos sindicais.

Outra forma de desvalorizar os processos negociais é a realização de escassas reuniões (para aparentar que há reuniões com os sindicatos) com todas as organizações sindicais em presença, impedindo “um aprofundamento efetivo das questões a necessitar de análise”. Ora, a FENPROF, na sequência com o que tem sempre defendido, “entende que, a haver reuniões com todos os sindicatos, simultaneamente, elas devem ocorrer, antes de se iniciar o processo negocial e no final de cada processo, devendo ser constituídas mesas negociais, de acordo com a representatividade das organizações. Aliás, a ministra Isabel Alçada chegou a fazer isso, acompanhando nove mesas.

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Por seu turno, a Federação Nacional da Educação (FNE), pela voz de Manuel Teodósio, criticou o modo como a tutela preparou a reunião negocial “que acabou por ser mais uma reunião informal”, e alertou para o facto de este concurso não garantir o preenchimento de todas as vagas.

A FNE voltou a defender a necessidade de um “controlo eficaz das habilitações científicas”, visto que este concurso permite contratar quem tem habilitações próprias, ou seja, sem habilitações pedagógicas. “Cientificamente, são pessoas qualificadas, mas falta a parte pedagógica. Se já os temos no sistema, então temos de os profissionalizar”, defendeu Manuel Teodósio.

A FNE, a 25 de agosto (dois dias antes da reunião), revelou ter solicitado ao MECI, por ofício de 22 de agosto, o envio urgente das seguintes informações, para garantir uma participação plena, responsável e devidamente informada no processo negocial: “proposta de articulado do referido decreto-lei, de modo a permitir a sua análise atempada e a elaboração do respetivo parecer com as contrapropostas da FNE; e “dados concretos que sustentem a negociação, nomeadamente, o número de docentes abrangidos, a identificação das zonas/escolas onde serão abertas vagas e a distribuição por grupos disciplinares.

Porém, a dois dias da reunião, continuava a aguardar o envio dessas informações, considerando que “esta negociação [se] reveste [de] particular importância, uma vez que está em causa a necessidade urgente de garantir estabilidade profissional aos docentes e de assegurar a resposta adequada às necessidades permanentes das escolas, num contexto em que o sistema educativo continua fortemente marcado pela falta de professores e pela precariedade que afeta milhares de profissionais”. Não obstante, reafirmou “total disponibilidade para, no âmbito dos processos negociais, contribuir para a construção de soluções que garantam respostas efetivas, em matéria de valorização, [de] estabilidade e [de] atratividade da carreira docente, fatores indispensáveis para a qualidade da educação e para a dignificação do trabalho de professores e [de] educadores”.

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A 14 de agosto, a FENPROF sustentava que a campanha Integrar +, do MECI, tem o objetivo de atrair jovens para a profissão e de recuperar alguns dos que a abandonaram. Porém, embora seja inquestionável que “ser professor é mudar vidas”, a campanha “não passa de publicidade enganosa, omitindo problemas estruturais”.

Com uma visão ilusória de “condições motivadoras de trabalho e de estabilidade profissional”, a campanha destaca o valor ilíquido do 1.º escalão da carreira docente, escondendo que o montante líquido recebido é inferior (até quase menos 500 euros), após deduções, e que milhares de docentes continuam em situação precária, apesar de satisfazerem necessidades permanentes das escolas, olvidando o princípio de que a posto de trabalho permanente deve corresponder vínculo efetivo. Esquece os trilhos que milhares de professores percorrem, ao longo de anos, até lograrem um lugar de quadro e as dificuldades em garantirem colocação perto da sua área de residência, mesmo após o ingresso em lugar de quadro. Os números não enganam: no último concurso do ano letivo findo, os professores que preencheram os requisitos para vincular tinham, em média, 44,9 anos de idade e 12,5 anos de serviço (segundo a norma-travão) e 45 anos e 9,8 anos de serviço (segundo a vinculação dinâmica).

A campanha não tem em conta os fatores que mais contribuem para o desgaste físico e psicológico dos docentes: horários de trabalho sobrecarregados; elevado número de alunos, por turma; múltiplos níveis letivos atribuídos a um professor; e o desrespeito constante pelo que são atividades letivas e não letivas, situação que a tutela, apesar de alertada, não corrige. 

O peso burocrático é silenciado e “tarefas administrativas sem enquadramento legal consomem tempo e energia que deveriam ser dedicados ao trabalho pedagógico”.

A campanha pretende eclipsar o falhanço do Plano +Aulas +Sucesso, cujos efeitos foram quase nulos, na resolução da falta de professores, a qual “só foi atenuada pelo recurso a horas extraordinárias em massa, a contratação de docentes com habilitação própria e até de pessoas sem qualquer requisito habilitacional”. Agora, com o “Plano +Aulas +Sucesso 2.0”, o MECI, não admitindo o insucesso do primeiro plano, limita-se a reciclar medidas do anterior, a que acrescenta a antecipação do alargamento do subsídio de deslocação a todos os docentes (medida aprovada no Parlamento, com os votos contra dos partidos do governo) e com “uma irrisória majoração deste subsídio para as áreas de QZP consideradas carenciadas”, criando “desigualdades” e baseando-se em “critérios de elegibilidade ainda não totalmente clarificados”. 

O novo plano é apresentado em simultâneo com a disruptiva proposta de “Reforma do Estado” que, sob a capa de discurso reformista, abre as portas à desresponsabilização do Estado na educação pública. Cerca de 20 mil docentes deixaram a profissão na última década e meia e, entre três mil e quatro mil aposentam-se, anualmente. Estima-se que, até 2030, serão necessários mais 20 mil docentes e, até 2035, outros 20 mil. A via de solução do problema é clara: valorizar a profissão, para a tornar atrativa, melhorando carreiras, salários, condições de trabalho, estabilidade e regras de aposentação. O resto é adiar o problema e iludir a sociedade.

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Por fim, interrogo-me: “Estando 3152 horários por preencher, como é que o MECI abre concurso externo de contratação para apenas 1800 vagas?” Não entendo tal minimização (e já fui docente e gestor escolar, no público e no privado), tendo em conta o panorama de carência estimado para um futuro próximo.

2025.08.30 – Louro de Carvalho


Pela dignificação democrática das assembleias municipais

 
Em seu artigo intitulado “Faltam jovens e mulheres nas assembleias municipais, mas também instalações próprias e mais reuniões”, publicado no Expresso online, a 28 de agosto, a jornalista Cláudia Monarca Almeida, põe em evidência o estado de degradação da maior parte das assembleias municipais (AM), o que sintetiza nos seguintes termos: “Mais de 60% das assembleias municipais não têm sala própria e, na maioria dos casos, os orçamentos são residuais. O ‘estudo’ [promovido pela Associação de Estudos de Direito Regional e Local (AEDREL)] revela ainda que os jovens e as mulheres continuam sub-representados nestes órgãos vitais da democracia local.”
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O artigo 239.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) estabelece que “a organização das autarquias locais compreende uma assembleia eleita dotada de poderes deliberativos e um órgão executivo colegial perante ela responsável” (n.º 1) e que “a assembleia é eleita por sufrágio universal, direto e secreto dos cidadãos recenseados na área da respetiva autarquia, segundo o sistema da representação proporcional” (n.º 2).
Por seu turno, o artigo 250.º da CRP estabelece que “os órgãos representativos do município são a assembleia municipal e a câmara municipal”. E o artigo 251.º estabelece que “a assembleia municipal é o órgão deliberativo do município e é constituída por membros eleitos diretamente em número superior ao dos presidentes de junta de freguesia, que a integram”.
O regime jurídico das autarquias locais (RJAL), aprovado pela Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, estabelece, no seu artigo 24.º que, sem prejuízo das demais competências legais e de acordo com o disposto no artigo 3.º, a AM “tem as competências de apreciação e de fiscalização e as competências de funcionamento previstas na presente lei”.
Ao nível das competências de apreciação e de fiscalização, o artigo 25.º elenca, no seu n.º 1, umas 22 atribuições da AM, a exercer sob proposta da câmara municipal (CM).
O n.º 2 do mesmo artigo elenca umas 14 atribuições, de que se destacam: “acompanhar e fiscalizar a atividade da câmara municipal, dos serviços municipalizados, das empresas locais e de quaisquer outras entidades que integrem o perímetro da administração local, bem como apreciar a execução dos contratos de delegação de competências previstos na alínea k) do número anterior; apreciar, com base na informação disponibilizada pela câmara municipal, os resultados da participação do município nas empresas locais e em quaisquer outras entidades; apreciar, em cada uma das sessões ordinárias, uma informação escrita do presidente da câmara municipal acerca da atividade desta e da situação financeira do município, a qual deve ser enviada ao presidente da assembleia municipal com a antecedência mínima de cinco dias sobre a data do início da sessão”.
A alínea k), acima referida, contempla a autorização da “celebração de contratos de delegação de competências entre a câmara municipal e o Estado e entre a câmara municipal e a entidade intermunicipal e autorizar a celebração e denúncia de contratos de delegação de competências e de acordos de execução entre a câmara municipal e as juntas de freguesia”.
Nos termos do artigo 26.º, n.º 1, no âmbito das competências de funcionamento, compete à AM:  “a) elaborar e aprovar o seu regimento; b) deliberar sobre recursos interpostos de marcação de faltas injustificadas aos seus membros; c) deliberar sobre a constituição de delegações, comissões ou grupos de trabalho para o estudo de matérias relacionadas com as atribuições do município e sem prejudicar o funcionamento e a atividade normal da câmara municipal.”
O n.º 2 do mesmo artigo estabelece que, “no exercício das respetivas competências, a assembleia municipal é apoiada por trabalhadores dos serviços do município a afetar pela câmara municipal, nos termos do artigo 31.”.
O artigo 31.º estabelece que a AM “dispõe de um núcleo de apoio próprio, sob orientação do respetivo presidente e composto por trabalhadores do município, nos termos definidos pela mesa e a afetar pela câmara municipal” (n.º 1); “de instalações e equipamentos necessários ao seu funcionamento e representação, a afetar pela câmara municipal” (n.º 2); e que, no orçamento municipal são inscritas, sob proposta da mesa da assembleia municipal, dotações discriminadas em rubricas próprias para pagamento das senhas de presença, ajudas de custo e subsídios de transporte dos membros da assembleia municipal, bem como para a aquisição dos bens e serviços correntes necessária ao seu funcionamento e representação” (n.º 3).
Ora, tendo em conta a amplitude das competências da AM, não se entende que a lei estabeleça apenas cinco sessões ordinárias, o que, na maior parte da autarquias, significa cinco reuniões (ver artigo 27.º, n.º 1, do RJAL).
Esta será, a meu ver, a grande incongruência da lei para o prestígio das AM, pois algumas limitações – como a estabelecida n.º 3 do artigo 25.º, no sentido de não poderem ser alteradas, na AM, algumas propostas apresentadas pela CM, sem prejuízo de esta poder vir a acolher, em nova proposta, as recomendações ou sugestões feitas pela AM – visam não dificultar o trabalho da CM, que, além de ser eminentemente político, se reveste de forte componente técnico-administrativa.   
Porém, a ambição política dos presidnetes de câmara e dos seus acólitos, encarregou-se de limitar os poderes efetivos das AM.
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Voltando ao artigo de Cláudia Monarca Almeida, é de recordar que mais de 60% das AM “não têm instalações próprias e, na maioria dos casos, dispõem de orçamentos residuais”. E “a precariedade das condições em que funcionam estes órgãos deliberativos é apontada como um dos principais entraves ao exercício da democracia local”.
Menos de um, em cada 10 elementos das AM, tem até 35 anos (9,6%). Em contrapartida, como apurou o “Anuário das Assembleias Municipais 2024”, a “grande maioria” tem entre 36 e 65 anos, totalizando 74,6% (ou 6540 elementos, em 8770 membros), enquanto os maiores de 65 anos mantêm uma “presença significativa” (15,8%). “É um retrato do que é a política, em geral, que acaba sempre por ter uma representação muito maior de homens de meia-idade”, considera Maria Escaja, deputada municipal pelo Bloco de Esquerda (BE), em Lisboa, com 32 anos.
É a perceção confirmada pelos dados revelados na segunda edição do estudo promovido pela AEDREL, onde foi detetada a “mesma predominância masculina verificada, já em 2022” (68,9%), nas AM e uma “ligeira diminuição da representação de elementos do sexo feminino” (31,1%). Isto acontece, porque as listas de candidatos contêm “poucos jovens e poucas mulheres nos lugares elegíveis”.
Obviamente, tal sub-representação tem consequências, pois, no dizer da deputada municipal do BE, se os “temas tratados são, muitas vezes, ditados pelas prioridades dessas pessoas”, falar-se-á menos de temas que dizem mais aos jovens, como a educação, os transportes ou as dificuldades na emancipação (como o acesso à primeira habitação).
“Quanto menos os jovens estiverem representados menos espaço para discutir os problemas da juventude haverá”, sustenta André Pontes, 27 anos, deputado do Partido Social Democrata (PSD) em Ribeira Grande (Açores), para quem a “tenra idade” é uma mais-valia que traz “uma nova perspetiva” e “facilidade em falar e em ouvir as preocupações dos jovens”. Mas se o social-democrata encontrou, no seu mandato, “total abertura” para ser ouvido (numa AM em que o PSD está em maioria), a bloquista teve a experiência inversa, como membro da oposição. “Um dos grandes problemas é a condescendência. Há muitos deputados mais velhos que não nos levam a sério por sermos jovens”, sustenta, relatando um episódio em que outra deputada do BE (Leonor Rosas) interveio sobre o tema da sua tese de mestrado, o colonialismo, após a qual outro deputado a “mandou estudar” o tema.
Os dois deputados municipais rejeitam que o aumento da sub-representação se deva à falta de mobilização dos jovens. “Tem de haver uma decisão conscien­te dos partidos de incluir pessoas mais jovens em lugares elegíveis”, defende Maria Escaja, a recandidata que dá o exemplo do seu partido, onde todos os eleitos para a AM de Lisboa, em 2021, tinham menos de 35 anos.
O estudo em referência é coordenado por António Cândido de Oliveira, Luís Filipe Mota Almeida e Sílvia Silva (investigadores ligados às Universidades do Minho, de Lisboa e de Coimbra), para esta sub-representação se deve à incapacidade de renovação das estruturas partidárias locais, à falta de abertura à sociedade civil e à “desertificação do interior”. Não obstante, algumas autarquias estão a tentar mudar o panorama. “Iniciativas, como as AM jovens ou para crianças contribuem para “incutir, desde cedo, a participação cívica, [para] promover a aproximação do órgão deliberativo aos problemas da juventude e [para] permitir consciencializar para o sistema de governo municipal”, consideram os investigadores.
Embora seja o único deputado com menos de 35 anos, num dos três concelhos em todo o país, que, segundo o Censos 2021, tem mais jovens do que idosos, André Pontes diz existirem “outros mecanismos que também dão voz aos jovens”, no município, como o Orçamento Participativo Jovem e o Conselho Municipal de Juventude. Não é recandidato, mas garante que o PSD quer reforçar a representação jovem, na AM de Ribeira Grande, a 12 de outubro. Com efeito, é preciso reverter a situação de termos a AM, um órgão vital da democracia local, remetida para um segundo plano.
De acordo com o estudo em referência, há um “padrão de progresso lento, no funcionamento das AM”, com o estudo a indicar uma “melhoria no respeito pelos mecanismos legais de escrutínio dos direitos das forças da oposição e na utilização de novos mecanismos de abertura à sociedade civil, como a participação nos trabalhos de elementos externos ou as assembleias descentralizadas”. No entanto, a “principal preocupação é que as AM continuam a ter um lugar secundário na estrutura de governo municipal”, não tendo as “condições necessárias para exercerem as suas funções, de forma eficaz, e [para] desempenharem o papel vital que lhes cabe na democracia local”. Na maioria dos casos (67%), as AM pesam menos de 0,1% do orçamento municipal e quase dois terços (60,6%) não têm instalações próprias, reunindo em espaços pequenos, o que “prejudica” a presença do público.
O estudo revela ainda que quase um terço das AM não realizou mais do que as cinco sessões ordinárias. Por outro lado, as moções de censura continuam a ser “muito raras” (em 2024, foram apresentadas em apenas quatro, das 308 AM), facto que os autores atribuem à “falta de efeito prático deste instrumento”, por não existir um “regime jurídico que regule a destituição do executivo”, como previsto na CRP, desde 1997 (ver artigo n.º 239.º, n.º 3). “Trata-se de uma inconstitucionalidade por omissão que dura, há quase 30 anos, e que, por isso, deveria merecer a maior atenção da parte da Assembleia da República nesta legislatura”, recomendam os autores do “Anuário das Assembleias Municipais”, que será lançado como livro no próximo mês.
Acresce que muitas AM funcionam fora do período laboral, muitas vezes entrando pela noite, sendo as discussões abreviadas e marcadas pelo cansaço dos participantes. Por outro lado, o público fica diminuído no seu poder de intervenção, quando a sua intervenção é guardada para o fim da reunião.    
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Integrei uma AM, durante oito anos (dois mandatos), o que me dá conhecimento para subscrever tudo quanto está apontado no estudo.
A discussão, na sequência de pedido de qualquer dos titulares do direito de oposição, o relatório a que se refere o Estatuto do Direito de Oposição (ver artigo 25.º, n.º 2, alínea h, do RJAL) só ocorreu uma vez.
A CM, quando respondia a requerimentos dos partidos da oposição, fazia-o de forma excessivamente lacónica e não admitia réplica.
Por indicação do presidente da CM, propalada na respetiva campanha eleitoral, não havia lugar a pagamento das deslocações dos deputados que residiam fora da área do município.
A AM reunia no Salão Nobre dos Paços do Município, habitualmente, a seguir à reunião do executivo, ou seja, sem tempo para os vereadores darem conta aos respetivos deputados municipais do teor das discussões e do sentido das votações.   
Muitos deputados municipais do grupo municipal do partido maioritário eram funcionários da respetiva autarquia, o que os limitava na discussão da agenda, pois dependiam funcionamento do presidente da CM. Por isso, limitavam-se a declarar apoio às propostas do executivo ou um deles perorava sobre o mérito das iniciativas da CM e do seu presidente. Ora, o “ámen” costuma dizer-se no final das orações, não nas reuniões da AM.  
Numa reunião, o presidente e o vice-presidente da CM abandonaram a sessão da AM, agastados com a intervenção de um dos membros da oposição.
Propostas da oposição, apesar de aprovadas na AM (o que era muito raro), dificilmente eram executadas pela CM.
Salvava-se a postura, habitualmente neutral, da presidente da AM, mas que não podia obrigar os deputados a falar, nem a CM a responder, mas que dependia funcionalmente do presidente da CM, pois era funcionária do município. O presidente da CM chegou a declarar que não estava ali para responder, como se estivesse num tribunal. Não sei a que propósito vinha tal declaração, uma vez que ninguém lhe pedia qualquer declaração ajuramentada.
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Penso que a situação melhoraria, se a CM emanasse da AM, como a junta de freguesia emana da respetiva assembleia e o governo emana do Parlamento. Por isso, só deveria haver eleição direta para a AM, como há para a assembleia de freguesia, que elege a junta de freguesia, embora o cabeça da lista mais votada venha a ser o presidente da junta.
Depois, a AM elegeria a CM, devendo designar como presidente da CM o cabeça da lista mais votada, o qual proporia os vereadores de entre os eleitos, que a AM ratificaria, por votação secreta.
Além disso, deveriam ser definidas as condições em que a CM seria destituída pela AM, tal como deveria existir uma figura municipal – por exemplo, provedor do município ou comissão de curadores –, que fiscalizasse o cumprimento do RJAL, fizesse recomendações à AM e à CM e dispusesse do poder de veto, em relação a deliberações da AM e da CM.
É, na verdade, necessário moderar o poder do presidente da CM, que, muitas vezes, toma decisões importantes, a solo, confiante na ratificação pelo executivo e pela própria AM, quando, a não ser em caso de urgência, a figura da ratificação deve ser evitada. É de promover a AM como espaço do debate político em prol do município e como contraponto ao poder central, sempre que necessário. Enfim, é preciso represtigiar a AM pelo cumprimento da lei e moderar o presidencialismo municipal, relevando a dimensão parlamentarista.    

2025.08.30 – Louro de Carvalho