quinta-feira, 17 de julho de 2025

Novo orçamento da UE será mais flexível para obviar a crises imprevistas

 
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, revelou, a 16 de julho, a sua muito aguardada proposta para o novo orçamento da União Europeia (UE), no valor de dois biliões de euros, entre 2028 e 2034, um aumento considerável, comparativamente com os 1,21 biliões de euros aprovados pelos eurolíderes, no verão de 2020.
A proposta do executivo da UE remodela a estrutura do orçamento em três pilares principais:
* Para a agricultura, as pescas, a coesão e a política social, 865 mil milhões de euros;
* Para a competitividade, incluindo a investigação e a inovação, 410 mil milhões de euros;  
* Para a ação externa, incluindo 100 mil milhões de euros para a Ucrânia, 200 mil milhões de euros.
No dizer de Ursula von der Leyen, trata-se de “um orçamento para uma nova era que corresponde à ambição da Europa”, “responde aos desafios da Europa” e “reforça a nossa independência”.
Embora as contribuições diretas dos estados-membros cubram a maior parte do orçamento, a Comissão Europeia prevê novos impostos, a nível da UE, sobre os resíduos elétricos, sobre o tabaco e sobre os lucros das empresas, para Bruxelas obter, por si própria, receitas adicionais. E todos os envelopes financeiros serão condicionados ao respeito pelo Estado de direito, uma alteração fundamental, em contrapeso ao retrocesso democrático na Hungria.
“O Estado de direito é um imperativo”, declarou Ursula von der Leyen, vincando: “Asseguraremos uma despesa responsável e a plena responsabilização com fortes salvaguardas, condições claras e os incentivos corretos. Isto serve os cidadãos.”
A apresentação da proposta de orçamento comunitário dá, oficialmente, início à disputa política entre os estados-membros e o Parlamento Europeu (PE), que se prevê prolongada, cansativa e explosiva, à medida que cada círculo eleitoral luta com unhas e dentes para garantir dinheiro para as suas prioridades.
A proposta do novo orçamento plurianual é fortemente moldada pela experiência do primeiro mandato de Ursula von der Leyen, no topo do poderoso executivo europeu. De facto, pouco depois de ter chegado a Bruxelas, esta figura desconhecida, vinda de Berlim, viu-se confrontada com a pandemia de covid-19, que a obrigou a conceber um novo fundo de recuperação, a reparar as cadeias de abastecimento e a negociar contratos de vacinas, em nome dos 27 estados-membros. Depois, teve de enfrentar as consequências da invasão da Ucrânia pela Rússia, como o aumento dos preços da energia e a inflação recorde, em virtude do lançamento de sanções económicas à Rússia, bem como a concorrência feroz da China e uma série de catástrofes naturais devastadoras.
As tarifas do presidente dos Estados Unidos da América (EUA) são a última de uma série de crises consecutivas que puseram as finanças do bloco sob pressão sem precedentes, desafiando seriamente a capacidade coletiva de responder a acontecimentos imprevistos. Cônscia destes constrangimentos, Ursula von der Leyen reformou o orçamento de longo prazo para o tornar menos rígido e mais flexível, dando aos serviços maior margem de manobra para utilizarem o dinheiro, de acordo com as circunstâncias em constante mudança, dentro e fora da Europa. “Tenho assistido a crises, desde o início do meu mandato”, afirmou, confessando a dificuldade, cada vez maior, de reagir rapidamente e com o poder financeiro necessário, pois o nosso orçamento atual está concebido de modo “que 90% [do dinheiro] seja fixo”.
A nova estratégia representa um afastamento ambicioso do pensamento tradicional subjacente ao orçamento, conhecido como Quadro Financeiro Plurianual (QFP), que, até agora, se baseou em dotações claramente definidas para programas específicos geridos pelos serviços especializados da Comissão Europeia. Os atuais 52 programas serão reduzidos a 16, e parte do financiamento não será pré-afetada, o que facilitará a transferência de verbas conforme necessário. Além disso, Ursula von der Leyen propõe um mecanismo especial de empréstimos, até 400 mil milhões de euros, a disponibilizar aos estados-membros, apenas quando ocorrer uma “crise desconhecida”. “É algo que temos como possibilidade, mas não para ser utilizado em tempos normais”, advertiu.
Uma das alterações mais importantes da proposta é a fusão dos dois maiores envelopes do orçamento: a Política Agrícola Comum (PAC), que engloba os subsídios aos agricultores, e os fundos de coesão. Em vez de serem entidades separadas, ambas serão agrupadas no primeiro pilar “As Parcerias Nacionais e Regionais”, com um valor total de 865 mil milhões de euros.
Os dois envelopes parecem significativamente reduzidos, em comparação com o orçamento atual, em que a PAC e a coesão representam mais de 60% das dotações.
Este corte profundo é fortemente contestado pelos países do Sul, que receiam eventual reação negativa do setor agrícola, e pelos países de Leste, que dependem da política de coesão, para colmatarem o fosso que os separa dos estados-membros mais ricos.
Porém, a redução será aplaudida pelos países ocidentais e setentrionais, que têm defendido, sistematicamente, maior concentração nas prioridades dos tempos modernos, como a ação climática, a defesa, a segurança, a investigação, a inovação e as tecnologias de ponta.
Este apelo foi reforçado, em 2024, pelo relatório do antigo primeiro-ministro italiano, Mario Draghi, que apelou a “mudanças radicais”, para inverter o declínio constante da competitividade do bloco e para enfrentar a intensa concorrência dos EUA e da China.
A resposta da Comissão traz outra novidade: o Fundo Europeu para a Competitividade, no valor de 410 mil milhões de euros, tem por objetivo mobilizar capitais privados, para maximizar o efeito do dinheiro público, mas é, muitas vezes, considerado insuficiente.
O terceiro pilar do projeto de orçamento reúne todos os instrumentos de política externa, no âmbito da Europa Global, no montante de 200 mil milhões de euros. Neste pilar, Ursula von der Leyen propõe a criação de um fundo de 100 mil milhões de euros, destinado, exclusivamente, a apoiar a recuperação e a reconstrução da Ucrânia. A ideia está em linha com o Mecanismo Ucrânia, de 50 mil milhões de euros que os eurolíderes aprovaram, no início de 2024, para tornar a ajuda mais fiável e previsível. Ao criar o mecanismo, Bruxelas protegeu os desembolsos de ajuda contra conflitos internos e contra vetos individuais.
A Comissão está empenhada em reproduzir e em alargar o modelo, no próximo orçamento, para garantir que a Ucrânia, cujo processo de adesão está sob o veto da Hungria, conte com a assistência do bloco, já que os EUA deram um passo atrás.
Paralelamente aos três pilares, o projeto prevê 292 mil milhões de euros para outras despesas, incluindo o reembolso da dívida da era covid-19, estimada entre 25 e 30 mil milhões de euros, por ano, um fator importante que não existia no orçamento anterior.
A Comissão afirmou, anteriormente, que as subvenções do fundo de recuperação deveriam ser inteiramente reembolsadas através dos recursos próprios, como o Sistema de Comércio de Licenças de Emissão, os direitos aduaneiros e os impostos recentemente propostos, o que permitiria obter 58,2 mil milhões de euros, por ano. “O objetivo é simples: temos de pagar o nosso empréstimo de recuperação partilhado e temos de cumprir as nossas prioridades modernas”, esclareceu Ursula von der Leyen.
Porém, os recursos próprios enfrentam a resistência enraizada dos estados-membros e são complicados de aprovar, o que sugere que o objetivo de recolher 58,5 mil milhões de euros, por ano, pode não ser atingido tão cedo, se é que alguma vez o será.
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A 14 de junho, referia-se, com base em fuga de informação, que a Comissão planeava unificar as duas maiores rubricas orçamentais – fundos de coesão e subsídios agrícolas – num único canal, sobre o próximo orçamento de longo prazo da UE. A proposta elimina o segundo pilar da PAC, que financia os programas de desenvolvimento rural, os quais apoiam iniciativas agroambientais, investimentos nas explorações agrícolas e o desenvolvimento das comunidades rurais.
Embora seja provável que as associações de agricultores – muitas das quais protestaram contra propostas similares, em maio – se oponham à eliminação do pilar do desenvolvimento rural, o elemento mais transformador será a fusão prevista entre a PAC e a política de coesão.
Os rumores de tal medida circulam, há meses. O projeto delineia o novo mecanismo, provisoriamente designado por “Parcerias Nacionais e Regionais”, apoiado por um fundo único.
Segundo a Comissão, tal abordagem “ajudará a explorar melhor as sinergias entre as políticas abrangidas pelo âmbito desta iniciativa e, por conseguinte, a apoiar a sua execução”. Ou seja, unir a política de coesão e a PAC numa única abordagem de programação, “os estados-membros disporão de um conjunto mais vasto de instrumentos para enfrentar os desafios com que se deparam os agricultores e as comunidades nas zonas rurais.”
Esta caixa de ferramentas alargada incluirá o desenvolvimento de infraestruturas, o acesso a serviços digitais, de água e de energia, bem como o apoio ao desenvolvimento de competências e à renovação geracional. Contudo, a proposta poderá enfrentar fortes resistências. A PAC e a política de coesão têm funções fundamentalmente diferentes: a primeira concede subsídios diretos aos agricultores, enquanto a segunda se centra na redução das disparidades regionais, através do investimento. Muitos intervenientes no setor agrícola, incluindo vários ministros da agricultura da UE e o comissário da Agricultura, Christophe Hansen, pretendem manter a estrutura de dois pilares e o orçamento autónomo da PAC.
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Financiamento da reconstrução da Ucrânia, reforço da competitividade do continente ou da manutenção dos subsídios agrícolas, tudo isto está ligado ao orçamento da UE, a longo prazo.
O processo começou a sério, no dia 16, quando a Comissão Europeia apresentou a proposta para o próximo QFP, que abrange o período de 2028 a 2034. Por trás de quase todas as grandes lutas em Bruxelas, há a batalha pelo dinheiro. E esta é a mãe de todas elas.
A presidente da Comissão prometeu a revisão global do orçamento da UE, para o tornar mais simples, mais eficaz e mais alinhado com as prioridades estratégicas. Traduzir essa ambição em números reais, especialmente, tratando-se de financiar áreas, como a Defesa, que os Tratados proíbem, será o início das negociações difíceis com os líderes da UE e com os eurodeputados.
Entretanto, os programas tradicionais não tidos como prioritários podem sofrer cortes profundos, provocando uma resistência feroz.
A preparação desta proposta de QFP tem sido marcada por extraordinário nível de secretismo. Poucos pormenores tinham sido divulgados antes do dia 16, a maior parte deles, deliberadamente e apenas numa fase muito final do processo. Este manto de confidencialidade é um dos exemplos mais bem-sucedidos da consolidação do poder de Ursula von der Leyen e uma prova do controlo da parte do seu poderoso chefe de gabinete, Bjoern Seibert.
Os membros da Comissão descrevem um sistema de compartimentação semelhante aos métodos utilizados nas operações dos serviços secretos, em que os indivíduos só têm acesso à informação estritamente necessária para as suas tarefas. Na Comissão, as discussões sobre o orçamento têm decorrido em grupos isolados, particularmente, em reuniões de alto nível, envolvendo os gabinetes dos Comissários e as direções-gerais. E a maior parte das discussões ocorreu com cada grupo a desconhecer o trabalho dos outros e, sobretudo, os números de cada fundo.
Os números foram enviados, diretamente, para o Colégio de Comissários, mas só umas três pessoas os conheciam.
Embora os funcionários da Comissão tenham estado a trabalhar em questões de estrutura e de governação dos fundos, o que não impediu a sua divulgação, os pormenores sobre os níveis de financiamento efetivos continuam a ser rigorosamente guardados.
O atual QFP para 2021-2027 é de 1,2 biliões de euros, o equivalente a cerca de 1% do produto interno bruto (PIB) da UE (sem incluir os fundos de recuperação pós-pandemia). Poucos esperam que este valor se altere drasticamente. Em vez disso, a tónica será colocada em gastar de forma mais inteligente e definir melhor as prioridades.
Inicialmente, a Comissão considerou a possibilidade de estruturar o próximo QFP em torno de três grandes pilares: um para os envelopes nacionais que abrangem a agricultura e os fundos de coesão; outro para a competitividade, a inovação e o investimento estratégico; e um terceiro que consolida todos os instrumentos externos. E, embora os especialistas sugiram que foram feitos ajustamentos, desde então, o objetivo de simplificação radical permanece intacto. “Ainda assim, é de esperar surpresas”, afirmou uma fonte da Comissão.
O atual orçamento para sete anos já reduziu o número de programas de financiamento de 58 para 37, em nome da racionalização. Porém, a Comissão ainda vê espaço maior consolidação, e uma das principais questões é saber até que ponto a simplificação será drástica. E a outra é saber até que ponto a Comissão pode aumentar a sua flexibilidade na reafetação de fundos.
Atualmente, a grande maioria do orçamento da UE é pré-afetada a programas específicos, deixando pouca margem para resposta rápida ou para despesas discricionárias. A UE dispõe de mecanismos para obviar a situações de emergência e a acontecimentos imprevistos, mas a sua dimensão é limitada: cerca de 21 mil milhões de euros, uma pequena fração do total do QFP.
A Comissão não pode transferir, unilateralmente, grandes montantes de um domínio político para outro, sem revisões formais, que exigem a aprovação do PE e do Conselho.
O emaranhado de programas conjuntos será substituído por 27 planos nacionais específicos para a agricultura e para a coesão, cada um refletindo as prioridades da UE, mas adaptando a aplicação a nível local, o que levanta questões espinhosas sobre quem controla os fundos e como são definidas as prioridades.
O Fundo Social Europeu, que apoia os esforços de luta contra a pobreza e os grupos vulneráveis, deve manter-se intacto. Os socialistas revindicaram este facto como uma vitória fundamental, em troca do apoio à recandidatura de Ursula von der Leyen, embora, na verdade, o fundo esteja consagrado nos tratados da UE e nunca tenha estado em risco de ser eliminado.
A proposta acabada de apresentar é o início de um processo de negociação longo, complexo e difícil. Os estados-membros, o PE (que diz estar a ser posto de lado, na elaboração do orçamento) e a Comissão trazem à mesa diferentes prioridades e linhas vermelhas.
A presidência dinamarquesa do Conselho da UE quer apresentar a caixa de negociação, o primeiro compromisso sobre a proposta, antes da cimeira da UE, em dezembro.
Vamos ver se teremos novo QFP aceitável. Os eurocidadãos merecem-no.

2025.07.16 – Louro de Carvalho


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