segunda-feira, 28 de julho de 2025

Acordo EUA-UE estabelece tarifas de 15%

 

A União Europeia (UE) e os Estados Unidos da América (EUA) chegaram, a 27 de julho, a um acordo comercial provisório, alegadamente, para evitar uma guerra de tarifas, potencialmente devastadora, entre duas das maiores economias do Mundo, encerrando, assim, uma corrida contra o tempo, antes do prazo autoimposto de 1 de agosto.
A reunião ocorreu num contexto de expectativas altíssimas, devido ao prazo iminente de 1 de agosto, que o inquilino da Casa Branca impôs, para forçar as nações a oferecerem concessões abrangentes, sob pena de enfrentarem tarifas punitivas.
Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, estava acompanhada por Maroš Šefčovič, comissário europeu para o Comércio, que passou os últimos meses a viajar pelos dois lados do Oceano Atlântico, na tentativa de obter melhor compreensão das exigências da Casa Branca. Estava ainda acompanhada de Björn Seibert, seu influente chefe de gabinete, de Tomas Baert, seu conselheiro comercial, de Sabine Weyand, diretora-geral para o Comércio.
Nos termos acordados pela presidente da Comissão Europeia e pelo presidente dos EUA, durante uma reunião na Escócia (porquê na Escócia), a maioria das exportações da UE com destino ao mercado norte-americano será sujeita a uma tarifa de 15%.
Além disso, Bruxelas e Washington comprometeram-se a enfrentar, conjuntamente, o desafio do excesso de capacidade de produção chinesa. Porém, a tarifa para as exportações dos EUA com destino ao mercado da UE não ficou imediatamente clara.
Como era de esperar, alega-se que o acordo é preliminar e necessita de ser mais pormenorizado. Todavia, a Comissão Europeia devia saber com que tipo de interlocutor estava a contratar. Julgo não ser necessário que Donald Trump assuma o primeiro verso do prólogo da “Aulularia”, de Titus Maccius Plautus: “Ne quis miretur qui sim, paucis eloquar”, que não preciso de traduzir à maneira do nosso dramaturgo Gil Vicente, bastando dizê-lo, de modo normal, em Português: “Para que ninguém estranhe que tipo de sujeito eu seja, explicitá-lo-ei em poucas palavras.” 
É óbvio que o inquilino da Casa Branca, no termo da reunião, iria proclamar, como é seu timbre fazer sempre tudo muito bem, que acha “ótimo termos chegado a um acordo, hoje, em vez de andarmos a brincar”. E disse: “Penso que é o maior acordo alguma vez feito.”
Esta última asserção faz-me lembrar o caso de um governador civil que foi inaugurar várias sedes de junta de freguesia, no mesmo concelho, e a tecla que premia, no discurso de inauguração, era: “Esta é a melhor sede de junta de freguesia que inaugurei!” E lá vinham as palmas, apesar de alguns dos presentes terem estado com ele nas outras inaugurações.
O presidente norte-americano é sempre o maior nos acordos que firma. O governo do Paquistão até o propôs para o Prémio Nobel da Paz.  
A presidente da Comissão Europeia, que foi, em nosso nome, ao beija-mão a Donald Trump, no complexo do campo de golfe do líder político e magnata, em Turnberry, na costa Oeste da Escócia, considerou, afinada pelo lamiré do anfitrião em país estrangeiro: “Temos um acordo comercial entre as duas maiores economias do Mundo. E é um grande acordo. É um acordo enorme. […] Vai trazer estabilidade e previsibilidade. Isso é muito importante para as empresas de ambos os lados do Atlântico.”
Ursula von der Leyen, que observou ser “geral” e “abrangente” a tarifa de 15%, impedindo a aplicação de outras tarifas, relevou: “Foram negociações difíceis [, mas] chegámos a uma boa conclusão.” E destacou a “abertura” do mercado da UE, que Donald Trump tinha contestado.
Os dois líderes apertaram as mãos sob os aplausos da sala.
A taxa de 15% é inferior à taxa de 20% que Donald Trump impôs e que suspendeu, em abril, como parte das suas controversas e autodenominadas “tarifas recíprocas”, bem como à taxa de 30% que ameaçou aplicar, numa carta enviada a Ursula von der Leyen, no início de julho. Também é inferior às taxas que outros países negociaram com a Casa Branca, nos últimos dias, incluindo a Indonésia (19%) e as Filipinas (19%), correspondendo ao número concedido ao Japão (15%), um aliado do G7.
Contudo, a taxa acordada representa uma concessão dolorosa, tendo em conta que as negociações começaram com Ursula von der Leyen a oferecer um acordo tarifário “zero por zero”. Ao longo do processo de negociações, a presidente da Comissão Europeia alertou, repetidamente, que “todas as opções”, incluindo um instrumento nunca utilizado contra a coerção económica, estavam em cima da mesa, no caso de um cenário indesejável.
À medida que as tensões aumentavam, a Comissão Europeia preparou várias listas de medidas retaliatórias contra produtos norte-americanos, no valor total de 93 mil milhões de euros. Porém, nunca recorreu a qualquer medida de retaliação, devido às diferenças marcantes entre os estados-membros. Alguns deles, como a França e a Espanha, defenderam uma demonstração de força, enquanto outros, como a Alemanha e Itália, pressionaram por um acordo célere. E a diferença ideológica só diminuiu depois de Donald Trump ter feito a ameaça de 30%, o que provocou indignação em todo o bloco e endureceu o clima, face à retaliação.
Antes de o líder dos EUA perturbar o comércio transatlântico, os produtos fabricados na UE estavam sujeitos a uma taxa média de 4,8% ao entrar no território dos EUA. O acordo em causa implicará, presumivelmente, um acréscimo de 10%, para atingir a marca de 15%.
Os automóveis da UE, que estão agora sujeitos a uma tarifa de 27,5%, passarão a estar sujeitos à taxa de 15%. Um esquema “zero por zero” aplicar-se-á a aeronaves, a semicondutores, a recursos naturais, a matérias-primas críticas e a alguns produtos químicos e agrícolas. E a presidente da Comissão Europeia vincou: “Continuaremos a trabalhar para adicionar mais produtos a esta lista.”
Além disso, explicou, o bloco irá comprometer-se a gastar mais de 250 mil milhões de dólares, por ano, na compra de GNL (gás natural liquefeito) norte-americano e combustíveis nucleares para substituir a energia russa. No total, tal significaria 700 mil milhões de dólares para o restante do segundo mandato de Donald Trump.
Não está clara forma como um acordo comercial pode impor aquisições a empresas privadas, mas uma coisa é certa: a UE sai de uma dependência (a russa) e coloca-se noutra dependência (a norte-americana: o GNL e os combustíveis nucleares dos EUA são mais doces), sem atender à transição energética, em que Donald Trump não aposta.
Questionada sobre que concessões os EUA fizeram, a líder do executivo europeu larachou com uma observação geral sobre prosperidade partilhada: “O ponto de partida foi um desequilíbrio, um excedente [de bens], do nosso lado, e um défice, do lado dos EUA. Queríamos reequilibrar a relação comercial e queríamos fazê-lo de forma que o comércio entre nós dois continuasse através do Atlântico”, afirmou, com a ingenuidade (?) que não emociona ninguém.
E o presidente dos EUA sustentou: “Acho que vai ser ótimo para ambas as partes.”
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Nas últimas semanas, Ursula von der Leyen e a sua equipa tentaram avançar nas negociações para reduzir a tarifa prevista pelos EUA. A taxa de 15% era considerada elevada, mas aceitável, se acompanhada de isenções para setores estratégicos.
Estarão isentos de impostos, em ambos os lados do Atlântico, aviões e respetivos componentes (Boeing e Airbus), alguns produtos químicos e farmacêuticos genéricos, máquinas para a produção de microprocessadores, alguns recursos naturais e matérias-primas críticas e alguns produtos agrícolas. Contudo, ainda não foram avançados mais detalhes sobre as especificidades destes produtos.
Embora reduzidas, essas isenções são significativas no respeitante, por exemplo, à produção estratégica, onde os EUA e a Europa podem cooperar para criar cadeias de abastecimento autónomas menos dependentes da China.
O objetivo, afirmou Ursula von der Leyen, é aumentar esta lista de produtos isentos. A possível isenção a bebidas destiladas (mas não a vinho) estará em cima da mesa de discussão.
A grande preocupação tem sido os produtos farmacêuticos, que a UE exporta em grandes volumes para o mercado norte-americano. E a administração Trump abriu uma investigação sobre os produtos farmacêuticos, medida que pode abrir caminho a uma tarifa personalizada. Não está, portanto, decidida a tarifa definitiva sobre os medicamentos.
No início da reunião, o presidente dos EUA disse que os produtos farmacêuticos não estavam incluídos no acordo. “Temos de os fabricar e produzir nos Estados Unidos [da América], e queremos que sejam fabricados nos Estados Unidos [da América]”, destacou, em declarações aos jornalistas, acrescentando: “Os produtos farmacêuticos são muito especiais. Não podemos estar numa posição em que [...] dependemos de outros países.”
No final da reunião, Ursula von der Leyen afirmou que os medicamentos fabricados na UE estariam sujeitos à taxa de 15%, mas admitiu que Donald Trump poderia tomar outras medidas para resolver a questão “globalmente”. “Começámos muito distantes uns dos outros. Foi difícil, justo, mas foi difícil”, afirmou a presidente da Comissão Europeia, considerando que “15% é, certamente, um desafio para alguns”, mas sem esquecer que “isso nos mantém o acesso ao mercado [norte-]americano”.
Depois, observou que o bloco europeu continuará a diversificar os seus parceiros comerciais para criar maiores oportunidades para os exportadores e investidores europeus. Porém, não disse que a tarifa de 50% se manterá para o aço e para o alumínio. 
A questão poderá não estar encerrada, uma vez que um tribunal federal de recurso dos EUA ouvirá os argumentos num processo judicial, muito acompanhado, de contestação a autoridade de Donald Trump para impor tarifas generalizadas, sob o pretexto de uma emergência nacional.
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O acordo inclui o compromisso de a UE comprar mais produtos norte-americanos, especialmente, armas e energia. A energia – GNL, petróleo e combustível nuclear – deverá custar 750 mil milhões de dólares (aproximadamente 640 mil milhões de euros), ao longo de três anos, ou 250 mil milhões de dólares (cerca de 213 mil milhões de euros), anualmente. O valor é significativo, se comparado, por exemplo, com as importações de petróleo e gás dos EUA que totalizara 84 mil milhões de dólares (cerca de 72 mil milhões de euros), em 2024.
Além deste valor, haverá um investimento de mais de 600 mil milhões de dólares (511 mil milhões de euros) nos EUA, incluindo equipamentos militares americanos, segundo avançou a BBC.
Os dois blocos são indissociáveis uma vez que têm a “maior relação bilateral de comércio e de investimento e a relação económica mais integrada do Mundo”, como revela o site do Conselho Europeu. Juntos representam quase 30% do comércio global de bens e serviços e 43% do produto interno bruto (PIB) global. Só em 2024, o valor de comércio dos dois blocos atingiu 1,68 biliões de euros: a UE importou 334,8 mil milhões de euros em comércio de bens provenientes dos EUA e exportou bens no valor de 532,3 mil milhões de euros para os EUA.
Os principais produtos que a UE exporta são medicamentos, veículos rodoviários e máquinas e equipamento industrial. Já em importações, dominam os produtos petrolíferos, os medicamentos, e as máquinas e equipamentos geradores de energia.
Sendo membro da UE, Portugal também será alvo da tarifa que estará em vigor para todos os estados-membros. Há vários setores altamente dependentes do mercado dos EUA, no país. É o caso das indústrias têxtil e automóvel – onde já se temia o fecho de empresas e despedimentos –, mas, sobretudo, da indústria dos vinhos (que, em muitos casos, têm os EUA como primeiro comprador, a nível mundial). Em 2023, os três países da UE que mais exportaram para os EUA foram a Alemanha, a Itália e a Irlanda, de acordo com o Eurostat. Em conjunto, representaram 55% das exportações da UE para os EUA. E, apesar de a Alemanha arrecadar mais dinheiro com as exportações para os EUA, a Irlanda é o país da UE que mais depende da venda de produtos para os EUA. Quanto a Portugal, aparece em 9.º lugar, com 6,8%.
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Independentemente do posicionamento político de cada estado-membro (em geral, de tolerância e de compreensão, se excetuarmos a Hungria), é de ter em conta o aviso do presidente da Comissão de Comércio Internacional do Parlamento Europeu (PE) Bernd Lange, deputado do grupo dos socialistas e democratas (S&D) do PE, segundo o qual o acordo levanta muitas dúvidas.
De acordo com este responsável político de origem alemã, “os defensores do acordo UE-EUA dirão que o pior foi evitado, que o acordo cria estabilidade para a maior relação comercial do Mundo, que o acordo garante a competitividade da UE, em relação a outros parceiros e que proporciona a cooperação entre a UE e os EUA para lá do comércio”. Porém, o eurodeputado espera, “sinceramente, que tenham razão”.
O relator para as relações comerciais UE-EUA, desde 2014, diz que o acordo anunciado pelos dois interlocutores, na Escócia, vem com “uma evidente assimetria”. “Muitas questões continuam por responder, pelo que assegurarei que, independentemente do que se pense sobre ele, o Parlamento obtenha respostas a todas as questões pendentes”, promete, frisando garantir que nada, no direito de regulamentar, dos serviços digitais à fixação dos preços do carbono, foi comprometido, em troca, e assegurando que, se o acordo se transformar em compromissos vinculativos, o PE e o Conselho “terão a última palavra sobre o assunto”.
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O acordo não prima pela reciprocidade; é omisso em matérias relevantes; substitui uma dependência da UE de um país pela de outro; estabelece a obrigação de compra aos EUA e a de investimento nesse país, sem a mesma obrigação dos EUA no bloco europeu; e, sobretudo, põe de cócoras, perante os EUA a UE, que devia posicionar-se como uma potência respeitável. Enfim, é um mau acordo, que não será “melhor do que uma boa sentença”.

2025.07.28 – Louro de Carvalho


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