terça-feira, 14 de outubro de 2025

Sistema de controlo de fronteiras gera filas no aeroporto de Lisboa

 

O novo sistema de controlo de fronteiras para passageiros fora do espaço Schengen, chamado Sistema de Entrada/Saída (Entry Exit System) (EES), que entrou em vigor, a 12 de outubro, está a gerar grande acumulação de passageiros no Aeroporto Humberto Delgado (AHD), em Lisboa. E a situação, que já foi crítica, no dia 13, agravou-se, no dia 14, sobretudo, às horas de pico, com as filas a prolongarem-se, deixando desconfortáveis crianças, pessoas de mais idade e pessoas com mobilidade reduzida.
O Sistema de Segurança Interna (SSI), em comunicado divulgado no dia 13, referindo-se à instalação do sistema informático, afirmava que o EES tinha arrancado com sucesso. Porém, no mesmo dia, a situação alterou-se, com dezenas de milhares de cidadãos estrangeiros de fora da UE nas partidas e chegadas no AHD.
A Polícia de Segurança Pública (PSP) reconhece viver-se “um dia crítico”, que obrigou os passageiros a esperar mais de 90 minutos. Segundo o responsável pela Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras (UNEF) da PSP, o dia 14 é o dia com mais voos de e para o espaço Schengen (espaço europeu de livre circulação de pessoas e de mercadorias) e o novo EES exige “um tempo de processamento na fronteira” maior. “O dia de hoje, olhando ao período em que estou nestas funções, há mais de um ano, está a ser o dia mais desafiante, até à presente data, pelo volume dos passageiros nas partidas e [nas] chegadas, que está a obrigar uma grande taxa de esforço e de empenhamento de recursos”, frisou João Ribeiro.
A “situação não é comportável por muito tempo”, avaliou ao Diário de Notícias (DN) Paulo Jorge Santos, presidente da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP/PSP).
Em sua opinião, não há capacidade para responder às exigências do novo sistema, que inclui a recolha de dados biométricos dos passageiros provenientes de fora do Espaço Schengen. “O aeroporto não terá capacidade para processar todos os passageiros no novo regime”, diz, sustentando que as filas intermináveis são prova dessa incapacidade, pois, na sua ótica, “está provado que a estrutura está sobrelotada”, já que, “apesar de todas as boxes estarem completas de pessoal e de todos os RAPID [estarem] a funcionar, a fila era, ainda assim, interminável”.
A PSP teve de acionar o mecanismo de controlo simplificado, para reduzir as filas, nas partidas, e para evitar que os passageiros perdessem os voos. O controlo simplificado, como o nome indica, consiste numa verificação mais rápida, com menos perguntas aos viajantes.
Outro fator agravante, segundo o presidente da ASPP/PSP, é o estado de saúde dos polícias. “Os polícias estão em burnout”, afirma. Mas há mais problemas. “A situação foi ainda agravada pela inoperância dos RAPID (oito estão avariados), o que resultou em tempos de espera nas chegadas bastante elevados. […] Apenas se conseguiu mitigar maiores danos com o reforço de efetivos das esquadras aeroportuárias, deixando essas unidades desfalcadas”, sublinha.
A associação sindical defende que é necessário um reforço do efetivo – reivindicação antiga dos polícias –, mas também mudanças internas no aeroporto. “A ASPP/PSP considera que, para além do reforço de efetivos, será necessário instituir medidas internas na estrutura aeroportuária que se adequem à política que a ANA procura implementar”, conclui.
E a ANA - Aeroportos de Portugal, a entidade gestora aeroportuária, apela às autoridades, com quem tem colaborado, a que prestem atenção aos tempos de espera dos passageiros e à necessidade de cumprir métricas de pontualidade do setor.
A gestora salientou, em comunicado, que “acolhe com satisfação a implementação” do novo sistema, que “garante uma maior segurança para Portugal e [para a] Europa”. Contudo, sustenta que não pode ser deixado para um segundo plano o tempo de espera dos passageiros e esclarece que a implementação do novo sistema, bem como a sua gestão, são da competência das entidades de segurança. “O desafio técnico e de coordenação dessa evolução não pode, entretanto, deixar num segundo plano a necessidade [...] de garantir aos passageiros um tempo máximo de espera nas fronteiras, à semelhança dos níveis de serviço exigidos para os processos sob responsabilidade da ANA”, enfatiza a concessionária.
A ANA assegura ainda que “tem colaborado com as autoridades e apoiado os passageiros, para mitigar os constrangimentos, dentro do que está ao seu alcance, através das suas equipas de apoio”. Tal colaboração passa pela “distribuição de água e [de] comida, na expectativa de que o reforço dos recursos, por parte das entidades responsáveis, permita a implementação de um compromisso de tempo de espera máximo nas fronteiras do país”.
As razões desta situação caótica prendem-se com o maior grau de exigência do sistema, em termos de recolha de dados e com a falta de meios, um problema crónico, em diversos serviços no país, tanto no setor público como no privado.
Na verdade, o novo sistema europeu de controlo de fronteiras para cidadãos extracomunitários, já em vigor, é mais exigente, em termos de recolha de dados dos viajantes. Com o EES, nas entradas e saídas de passageiros de países terceiros, deixam de ser usados carimbos nos passaportes e os dados biométricos, nomeadamente, a fotografia e as impressões digitais, passam a ser registados eletronicamente, com indicação da data, da hora e do posto de fronteira em que o cidadão entrou no país ou saiu dele. O trabalho de recolha é feito manualmente pela PSP, passageiro a passageiro, o que torna o processo muito demorado.
O objetivo das novas regras, aplicadas em todos os países do Espaço Schengen, é aumentar a segurança e controlar, mais facilmente, o tempo de permanência de estrangeiros.
Como dissemos, a PSP reconheceu que está a ser “um dia crítico” no AHD. “Hoje, sem sombra de dúvida, está a ser um dia crítico”, disse à Lusa João Ribeiro, diretor nacional-adjunto da PSP e responsável pela UNEF, avançando que, durante a manhã, houve filas no aeroporto, com os cidadãos de fora da União Europeia (UE) a terem de esperar mais de 90 minutos nas partidas e nas chegadas.
A escassez de meios humanos, designadamente, de agentes da PSP, e a existência de poucos leitores automáticos de passaportes – e, por vezes, desligados – têm contribuído para o que tem sido uma realidade nos últimos meses, no AHD, e, por vezes, em Faro. Para obviar ao problema, que tem merecido a crítica de companhias aéreas e de agentes de viagem, prevê-se a criação de mais espaço, dentro do AHD, a fim de colocar mais quiosques para a PSP, ainda neste ano, nas não se sabe quando isso acontecerá.
Efetivamente, 12 de outubro, a UE iniciou a implementação gradual do novo sistema eletrónico de controlo das fronteiras, o EES. Trata-se de um sistema automatizado que exige que todos os viajantes se registem na fronteira, digitalizando o seu passaporte, recolhendo as suas impressões digitais e tirando uma fotografia. Embora a sua introdução tenha começado agora, todo o processo, preparado desde há muito, demorará cerca de seis meses e abrangerá todos os estados-membros da UE. “O sistema de Entrada/Saída é a espinha dorsal digital do nosso novo quadro comum europeu em matéria de migração e asilo”, declarou Magnus Brunner, comissário europeu para os Assuntos Internos e a Migração, vincando: “Qualquer nacional de um país terceiro que atravesse a fronteira externa será sujeito a verificação de identidade, a controlos de segurança e a registo nas bases de dados da UE.”
O comissário frisou que “o período de aplicação de seis meses dá aos estados-membros, aos viajantes e às empresas o tempo necessário para se adaptarem, sem problemas, aos novos procedimentos”.
A aplicação do sistema significa que, doravante, os cidadãos de países terceiros terão de registar os seus dados biométricos, quando entrarem, pela primeira vez, no espaço Schengen.
O sistema abrangerá todos os países da UE, exceto a Irlanda e Chipre, bem como a Islândia, a Noruega, a Suíça e o Liechtenstein. Para as viagens subsequentes, apenas será necessária a verificação biométrica da identidade.
Prevê-se que o EES esteja totalmente operacional, a 10 de abril de 2026, altura em que os carimbos tradicionais dos passaportes serão completamente substituídos por entradas eletrónicas.
O objetivo do programa é identificar as pessoas que excedem o período de validade dos vistos e combater a migração ilegal e a fraude de identidade. E o seu lançamento é o resultado da crescente pressão política, em muitos países da UE, que apelam à União a que adote uma posição mais forme, em matéria de migração.

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A Euronews publicou, a 14 de outubro, um texto de Diana Rosa Rodrigues, sob o título “Caos no aeroporto de Lisboa, após entrada em vigor do novo sistema europeu de controlo de fronteiras”, segundo o qual “passageiros relatam o caos no aeroporto, que coincide com a implementação do novo sistema europeu de controlo de fronteiras que, segundo as autoridades, ‘foi um sucesso’”.
De facto, de acordo com Rosa Rodrigues, quem pretenda viajar para destinos fora da UE pode, nestes dias, “ter a vida mais dificultada, no controlo de passaportes”, pois “a saída de passageiros não tem sido fácil, devido à implementação do novo sistema de entrada/saída de passageiros”.
A articulista regista o caso de um passageiro que, para um voo com destino a Miami, esperou quase duas horas para o controlo do passaporte. Tendo chegado, com a família, às 7h30 do dia 14 ao AHD, entraram às 9h30 na zona internacional de embarque, para apanharem o voo das 10h30. “Recomendam-nos vir com três horas de antecedência. Neste momento, o aeroporto não consegue processar as pessoas em três horas, principalmente, se não forem cidadãos da União Europeia”, explicou. As filas são longas, até para distinguir passageiros comunitários e extracomunitários: “O caos está instalado dos dois lados. Não se consegue chegar à divisão das filas”, lamentou.
O cenário é “um bocadinho caótico”. Ao longo da manhã, as filas foram longas, como relatam, nas redes sociais, outros passageiros que passaram pelo AHD. E o passageiro em referência pormenorizou a confusão na zona de controlo do passaporte: “Crianças, grávidas, pessoas em cadeiras de rodas, ninguém consegue chegar à zona prioritária. Não há ajuda de ninguém”, explicitou, referindo ter presenciado pequenos incidentes de alguma “violência” com várias pessoas “exaltadas” no local.
O problema não é novo, até porque o AHD é conhecido pelos problemas de sobrelotação: um aeroporto pequeno, para a quantidade de pessoas que todos os dias o utilizam. Todavia, a situação agravou-se, nos últimos dias, nomeadamente, no atinente ao escoamento dos passageiros com voos internacionais, logo após a implementação do EES para cidadãos extracomunitários.
Diz a Euronews que se registam várias dificuldades no sistema automatizado, nomeadamente, ao nível das boxes de controlo e nos RAPID – o equipamento eletrónico que faz, automaticamente, os procedimentos de Controlo de Fronteira. E a ANA, confirmando a lentidão dos processos, declarou à Euronews que foram registadas demoras nas partidas, nomeadamente, da parte da manhã, que foram, entretanto, resolvidas. E deixou aviso, a modo telegráfico, no site do AHD, a indicar possíveis atrasos. “Voos não-Schengen com possíveis demoras, devido a alterações no Controlo de Fronteira. Recomendamos chegada ao aeroporto com antecedência.”
Fonte conhecedora dos processos de segurança aeroportuários explicou à Euronews que, apesar de pretender simplificar os procedimentos, o sistema pode complicá-los, à luz do problema da lotação. Antes, a título excecional, as autoridades portuguesas podiam fazer o controlo manual dos passaportes. Isto aconteceria nas saídas, de forma a não sobrecarregar o sistema, algo que não é possível agora, já que “todos os movimentos têm de ir ao sistema” e de ser registados informaticamente. Porém, a mesma fonte ressalva que se trata de tecnologia nova que pode enfrentar os problemas normais que a fase de implementação implica, como a atualização e a modernização dos equipamentos necessários.
O EES foi lançado, no dia 12, “com sucesso em todos os 29 Estados-membros do espaço Schengen”, segundo informou o SSI, em comunicado, em que se lê: “Portugal destacou-se a nível europeu, com 10774 passagens registadas, das quais 10749, em fronteiras aéreas, e 25, em fronteiras marítimas.” E a PSP, responsável pelos controlos fronteiriços aeroportuários, não confirmou as dificuldades do sistema, nem as filas, remetendo mais informações para o SSI.
Contactado pela Euronews, o SSI indicou que “não existem anomalias” na implementação do novo sistema, nem foram registadas mais filas do que [as que] havia”, antes. Enfim, o SSI é como os sucessivos governos, sobretudo, o atual, sendo a suas obras sempre um grande sucesso.
A PSP adverte que o EES se aplica “a todos os viajantes de países terceiros não cidadãos da [UE] que entram no espaço Schengen para estadias de curta duração – até ao limite de 90 dias, num período de 180 dias consecutivos – independentemente de necessitarem ou não de visto”. “Este novo sistema representa um avanço na segurança, eficiência do controlo fronteiriço e gestão automatizada das entradas e saídas no espaço Schengen”, afirma a PSP.

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Além da falta de meios, da complexidade do sistema ou da sobrelotação do AHD, há o problema da gestão. A 24 de julho, Pedro Costa Ferreira, presidente da Associação Portuguesa das Agências de Viagens e Turismo (APAVT), regozijando-se por estarmos a caminho de novo ano recorde de turismo, apontava sinais de alarme nas infraestruturas e tecia duras críticas ao funcionamento do AHD, não escamoteando o impacto negativo dos constrangimentos na qualidade do serviço aos turistas e em todo o ecossistema. Desculpando a ANA e as companhias aéreas, apontava o dedo ao Estado e acusava a falta de recursos e a má gestão do Estado, visíveis nas longas filas no serviço de fronteiras, controlado pela PSP, no principal aeroporto do país.
“Temos dois problemas no setor aeronáutico que aparecem juntos: um novo aeroporto, que nunca será efetivo antes de 2040 ou 2045 […], e os tempos de espera na fronteira. […] Nas fronteiras, é o controlo de passaportes e o sistema de entrada e saída, onde faltam recursos humanos, porque o Estado não os pôs lá. Também temos máquinas que não trabalham, porque as bases de dados não dialogam umas com as outras. […] Isto implica dias em que temos três horas e meia de fila para validar o passaporte”, denunciava, em declarações ao Expresso.
O líder da APAVT não conhece um aeroporto em que seja tão difícil sair. Validado o passaporte, já de malas na mão, há outra fila para sair da aerogare. Por isso, questiona por que não se põem dois corredores a funcionar na zona da alfândega.

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São problemas crónicos aliados à inércia, mesmo dispondo de tecnologia de ponta. Às vezes, o equipamento está pronto a funcionar, mas não houve o cuidado de familiarizar com ele os operadores, não há pessoal suficiente para fazer o trabalho em tempo útil ou há avarias. Falta sempre algo.

2025.10.14 – Louro de Carvalho

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