terça-feira, 7 de outubro de 2025

O 7 de outubro de 2023 não se celebra: resolve-se

 

O segundo aniversário do início da guerra entre Israel e o Hamas suscita um olhar não celebrativo do conflito, mas que suscite a atitude de lamento e de resolução definitiva da crise. As pessoas estão cansadas de sofrer e de ver a morte a seu lado e a destruição generalizada; e os decisores políticos deviam ter a seriedade humilde de reparar o mal feito, até porque as suas forças armadas vão acusando o toque de cansaço e de inanição, por causa da guerra.     
A 7 de outubro de 2023, Israel sofreu o talvez mais mortífero ataque da sua História, perpetrado pelo Hamas, que lançou uma série de investidas-surpresa contra Israel, a partir de Gaza, na madrugada daquele dia. Os atacantes, que pertenciam a vários grupos palestinianos coordenados por aquela organização islamista, atacaram por terra, em motas e pick-ups, por mar, em lanchas rápidas, e por ar, em parapentes. Era a “Operação Inundação de Al-Aqsa” a visar locais militares, kibutz e a festa de Nora. Em resposta, Israel prometeu aniquilar o Hamas e lançou violenta e continuada ofensiva sobre Gaza. Logo a 13 de outubro, o seu exército ordenou a primeira evacuação do Norte do enclave, no prazo de 24 horas, prenunciando a ofensiva terrestre.
De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), mais de um milhão de habitantes sentiu-se forçado a abandonar as suas casas e a dirigir-se para Sul. Os ataques de retaliação israelitas mataram mais de 1500 palestinianos, segundo as autoridades locais.
Após sete semanas de guerra, a 24 de novembro do mesmo ano, entrou em vigor a trégua de sete dias. O Hamas libertou 81 reféns, em troca de 240 prisioneiros palestinianos detidos por Israel. Isto foi o resultado de um cessar-fogo temporário entre os contendores, negociado pelo Qatar com o apoio do Egito e dos Estados Unidos da América (EUA). Porém, a 1 de dezembro, Israel retomou os bombardeamentos, acusando o Hamas de se recusar a libertar mais reféns e de se opor ao prolongamento da trégua. E o Hamas culpou Israel da quebra do cessar-fogo.
Em veredito histórico de 26 de janeiro de 2024, o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) decidiu que Israel devia “tomar todas as medidas ao seu alcance”, para impedir os atos abrangidos pela convenção sobre o genocídio, e garantir, com efeito imediato, que as suas forças não cometessem nenhum dos atos abrangidos pela convenção. A grande maioria do painel de 17 juízes votou a favor de medidas urgentes que abrangem a maior parte do que a África do Sul pediu, com a exceção de ordenar um cessar-fogo imediato. 
A África do Sul saudou a vitória como decisiva para o Estado de direito internacional e porfiou continuar a agir, no âmbito das instituições de governação mundial, para proteger os direitos dos palestinianos em Gaza. Ao invés, o primeiro-ministro de Israel declarou que o seu país “está a travar uma guerra justa como nenhuma outra”. “Continuaremos a defender-nos a nós próprios e aos nossos cidadãos, respeitando o direito internacional”, declarou Benjamin Netanyahu, vincando que a guerra continuaria, “até à vitória absoluta, até que todos os reféns sejam devolvidos e Gaza deixe de ser uma ameaça para Israel”.
Nos dias 17 e 18 de setembro de 2024, centenas de pagers e walkie-talkies do Hezbollah explodiram no Líbano. O ataque, perpetrado por Israel, causou a morte de, pelo menos, 37 pessoas e quase três mil feridos. As explosões ocorreram em supermercados, em ruas e em espaços públicos, no contexto de escalada das hostilidades entre Israel e o Hezbollah. E, a 27 de setembro, Israel matou Hassan Nasrallah, secretário-geral do Hezbollah, num ataque à sede da organização em Beirute, a capital libanesa.
A guerra entre Israel e o Hezbollah, que começou a 8 de outubro e terminou com o cessar-fogo, a 27 de novembro de 2024, causou quase quatro mil mortos e mais de 16 mil feridos, no Líbano. Provocou danos consideráveis no Sul do Líbano e em certos bairros de Beirute. Mais de um milhão de libaneses foi deslocado. E, após mais de 15 meses, entrou em vigor, a 19 de janeiro de 2025, um acordo de cessar-fogo negociado pelo Qatar, pelo Egito e pelos EUA e concluído, a 15 de janeiro, entre Israel e o Hamas. Foram trocados 33 reféns, incluindo oito cadáveres, por cerca de dois mil detidos palestinianos. Porém, o acordo foi quebrado, dois meses depois, por Israel, que recomeçou a bombardear Gaza, a 18 de março.
Entretanto, a 12 de junho de 2025, Israel e Irão iniciaram a guerra-relâmpago, que terminou a 24 de junho. Foi a guerra dos 12 dias. Israel atacou as instalações nucleares da República Islâmica, o Corpo de Guardas da Revolução Islâmica, as defesas aéreas iranianas e zonas residenciais. O Irão retaliou. E, na sequência dos ataques dos EUA às instalações nucleares iranianas, o Irão atacou a base norte-americana no Qatar, a maior do Médio Oriente. Doha diz ter intercetado os mísseis e não ter sofrido baixas. Esta guerra-relâmpago fez mais de mil mortos, no Irão, e 28, em Israel. Foi presidente dos EUA, quem lhe pôs fim, a 24 de junho.
Após múltiplas denúncias da grave situação de morte, de destruição, de estropiamento, de subnutrição, de doenças, de deslocamentos forçados, de fome, de ataques a instalações escolares, de saúde e religiosas, de bloqueios à ajuda humanitária e de utilização da fome como arma, por Israel, a ONU declarou oficialmente, a 22 de agosto, o estado de fome, o primeiro do género no Médio Oriente. Mais de 500 mil habitantes da Faixa de Gaza foram afetados, tendo a ONU acusado a “obstrução israelita sistemática”. Até ao presente, a ofensiva israelita causou mais de 66 mil mortos e 170 mil feridos, em dois anos, segundo as autoridades sanitárias locais. E o Hamas continua a manter 48 reféns, 20 dos quais Israel considera ainda vivos.
A 29 de setembro, o presidente dos EUA propôs um acordo de paz destinado a pôr termo a esta guerra de dois anos, incluindo a libertação de reféns, o desarmamento do Hamas e o fim da ofensiva israelita em Gaza. O Hamas afirma-se a favor de um acordo que ponha fim à guerra. As negociações, para o efeito, estão em curso no Egito. A proposta ganhou a simpatia de muitos países e está a ganhar força, quando a guerra está a entrar no seu terceiro ano.

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As conversações, com a mediação dos EUA, têm lugar na estância egípcia de Sharm el Sheikh, no Mar Vermelho, na véspera do segundo aniversário da ofensiva israelita no enclave, e procuram colmatar as lacunas entre Israel e o Hamas e definir pormenores para a execução da primeira fase do plano de Trump: a libertação de reféns e prisioneiros palestinianos e um cessar-fogo imediato. No entanto, o plano continua a suscitar muitas incertezas, incluindo a exigência de desarmamento do Hamas e a futura governação de Gaza.
Segundo um alto funcionário egípcio, que falou sob anonimato, a 4 de outubro, o enviado especial dos EUA, Steve Witkoff, lidera a equipa de negociação de Washington. A imprensa egípcia local referia que Witkoff e Jared Kushner, genro de Donald Trump e ex-conselheiro no primeiro mandato de Trump, chegaram ao Egito, devendo participar nas negociações. Já os israelitas são liderados pelo negociador de topo Ron Dermer, enquanto Khalil al-Hayyah lidera a delegação do Hamas. O gabinete do primeiro-ministro israelita informou que o conselheiro para a política externa, Ophir Falk, também estará presente, por Israel, entre outros.
Não é claro quanto tempo se espera que as conversações durem. Benjamin Netanyahu disse que as conversações “se limitariam a alguns dias, no máximo”, e Donald Trump frisou que o Hamas tem de agir rapidamente, “caso contrário, tudo estará perdido”.
Os responsáveis do Hamas alertaram para o facto de poder ser necessário mais tempo para localizar os corpos dos reféns enterrados nos escombros. Todas as hostilidades terminariam – em teoria – imediatamente, na primeira fase do plano. O Hamas libertaria todos os reféns que detém, vivos ou mortos, no prazo de 72 horas, após a sua aceitação. O grupo ainda mantém 48 reféns em cativeiro, dos quais Israel acredita que cerca de 20 ainda estejam vivos.
Inicialmente, Israel libertaria 250 palestinianos que cumprem penas de prisão perpétua, nas suas prisões, e 1700 pessoas detidas, em Gaza, desde o início da guerra, incluindo todas as mulheres e crianças. E entregaria os corpos de 15 palestinianos, por cada corpo de um refém entregue.
As tropas israelitas retirar-se-iam, gradualmente, de Gaza, após o Hamas se desarmar e ser enviada uma força de segurança internacional para assumir o controlo da segurança da Faixa de Gaza. Seria nomeado um governo provisório, para supervisionar a governação de Gaza, no pós-guerra e na recuperação da guerra, incluindo a reconstrução, que seria liderada por Donald Trump e pelo antigo primeiro-ministro britânico Tony Blair. A administração composta por tecnocratas palestinianos geriria os assuntos quotidianos. E o Hamas não teria nenhum papel na administração de Gaza e todas as suas infraestruturas militares seriam desmanteladas.
Os membros que se comprometessem a viver pacificamente seriam amnistiados e os que desejassem deixar Gaza teriam passagem segura para os países que os aceitassem. E seria autorizada a entrada na Faixa de Gaza de grandes quantidades de ajuda – igualando os níveis do cessar-fogo de janeiro, de 600 camiões por dia –, para obviar à crise de fome premente, e seria administrada por organizações internacionais, incluindo a ONU.
As questões que se colocam incluem o calendário das principais medidas. Um responsável do Hamas disse que seriam necessários dias ou semanas, para localizar os corpos de alguns reféns enterrados nos escombros. E altos funcionários do Hamas sugeriram que ainda há grandes divergências a exigir mais negociações. Uma das principais exigências é que o Hamas se desarme, mas a resposta do grupo, a 3 de outubro, não fez menção a esse facto.
Mousa Abu Marzouk disse que o Hamas estava disposto a entregar as suas armas a um futuro órgão palestiniano que governasse Gaza, mas não houve menção a isso, na declaração oficial do grupo em resposta ao plano. Osama Hamdan, declarou aos meios de comunicação social árabes que o Hamas recusaria a administração estrangeira da Faixa de Gaza e que a entrada de forças estrangeiras seria “inaceitável”. E o primeiro-ministro israelita, que afirmou, recentemente, que Israel aceitou o plano, na sua totalidade, e que está pronto para avançar, alertou para uma grave ação militar, se o Hamas não retribuir. Por outro lado, sustentando que o acordo é “oferta de pegar ou largar”, rejeita quaisquer alterações do Hamas ao texto ou à implementação.

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Com o agravamento da crise na Faixa de Gaza, diversos países anunciaram o reconhecimento do Estado da Palestina ou planos para isso – medida que visa a solução de dois Estados. E a Assembleia Geral da ONU votou a favor, por ampla maioria, da declaração que delineia “medidas tangíveis, com prazo determinado e irreversíveis”, em direção a tal medida. Porém, o governo de Israel posiciona-se contra a ideia e reforça que não deve parar as operações em Gaza, até que o Hamas seja destruído.
Em 2025, com o regresso de Donald Trump à presidência dos EUA, o governo norte-americano tem criticado aliados que se mostraram a favor do reconhecimento da Palestina.
A solução de dois Estados para o conflito, como a designação indica, postula que haja um Estado israelita e um Estado palestino coexistindo, pacificamente, nos territórios que incluem Israel, a Faixa de Gaza e a Cisjordânia ocupada. Porém, os dois lados não chegaram a acordo sobre questões fundamentais. Por exemplo, ambos reivindicam partes, senão toda, da cidade santa de Jerusalém como sua capital.
O território que abriga Israel, a Faixa de Gaza e a Cisjordânia esteve, durante séculos, sob o controlo de impérios e de grandes potências, desde os Macabeus e os Romanos aos Árabes e aos Otomanos, e, por breve período, a Napoleão. E, no início do século XX, a área fazia parte do Império Otomano, mas, após a queda deste, depois da I Guerra Mundial, permaneceu sob o controlo do Império Britânico, já com as fronteiras atuais.
Nesse período, a população judaica começou a crescer, em consonância com a Declaração de Balfour, de 1917, com a qual o Reino Unido apoiou o estabelecimento da Palestina como o lar do povo judeu. Contudo, as tensões eclodiram com os árabes, sobretudo, após o fim da II Guerra Mundial. E, em 1947, a ONU, para fazer cessar as tensões, aprovou o plano de divisão da Palestina em dois territórios, destinados ao Estado judeu e ao Estado árabe. Porém, em 1948, foi criado o Estado de Israel, quando o Reino Unido deixou a região, mas não se criou o Estado palestiniano. Ao invés, houve a guerra iniciada pelo Egito, pela Jordânia, pela Síria, pelo Líbano e pelo Iraque, que Israel venceu, consolidando a sua independência, enquanto a Faixa de Gaza ficava sob o controlo do Egito e a Cisjordânia sob o controlo da Jordânia.
A situação complicou-se em 1967, quando Israel atacou, de surpresa, o Egito, a Síria e a Jordânia – a Guerra dos Seis Dias – e, após a vitória, ocupou Gaza e a Cisjordânia, ficando a população árabe sob o seu domínio. A ONU, seguindo o plano de 1947, condenou a ocupação e pediu a saída dos israelitas dos dois territórios.
O avanço mais importante para a criação de um Estado palestiniano ocorreu em 1993, com a assinatura do primeiro de dois acordos entre Israel, a OLP (Organização para a Libertação da Palestina) e a rede de grupos palestinianos liderados por Yasser Arafat, que se opôs a Israel. Os Acordos de Oslo, nomeados em homenagem à capital norueguesa, onde foram negociados, gizaram o roteiro da criação de um Estado palestiniano, estabelecendo o Governo Autónomo Palestiniano ou Autoridade Palestiniana (AP), que passou a administrar os territórios da Faixa de Gaza (donde Israel se retirou em 2005) e da Cisjordânia, a partir de 1994, com eleições presidenciais e legislativas realizadas, pela primeira vez, em 1996.
A AP tornou-se o primeiro governo palestiniano, mas sob controlo de Israel. Para tanto, criou-se o esquema de áreas na Cisjordânia: na área A, composta pelas principais cidades palestinianas, que ocupam 20% do território, a AP exercia o controlo total; na área B, controlava os assuntos civis e governamentais, mas Israel participava no controlo da segurança, em 20% do território; e, na área C, a mais despovoada e extensa (60% do território), Israel manteve o controlo total.
Contudo, a via da criação de um Estado independente estagnou, à medida que a violência crescia, incluindo a segunda intifada, em 2000, e com a proliferação dos colonos israelitas nos territórios palestinianos. O então primeiro-ministro de Israel, Yitzhak Rabin, um dos signatários dos Acordos de Oslo, foi assassinado, em 1995, por um judeu de extrema-direita. E a figura de Yasser Arafat, signatário que representa a OLP, começou a perder influência, e o seu partido, o Al Fatah, foi derrotado nas eleições de 2006 pelo Hamas, o que dividiu os territórios palestinianos: Gaza, sob o controlo do Hamas, e a Cisjordânia, parcialmente governada pela AP, tornando o processo de criação de um Estado palestiniano ainda mais complexo.

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Não basta advogar a criação de dois Estados, na Palestina; é preciso definir as condições da sua existência e implantação no território. Ao mesmo tempo, importa que se mudem as mentalidades, em ordem ao respeito mútuo dos dois povos e à abominação da guerra. E a comunidade internacional tem de deixar de considerar uns como os bons e outros como os maus.

2025.10.07 – Louro de Carvalho


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