sexta-feira, 24 de outubro de 2025

Cimeira de líderes da UE aborda Ucrânia, competitividade e clima

 

Os chefes de Estado e de governo dos países da União Europeia (UE) reuniram-se, em Bruxelas, a 23 de outubro, numa cimeira para, entre outras matérias, confirmarem o apoio à Ucrânia. Antes da abertura da cimeira do Conselho Europeu, os 27 estados-membros adotaram novas sanções contra Moscovo e passaram a discutir a utilização dos ativos congelados da Rússia para conceder um empréstimo de 140 mil milhões de euros à Ucrânia.
“Já aprovámos o 19.º pacote de sanções contra a frota-fantasma e contra os setores bancário e energético da Rússia. E hoje, neste Conselho Europeu, vamos tomar a decisão política de assegurar as necessidades financeiras da Ucrânia para 2026 e 2027”, afirmou o presidente do Conselho Europeu, António Costa, frisando esperar que os 27 estados-membros da UE chegassem a acordo sobre um empréstimo de 140 mil milhões de euros a Kiev.
Para tanto, era necessário convencer a Bélgica, em particular. O país detém a maioria dos ativos russos congelados na Europa, através da empresa Euroclear, e o seu primeiro-ministro, Bart De Wever, estabeleceu as condições para a aprovação do empréstimo. “Quero uma mutualização total do risco, porque o risco é grande. Vamos ser alvo de enormes reclamações. Por isso, se quiserem fazer isto, teremos de o fazer todos juntos”, disse aos jornalistas.
Por sua vez, o primeiro-ministro finlandês, Petteri Orpo, sustenta que “a utilização dos ativos russos é a melhor solução, moralmente justificada, porque a Rússia atacou a Ucrânia”, e que “as alternativas incluem a utilização dos orçamentos dos países europeus ou a criação de um instrumento de dívida comum”.
O primeiro-ministro irlandês, Micheal Martin, sublinhou que Dublin, apesar da neutralidade militar, atuará como cogarante do empréstimo de reparação à Ucrânia.
Por seu lado, o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, que chegou tarde, não assinou qualquer texto relacionado com a Ucrânia.
Na véspera da cimeira, os Estados Unidos da América (EUA) anunciaram novas sanções contra as duas maiores empresas petrolíferas russas, a Rosneft e a Lukoil. “Esperámos por isto, Deus abençoe, vai funcionar”, disse o presidente, ucraniano Volodymyr Zelenskyy, à chegada à cimeira, em que participou, a pedir novo apoio, após a dececionante visita à Casa Branca
Também a Alta Representante da UE, Kaja Kallas, se congratulou com a decisão dos EUA: “É um importante sinal de força que nos alinha”, declarou.
Embora pareça estar a emergir um consenso sobre a Ucrânia, a questão dos objetivos climáticos e da neutralidade carbónica continua a ser motivo de divisão, enquanto os líderes insistem na simplificação e desregulamentação para promover a competitividade da UE. A este respeito, o primeiro-ministro grego, Kyriakos Mitsotakis, sustenta que “a transição verde é acordada em termos de objetivos de neutralidade climática para 2050”, mas “tem de garantir que não prejudica a competitividade da indústria europeia e a coesão social”.
Por isso, na sua ótica do chefe do governo grego, a palavra é “flexibilidade”.
Também foi discutida a proibição da venda de novos veículos com motor de combustão até 2035. Na véspera da cimeira, o chanceler alemão Friedrich Merz e o primeiro-ministro eslovaco Robert Fico, que criticaram, repetidamente, a legislação da UE, nesta matéria, reuniram-se para discutir o futuro da indústria automóvel.
Pela primeira vez, os líderes da UE debatem a crise da habitação, apesar dos poderes limitados de Bruxelas no tema. Entre 2010 e 2023, os preços dos imóveis aumentaram 48% e as rendas 22%.
Embora a China não conste explicitamente da agenda, os líderes discutiram os novos controlos de exportação de terras raras, por parte de Pequim, que são fundamentais para as transições digital e ecológica, bem como para a defesa da UE. “Não queremos ser demasiado dependentes da China. Queremos que eles apliquem ao mercado europeu as mesmas regras que nós aplicamos ao deles", disse o primeiro-ministro sueco, Ulf Kristersson, à sua chegada.
Também foram abordados temas, como a preparação da defesa, a competitividade, o Médio Oriente e a migração irregular.

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A diplomacia do presidente dos EUA será muito importante, nas conversações, depois de o seu esperado encontro presencial com o homólogo russo, em Budapeste, ter sido indefinidamente adiado, levando os europeus a cerrar fileiras em torno de Kiev. No dia 21, um grupo de líderes europeus apelou a um cessar-fogo nas atuais linhas de batalha, algo de que Donald Trump disse ser a favor, mas que Vladimir Putin rejeitou liminarmente. “Continuamos empenhados no princípio de que as fronteiras internacionais não devem ser alteradas pela força”, afirmaram em comunicado.
Como é tradição, as conclusões conjuntas sobre a Ucrânia só são aprovadas por 26 estados-membros, devido às divergências muito publicitadas da Hungria. Porém, desta vez, a Hungria não protagonizou a oposição, porque o seu primeiro-ministro, Viktor Orbán, chegou ao final da tarde, devido a um feriado nacional. Por isso, o foco principal foi a Bélgica, tendo o seu primeiro-ministro pedido o máximo” de segurança jurídica, de solidariedade e de responsabilidade, para garantir que os riscos potenciais, como a retaliação de Moscovo, sejam devidamente partilhados por todos os estados-membros, bem como transparência, para localizar os ativos soberanos russos detidos noutras jurisdições.
Diplomatas e funcionários reconhecem que a Bélgica tem interesses legítimos e esperam que Bart De Wever concorde em encarregar a Comissão Europeia de desenvolver proposta legal para Kiev começar a receber os fundos no próximo ano. A conversa analisou formas de garantir que as compras militares da Ucrânia ao abrigo do empréstimo beneficiem a indústria europeia, um objetivo fundamental para a França. Outros, ao invés, preferem priorizar o imediatismo da produção e dos fornecimentos, independentemente do país de origem.
Paralelamente a De Wever, os líderes estarão atentos a Robert Fico, primeiro-ministro da Eslováquia, que vetou o novo pacote de sanções contra a Rússia.  Embora não se oponha ao pacote em si, que visa o gás natural liquefeito russo (GNL), as infraestruturas petrolíferas, a frota sombra, e as plataformas de criptomoeda e os movimentos de diplomatas russos na UE, levantou questões não conexas com a energia, com o setor automóvel e com a competitividade.
Na véspera da cimeira, os embaixadores passaram horas a afinar as conclusões, para alargarem a linguagem a estas questões. E a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, escreveu uma carta aos 27, assumindo vários compromissos, no sentido de baixar os preços da energia para as famílias e de acelerar a revisão de uma lei que proibirá a venda de carros novos com motores de combustão, até 2035.
No dia 22, Robert Fico telegrafou a intenção de levantar o veto e de concordar com as sanções. A pressão para o pressionar foi inserida em discussão mais ampla sobre a política climática, cada vez mais contestada por líderes conservadores, como o alemão Friedrich Merz, a italiana Giorgia Meloni e o polaco Donald Tusk. Até os liberais, como o francês Emmanuel Macron, levantaram questões. O presidente francês exigiu que os líderes debatessem, pessoalmente, a necessidade de estabelecer um objetivo de redução das emissões para 2040, como ponte para a neutralidade climática, até meados do século. A Comissão propôs a redução de 90%, até 2040, mas com flexibilidades para os governos e para a indústria. Porém, o texto enfrenta a dificuldade de aprovação, por se agravar a reação contra as regulamentações ambientais.
Outro ponto de fricção é o novo Sistema de Comércio de Licenças de Emissão (ETS), que irá atribuir um preço ao dióxido de carbono (CO2) libertado pelos edifícios e pelos transportes rodoviários. Alguns países querem que o sistema, que entrará em vigor em 2027, seja objeto de revisão global ou mesmo abolido. Com as queixas a aumentarem, a troca de pontos de vista correu o risco de se transformar num confronto amargo sobre o Pacto Ecológico, o principal legado do primeiro mandato de Ursula von der Leyen.
A decisão de Pequim de reintroduzir e alargar as restrições generalizadas sobre as terras raras, cruciais para os setores da defesa e da tecnologia, agitou os europeus e alimentou os apelos da Alemanha, da França e da Polónia à tomada de posição mais dura. Porém, os estados-membros estão divididos, quanto à forma de enfrentar Pequim, e receiam que uma escalada com o gigante asiático afete a economia europeia, a ressentir-se do impacto das tarifas aduaneiras de Donald Trump. Assim, a perspetiva de acionar o “Instrumento Anticoerção”, a ferramenta comercial mais poderosa do bloco, continua a ser ideia distante, por enquanto.

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Moscovo negou que a última ronda de sanções da UE e as novas medidas rigorosas de Washington tenham qualquer efeito na sua economia ou na sua estratégia de guerra, fazendo crer que a Rússia não recuará na invasão da Ucrânia, nem concordará com um cessar-fogo.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros russo afirmou que mesmo as sanções dos EUA contra os gigantes petrolíferos Rosneft e Lukoil “não causarão problemas à Rússia, que desenvolveu uma forte imunidade a tais restrições”. “Porém, enviam um sinal contraproducente, incluindo do ponto de vista do acordo ucraniano”, afirmou a porta-voz Maria Zakharova.
Já Dmitry Medvedev, antigo presidente e ex-primeiro-ministro da Rússia, classificou Washington como inimigo de Moscovo. “Os Estados Unidos são nossos inimigos, e o seu ‘pacificador’ falador embarcou, agora, totalmente num caminho de guerra com a Rússia”, disse Medvedev, no dia 23, referindo-se ao presidente dos EUA.
“Agora é o momento de parar a matança e de um cessar-fogo imediato”, disse o secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, no dia 22, ao anunciar a notícia das sanções de Washington, as primeiras, desde o regresso de Trump à Casa Branca, garantindo que “o Tesouro está a sancionar as duas maiores empresas petrolíferas da Rússia que financiam a máquina de guerra do Kremlin” e que está preparado para tomar outras medidas, se necessário, para acabar com mais uma guerra.
No fim de semana anterior, Trump convocou Volodymyr Zelenskyy para Washington e, após briefing telefónico de duas horas de Putin, repreendeu o líder ucraniano, dizendo-lhe que tinha de ceder às exigências da Rússia ou enfrentaria a destruição da Ucrânia. Ao invés, o presidente ucraniano, em Bruxelas, disse que a Ucrânia não está a ser pressionada a fazer concessões territoriais e que não cederá nenhuma das áreas ocupadas pela Rússia.
Os apoiantes da Rússia, sobretudo a China e a Coreia do Norte, têm apoiado o esforço de guerra do Kremlin. A Coreia do Norte enviou dezenas de milhares de tropas e forneceu mais munições à Rússia do que toda a UE forneceu à Ucrânia. Ora, Vladimir Putin só contemplará um cessar-fogo ou negociações, se acreditar que está em risco de perder território ou poder.

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No dia 22, o presidente russo supervisionou os exercícios das forças nucleares do país, num momento em que foi suspensa a cimeira com o presidente norte-americano sobre a Ucrânia e foram impostas a Moscovo novas sanções. O exercício, que incluiu a prática de lançamentos de mísseis, testou as capacidades das estruturas de comando militar.
Como parte dos exercícios que envolvem todos os elementos da tríade nuclear de Moscovo, foi testado um míssil balístico intercontinental Yars, a partir do local de lançamento de Plesetsk, no Noroeste da Rússia, e foi lançado um ICBM Sineva por um submarino no Mar de Barents.
Embora os exercícios tinham sido planeados, surgiram horas depois de Trump ter dito, na dia 21, que o plano para uma reunião rápida com Putin em Budapeste estava em suspenso, porque não queria que fosse uma “perda de tempo”.
O ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergey Lavrov, deixou claro, no dia 21, que a Rússia se opõe a um cessar-fogo imediato na Ucrânia, enquanto o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, declarou, no dia seguinte, que a segunda cimeira Putin-Trump, prevista para daqui a meses, tem de ser cuidadosamente preparada e que ninguém quer perder tempo.
Entretanto, enquanto Washington instava Moscovo a concordar com um cessar-fogo imediato na guerra contra a Ucrânia, a Casa Branca impôs sanções às duas maiores empresas petrolíferas da Rússia. Com efeito, Donald Trump deu a entender que poderia punir a Rússia pelo prolongamento do conflito, mas, até então, não tinha tomado qualquer medida impactante. Ao mesmo tempo que afirmava ter “cancelado” a planeada reunião de Budapeste com Putin, disse que “sentiu que era altura” de impor as sanções, pois “esperou muito tempo”.
O presidente russo classificou as sanções dos EUA contra as duas maiores petrolíferas do país como um ato hostil, mas mostrou-se disponível para prosseguir o diálogo sobre o conflito.

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Todos os assuntos em agenda foram discutidos, mas ainda não foi aprovado o pacote dos 140 mil milhões de euros para a Ucrânia, porque a Bélgica se opôs. A principal preocupação do primeiro-ministro belga é a retaliação russa, caso Moscovo exija os seus bens de volta e as sanções sejam anuladas, já que o seu país, onde está a maior parte dos ativos russos que suportam o pacote de apoio, “se as coisas correrem mal”, não é capaz de pagar 140 mil milhões de euros, numa semana.
Neste veto, obteve o apoio do chefe do governo húngaro, como era expectável.
Em última análise, os chefes de Estado e de governo chegaram a um acordo sobre uma redação mais fraca, que instrui a Comissão a apresentar, “o mais rapidamente possível” uma lista de “opções”, para satisfazer as necessidades financeiras e militares de Kiev para 2026 e para 2027. Uma versão anterior das conclusões referia a elaboração de “propostas concretas”. E Ursula von der Leyen aceitou esta instrução como um mandato.
Não obstante, de acordo com os presidentes do Conselho Europeu e da Comissão, Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu (BCE) – que participou na cimeira e que, anteriormente, criticara qualquer plano que se assemelhasse a confisco de ativos soberanos –, afirmou que o plano é viável. Por isso, António Costa manifestou a sua esperança de que seja tomada uma “decisão final”, na cimeira de dezembro, no que é acompanhado por Emmanuel Macron, da França, e Friedrich Merz, da Alemanha.
Enfim, quem pode, como a UE, manda e quem precisa, como Volodymyr Zelenskyy, espera.

2025.10.23 – Louro de Carvalho


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