sábado, 11 de outubro de 2025

Tropas dos EUA supervisionam aplicação do cessar-fogo em Gaza

 

Segundo as autoridades dos Estados Unidos da América (EUA), 200 soldados estão no terreno, em Israel, para criarem um centro de coordenação e de supervisão, destinado a facilitar o fluxo de ajuda humanitária, bem como a assistência logística e de segurança para a Faixa de Gaza, não se esperando que entrem no território.
O enviado especial dos EUA, Steve Witkoff, visitou a Faixa de Gaza, a 11 de outubro, juntamente com o chefe do Comando Central das Forças Armadas dos EUA, Brad Cooper, para confirmar a primeira fase da retirada das tropas das Forças de Defesa Israelitas (FDI). “Este grande esforço será realizado sem que as tropas norte-americanas estejam no terreno em Gaza”, declarou Brad Cooper num comunicado, referindo que o seu comando liderará o centro.
De acordo com o acordo de tréguas, os restantes 48 reféns detidos pelo Hamas em Gaza deverão ser libertados até ao dia 13. O governo acredita que cerca de 20 dos reféns permanecem vivos. Em troca, Israel libertará cerca de dois mil prisioneiros palestinianos.
Enquanto o cessar-fogo se mantinha durante a noite, os palestinianos enfrentavam a dimensão da destruição provocada pelos bombardeamentos israelitas, ao longo de dois anos de guerra. As autoridades de Gaza afirmam que foram efetuadas mais de cinco mil operações públicas, desde a entrada em vigor do cessar-fogo, as quais incluem esforços para restaurar as infraestruturas de água e de esgotos, as operações médicas e as missões de socorro. E dizem que se fizeram cerca de 700 missões humanitárias, para distribuir alimentos à população deslocada de Gaza.
O Programa Alimentar Mundial (PAM) afirmou-se pronto para restabelecer 145 pontos de distribuição de alimentos, na faixa atingida pela fome, assim que Israel autorizar o aumento das entregas. Antes de Israel ter isolado Gaza, em março, as agências da Organização das Nações Unidas (ONU) forneciam alimentos em 400 pontos de distribuição. Agora, disseram ter recebido luz verde de Israel para aumentar a distribuição de ajuda a partir do dia 12.
Entretanto, centenas de milhares de palestinianos deslocados continuam a percorrer as ruas cobertas de poeira, para regressarem às suas casas no Norte. Segundo a agência de defesa civil de Gaza, 300 mil pessoas chegaram à cidade de Gaza, desde o início da trégua.
“Quando as pessoas lá chegarem, vão encontrar escombros. Vão descobrir que as suas casas e os seus bairros foram reduzidos a pó […] O cessar-fogo, por si só, não é suficiente”, declarou Tess Ingram, a porta-voz do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), a partir do centro de Gaza, apelando a um “aumento da ajuda humanitária que comece a resolver os tremendos danos causados dos últimos dois anos”.
Espera-se que o número de mortos, em Gaza, continue a aumentar, à medida que forem encontrados mais corpos que não puderam ser retirados, durante a ofensiva de Israel. Um diretor do Hospital Shifa, no norte de Gaza, disse que tinham chegado, nas últimas 24 horas, 45 corpos retirados dos escombros na Cidade de Gaza. O quadro hospitalar, que falou sob anonimato, por razões de segurança, disse que os corpos estavam desaparecidos, há vários dias ou duas semanas.

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Entretanto, foi anunciado, a 11 de outubro, que o presidente dos EUA, Donald Trump, deverá deslocar-se ao Médio Oriente para participar na cerimónia de assinatura, no Egito, do acordo de paz para Gaza, que marcará o fim da sangrenta guerra entre Israel e o Hamas, que dura há dois anos. Segundo fontes governamentais egípcias, Donald Trump será recebido na cidade de Sharm El Sheikh, no Mar Vermelho, pelo presidente egípcio, Abdel Fattah Al Sisi, para participar na cerimónia de assinatura, com os outros garantes do acordo de paz de Gaza.
Durante a viagem, o líder norte-americano deverá visitar, primeiro, Israel, onde está prevista uma reunião com o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, e um discurso na Knesset (parlamento). E, de acordo com os meios de comunicação social israelitas, Trump deverá encontrar-se com as famílias dos reféns, enquanto os meios de comunicação social egípcios referem que estão em curso preparativos para receber Donald Trump, no dia 13.
Esta viagem segue-se ao anúncio, no dia 9, de que Israel e o Hamas chegaram a acordo sobre a primeira fase do cessar-fogo em Gaza. O acordo foi tornado público, após longas negociações na cidade turística egípcia de Sharm el-Sheikh, onde o genro de Donald Trump, Jared Kushner, juntamente com mediadores do Qatar e do Egito, e o enviado especial dos EUA para o Médio Oriente, Steve Witkoff, pressionaram as duas partes para um cessar-fogo.
Segundo um comunicado do governo egípcio, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Badr Abdelatty, e o secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, discutiram, por telefone os preparativos para a cimeira, tendo-a Marco Rubio descrito como um evento histórico único. Uma declaração do Ministério egípcio dos Negócios Estrangeiros refere que as duas partes analisaram os últimos desenvolvimentos regionais, os esforços em curso para pôr termo à guerra de Gaza e a aplicação da primeira fase do acordo de cessar-fogo. E, observando que o acordo dá esperança ao povo da região, em especial, ao povo palestiniano, o chefe da diplomacia egípcia frisou a importância da aplicação do acordo no terreno, tanto na primeira como na segunda fase.
Entretanto, espera-se que os líderes (ou os respetivos ministros dos Negócios Estrangeiros) da Alemanha, da Espanha, da França, do Reino Unido, da Itália, do Qatar, dos Emirados Árabes Unidos, da Jordânia, da Turquia, da Arábia Saudita, do Paquistão e da Indonésia participem na cimeira a realizar no Egito.
Na Alemanha, os meios de comunicação social revelaram que o chanceler Friedrich Merz “aceitou, com gratidão”, o convite para participar na cimeira. De acordo com o porta-voz do governo, Stefan Kornelius,  o chanceler falou ao telefone com o presidente egípcio al-Sisi, no dia 10, agradecendo-lhe a sua “mediação para acabar com a guerra em Gaza” e elogiando o seu papel como anfitrião das negociações de paz. E, na Espanha, a emissora nacional informou que o primeiro-ministro, Pedro Sánchez, participará, no dia 13, na cerimónia de assinatura do acordo para pôr fim à guerra em Gaza, enquanto o ministro italiano dos Negócios Estrangeiros, Antonio Tajani, disse aos jornalistas, à margem de uma reunião em Florença, que a primeira-ministra Giorgia Meloni tinha sido convidada para a cimeira.
Espera-se que outros líderes europeus, como os de França e do Reino Unido, participem na cerimónia do tratado de paz na qualidade de potências governantes, embora não seja claro se o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, estará presente.
Embora subsistam incertezas quanto a aspetos espinhosos do tratado de paz, Donald Trump manifestou, no dia 10, confiança na manutenção do cessar-fogo entre Israel e o Hamas. Segundo o plano de Trump, Israel continuará a ter presença militar aberta em Gaza, ao longo da fronteira israelita, e uma força internacional, composta, maioritariamente, por tropas de países árabes e muçulmanos, será responsável pela segurança em Gaza, enquanto os EUA liderarão o esforço maciço de reconstrução financiado internacionalmente no enclave devastado pela guerra. Os analistas esperam que a cimeira, com apoio internacional, dê novo impulso ao acordo de paz e o clarifique, definitivamente, sobretudo, tendo em conta os acordos difíceis sobre a segurança, a governação e a reconstrução pós-conflito, ainda pendentes.

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Em 72 horas de negociações, em Sharm el-Sheikh, as delegações do Hamas e de Israel chegaram a acordo para o cessar-fogo e para a troca de reféns israelitas e de prisioneiros palestinianos. Importa saber por que isto não foi possível durante os últimos dois anos.
Segundo alguns analistas, um dos objetivos de Donald Trump é a integração comercial, energética e financeira do Médio Oriente. Em contraponto, um dos objetivos do Hamas, em outubro de 2023 era parar o processo de reaproximação das monarquias árabes sunitas a Israel, após a assinatura dos Acordos de Abraão, em 2020. A queda de Assad, na Síria, o sucesso das campanhas de Israel contra o Hezbollah e contra o Irão e a destruição das capacidades militares do Hamas, em Gaza, aumentaram as tentações unilateralistas do governo de Israel. E o presidente dos EUA viu em risco os seus interesses pessoais e o seu estatuto político como estadista.
Depois de ter idealizado (no que estava era acompanhado por governantes israelitas mais radicais) a criação de uma Riviera na Faixa de Gaza, com o sacrifício da população palestiniana, entendeu que o destino dos reféns israelitas era crucial para um cessar-fogo, em Gaza, e para as condições diplomáticas da futura reaproximação de Israel aos países árabes sunitas. E Benjamin Netanyahu dificilmente poderia enjeitar a oferta trumpiana, pois a dependência de Israel, face aos EUA, aumentou, nos últimos anos, devido ao ataque do Hamas.
Ora, se era fácil ao primeiro-ministro israelita contrariar as indicações de presidentes democratas dos EUA e até de alguns republicanos, ambição e a, pelo menos, aparente instabilidade de Donald Trump seria extremamente difícil.
Por outro lado, Israel está a caminho de novas eleições e Benjamin Netanyahu, com os partidos que suportam o governo, necessita de recuperar os reféns, para enfrentar o eleitorado, de fronte erguida, mostrando que, além da submissão (quase aniquilação) do grupo terrorista que infernizava Israel, recuperara os reféns israelitas, mostrando que a guerra defensiva valera a pena. Aliás, agora, na fronteira Norte, que se estende até ao Monte Hérmon, a 2814 metros de altitude, em território da Síria, a situação é mais favorável a Israel do que em 2023.
O Hamas deverá continuar a ser o mesmo, isto é, um grupo que tentará destruir Israel e criar um Estado islâmico em toda a Palestina. Todavia, o seu ataque de 2023 a Israel originou a maior catástrofe palestiniana, desde 1948. As suas escolhas passaram do ataque destrutivo à quase inanição. O cansaço da guerra e da destruição levaram-no a rendição, ao menos, transitória. O plano de Donald Trump criou o ensejo de o movimento sobreviver, desde que aceitasse entregar todos os reféns israelitas. E o Qatar e a Turquia (da qual o Hamas se afastou, a partir de 2017) desempenharam papel importante, ao persuadirem a liderança do grupo a subscrever o acordo com Israel. O Qatar e outros países árabes não estão interessados no desaparecimento do Hamas.

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Apesar de o tom ser positivo, o desfecho ainda é incerto. Numa fase inicial prevê-se a libertação dos 20 reféns vivos e o recuo das forças israelitas em Gaza. “Acabámos com a guerra!”, declarou Donald Trump, no dia 9 de outubro. De um lado e de outro, houve celebrações: na Praça dos Reféns, em Telavive, esvoaçavam bandeiras de Israel e dos EUA. Em Gaza, aplausos e danças para celebrar o avanço diplomático contrastavam com colunas de fumo e com uma paisagem de destruição. As pessoas não se sentem inteiramente confiantes, pois a destruição, a fome e a morte causaram trauma, mas tentam acreditar que Israel não recua e que os ministros mais radicais não conseguem pressionar o governo a voltar atrás.
Apesar de as negociações terem abrandado os ataques no enclave, os custos humanos não cessaram. O governo de Gaza estima que, em média, por dia, as forças israelitas tenham matado 18 estudantes e um professor, destruído 367 unidades habitacionais e 959 metros de redes de abastecimento de água, tal como refere que Israel atacou um abrigo ou centro de deslocados, a cada três dias.
Joana Ricarte, especialista em Relações Internacionais, com foco em estudos da paz, identidades e conflitos, diz que o acordo parece “promissor”, mas adverte que “a coreografia da implementação sempre foi o problema”, pelo que assume um “otimismo cauteloso”. Ou seja, o acordo pode funcionar como o cessar-fogo do início do ano, por fases, cujas etapas iam sendo definidas, à medida que avançavam. Por isso, não há garantias de que Israel não retome os combates, depois de reaver os reféns. Isto não é o fim da guerra. Para já, temos um acordo de interrupção da matança, da interrupção da de ajuda humanitária em Gaza e da libertação dos reféns israelitas, mas não há garantias do futuro, pois, mesmo com as linhas de retirada, as tropas israelitas mantêm o cerco da Faixa de Gaza, como antes de 7 de outubro de 2023. Aliás, Benjamin Netanyahu disse à Euronews que as tropas israelitas faziam uma retirada tática, mas continuariam em Gaza.
O presidente da Autoridade Palestiniana (AP), Mahmoud Abbas, manifestou a esperança de que estes esforços preludiem uma solução política que leve “ao fim da ocupação israelita” e ao estabelecimento de um Estado palestiniano independente nas fronteiras de 4 de junho de 1967, com Jerusalém Oriental como capital. Ora, o plano de Trump não deixa garantias, quanto à criação do Estado palestiniano, que é liminarmente rejeitado por Israel, nem os EUA estão interessado na criação desse Estado E a embaixada israelita em Portugal sustenta que o acordo “está em conformidade com os objetivos de Israel e as suas posições de princípio desde o início da guerra: o regresso de todos os reféns, um futuro governo em Gaza sem o Hamas e o desarmamento” do movimento islamita. Portanto, a solução dos dois Estados fica a ver navios.
Mohamad Hamdan, dirigente do braço político do Hamas, afirmou ao canal de televisão catari al-Araby, no dia 9, que os mediadores deram “garantias” de que o exército israelita não vai violar o acordo, nem relançar a ofensiva, e que a iniciativa “representa o fim definitivo da guerra em Gaza”. Gideo Sa’ar, ministro dos Negócios Estrangeiros de Israel, garantiu que Israel não tenciona retomar a guerra, mas há sensibilidades diferentes nos membros da coligação. Por exemplo, o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, firme opositor de qualquer concessão aos palestinianos, pediu que a guerra ao Hamas recomece, logo que os reféns estejam a salvo.
Este desbloqueio diplomático foi possível, segundo os analistas, “devido a sérios erros de cálculo” do primeiro-ministro israelita, ao atacar a cúpula do Hamas, no Qatar, em setembro. A liderança do grupo sobreviveu e Netanyahu pediu desculpas ao país, aliado dos EUA. O caso enfraqueceu, seriamente, a posição de Israel junto de Donald Trump e deu-lhe a influência necessária para forçar os israelitas a assinarem o plano de paz. No dia 8, Trump declarou que usaria o poder dos EUA para garantir que Netanyahu cumpre os seus compromissos.
As próximas eleições legislativas em Israel têm de decorrer até 27 de outubro de 2026 e, como dissemos, a atual postura de Netanyahu coloca-o “numa posição difícil”. Ao mesmo tempo, o plano de Trump é uma tábua de salvação para o primeiro-ministro israelita. A oposição quer o fim da guerra e a libertação dos reféns; e os aliados de Netanyahu sabem que têm o apoio de Trump para continuar o genocídio, se algo correr mal com o acordo.

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Enfim, é pena que a sorte das pessoas e dos povos dependa dos jogos de poder ou os interesses ditos estratégicos.  

2025.10.11 – Louro de Carvalho


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