terça-feira, 21 de outubro de 2025

Foi promulgada nova Lei de Estrangeiros

 

A 16 de outubro, o Presidente da República (PR) promulgou o Decreto da Assembleia da República n.º 11/XVII, para valer como lei, que procede à alteração da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, assim como procede à alteração do Decreto-Lei n.º 37-A/2024, de 3 de junho, procedendo à revogação dos procedimentos de autorização de residência assentes em manifestações de interesse (ver artigo 1.º).
O chefe de Estado, que tinha deixado no ar a hipótese de reenviar o diploma para o Tribunal Constitucional (TC), optou pela promulgação imediata, quando até podia até usar da prerrogativa do veto político. Estribou a justificação com a verificação de que o diploma (que altera a Lei n.º 23/2007, de 4 de julho) foi “revisto e aprovado por 70% dos deputados”, e no suposto facto de corresponder, “minimamente, ao essencial das dúvidas de inconstitucionalidade suscitadas pelo Presidente da República e confirmadas pelo Tribunal Constitucional”.
Após meses de discussão e de rejeição, pelo TC, do diploma aprovado, em primeira versão, pela Assembleia da República (AR), o PR ficou satisfeito com as novas alterações e deu luz verde à lei que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional e que, desta vez, estabelece um regime transitório.
Agora, terá de ser publicado em Diário da República, para ter aplicação efetiva e onde se esclarecerá a data de entrada em vigor das medidas.
O diploma, na atual redação, limita os vistos para procura de trabalho, altera as condições para concessão de autorização de residência a cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e altera as regras para reagrupamento familiar, o qual foi um dos grandes pontos de discórdia, na AR, e atrasou a promulgação do diploma.
A 24 de julho, o PR submeteu a primeira versão do decreto da AR ao TC, por entender que as alterações, em matéria de reagrupamento familiar pareciam “restringir, de forma desproporcional e desigual, o princípio da união familiar, podendo não acautelar o superior interesse da criança, forçada a lidar com separações prolongadas”. Nessa postura, concitou o elogio de muitas personalidades, de muito partidos e de muitos grupos.
Os ocupantes do Palácio Ratton deram-lhe razão, declarando inconstitucionais cinco normas do decreto sobre o direito ao reagrupamento familiar e sobre questões similares. Porém, com estas alterações, mantém-se o princípio de que este direito só é reconhecido ao cidadão estrangeiro que tenha autorização de residência válida em Portugal, “há, pelo menos, dois anos”.
Não obstante, abrem-se exceções (o regime de exceções para as normas desagradáveis foi a opção do governo, na proposta de lei que apresentou à AR): o prazo de dois anos não se aplica, no caso de filhos “menores ou incapazes”, nem ao “cônjuge ou equiparado que seja, com o titular de autorização de residência, progenitor ou adotante de menor ou incapaz a cargo”, devendo o processo ser decidido pela Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA), no prazo, não renovável, de nove meses; para os casais sem filhos em comum, estabelece-se um prazo “de 15 meses” de residência legal em Portugal, para reagrupamento com o “cônjuge ou equiparado que com o titular tenha coabitado durante, pelo menos, 18 meses, no período imediatamente anterior à entrada deste em território nacional” e desde que a união cumpra os parâmetros legais reconhecidos em Portugal, excluindo, por isso, casamentos forçados, polígamos ou com menores.
Mantêm-se os dois anos como condição para se pedir o reagrupamento com os restantes membros da família, filhos maiores de idade e ascendentes (que não sejam incapazes). Todavia, o prazo de dois anos pode “ser dispensado em casos excecionais devidamente fundamentados, por despacho do membro do governo responsável pela área das migrações”, considerada “a natureza e a solidez dos laços familiares da pessoa e a efetividade da sua integração em Portugal, à luz dos princípios da dignidade da pessoa humana e da proporcionalidade”.
Ficam ainda dispensados de tempo mínimo de residência vistos gold, profissionais altamente qualificados e os que têm o Cartão Azul da União Europeia (UE): título de residência e trabalho destinado a profissionais altamente qualificados de países fora da UE.
Para poder trazer a família para Portugal, o cidadão estrangeiro tem de dispor de alojamento adequado e de meios de subsistência suficientes, sem contabilizar as prestações sociais, como o abono de família ou subsídio de desemprego.
O diploma prevê medidas de integração para a família, designadamente, a aprendizagem da Língua Portuguesa. Deverão ser apresentados certificados de proficiência emitidos por parte de entidades reconhecidas. No caso de cidadãos da CPLP, isto não é necessário.
Os menores que passem a viver em Portugal têm de frequentar o ensino obrigatório.
Os vistos de procura de trabalho que permitiam aos estrangeiros vir para Portugal à procura de trabalho ficam restringidos a profissionais “com elevadas qualificações”. A lista de profissões ainda não foi divulgada pelo governo, mas o decreto da AR, prevê uma portaria conjunta de vários ministérios para estipular as profissões que se enquadram nesta categoria. E, no caso de vistos de trabalho para setores essenciais, o governo celebrará “acordos de mobilidade que correspondam a necessidades de setores estratégicos da economia”.
Portugal está vinculado ao acordo da CPLP, pelo que se mantém a dispensa de parecer da AIMA para os vistos CPLP, mas passa a ser exigido um parecer da unidade de fronteiras do Sistema de Segurança Interna (SSI) na sua atribuição.
O pedido de autorização de residência CPLP fica limitado a quem disponha de visto de residência, não sendo possível pedi-lo em território nacional com vistos de turismo ou com isenção de visto.
Segundo o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, o objetivo do diploma é limitar os fluxos de entrada de imigrantes em Portugal. De acordo com o relatório “Migrações e Asilo”, divulgado pela AIMA, também a 16 de outubro, Portugal tinha, a 31 de dezembro de 2024, pelo menos, 1543697 cidadãos estrangeiros a residir em território nacional. Ou seja, a população imigrante praticamente quadruplicou em sete anos, passando de pouco mais de 420 mil cidadãos estrangeiros a residir em Portugal para mais de 1,5 milhões.
A população potencialmente ativa representa 85,5% dos cidadãos estrangeiros residentes, com destaque para o grupo etário entre os 18 e os 34 anos (42%); a população jovem entre os zero e 17 anos representa 8,2%; a população com mais de 65 anos situa-se nos 6,3%; a nacionalidade brasileira mantém-se como a principal comunidade estrangeira residente em Portugal, com a representação de 31,4% do total; e os indianos (98616) são a segunda nacionalidade mais representada entre os cidadãos estrangeiros.

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O governo conseguiu a aprovação parlamentar de várias alterações na atual lei, com impactos para quem está em Portugal e, sobretudo, para os que pretendem morar no país. O objetivo é limitar os fluxos de entrada de imigrantes. Segundo o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, esta é uma etapa essencial para que a AIMA funcione melhor.
Uma das medidas para desencorajar a escolha de Portugal como destino de imigração consiste em limitar o visto de procura de trabalho a profissionais altamente qualificados. O Partido Socialista (PS) procurou alargar o acesso ao visto, propondo que este abrangesse “trabalhadores de setores essenciais” e conseguiu introduzir a possibilidade de o governo firmar “acordos de mobilidade que correspondam a necessidades de setores estratégicos da economia”, mecanismo em vigor com vários países.
A nova versão da Lei de Estrangeiros foi aprovada a 30 de setembro, com os votos a favor de toda a direita, incluindo a Iniciativa Liberal (IL) e do Juntos pelo Povo (JPP), mas com os votos contra do PS, do Livre, do Partido Comunista Português (PCP), do Bloco de Esquerda (BE) e do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN). Apesar de o executivo ter estado em negociações com o PS, “até ao último momento”, o entendimento acabou por ser feito à direita, com o Chega.
As reações não tardaram a chegar. O presidente da Solidariedade Imigrante, a maior associação de imigrantes do país, defendeu que a nova Lei de Estrangeiros prejudica o desenvolvimento do país e ataca os direitos dos mais pobres. “Esta lei não serve, não serve o país, não serve o desenvolvimento económico, nem para que os direitos humanos das pessoas imigrantes sejam respeitados”, declarou à Lusa Timóteo Macedo, segundo o qual o diploma mantém inconstitucionalidades, nomeadamente, quanto às alterações no direito ao reagrupamento, que, na sua ótica, “deve consagrar o direito a todos os familiares próximos e não apenas aos descendentes ou cônjuges”.
O tempo de residência mínima de dois anos e os prazos excecionais não passam de “prazos de castigo, [de] tortura e [de] políticas fortemente influenciadas por políticas ditatoriais que não respeitam a dignidade das pessoas humanas”, vincou Timóteo Macedo, criticando o facto de a lei manter exceções para investimento (vistos gold), criando “vários escalões” entre imigrantes.
Esta lei cria “divisão de classes, ou seja, os emigrantes ricos têm todos os benefícios e os emigrantes que trabalham e produzem a riqueza para o bem-estar da sociedade, os pobres são prejudicados”, rematou.
Por seu turno, José Luís Carneiro, secretário-geral do PS, garantiu que o PS não iria questionar a constitucionalidade do diploma e deixaria o assunto nas mãos do chefe de Estado. Contudo, acusou o governo de “oportunismo político”, no agendamento da votação da nova Lei de Estrangeiros para o período das eleições autárquicas, frisando que aquilo que “faz fortes os partidos” são “prioridades certas”, como diz serem as do PS. E lembrou que “todos os inquéritos de opinião” apontam, como as principais preocupações das pessoas, a habitação, a saúde, os rendimentos, os transportes e a mobilidade e a qualidade de espaço e a segurança.
O Livre, não afastando as dúvidas de constitucionalidade, pediu ao PR que enviasse diploma para o TC, para que haja segurança jurídica nesta matéria. Rui Tavares acusou o governo prejudicar os imigrantes que trabalham e descontam para a Segurança Social e contribuem para o excedente orçamental que o executivo apresenta. “Neste momento, só há um superavit, só se podem mostrar contas bonitas, em Bruxelas, por causa do excedente da Segurança Social. Desse excedente, mais de metade é de contribuições de imigrantes”, salientou, em declarações aos jornalistas.
Para Rui Tavares, esta versão “é um tiro no pé da economia e da coesão social”, promoverá mais trabalho ilegal e os imigrantes não terão incentivos para contribuírem para a Segurança Social.
O secretário-geral do PCP fez duras críticas ao diploma, considerando que, apesar de o texto da lei ter mudado, “há uma porta aberta, que se mantém sempre”, para quem tem “muito dinheiro”.
Na ótica do líder comunista, a lei não traz nenhum problema para “aqueles que têm dinheiro” e que “podem vir à vontade, comprar as casas todas, os prédios todos, podem vir fazer a especulação que quiserem”. “Os que vêm à procura de uma vida melhor, como os nossos que vão lá para fora à procura de uma vida melhor, esses têm os direitos restringidos”, criticou.
Questionado se iria pedir ao PR que enviasse o diploma ao TC, à semelhança do que fez na anterior versão da lei, Paulo Raimundo remeteu a decisão para o chefe de Estado, que avaliará, com base nos dados de que dispõe.

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Deste modo, foi aprovado um enquadramento regulatório que torna mais difícil a entrada e permanência no país para os estrangeiros. Além disso, os membros da CPLP já não poderão entrar em Portugal enquanto turistas, com o intuito de pedirem a residência no país, e apenas indivíduos altamente qualificados serão elegíveis para vistos de procura de emprego. Outro aspeto, relativo aos requisitos para a obtenção da nacionalidade portuguesa, continua ainda em debate entre os deputados, devendo ser contemplado nas alterações à Lei da Nacionalidade.
Em plena discussão referente às alterações ao pacote legislativo, o ministro da Presidência elogiou as “posturas construtivas” dos três maiores partidos da oposição – Chega, PS e IL – na sessão plenária, apesar das divergências, e considerou, antes da votação, que este poderia ser “um dia bastante importante para o Parlamento”, em caso de apreciação favorável.
O Chega considerou “suficiente” o previsto na nova versão do diploma, embora entenda que é necessário ir mais longe, para se conseguir regular “a política migratória”.
O PS pediu ao executivo que evitasse “as tentações populistas” e seguisse um “caminho construtivo de procura de soluções”. 
A IL, que garantiu votar a favor das iniciativas das bancadas que suportam o governo, destacou que não era sem críticas que tomava tal decisão. Porém, considerou que já se “perdeu tempo de mais” e que é preciso adotar medidas para regular a situação migratória.
O PCP afirmou que os partido do governo mantêm todos os pressupostos que estiveram na origem da proposta inicial, embora “com outras nuances”. E o BE acusou o executivo de “tornar a Lei dos Estrangeiros numa lei contra os estrangeiros”, que é “cruel para quem não é gold”.
O sentido de voto dos vários grupos parlamentares foi anunciado depois de o Partido Social Democrata (PSD) e o Chega terem chegado a acordo, na sequência de três dias de negociações, de modo a possibilitar a aprovação do pacote legislativo – após André Ventura, ter imposto como condição a norma que exigiria que os imigrantes descontassem cinco anos para a Segurança Social, antes de poderem requerer apoios sociais, o que não foi aceite.

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O argumento do PR de que o diploma atinge os mínimos da constitucionalidade é crítico. As normas ou são constitucionais ou não. Também não convence o facto de o diploma ter sido aprovado por 70% dos deputados. A separação dos poderes postula reflexão autónoma e decisão livre. Por isso, em meu entender, o diploma deveria ter voltado ao TC ou ser objeto de veto presidencial. É certo que a AR poderia, por maioria de dois terços, confirmar o diploma contra o veto político do PR ou mesmo contra o juízo do TC. Todavia, o PR manteria a sua posição, como o fez, relativamente a outros diplomas, e como o fizeram Mário Soares e Cavaco Silva.
Quanto à natureza da lei, subscrevo as diversas críticas enunciadas supra pelos partidos que votaram contra e pela Solidariedade Imigrante, por discriminatória e cruel, beneficiando os ricos e os altamente qualificados, quando os pobres têm direitos e Portugal carece de trabalhadores não tão qualificados. E não presta a lei que faz de aspetos bons aos princípios maus.
Gosto, sim, do fomento da aprendizagem do Português, para a integração, e do dever de frequência do ensino obrigatório.

2025.10.21 – Louro de Carvalho


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