quinta-feira, 2 de outubro de 2025

Leão XIV critica duramente a política norte-americana

 

Em artigo de Malek Fouda intitulado “Papa Leão XIV: Ser contra o aborto e a favor da pena de morte não é ser pró-vida”, publicado pela Euronews, a 2 de outubro, enfatiza que o Papa Leão XIV, nascido em Chicago, nos Estados Unidos da América (EUA), interveio na política norte-americana, pela primeira vez, durante o seu papado, comentando, naquele mesmo dia, as questões quentes que agitam a cena política nacional, desde o aborto à imigração.
O Sumo Pontífice salientou as falhas do movimento conservador “pró-vida”, que procura a proibição do aborto nos EUA, vincando que ser verdadeiramente pró-vida inclui ter uma posição contra a pena capital (e podia ter dito, também, contra a prisão perpétua).
Leão XIV apelou ao respeito por ambas as partes, mas apontou contradições nos debates em torno do movimento antiaborto ou “pró-vida”. Sem nomear ninguém, considerou que ser pró-vida significa apoiar essa ideologia de forma generalizada, e não apenas de forma seletiva, no atinente ao aborto. “Alguém que diz ser contra o aborto, mas é a favor da pena de morte não é, realmente, pró-vida”, disse o Pontífice natural de Chicago, acrescentando: “Alguém que diz ser contra o aborto, mas está de acordo com o tratamento desumano dos imigrantes nos Estados Unidos [da América], não sei se é pró-vida.”
A doutrina da Igreja Católica proíbe o aborto, mas também se opõe à pena capital, considerando-a “inadmissível” em todas as circunstâncias.
Os bispos norte-americanos e o Vaticano também têm apelado, fortemente, a um tratamento humano dos migrantes, citando o mandamento bíblico de “acolher o estrangeiro”.
Os comentários do Santo Padre surgiram quando foi questionado sobre o plano do cardeal Blase Cupich, de Chicago, para entregar um prémio de mérito vitalício ao senador Dick Durbin, do Illinois, pelo seu trabalho na ajuda aos imigrantes.
O plano do purpurado suscitou críticas da parte dos bispos conservadores dos EUA, porque Dick Durbin, um legislador democrata, é um defensor acérrimo do direito ao aborto feminino, o que vai contra a posição oficial do Vaticano.
O Papa admitiu que não estava a par da disputa sobre o prémio, mas observou que é essencial olhar para o historial geral do senador, ao longo das suas quatro décadas de serviço. “Não sei se alguém tem toda a verdade, mas gostaria de pedir, antes de mais, que haja um maior respeito de uns pelos outros e que procuremos juntos ser seres humanos. […] Neste caso, como cidadãos norte-americanos ou [como] cidadãos do estado de Illinois, bem como católicos, temos de analisar, atentamente, todas estas questões éticas e encontrar o caminho a seguir nesta Igreja. O ensino da Igreja sobre cada uma destas questões é muito claro”, relevou.
Blase Cupich foi um conselheiro próximo do falecido Papa Francisco, que defendeu, firmemente, a doutrina católica contra o aborto, mas também criticou a politização do debate pelos bispos dos EUA. Porém, alguns bispos apelaram à recusa da comunhão a políticos católicos que apoiassem o direito ao aborto, incluindo Joe Biden, o antigo presidente dos EUA. Dick Durbin foi impedido de receber a comunhão na sua diocese natal de Springfield, em 2004. O bispo de Springfield, Thomas Paprocki, manteve a proibição e foi um dos bispos que se opuseram, fortemente, à decisão de Blase Cupich de honrar o senador.
Desde então, o senador Durbin recusou o prémio, devido à controvérsia, o que foi recebido, positivamente, entre os bispos conservadores. No entanto, o cardeal Cupich, referiu estar triste com a decisão de Durbin e reiterou que a sua decisão de o nomear para o prémio se devia apenas à sua “contribuição para a reforma da imigração”. Ao mesmo tempo, apelou a maior unidade e a menor polarização para fazer avançar o papel da Igreja na cena política dos EUA.
A secretária de imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, católica praticante contestou as preocupações levantadas pelo Papa, sobre o tratamento dos imigrantes, afirmando que “rejeitaria a existência de um tratamento desumano dos imigrantes ilegais nos Estados Unidos [da América], sob esta administração”. Além disso, sublinhou que a administração Trump “está a tentar fazer cumprir as leis da nossa nação da forma mais humana possível”.
Segundo ela, houve “um tratamento significativo e desumano a imigrantes ilegais”, sob o ex-presidente Joe Biden, quando números recordes de pessoas cruzaram a fronteira sul com o México.

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Como se disse, a questão não foi pacifica entre os bispos dos EUA. Vários expressaram alívio e felicidade, após o senador Dick Durbin, democrata de Illinois, ter decidido recusar o prémio da arquidiocese de Chicago, por causa da reação negativa às suas opiniões pró-aborto.
No dia 30 de setembro, à noite, o arcebispo de Chicago, cardeal Blase Cupich, disse que o senador desistira de receber o prémio, depois de vários bispos terem criticado a arquidiocese, por escolher Dick Durbin para receber a homenagem.
O senador por Illinois receberia o prémio pelo conjunto da obra de apoio a imigrantes, num evento arquidiocesano. Blase Cupich descreveu o senador como a personificação do “apoio inabalável aos imigrantes, tão necessário em nossos dias”.
Em Springfield, Illinois, terra de Durbin, o bispo Thomas Paprocki, sustentou, em setembro, que Durbin era “inapto a receber qualquer honraria católica” e, a 1 de outubro, na rede social X, mostrou-se “grato”, por o senador haver recusado o prémio.
Lembrando aos fiéis que outubro é o Mês do Respeito à Vida, Thomas Paprocki pediu que “continuem a rezar pela nossa Igreja, pelo nosso país e para que a dignidade humana de todas as pessoas seja respeitada em todas as fases da vida, entre elas os nascituros e os imigrantes”.
O bispo de Arlington, na Virgínia, Michael Burbidge, ex-presidente do comité pró-vida da Conferência dos Bispos Católicos dos EUA, disse que estava “aliviado” com a decisão de Durbin, que “a Igreja deve continuar a proclamar, com ousadia, o Evangelho da vida na sua totalidade” e que o “testemunho público do Evangelho, para mover, de forma convincente, corações e mentes à conversão, sempre exigirá que a Igreja demonstre a hierarquia e a unidade de todas as verdades”.
Blase Cupich, ao anunciar a retirada de Durbin do prémio, defendeu que estava a propor “encontros sinodais”, para que os fiéis “experimentassem ouvir-se uns aos outros, com respeito, sobre essas questões”.
Por sua vez, Michael Burbidge, defendeu que conversas produtivas “ocorrem só quando os participantes dividem um compromisso básico com certas realidades morais objetivas sobre o que é bom e mau”. Entre elas, vincou, está “o direito humano à vida”. “O verdadeiro diálogo não pode ocorrer quando um legislador supostamente católico faz vista grossa ao assassinato de pessoas inocentes”, considerou o bispo de Arlington.
A retirada de Durbin do prémio ocorreu poucas horas depois de Leão XIV ter abordado a controvérsia, dizendo que tais disputas políticas são “complexas”. “Entendo a dificuldade e as tensões”, disse Leão XIV. “Mas acho que, como eu mesmo já disse, no passado, é importante analisar muitas questões relacionadas com as doutrinas da Igreja”.
Vários outros bispos dos EUA já haviam expressado desaprovação ao prémio proposto, entre eles o bispo de Lincoln, no Nebraska, James Conley; o bispo de Gallup, no Novo México, James Wall; e o arcebispo de São Francisco, Salvatore Cordileone.
Salvatore Cordileone “elogiou” Durbin, na rede social X, por o político se retirar do prémio, o que o arcebispo de São Francisco disse ser uma “grande demonstração de magnanimidade”. “Numa questão tão controversa, que ameaça dividir, ainda mais, o senador Durbin optou por assumir uma postura moral mais elevada. […] Tal ato exigiu tremenda humildade da sua parte. Precisamos de mais humildade em nosso país”, elogiou o arcebispo.

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Meses antes da sua eleição como Sumo Pontífice da Igreja, o então cardeal Robert Francis Prevost havia publicado artigos, nas redes sociais, a criticar Donald Trump e o vice-presidente James David Vance, também católico, em especial, sobre questões migratórias
E, a 9 de maio, Clara Nabaa, num artigo intitulado “Qual é a posição de Leão XIV relativamente às políticas de Trump?”, publicado pela Euronews, referia que, antes de ser eleito chefe da Igreja Católica, o cardeal norte-americano Robert Francis Prevost não hesitou em criticar, abertamente, Donald Trump e o seu adjunto, J.D. Vance, expressando, em mais de uma ocasião, a sua rejeição de políticas que considerava contrárias aos valores cristãos.
É a primeira vez, na História da Igreja Católica que um norte-americano assume o Sumo Pontificado católico, um acontecimento que a Casa Branca saudou como uma “grande honra”, mas as saudações de boas-vindas não anulam as posições anteriores de Robert Francis Prevost, que foram marcadas por claras críticas à abordagem do presidente dos EUA, nem as futuras que deve assumir como Papa.
O vice-presidente dos EUA, logo no dia da eleição papal, elogiou o facto de o Papa Leão XIV ter assumido a liderança do Vaticano e expressou-lhe o seu apoio, numa mensagem que publicou no X. J.D., escrevendo no seu post: “Estou certo de que milhões de católicos americanos e outros cristãos estarão a rezar pelo seu sucesso na liderança da Igreja. Deus o abençoe!”
J.D. Vance, que se converteu ao catolicismo em 2019, foi um dos últimos políticos norte-americanos a encontrar-se, pessoalmente, com o Papa Francisco, apesar das tensões que marcaram a relação entre este último e a nova administração dos EUA, numa série de ficheiros políticos.
Antes da sua nomeação, o então cardeal Robert Prevost criticou, claramente, as políticas trumpianas, nomeadamente, em matéria de imigração e de justiça social.
Em fevereiro, publicou um artigo intitulado “J.D. Vance está errado: Jesus não nos pede para organizarmos o nosso amor pelos outros”, numa crítica implícita à retórica política baseada na discriminação.
Em abril, publicou um post com um comentário a um encontro entre Donald Trump e o presidente Najib Bukele, de El Salvador, sobre a deportação de membros de gangues para prisões acusadas de violações dos direitos humanos, afirmando: “Não vês o sofrimento? Não sentes o aguilhão da consciência?”
Embora a conta que deu origem a estas críticas não tenha sido, oficialmente, atribuída ao novo Papa, os posts provocaram a indignação dos republicanos, criticando a sua escolha como Papa.
Considerava Clara Nabaa que estes antecedentes sugeriam que a relação entre os dois lados poderá ser tensa, especialmente, se Leão XIV seguir os passos do seu antecessor, que descreveu as políticas de imigração de Donald Trump como uma “desgraça”.
É também notável o facto de o novo Papa ser natural de Chicago, a cidade natal do antigo presidente dos EUA, Barack Obama, o grande rival político do atual inquilino da Casa Branca.
As antigas mensagens do então cardeal Robert Prevost foram alvo de duras críticas por parte de alguns dos mais proeminentes apoiantes de Donald Trump, depois de terem sido amplamente divulgadas, no dia 8 de maio, mal se tornou conhecida a sua eleição para o Sumo Pontificado.
Laura Loomer, conhecida ativista e apoiante de Donald Trump, foi uma das mais veementes críticas, tendo recorrido às redes sociais para atacar as posições do Papa sobre a imigração, afirmando, sarcasticamente: “Não preciso de ser católica para perceber o que está a acontecer. Não há nada para celebrar. Querem chorar por um Papa que apoia a migração em massa e as fronteiras abertas? Este é o vosso ‘Papa fixe’, o novo. […] Os conservadores adoram perder. Adoram mesmo!”
Não obstante, as críticas do novo Papa não significam que não haja interseções potenciais com a administração republicana. Existem pontos de convergência claros, nomeadamente, a posição comum sobre o aborto, visto que tanto Donald Trump como J.D. Vance e Leão XIV expressam a sua rejeição do mesmo. No entanto, esta compatibilidade não se estende a todas as questões, uma vez que surgem contrastes acentuados em questões, como as alterações climáticas e o racismo. O novo Papa apelou aos seus seguidores para assinarem uma petição católica sobre proteção ambiental, vincando a necessidade de enfrentar a crise climática, posição que contradiz Donald Trump, que se retirou do acordo climático de Paris, e outros negacionistas.
Quanto à justiça racial, durante os protestos de 2020, na sequência do assassinato de George Floyd, o então arcebispo Robert Prevost assumiu posição clara contra o racismo, apelando à Igreja a que adote um discurso claro, para alcançar a justiça social. “Os líderes da Igreja devem ter um papel mais claro na rejeição do racismo e na exigência de justiça”, escreveu num post, a 30 de maio.
Em contrapartida, a administração norte-americana cancelou as políticas de diversidade e de igualdade nas instituições federais, o que foi visto como recuo, em relação aos esforços antidiscriminação.
A relação entre o Papa Leão XIV e Donald Trump, em maio passado, não parecia ser harmoniosa. E levanta-se a questão se iria o novo pontífice continuar a expressar, claramente, a sua visão crítica ou se as exigências do seu cargo papal iriam ditar uma abordagem mais contida à administração dos EUA, até porque as Igrejas norte-americanas são dos maiores contribuintes para a manutenção financeira da Santa Sé.
Pelos vistos, a recente tomada de posição papal desvia tal receio e Leão XIV persiste na exposição da doutrina, oportuna e importunamente.

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Há recuos, na exposição da doutrina da Igreja, que não podem acontecer. A vida, a justiça social, a inclusão, a fraternidade e a ecologia integral são algumas dessas prementes questões.  

2025.10.02 – Louro de Carvalho

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