Pela
primeira vez, em 35 anos (desde 1990), só houve duas candidaturas à presidência
da Irlanda e foram corporizadas por duas mulheres: a esquerdista independente Catherine
Connolly, que ganhou as eleições de 24 de outubro; e a conservadora de direita Heather
Humphreys, que reconheceu a vitória da adversária.
Sim, as eleições presidenciais da Irlanda tornaram Presidente da República da Irlanda a candidata independente de esquerda, de acordo com a contagem oficial, com a larga vantagem de mais de mais de 60% dos votos, derrotando a sua única adversária, a candidata do Fine Gael, Heather Humphreys, que reuniu pouco mais de 30% dos votos.
Sim, as eleições presidenciais da Irlanda tornaram Presidente da República da Irlanda a candidata independente de esquerda, de acordo com a contagem oficial, com a larga vantagem de mais de mais de 60% dos votos, derrotando a sua única adversária, a candidata do Fine Gael, Heather Humphreys, que reuniu pouco mais de 30% dos votos.
A
vencedora, de 68 anos, forte crítica da União Europeia (UE), que tem sido uma deputada
independente, desde 2016, conseguiu reunir o apoio da dos maior parte dos partidos
da oposição de esquerda – incluindo o Sinn Féin, o Partido Trabalhista e
os social-democratas – e teve também sucesso entre os eleitores jovens,
numa altura em que a Irlanda enfrenta o aumento do custo de vida e uma grave
crise na habitação, como outros países europeus.
A
derrota foi assumida pela sua adversária, logo depois de os
primeiros resultados terem mostrado que Connolly estava a caminho de ser eleita
a próxima presidente do país. “Catherine será uma presidente, para todos nós, e
será a minha presidente. Gostava, realmente, de lhe desejar tudo de bom”, declarou
Heather Humphreys, de 62 anos, do partido democrata-cristão Fine Gael, em à
estação de televisão pública RTE, felicitando a presidente eleita, pela
sua vitória.
Outro
fator que marcou o ato eleitoral, disputado apenas por duas candidaturas (neste
caso, de mulheres), foi a elevada percentagem de votos nulos: um número
recorde (13%) na primeira contagem das cédulas, que pode ser uma forma de
protesto, perante a oferta limitada. Participaram cerca de 40% das pessoas num
total de 3,6 milhões de eleitores elegíveis.
A
presidente eleita é forte crítica da União Europeia (UE) –
apesar de a República da Irlanda ser estado-membro desde 1973 –, sendo contra o
plano de aumentar os gastos militares nos países da UE, devido à ameaça da
Rússia e à pressão dos Estados Unidos da América (EUA) em reforçar o
investimento na defesa, no âmbito da Organização do Tratado do Atlântico Norte
(NATO).
Catherine
Connolly, ex-psicóloga clínica e advogada, que foi vice-presidente da Câmara
dos Deputados da Irlanda, como descreve a agência noticiosa Reuters,
comemorou os resultados e disse estar muito satisfeita. “Quero agradecer a
todos, mesmo àqueles que não votaram em mim. Compreendo as suas preocupações em
relação a quem os representará melhor”, afirmou, citada pelo jornal
britânico The Guardian.
Catherine
Connolly vai suceder assim a Michael Higgins, de 84 anos, que já cumpriu
dois mandatos desde 2011. O político independente – um dos presidentes mais
velhos do Mundo – é conhecido, entre outros motivos, por andar sempre com o seu
cão, um Boiadeiro de Berna, que lhe rouba, muitas vezes, a atenção, durante as
suas intervenções públicas.
A
forte crítica da UE e dos EUA denunciou os planos do bloco europeu para
aumentar as despesas militares, tem criticado, abertamente, Israel, por causa
da sua ofensiva em Gaza, e ganhou apoio entre os jovens eleitores, ao ter
responsabilizado a política governamental pela crise da habitação.
Inicialmente,
estavam três candidatos na corrida para se tornarem o décimo presidente do
país. Todavia, Jim Gavin, o candidato do partido Fianna Fáil do primeiro-ministro,
Micheál Martin, retirou-se da corrida devido a uma disputa financeira que
remonta a 2009. Apesar da sua desistência, o nome de Jim Gavin permaneceu no
boletim de voto.
***
O
presidente da República da Irlanda (Uachtarán na hÉireann) exerce um cargo
sobretudo simbólico, cerimonial e diplomático, representando o país, a nível
interno e na cena mundial, recebendo chefes de Estado visitantes e credenciais
de diplomatas e detendo poderes constitucionais específicos, pois o incumbente
tem pouca interferência no poder legislativo. No entanto, assina as leis e os
decretos, nomeia o primeiro-ministro (Taoiseach), que lidera o governo e que é
proposto pela câmara baixa do parlamento (Dáil Éireann), e concede prémios,
como o Gaisce – o President’s Award, um prémio conquistado por jovens,
entre 14 e 25 anos, pela participação em diversas atividades por um determinado
período (são três categorias: bronze, prata e ouro; o termo irlandês “gaisce”
pode ser traduzido por “realização”).
***
Em
fins de setembro, alguns internautas fizeram passar a mensagem de que o governo
irlandês tem o poder de impedir as pessoas de quem discorda de se candidatarem
ao mais alto cargo do país, numa altura em que a Irlanda se preparava para as
eleições presidenciais de 24 de outubro. Ou seja, qualquer pessoa que pretenda
candidatar-se à presidência da Irlanda carece do apoio do governo e que este
tentou, ativamente, bloquear aqueles de quem discorda.
Parece que se trata de uma atoarda. Não obstante, apenas se posicionaram três candidatos à sucessão do presidente cessante, o número mais reduzido de candidatos, desde as eleições de 1990. E um vídeo, visto mais de cem mil vezes, no X, afirma que a lista de candidatos poderia ter sido maior, se o governo não tivesse interferido, e que as eleições não serão justas, porque os cidadãos não podem votar em quem querem. “Na Irlanda, neste momento, o governo está a bloquear todos os candidatos com os quais não concorda. […] Não se esqueçam de que isto é uma democracia”, diz o vídeo.
Parece que se trata de uma atoarda. Não obstante, apenas se posicionaram três candidatos à sucessão do presidente cessante, o número mais reduzido de candidatos, desde as eleições de 1990. E um vídeo, visto mais de cem mil vezes, no X, afirma que a lista de candidatos poderia ter sido maior, se o governo não tivesse interferido, e que as eleições não serão justas, porque os cidadãos não podem votar em quem querem. “Na Irlanda, neste momento, o governo está a bloquear todos os candidatos com os quais não concorda. […] Não se esqueçam de que isto é uma democracia”, diz o vídeo.
Porém,
a comissão eleitoral irlandesa estabelece, claramente, os critérios para
quem se pode tornar presidente e como os candidatos são nomeados. Para se
candidatar ao cargo, é necessário ser cidadão irlandês e ter 35 anos ou mais.
Há três métodos de candidatura: o potencial candidato pode ser indicado por,
pelo menos, 20 membros do Oireachtas (membros da câmara baixa ou senadores”; um
candidato deve ser indicado por, pelo menos, quatro autoridades locais, como os
conselhos de condado ou de cidade; e os antigos presidentes ou os presidentes
cessantes podem candidatar-se, se tiverem cumprido apenas um mandato. O
presidente tem o mandato de sete anos e pode ser eleito, pelo povo, para um
máximo de dois mandatos, como foi o caso do presidente Michael D. Higgins. O
período de candidaturas terminou a 24 de setembro.
Por
isso, é errado sugerir que o governo pode impedir potenciais candidatos de se
candidatarem à presidência, e o vídeo parece confundir o governo com o
parlamento. Embora alguns membros do parlamento, que podem ser ministros do
governo, possam recusar-se a indicar determinada pessoa, decidem em base
individual, e a pessoa pode procurar nomeações de outros parlamentares ou
senadores, independentemente do partido a que pertencem.
É
emblemático o caso de Conor McGregor, antigo lutador de artes marciais, que
anunciou, em março deste ano, numa plataforma anti-imigração, que se
candidataria ao cargo de presidente. Todavia, no início de setembro, após uma
reflexão cuidadosa e depois de consultar a família, disse que não pretendia
candidatar-se à presidência,.
***
O
facto de uma esquerdista independente ter vencido, por larga margem, as
eleições presidenciais, não quer dizer que a extrema-direita não esteja em
ascensão, na Irlanda.
O governo diz que há, no Mundo, pelo menos, 70 milhões de pessoas que reclamam ligação familiar ao país. Assim, a Irlanda é um país de emigrantes em massa, onde cresce, a cada dia, um sentimento de intolerância, face a requerentes de asilo, a migrantes económicos e a refugiados. Os motins avulsos têm servido para lembrar aos poderes que a crise na habitação e a subida do custo de vida podem suscitar manifestações violentas. E os protestos violentos dos fins de novembro de 2023 foram desencadeados por uma fação de hooligans, motivados por ideologia de extrema-direita, segundo Drew Harris, então comissário da polícia de Dublin.
O governo diz que há, no Mundo, pelo menos, 70 milhões de pessoas que reclamam ligação familiar ao país. Assim, a Irlanda é um país de emigrantes em massa, onde cresce, a cada dia, um sentimento de intolerância, face a requerentes de asilo, a migrantes económicos e a refugiados. Os motins avulsos têm servido para lembrar aos poderes que a crise na habitação e a subida do custo de vida podem suscitar manifestações violentas. E os protestos violentos dos fins de novembro de 2023 foram desencadeados por uma fação de hooligans, motivados por ideologia de extrema-direita, segundo Drew Harris, então comissário da polícia de Dublin.
A
polícia deteve um homem na casa dos 50 anos e, depressa, começaram a circular
nas redes sociais, associados a movimentos extremistas, rumores sobre a
nacionalidade do atacante, não se alinhando as versões sobre se era argelino,
marroquino ou romeno. E, depois de a polícia ter informado que uma menina de
cinco anos corria risco de vida, a multidão vandalizou lojas, queimou um carro
da polícia e um autocarro, danificou postes de eletricidade; e os confrontos feriram
gravemente um agente da polícia de choque.
Contudo,
os protestos violentos não são comuns, no país. Já o são outros mais pequenos, junto de
locais identificados pelo governo para o alojamento futuro de requerentes de
asilo. Há, como em outros país da UE, protestos contra o apoio a
migrantes e a refugiados.
Isso
acontece nas grandes cidades, mas as cidades mais pequenas também têm estado na
mira dos protestos, porque também aí alguns edifícios abandonados têm sido
reconvertidos para alojar quem chega. Em 2019, no condado de Leitrim, um dos
hotéis na lista do governo para a acolher requerentes de asilo foi incendiado
duas vezes. Já houve protestos que bloquearam estradas e, em setembro de 2023,
um grupo de manifestantes anti-imigração deteve deputados dentro do Parlamento.
E centenas de pessoas reuniram-se para se oporem aos planos de transformar um hotel
em Wexford, no Sueste da Irlanda, em alojamento para refugiados.
A
Irlanda tem, claramente, um problema de imigração. Porém, discutir o “problema
migratório” é difícil, quaisquer que sejam os critérios: rácio de estrangeiros
para a população nativa; número de pessoas que esperam decisão sobre casos de
asilo; falta de alojamento para migrantes; número ou periodicidade dos
protestos anti-imigração; taxas de criminalidade de estrangeiros. Todos estes critérios
são, no mínimo, simplistas, mormente, na Irlanda, que não tem um único
político, a nível local ou nacional, que se identifique com a extrema-direita.
Emigrar
faz parte da história comum de grande parte das famílias irlandesas. Períodos
de fome generalizada e escassez de oportunidades, que durante quase 200 anos
caraterizaram a vida, no país, levaram milhares de irlandeses a procurar outra
vida nos EUA e na Austrália. Em vários estudos, os irlandeses aparecem nos
lugares cimeiros, entre os povos que mais simpatia nutrem por quem foge da fome
ou da guerra. Porém, os últimos anos levaram à erosão desse entusiasmo, devido
à mudança na demografia: dos cinco milhões de habitantes da Irlanda, cerca
de um milhão que se declarou residente habitual, nos censos de 2022, não nasceu
no país.
A
chegada de cerca de 70 mil ucranianos foi a faísca que acordou um sentimento
latente em setores menos privilegiados da população: os que mal conseguem pagar
as rendas e a quem o aumento do custo de vida cria uma sucessão de preocupações
e de frustrações.
Em
2022, foram apresentados 13651pedidos de asilo, o que representou um aumento de 186%, face
a 2019, último ano comparável (antes da pandemia). Os 70 mil ucranianos são um
caso distinto, já que a proteção temporária é conferida pela UE, ao nível
central, e um estado-membro não pode recusar essa proteção a ninguém que esteja
dentro da categoria definida (neste caso pessoas que estivessem a fugir da
guerra da Ucrânia, mesmo sem passaporte).
Com
a escassez na habitação a nível nacional, tal como noutros países da UE, sempre
nas notícias, qualquer medida do governo para aliviar os problemas dos
requerentes de asilo é vista como investimento que podia estar a ser
direcionado para a população irlandesa. Apesar do pleno emprego, as
dificuldades da geração millenial, na Irlanda, são
muitas.
A
extrema-direita na Irlanda tem caraterísticas próprias, incluindo fações
ultrarreligiosas, conspiracionistas antivacinas e nacionalistas com ódio
visceral ao Reino Unido. Porém, alguns elogiam as forças de extrema-direita do
país vizinho e ex-colonizador.
Niall
McConnell, líder do Partido Nacionalista Católico Irlandês, queixou-se da
“total abertura” das fronteiras e alegou que “os irlandeses nativos estão a ser
discriminados racialmente”. Na sua opinião, os imigrantes têm tratamento
preferencial no acesso à habitação social, cometem crimes (muitas vezes de
natureza sexual contra mulheres) e mentem para reclamar o estatuto de
refugiado. Não há números que possam sustentar estas acusações. E Tommy
Robinson, líder do banido grupo de extrema-direita English Defence League, é
uma figura que inspira outros extremistas na Europa.
Para
Niall McConnell, a imigração corre o risco de se tornar a versão moderna do
período da “plantação”, em referência à colonização da Irlanda pela Inglaterra
nos séculos XVI e XVII, em que terras foram confiscadas e colonos trazidos para
anglicizar a população. Enfim, não é incipiente extrema-direita como ameaça
política e a importação do discurso extremista, xenófobo, conspirativo que faz
caminho em Inglaterra é realidade inegável na Irlanda.
Há
vários fios a ligar os dois países. Estão nesse caso as palavras e as teorias da
extrema-direita inglesa, que passam para o outro lado do Mar da Irlanda. Nas
redes sociais, os jovens que chegam como candidatos a asilo são caraterizados
por estes grupos como estando em “em idade militar”, de forma a transmitir que,
de algum modo, podem ser violentos, sobretudo para as mulheres. Uma sondagem
citada pelo jornal The Guardian mostra que as mulheres de classe
média-baixa estão entre os grupos sociais que menos apoiam a receção de
refugiados na Irlanda – um espelho do que sucede no Reino Unido.
Tommy
Robinson, principal figura da extrema-direita inglesa, fundador da banida Liga
de Defesa Inglesa,foi recebido na Irlanda por ativistas de extrema-direita. O
canal do YouTube “Off-Grid Ireland” (Irlanda fora do radar, em tradução livre)
recebeu-o e a membros da Alternativa Patriótica (PA), um dos movimentos
fascistas mais ativos no Reino Unido. E Mark Collett, fundador da PA e
admirador de Adolf Hitler, entrevistado nesse mesmo canal, manifestou esperança
de que as táticas e ideias da PA fossem reproduzidas na Irlanda.
Além
destas personalidades, há outras que têm manifestado, de forma mais ordeira, as
suas ideias, ainda que estas continuem a ser um nicho. São exemplos: Justin
Barrett, cujo nome surgiu, na década de 1990, como um dos rostos do grupo de
campanha antiaborto Defesa Juvenil, e que, em 2018, criou o Partido Nacional
Irlandês, que defende a inversão das políticas migratórias; e Hermann Kelly,
presidente do partido Liberdade Irlandesa (anti-UE), que apoia o regresso do
controlo das fronteiras. Foi diretor de comunicação do grupo do parlamento
europeu Europa da Liberdade e Democracia Direta, de que Nigel Farage foi
copresidente.
***
Dados
os poderes limitados do chefe de Estado e a manter-se a atual composição partidária
no parlamento, a nova presidente terá dificuldade em influir, ativamente, na
resolução dos problemas conexos com a imigração e com o avanço da extrema-direita,
a menos que seja dotada de grande magistratura de influência. Todavia, é de
assinalar uma vitória presidencial feminina, que não é inédita, pois já foram presidentes
Mary Robinson e Mary McAleese.
2025.10.25
– Louro de Carvalho
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