O
governo vangloriou-se do “equilíbrio” do novo diploma, acabado de aprovar na
Assembleia da República (AR), a 30 de setembro, após a correção das normas
rejeitadas pelo Tribunal Constitucional (TC), a que se seguiu o obrigatório veto
do Presidente da República (PR).
O
primeiro-ministro (PM), no mesmo dia, à margem de uma ação de campanha
autárquica em Cascais, mostrara-se com “expetativa muito positiva”, no atinente
à aprovação da lei na AR. E, questionado sobre o acordo com o partido de André
Ventura para a aprovação da lei, disse que os “partidos com maior
representatividade devem mostrar o seu sentido de responsabilidade, ignorando
eventual contrapartida conexa com prestações sociais.
Apesar
das intensas negociações, nestes dias, do Partido Social Democrata (PSD) com os
partidos da oposição – nomeadamente, o partido do Chega (tendo mesmo sido
formado um grupo de trabalho entre deputados dos dois partidos) e com a
tentativa de abertura ao diálogo da parte do Partido Socialista, que pouco
adiantou –, no começo da discussão, a 30 de setembro (na generalidade, na
especialidade e na votação final), ainda não se vislumbrava desfecho positivo.
O
PSD e o PS divergiram sobre se houve abertura para negociações e ficou a dúvida
se haverá discussão sobre atribuição de apoios sociais a imigrantes, que o
Chega queria restringir.
Supostamente
resolvidas as questões de inconstitucionalidade declaradas pelo TC, mormente,
quanto ao reagrupamento familiar, o PSD esteve em negociações com o Chega,
quase até à hora da votação, e entabulou uma negociação com o PS, na manhã do
dia 30, quase à hora do debate.
Apesar
de ténue beneplácito para com algumas propostas de alteração, por parte do PS,
este não alinhou na aprovação do diploma. Todavia, o governo garantiu a
aprovação global da sua proposta de lei, com os votos a favor de toda a direita
– o PSD, o Chega, a Iniciativa Liberal (IL) e o partido do Centro Democrático
Social - Partido Popular (CDS-PP) – e o Juntos pelo Povo (JPP) e com os votos
contra do PS, do Livre, do Partido Comunista Português (PCP), do Bloco de
Esquerda (BE) e do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN).
Para
concitar a aprovação do Chega, o executivo comprometeu-se a discutir a norma
sobre a fiscalização e o combate a abusos relativos a imigrantes nos apoios
sociais, mas procrastinou regulamentação neste sentido, se necessária. O Chega
pretendia que os imigrantes fossem obrigados a descontar para a Segurança
Social, durante cinco anos, antes de acederem aos benefícios, o que o TC julgou
ilegal em 2024. Aliás, ainda no dia 29, André Ventura dizia que, se o governo
não aceitasse tal objetivo do Chega, não haveria lei. Porém, o objetivo não
ficou explanado no diploma, que o Chega viabilizou, num recuo, face à posição
inicial.
Contudo,
segundo fonte do partido, ainda que a redação final da lei que sairá da AR não
regule a exigência de André Ventura, tocará na questão dos apoios. E
a sua expectativa é que o PSD aprove, no futuro, propostas de alteração do
Chega, para que o Chega também aprove o articulado proposto por PSD e CDS.
Não
obstante, o PSD negou que haja acordo do PSD com o Chega para
que, posteriormente, se regulamente um tratamento especial para o acesso
de imigrantes a prestações sociais (com prazos maiores do que para os
portugueses). “Isso está completamente excluído nesta lei e, portanto, não
há matéria para que nós possamos evoluir sobre isso”, declarou o líder
parlamentar e secretário-geral do PSD, Hugo Soares, aos jornalistas, após a
votação do decreto, vincando que “fará sempre parte do ADN” do PSD a luta
contra a fraude na obtenção de apoios sociais, pelo que, nessa matéria não é preciso
“fazer nenhuma cedência nem nenhum acordo com qualquer partido”.
Além
disso, o governo aceitou uma das propostas do PS relativa a acordos
bilaterais para imigração, que foi aprovada pelo PSD, na especialidade. A este
respeito, o secretário-geral do PS afirmou que o seu partido teve “uma atitude
de grande responsabilidade” e apresentou uma série de propostas, nomeadamente,
sobre o reagrupamento familiar, que não foram aceites. Na verdade, houve
negociações de última hora com o PS, para garantir um acordo mais transversal,
tendo o PS sido acusado de não querer participar na aprovação da lei, por insistir
no mecanismo de declaração de interesses, o que o partido negou.
Todavia,
questionado sobre o processo, José Luís Carneiro recusou que tenha havido
negociação, porque “não se pode falar de um processo negocial que começou às 10
horas” e que arrancou depois de o PS ter disponibilizado as suas propostas
no final da tarde do dia 29.
***
São
de registar alguns passos, bem como algumas declarações proferidas no e a propósito
debate, a que assistiram lideranças migrantes em Portugal, como Ana Paula
Costa, presidente da Casa do Brasil, Cyntia de Paula, representante da
comunidade brasileira no Conselho Nacional das Migrações e Asilo e, ainda,
Geysi Fernandes, do partido Livre.
O
deputado António Rodrigues, do PSD, começou por dizer que não se trata de “uma
segunda votação”, mas da análise dos pontos rejeitados pelo TC, tendo as normas
polémicas sido refeitas, com o governo sensível ao reagrupamento familiar, em
especial, “quando há filhos menores”.
António
Leitão Amaro, ministro da Presidência, fez uma recapitulação da política
migratória do passado, em crítica ao PS, classificando esta política de irresponsável
e prejudicial aos imigrantes. Rejeitou a instrumentalização dos imigrantes, em
referência ao Chega, e disse que o seu partido quer “regular e tratar com
humanismo”. Considerou que o dia é “decisivo” e que os partidos precisam de dizer
“sim ou não à regulação da imigração”, pois é o momento das escolhas, ou seja,
de se saber quem é que quer ou não a imigração regulada. E terminou, dizendo: “A
História julgará cada um dos que aqui se levantarem.”
Andreia
Galvão, deputada única do BE, criticou a proposta do governo, atacou os vistos gold
e a abertura do país a estrangeiros com maior capacidade financeira. E falou de
uma “lei cruel para quem não é gold”. “Dá votos atacar quem é mais
frágil”, ironizou a deputada, recordando que “há milhares de pessoas nascidas
em Portugal que não têm documentos”.
O
deputado do PS, Pedro Delgado Alves, começou por defender as mudanças na lei,
pedindo a exclusão do não limite de prazo para o pedido de reagrupamento
familiar para vistos gold, “para cumprir a Constituição”, e afirmou que
o seu partido “não acompanha” a atual versão da lei proposta pelo executivo. Tal
como no dia anterior, o deputado disse que o governo “deu uma resposta de forma
satisfatória” a alguns pontos considerados inconstitucionais pela Justiça,
apesar de insuficiente aos olhos do PS. E insistiu que o futuro passa por
“acordo bilaterais”, manifestando os socialistas como aspirantes a parceiro
preferencial do governo, ao reiterar que o PS está “recetivo para prestar
contas” e para “evitar tentações populistas”.
João
Almeida, do CDS-PP, partido que integra o governo, criticou o “PS e a esquerda”,
por trazerem “imigrantes sem condições e sem dignidade”, e frisou que tal
situação é “inaceitável”, para o Estado e para os imigrantes.
Cristina
Rodrigues, deputada do Chega, sinalizou o voto positivo do partido, ao dizer
que a atual versão “parece suficiente”, mas que “é preciso ir mais longe, para,
efetivamente, regular a política migratória”, e terminou, defendendo a
remigração e a deportação em massa, para quem “não quiser cumprir” as leis.
A
deputada atirou-se ao PR, acusando-o de não ter sabido “respeitar a decisão dos
portugueses”. E, sobre alguns dos juízes do TC, que acusou de ativismo judicial,
lembrou que o Chega prometera uma manifestação contra a rejeição perpetrada pelo
Tribunal, que foi adiada devido aos incêndios e nunca foi remarcada, e sentenciou: “Os
juízes que querem ser políticos devem pedir escusas das suas funções e
juntarem-se ao BE e ao PS.”
Entretanto,
Paulo Muacho, deputado do Livre, criticou o governo de Luís Montenegro, que apregoou
o “não é não”, mas “fechou negócio com a extrema-direita”, para a aprovação da
lei. Para o Livre, a imigração é uma forma de responder a um país “cada vez
mais despovoado” e, por isso, o deputado lamentou que tenha encontrado antes
“um debate de oportunismo político de quem promove o ódio e divisão”.
Rui
Rocha, líder da IL, começou a sua declaração com críticas aos imigrantes que “não
respeitam as minorias e as mulheres”, nem a “separação entre o Estado e a
religião”, em referência aos imigrantes de religiões orientais. E culpou o PS,
pela escolha da política migratória para a “sustentabilidade da Segurança
Social”, de modo rápido, vincando que o multiculturalismo “não funcionou, não funciona
e não funcionará” e insultou os partidos mais à esquerda, por serem “ingénuos,
sonsos, ressabiados e ortodoxos”. Porém, declarando que a IL votaria a favor
proposta do governo, anunciou o voto a favor com exasperação, desejando que o
assunto fosse encerrado, de vez, e que a lei fosse aprovada, sem mais demoras. E
queixou-se de que a AR “perdeu tempo demais”, a discutir a imigração, e
clarificou a posição do seu partido: “Quem tem trabalho e quem cumpre fica.
Quem fica um tempo alargado e adere aos princípios fundacionais da nossa
sociedade pode aspirar à nossa nacionalidade.”
Os
comunistas disseram-se insatisfeitos com a nova versão da lei, em especial,
pelas restrições ao reagrupamento familiar e falam em “ataque aos imigrantes”.
Em
geral, na esquerda, houve queixas de contra o governo e contra o PSD, por se
aliarem ao Chega, na restrição da imigração e nos limites ao acesso da
comunidade estrangeira a vistos de trabalho e de residência.
O
ministro da Presidência elogiou as propostas do PS, mas sinalizando as
discordâncias. Usou a palavra “equilíbrio”, por várias vezes, considerando que
a proposta do governo “torna as regras claras do que é, hoje, consensual na
sociedade portuguesa”. “Fizemos tudo para ter uma lei dos estrangeiros que
regule estes fluxos. Esse tempo de uma política de imigração irresponsável
terminou. Fizemos uma lei que é irrecusável para qualquer partido moderado e de
bom senso”, declarou Leitão Amaro, garantindo o cumprimento das exigências do TC
e vincando a urgência do “passo decisivo para tratar e integrar” imigrantes
“com humanidade”.
E,
mais tarde, não deixou de elogiar a “posição construtiva” de IL,
Chega “e mesmo do Partido Socialista”, apesar da discordância, quanto aos
prazos dos vistos de trabalho.
Rita
Matias, deputada do Chega, atacou imigrantes, clamou que “os portugueses estão
a ficar para trás” e disse que, “graças ao Chega”, a lei será aprovada. Terminou
a sua declaração com mais ataques aos imigrantes, dizendo que a base de
Portugal é a “família portuguesa”, pelo que defende a remigração “dos que não
se integram”.
Após
a primeira fase de debates, que remeteu a votação para o fim da sessão, após a
discussão de outros dois projetos, Leitão Amaro saiu do plenário, para “negociar
tanto com o PS, como com o Chega, tendo as conversações decorrido numa sala da
AR, tanto com a presença de deputados como por chamadas telefónicas. A proposta
do Chega em proibir apoios sociais a imigrantes antes de cinco anos de
residência “nem sequer foi analisada”, nem já estava em negociação. Já as
negociações com o PS incluíam mudanças pontuais no reagrupamento familiar e no
visto de procura de trabalho.
As
primeiras propostas de alterações, do PS e do Livre, foram rejeitadas. Já na votação
da especialidade, algumas alterações tiveram votos favoráveis do PS e outras do
Chega, o que mostra a realização de negociações com ambos os partidos. Porém, o
teor das alterações não estava disponível durante a sessão.
Os
votos do Chega ajudaram o governo a aprovar a nova lei dos estrangeiros. A IL
também votou favoravelmente. O PS e os demais partidos de esquerda votaram
contra.
O
diploma aprovado será enviado, com a maior brevidade, ao chefe de Estado, que dispõe
de oito dias para apreciação, mas que, em declarações, na semana anterior, já sinalizou
que sancionaria a legislação, reforçando que não se lembra de ter vetado ou
mandado, uma segunda vez, para o TC um diploma. E, para que, realmente, passe a
valer, na prática, é preciso, depois, que o diploma seja publicado em Diário
da República (DR), onde constará quando entra em vigor. Uma das
possibilidades é que seja já no dia seguinte à data da publicação.
Ainda
não é possível saber, com exatidão, a versão final do texto, porque foram
aprovadas alterações, na votação, que não foram publicadas.
Paulo
Muacho, deputado do Livre, defende que o texto da lei aprovado seja enviado,
novamente, ao TC, para avaliação. E o líder do PS chamou a aprovação perto das
eleições municipais como um gesto “eleitoralista” e criticou a aliança do governo
com o Chega para aprovar a lei. Segundo José Luís Carneiro, o voto contra do PS
ocorreu, porque o governo não quis acolher as propostas do partido, que, em sua
análise, “são boas para o país”.
Em
declarações, ao final da votação, o deputado do PSD, Hugo Soares, repetiu, por
diversas vezes, que a vitória é dos “portugueses e das portuguesas” e afastou
que tenha havido um acordo com o Chega. “Se formos sérios, então falemos do JPP
e da IL”, disse, sem referir que estes votos não foram decisivos na aprovação,
diferente dos votos do partido de André Ventura. E, sobre uma possível
alteração na lei sugerida pelo Chega, de que os imigrantes só tenham acesso a
apoios sociais, após cinco anos, o deputado afastou a ideia, ao afirmar que “o
combate ao abuso e à fraude no acesso às proteções sociais, deve ser um combate
por todos”, sem apresentar dados que comprovem um abuso ou fraude, neste tema,
por parte dos imigrantes.
O
presidente do PSD sublinhou que houve “diálogo com todos” e foram aprovadas
propostas do PS e do Chega, na especialidade, considerando “um sinal dos
tempos” que tenham votado o diploma de forma diferente. “É um sinal dos tempos:
na anterior legislatura colaboraram entre eles contra o governo; agora, têm
alguns pruridos de estar os dois a colaborar com o governo a favor do país”, atirou.
E, dizendo não querer meter-se “nas estratégias partidárias”, reiterou: “Há uma
coisa que não podem dizer, que os partidos da maioria não colaboraram com todos
e não aprovaram as medidas que consideraram positivas.”
***
Tanto
quanto parece (não se conhece a redação final, que deveria ser fiel ao votado
em plenário), alguns dos aspetos apontados pelo TC não terão sido propriamente corrigidos,
mas apenas contornados, e outros que se mantiveram como princípio, remeteram os
dados positivos para o regime das exceções, o que não é sério. Por isso, o TC
deveria ser chamado a verificar se as nomas que foram objeto de reparo foram
efetivamente corrigidas. Não colhe o argumento de o PR não ter remetido ao TC
um diploma, pela segunda vez. Acresce, ainda, que o PR tem a prerrogativa do veto
político, que deveria utilizar, mesmo que não veja inconstitucionalidades no
diploma, mas se ele ferir os princípios do são humanismo a que a República se vinculou.
2025.09.30
– Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário