terça-feira, 30 de setembro de 2025

Nova versão da Lei de estrangeiros foi aprovada no Parlamento

 

O governo vangloriou-se do “equilíbrio” do novo diploma, acabado de aprovar na Assembleia da República (AR), a 30 de setembro, após a correção das normas rejeitadas pelo Tribunal Constitucional (TC), a que se seguiu o obrigatório veto do Presidente da República (PR).
O primeiro-ministro (PM), no mesmo dia, à margem de uma ação de campanha autárquica em Cascais, mostrara-se com “expetativa muito positiva”, no atinente à aprovação da lei na AR. E, questionado sobre o acordo com o partido de André Ventura para a aprovação da lei, disse que os “partidos com maior representatividade devem mostrar o seu sentido de responsabilidade, ignorando eventual contrapartida conexa com prestações sociais.
Apesar das intensas negociações, nestes dias, do Partido Social Democrata (PSD) com os partidos da oposição – nomeadamente, o partido do Chega (tendo mesmo sido formado um grupo de trabalho entre deputados dos dois partidos) e com a tentativa de abertura ao diálogo da parte do Partido Socialista, que pouco adiantou –, no começo da discussão, a 30 de setembro (na generalidade, na especialidade e na votação final), ainda não se vislumbrava desfecho positivo.  
O PSD e o PS divergiram sobre se houve abertura para negociações e ficou a dúvida se haverá discussão sobre atribuição de apoios sociais a imigrantes, que o Chega queria restringir.
Supostamente resolvidas as questões de inconstitucionalidade declaradas pelo TC, mormente, quanto ao reagrupamento familiar, o PSD esteve em negociações com o Chega, quase até à hora da votação, e entabulou uma negociação com o PS, na manhã do dia 30, quase à hora do debate.
Apesar de ténue beneplácito para com algumas propostas de alteração, por parte do PS, este não alinhou na aprovação do diploma. Todavia, o governo garantiu a aprovação global da sua proposta de lei, com os votos a favor de toda a direita – o PSD, o Chega, a Iniciativa Liberal (IL) e o partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP) – e o Juntos pelo Povo (JPP) e com os votos contra do PS, do Livre, do Partido Comunista Português (PCP), do Bloco de Esquerda (BE) e do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN).
Para concitar a aprovação do Chega, o executivo comprometeu-se a discutir a norma sobre a fiscalização e o combate a abusos relativos a imigrantes nos apoios sociais, mas procrastinou regulamentação neste sentido, se necessária. O Chega pretendia que os imigrantes fossem obrigados a descontar para a Segurança Social, durante cinco anos, antes de acederem aos benefícios, o que o TC julgou ilegal em 2024. Aliás, ainda no dia 29, André Ventura dizia que, se o governo não aceitasse tal objetivo do Chega, não haveria lei. Porém, o objetivo não ficou explanado no diploma, que o Chega viabilizou, num recuo, face à posição inicial.
Contudo, segundo fonte do partido, ainda que a redação final da lei que sairá da AR não regule a exigência de André Ventura, tocará na questão dos apoios. E a sua expectativa é que o PSD aprove, no futuro, propostas de alteração do Chega, para que o Chega também aprove o articulado proposto por PSD e CDS.
Não obstante, o PSD negou que haja acordo do PSD com o Chega para que, posteriormente, se regulamente um tratamento especial para o acesso de imigrantes a prestações sociais (com prazos maiores do que para os portugueses). “Isso está completamente excluído nesta lei e, portanto, não há matéria para que nós possamos evoluir sobre isso”, declarou o líder parlamentar e secretário-geral do PSD, Hugo Soares, aos jornalistas, após a votação do decreto, vincando que “fará sempre parte do ADN” do PSD a luta contra a fraude na obtenção de apoios sociais, pelo que, nessa matéria não é preciso “fazer nenhuma cedência nem nenhum acordo com qualquer partido”.
Além disso, o governo aceitou uma das propostas do PS relativa a acordos bilaterais para imigração, que foi aprovada pelo PSD, na especialidade. A este respeito, o secretário-geral do PS afirmou que o seu partido teve “uma atitude de grande responsabilidade” e apresentou uma série de propostas, nomeadamente, sobre o reagrupamento familiar, que não foram aceites. Na verdade, houve negociações de última hora com o PS, para garantir um acordo mais transversal, tendo o PS sido acusado de não querer participar na aprovação da lei, por insistir no mecanismo de declaração de interesses, o que o partido negou.
Todavia, questionado sobre o processo, José Luís Carneiro recusou que tenha havido negociação, porque “não se pode falar de um processo negocial que começou às 10 horas” e que arrancou depois de o PS ter disponibilizado as suas propostas no final da tarde do dia 29.

***

São de registar alguns passos, bem como algumas declarações proferidas no e a propósito debate, a que assistiram lideranças migrantes em Portugal, como Ana Paula Costa, presidente da Casa do Brasil, Cyntia de Paula, representante da comunidade brasileira no Conselho Nacional das Migrações e Asilo e, ainda, Geysi Fernandes, do partido Livre.
O deputado António Rodrigues, do PSD, começou por dizer que não se trata de “uma segunda votação”, mas da análise dos pontos rejeitados pelo TC, tendo as normas polémicas sido refeitas, com o governo sensível ao reagrupamento familiar, em especial, “quando há filhos menores”.
António Leitão Amaro, ministro da Presidência, fez uma recapitulação da política migratória do passado, em crítica ao PS, classificando esta política de irresponsável e prejudicial aos imigrantes. Rejeitou a instrumentalização dos imigrantes, em referência ao Chega, e disse que o seu partido quer “regular e tratar com humanismo”. Considerou que o dia é “decisivo” e que os partidos precisam de dizer “sim ou não à regulação da imigração”, pois é o momento das escolhas, ou seja, de se saber quem é que quer ou não a imigração regulada. E terminou, dizendo: “A História julgará cada um dos que aqui se levantarem.”
Andreia Galvão, deputada única do BE, criticou a proposta do governo, atacou os vistos gold e a abertura do país a estrangeiros com maior capacidade financeira. E falou de uma “lei cruel para quem não é gold”. “Dá votos atacar quem é mais frágil”, ironizou a deputada, recordando que “há milhares de pessoas nascidas em Portugal que não têm documentos”.
O deputado do PS, Pedro Delgado Alves, começou por defender as mudanças na lei, pedindo a exclusão do não limite de prazo para o pedido de reagrupamento familiar para vistos gold, “para cumprir a Constituição”, e afirmou que o seu partido “não acompanha” a atual versão da lei proposta pelo executivo. Tal como no dia anterior, o deputado disse que o governo “deu uma resposta de forma satisfatória” a alguns pontos considerados inconstitucionais pela Justiça, apesar de insuficiente aos olhos do PS. E insistiu que o futuro passa por “acordo bilaterais”, manifestando os socialistas como aspirantes a parceiro preferencial do governo, ao reiterar que o PS está “recetivo para prestar contas” e para “evitar tentações populistas”.
João Almeida, do CDS-PP, partido que integra o governo, criticou o “PS e a esquerda”, por trazerem “imigrantes sem condições e sem dignidade”, e frisou que tal situação é “inaceitável”, para o Estado e para os imigrantes.
Cristina Rodrigues, deputada do Chega, sinalizou o voto positivo do partido, ao dizer que a atual versão “parece suficiente”, mas que “é preciso ir mais longe, para, efetivamente, regular a política migratória”, e terminou, defendendo a remigração e a deportação em massa, para quem “não quiser cumprir” as leis.
A deputada atirou-se ao PR, acusando-o de não ter sabido “respeitar a decisão dos portugueses”. E, sobre alguns dos juízes do TC, que acusou de ativismo judicial, lembrou que o Chega prometera uma manifestação contra a rejeição perpetrada pelo Tribunal, que foi adiada devido aos incêndios e nunca foi remarcada, e sentenciou: “Os juízes que querem ser políticos devem pedir escusas das suas funções e juntarem-se ao BE e ao PS.”
Entretanto, Paulo Muacho, deputado do Livre, criticou o governo de Luís Montenegro, que apregoou o “não é não”, mas “fechou negócio com a extrema-direita”, para a aprovação da lei. Para o Livre, a imigração é uma forma de responder a um país “cada vez mais despovoado” e, por isso, o deputado lamentou que tenha encontrado antes “um debate de oportunismo político de quem promove o ódio e divisão”.
Rui Rocha, líder da IL, começou a sua declaração com críticas aos imigrantes que “não respeitam as minorias e as mulheres”, nem a “separação entre o Estado e a religião”, em referência aos imigrantes de religiões orientais. E culpou o PS, pela escolha da política migratória para a “sustentabilidade da Segurança Social”, de modo rápido, vincando que o multiculturalismo “não funcionou, não funciona e não funcionará” e insultou os partidos mais à esquerda, por serem “ingénuos, sonsos, ressabiados e ortodoxos”. Porém, declarando que a IL votaria a favor proposta do governo, anunciou o voto a favor com exasperação, desejando que o assunto fosse encerrado, de vez, e que a lei fosse aprovada, sem mais demoras. E queixou-se de que a AR “perdeu tempo demais”, a discutir a imigração, e clarificou a posição do seu partido: “Quem tem trabalho e quem cumpre fica. Quem fica um tempo alargado e adere aos princípios fundacionais da nossa sociedade pode aspirar à nossa nacionalidade.”
Os comunistas disseram-se insatisfeitos com a nova versão da lei, em especial, pelas restrições ao reagrupamento familiar e falam em “ataque aos imigrantes”.
Em geral, na esquerda, houve queixas de contra o governo e contra o PSD, por se aliarem ao Chega, na restrição da imigração e nos limites ao acesso da comunidade estrangeira a vistos de trabalho e de residência.
O ministro da Presidência elogiou as propostas do PS, mas sinalizando as discordâncias. Usou a palavra “equilíbrio”, por várias vezes, considerando que a proposta do governo “torna as regras claras do que é, hoje, consensual na sociedade portuguesa”. “Fizemos tudo para ter uma lei dos estrangeiros que regule estes fluxos. Esse tempo de uma política de imigração irresponsável terminou. Fizemos uma lei que é irrecusável para qualquer partido moderado e de bom senso”, declarou Leitão Amaro, garantindo o cumprimento das exigências do TC e vincando a urgência do “passo decisivo para tratar e integrar” imigrantes “com humanidade”.
E, mais tarde, não deixou de elogiar a “posição construtiva” de IL, Chega “e mesmo do Partido Socialista”, apesar da discordância, quanto aos prazos dos vistos de trabalho.
Rita Matias, deputada do Chega, atacou imigrantes, clamou que “os portugueses estão a ficar para trás” e disse que, “graças ao Chega”, a lei será aprovada. Terminou a sua declaração com mais ataques aos imigrantes, dizendo que a base de Portugal é a “família portuguesa”, pelo que defende a remigração “dos que não se integram”.
Após a primeira fase de debates, que remeteu a votação para o fim da sessão, após a discussão de outros dois projetos, Leitão Amaro saiu do plenário, para “negociar tanto com o PS, como com o Chega, tendo as conversações decorrido numa sala da AR, tanto com a presença de deputados como por chamadas telefónicas. A proposta do Chega em proibir apoios sociais a imigrantes antes de cinco anos de residência “nem sequer foi analisada”, nem já estava em negociação. Já as negociações com o PS incluíam mudanças pontuais no reagrupamento familiar e no visto de procura de trabalho.
As primeiras propostas de alterações, do PS e do Livre, foram rejeitadas. Já na votação da especialidade, algumas alterações tiveram votos favoráveis do PS e outras do Chega, o que mostra a realização de negociações com ambos os partidos. Porém, o teor das alterações não estava disponível durante a sessão.
Os votos do Chega ajudaram o governo a aprovar a nova lei dos estrangeiros. A IL também votou favoravelmente. O PS e os demais partidos de esquerda votaram contra.
O diploma aprovado será enviado, com a maior brevidade, ao chefe de Estado, que dispõe de oito dias para apreciação, mas que, em declarações, na semana anterior, já sinalizou que sancionaria a legislação, reforçando que não se lembra de ter vetado ou mandado, uma segunda vez, para o TC um diploma. E, para que, realmente, passe a valer, na prática, é preciso, depois, que o diploma seja publicado em Diário da República (DR), onde constará quando entra em vigor. Uma das possibilidades é que seja já no dia seguinte à data da publicação.
Ainda não é possível saber, com exatidão, a versão final do texto, porque foram aprovadas alterações, na votação, que não foram publicadas.
Paulo Muacho, deputado do Livre, defende que o texto da lei aprovado seja enviado, novamente, ao TC, para avaliação. E o líder do PS chamou a aprovação perto das eleições municipais como um gesto “eleitoralista” e criticou a aliança do governo com o Chega para aprovar a lei. Segundo José Luís Carneiro, o voto contra do PS ocorreu, porque o governo não quis acolher as propostas do partido, que, em sua análise, “são boas para o país”.
Em declarações, ao final da votação, o deputado do PSD, Hugo Soares, repetiu, por diversas vezes, que a vitória é dos “portugueses e das portuguesas” e afastou que tenha havido um acordo com o Chega. “Se formos sérios, então falemos do JPP e da IL”, disse, sem referir que estes votos não foram decisivos na aprovação, diferente dos votos do partido de André Ventura. E, sobre uma possível alteração na lei sugerida pelo Chega, de que os imigrantes só tenham acesso a apoios sociais, após cinco anos, o deputado afastou a ideia, ao afirmar que “o combate ao abuso e à fraude no acesso às proteções sociais, deve ser um combate por todos”, sem apresentar dados que comprovem um abuso ou fraude, neste tema, por parte dos imigrantes.
O presidente do PSD sublinhou que houve “diálogo com todos” e foram aprovadas propostas do PS e do Chega, na especialidade, considerando “um sinal dos tempos” que tenham votado o diploma de forma diferente. “É um sinal dos tempos: na anterior legislatura colaboraram entre eles contra o governo; agora, têm alguns pruridos de estar os dois a colaborar com o governo a favor do país”, atirou. E, dizendo não querer meter-se “nas estratégias partidárias”, reiterou: “Há uma coisa que não podem dizer, que os partidos da maioria não colaboraram com todos e não aprovaram as medidas que consideraram positivas.”

***

Tanto quanto parece (não se conhece a redação final, que deveria ser fiel ao votado em plenário), alguns dos aspetos apontados pelo TC não terão sido propriamente corrigidos, mas apenas contornados, e outros que se mantiveram como princípio, remeteram os dados positivos para o regime das exceções, o que não é sério. Por isso, o TC deveria ser chamado a verificar se as nomas que foram objeto de reparo foram efetivamente corrigidas. Não colhe o argumento de o PR não ter remetido ao TC um diploma, pela segunda vez. Acresce, ainda, que o PR tem a prerrogativa do veto político, que deveria utilizar, mesmo que não veja inconstitucionalidades no diploma, mas se ele ferir os princípios do são humanismo a que a República se vinculou.

2025.09.30 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário