segunda-feira, 22 de setembro de 2025

Portugal reconheceu formalmente o Estado da Palestina

 

Portugal reconheceu formalmente, a 21 de setembro, o Estado da Palestina, como anunciou o ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, em Nova Iorque, na representação permanente de Portugal na Organização das Nações Unidas (ONU). E, em discurso, na Assembleia Geral da ONU (AGNU) – que decorre de 9 a 27 de setembro, encerrando com a cimeira de alto nível, a partir do dia 23 –, o chefe da diplomacia tentou apaziguar Israel, frisando que Portugal reconhece o Estado palestiniano, “depois de outros países aliados o terem feito” e enfatizando que a Autoridade Palestiniana (AP) “reconhece a existência de Israel”.
O governante português declarou: “Neste dia em que Portugal reconhece o Estado da Palestina e em que reafirma a sua vontade de fortalecer as profundas e antigas relações de amizade do povo português com o povo israelita e as renovadas e auspiciosas relações de amizade com o povo palestiniano, exortamos, do fundo, do fundo dos nossos corações, a que cessem todas as hostilidades, a que se dê uma oportunidade ao restabelecimento da ajuda humanitária, a que se abra uma fresta de luz para a paz.”
Apesar da tentativa de não hostilizar Israel, Paulo Rangel considerou que a resposta do governo de Benjamin Netanyahu ao ataque do Hamas é “manifestamente desproporcional” e que este reconhecimento “não apaga a catástrofe humanitária que se vive na Faixa de Gaza”.
Por sua vez, o primeiro-ministro israelita, desapontado com a postura de Portugal, já disse que o Estado da Palestina “não vai acontecer”.
Obviamente, Portugal não surge isolado nesta decisão, pois juntou-se ao Reino Unido, ao Canadá e à Austrália (que comunicaram igual decisão, ao início da tarde do dia 21), tornando-se o 13.º país da União Europeia (UE) a reconhecer o Estado palestiniano, aliás, na sequência de recomendação maioritária do Parlamento Europeu (PE).

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Há já várias reações de apoio aos anúncios de reconhecimento do Estado da Palestina pelo Reino, mas também há críticas e ameaças de retaliação da parte de Israel.
O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, num vídeo dirigido aos líderes ocidentais, declarou que “nenhum Estado palestiniano será criado a Oeste do [rio] Jordão” e que o seu governo vai expandir a colonização judaica na Cisjordânia ocupada. E o líder do principal partido da oposição israelita, Yesh Atid, classificou o reconhecimento do Estado da Palestina como um “desastre diplomático” pelo qual responsabiliza Netanyahu.
Uma das reações mais entusiastas a favor veio do presidente da AP, Mahmud Abbas, sustentando que o reconhecimento do Estado da Palestina pelo Reino Unido constitui um passo em direção a “uma paz justa e duradoura”, que “abrirá o caminho para a implementação da solução de dois Estados”, permitindo à Palestina viver ao lado do Estado de Israel, em segurança, em paz e em boa vizinhança. A prioridade, como defendeu, é alcançar “um cessar-fogo, a entrada de ajuda humanitária, a libertação de todos os reféns e prisioneiros”, “a retirada total israelita da Faixa de Gaza” e “o fim da atividade de colonatos e do terrorismo de colonos”.
A postura portuguesa tem o “pleno apoio” do nosso Presidente da República, que afirmou aos jornalistas: “O caminho é defender a moderação, afastar-se dos radicalismos. Portugal, desde sempre e com todos os presidentes, defendeu o princípio de dois Estados soberanos. Atuar neste momento é atuar para haver uma hipótese no sentido de haver dois Estados.”
O Partido Socialista (PS), o Partido Comunista Português (PCP), o Livre e o Bloco de Esquerda (BE) saudaram a decisão de Portugal. André Ventura, líder do partido Chega, questionado pelos jornalistas, à entrada da Feira de São Mateus, em Viseu, mantendo reservas, salientou que não é isso que preocupa os portugueses, neste momento, mas apontou a necessidade de haver condições, nomeadamente, a libertação dos reféns.
Francisco Assis, secretário nacional para as Relações Internacionais do PS, salientou que a decisão do governo reflete “o sentir maioritário do povo português” e tem adesão internacional. “É um momento histórico, é um momento relevante, é uma decisão correta, é uma decisão que suscita uma ampla adesão nacional e uma ampla adesão no plano europeu e do Mundo ocidental, basta olhar para o número de países que ontem, hoje e amanhã vão proceder a esse reconhecimento no âmbito da Assembleia Geral das Nações Unidas”, declarou.
O também eurodeputado crê que a decisão “vai contribuir para a resolução do problema” israelo-palestiniano na região do Médio Oriente, rejeitando que seja medida apenas simbólica. Ao invés, Israel corre “o risco de se constituir, no futuro, como uma espécie de Estado pária, à semelhança do que aconteceu com a África do Sul no período do apartheid”, diz o socialista.
O PCP considerou que o reconhecimento do Estado da Palestina por Portugal é uma “medida que peca por tardia”; e pediu que “seja feito sem exigências ou condições que coloquem em causa os direitos do povo palestiniano, nomeadamente, a um Estado livre e independente” a criar, com as fronteiras de 1967 e com a capital em Jerusalém Leste.
Embora satisfeito com a decisão de Portugal, o BE advertiu que não será mais do que um gesto simbólico, se não forem criadas condições objetivas para a viabilidade de um Estado palestiniano. Sublinhando que outros estados da ONU já fizeram este reconhecimento, propõe o embargo total de venda de armas a Israel e sanções aos seus responsáveis políticos e militares. “Com o ataque terrestre à cidade de Gaza, o governo de Israel acelera este processo de extermínio, que já tirou a vida a mais de 65 mil pessoas e feriu mais de 160 mil, a maioria mulheres e crianças. Entre as vítimas contam-se, ainda, mais de 230 jornalistas, o registo mais elevado de profissionais de comunicação mortos num único conflito”, sublinhou BE, em comunicado.
O BE manifestou apoio à missão humanitária da Global Sumud Flotilla, destinada a quebrar o bloqueio imposto por Israel, onde está a líder do partido, Mariana Mortágua: “Assume um papel determinante para assegurar o acesso de ajuda vital e denunciar, junto da comunidade internacional, o cerco que agrava o sofrimento da população de Gaza”, diz o BE.
O porta-voz do Livre, Rui Tavares, saudou o reconhecimento, por Portugal do Estado da Palestina, apesar de o considerar tardio. Não obstante, frisa que envia uma “mensagem muito poderosa” a Israel e não é um ato “meramente simbólico”.
O candidato presidencial António José Seguro reagiu, defendendo tratar-se de “um passo simbólico, mas profundamente político e moral”. Contudo, defende que o reconhecimento “não é, nem deve ser, um gesto contra Israel” um gesto a favor da paz, que exige dois Estados viáveis, reconhecidos e seguros, a viver lado a lado, e “um sinal de que a Europa e Portugal não abdicam da sua responsabilidade histórica e diplomática num conflito que continua a marcar gerações”.
O candidato presidencial Luís Marques Mendes saudou a decisão de Portugal em reconhecer o Estado da Palestina, alinhado com França e Reino Unido, Canadá, considerando que o mais importante é o passo que é dado. E, questionado sobre o facto de a Aliança Democrática (AD) estar dividida sobre o tema, referiu que tal “não impede qualquer decisão do governo”. “É uma questão de gestão dos dois partidos, não me vou meter nessa questão”, afirmou.
Quase 150 países reconhecem o Estado palestiniano, sendo que Reino Unido e Canadá se tornaram os primeiros do grupo das sete maiores economias (G7) do Mundo a fazê-lo.

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A embaixadora do Estado da Palestina em Portugal, considerou, no dia 22, o passo do governo português, de reconhecer o Estado palestiniano, uma decisão “corajosa” que “apoia e recompensa os esforços globais de paz”. Em declarações aos jornalistas, na embaixada da Missão Diplomática da Palestina, no Restelo (Lisboa), Rawan Sulaiman, rejeitou a categorização da decisão, anunciada pelo ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, como “simbólica”, depositando-lhe muitos outros significados. E aproveitou para agradecer ao Presidente da República, pelo apoio à medida, e aos partidos que se mostraram favoráveis a este processo.
E, face à posição do partido do Centro Democrático Social (CDS) que não só integra a coligação AD que suporta o governo como integra mesmo o Executivo, a embaixadora do Estado da Palestina disse tratar-se de “uma questão política interna do governo”, que não comenta. “Nunca senti que houvesse um partido que se opusesse ao reconhecimento palestiniano”, sublinhou, mas pedindo que “aqueles que consideram que este não é o momento certo que reconsiderem a sua posição”, porque o reconhecimento é “norma fundamental essencial nas relações internacionais”, e não “um presente”.
Para Rawan Sulaiman, que representa, há cerca de um ano, a Palestina em Portugal, está a fazer-se História. No dia 22, na Conferência para a Solução dos dois Estados, em Nova Iorque, também a França, Bélgica, Malta, Luxemburgo, Andorra e São Marino formalizaram o reconhecimento do Estado palestiniano, depois de o Reino Unido, a Austrália o Canadá e Portugal terem comunicado a mesma decisão. “É um passo significativo para garantir o respeito e a plena implementação do direito internacional, incluindo o direito fundamental à autodeterminação das nações”, considerou, falando da sua importância “para alcançar a justiça, a paz e a segurança para todos, após tantos anos de injustiça, [de] ocupação, [de] apartheid, [de] genocídio e [de] guerra”.
A alta representante diplomática salientou que dizer ao Mundo que “o povo palestiniano tem o direito de existir, de viver, como todos os outros povos espalhados” é “um triunfo para os pacificadores e para os grupos pacifistas” e que o reconhecimento da Palestina como Estado promove o “isolamento dos ocupantes, perpetradores e violadores do direito internacional”. E, questionada acerca da liderança do Hamas em Gaza, como condicionante para alguns Estados reconhecerem o Estado palestiniano, asseverou: “O nosso programa político assenta na solução de dois Estados, na justiça e na paz para todos, na plena implementação do direito internacional. […] não haverá lugar para ninguém que se afaste desta realidade política.”
Para a embaixadora, nem a fome forçada pelo Homem, o genocídio e nem os planos para deportação para o Sudão ou para outros Estados impedirão a (re)construção de um Estado palestiniano. “Os palestinianos nasceram para ficar na Palestina”, sentenciou. 
Apesar da devastação, dos milhares de palestinianos mortos na guerra (o Ministério da Saúde do Hamas contabiliza pelo menos 65 mil mortes, embora a ONU conceda que o número possa ir até dez vezes mais), dos postos militares de controlo, e da “violência dos colonos, protegida pelo Exército”, a existência do povo palestiniano é “a verdadeira realidade”, alertou a embaixadora da Palestina em Portugal, frisando. “Aceitamos uma solução pacífica, a solução de dois Estados, para viver nas nossas terras, e este é um direito nosso. Não vamos desistir. Estamos ali há anos e anos, e isso não vai acabar por causa das políticas racistas do atual governo.”
No entanto, o papel dos Estados Unidos da América (EUA) “é importante e essencial”, “mas infelizmente não é equilibrado, lembrou a representante da Missão Diplomática da Palestina. Os EUA proibiram a delegação palestiniana, incluindo o presidente do Estado da Palestina de ir a Nova Iorque discursar.

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A AGNU centra-se no Estado palestiniano, nas sanções ao Irão, na reforma das Nações Unidas, na Ucrânia, nos objetivos climáticos, nos objetivos de desenvolvimento e nas crises humanitárias. A cimeira final é palco de discursos de representantes e de chefes de Estado dos 193 Estados-membros e dos dois observadores, a Santa Sé e o Estado da Palestina. E espera-se que os representantes palestinianos participem, através de ligação de vídeo, depois de o Departamento de Estado dos EUA ter recusado os vistos aos representantes da AP, incluindo o presidente Mahmoud Abbas, alegando incumprimento de compromissos.
A guerra na Ucrânia estará no topo da agenda de discussões dos líderes mundiais. O presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskyy, protagoniza o discurso do dia 24, a que se contrapõe o do ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergey Lavrov, no dia 27, em substituição do presidente Vladimir Putin.
A questão do Estado palestiniano é também um dos principais temas desta AGNU. A pressão global sobre Israel vem aumentando, devido à guerra em Gaza e à crise humanitária que a acompanha. Grande parte da comunidade internacional critica o governo israelita pelos seus planos para a Faixa de Gaza e para a Cisjordânia ocupada, bem como pelo crescente movimento de colonização, que são considerados ilegais, ao abrigo do direito internacional. Em reação, anota-se o reconhecimento do Estado da Palestina, por parte de muitos países
O primeiro-ministro israelita, também presente na sede da ONU, em Nova Iorque, é fortemente criticado, mas sobe ao púlpito no dia 26, para dizer da sua justiça.
Os líderes mundiais estão a correr contra o relógio, para decidirem se vão ou não impor sanções ao Irão. No dia 25, termina o processo de resolução de litígios de 30 dias para garantir um acordo nuclear com Teerão, lançado pela Alemanha, pela França e pelo Reino Unido, o E3.
Os países europeus exigiram o regresso dos inspetores nucleares da ONU ao terreno, para resposta às preocupações sobre reservas de urânio enriquecido de Teerão e à reaproximação aos EUA. O Irão mantém a sua posição, negando qualquer desejo de adquirir armas nucleares.
O canal diplomático foi reaberto após o fim da guerra dos 12 dias, entre Israel e o Irão. Em junho, Israel lançou uma ofensiva militar contra o Irão, para obviar às ameaças que Benjamim Netanyahu descreveu como tendo “graves consequências” para a paz mundial.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, reúne, no dia 23, os signatários do Acordo de Paris para atualizarem os Contributos Determinados a Nível Nacional (CDN). Este acordo, é um tratado internacional juridicamente vinculativo, que visa combater os impactos das alterações climáticas, mantendo o aquecimento global abaixo dos 2°C (graus Celsius) – de preferência 1,5°C –, acima dos níveis pré-industriais.
A anunciada reforma da ONU, a iniciativa UN80, também é abordada na cimeira de alto nível da AGNU. A iniciativa foi apresentada, pela primeira, vez em março, em resposta ao grave corte de fundos da ONU, que lhe criou uma crise financeira. A ONU tem de reduzir o seu orçamento regular em mais de 500 milhões de dólares (426 milhões de euros). As reduções incluem cortes de cerca de 15%, no orçamento, e perto de 19%, na força de trabalho (em comparação com 2025), para o próximo ano fiscal de 2026. Segundo Guterres, a iniciativa UN80 visa “tornar a ONU mais ágil, integrada, eficiente e mais capaz de responder aos atuais desafios globais num contexto de escassez de recursos financeiros”, mas ainda está a ser discutida entre os estados-membros. E a cimeira da AGNU é um bom cenário para novas conversações entre os líderes mundiais.

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É de candente relevância a agenda da AGNU. Porém, questiono onde a instalará o Estado da Palestina, se Israel está a ocupar quase todo o território. Voltar-se-á às fronteiras de 1967?

2025.09.22 – Louro de Carvalho

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