A Assembleia
Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou, a 12 de setembro, uma
resolução não vinculativa que apoia a solução de dois Estados para Israel e para
Palestina, horas depois de o primeiro-ministro israelita, Benjamin
Netanyahu, ter rejeitado a ideia de um Estado palestiniano independente.
A resolução, que apoia o reconhecimento de um Estado palestiniano e prevê uma solução de dois Estados, condena tanto o ataque do Hamas ao Sul de Israel, em outubro de 2023, como o cerco de Israel e a fome em Gaza, que produziu uma catástrofe humanitária.
A resolução, que apoia o reconhecimento de um Estado palestiniano e prevê uma solução de dois Estados, condena tanto o ataque do Hamas ao Sul de Israel, em outubro de 2023, como o cerco de Israel e a fome em Gaza, que produziu uma catástrofe humanitária.
Dos
193 membros daquele organismo mundial, 142 países (quase três quartos) votaram
a favor da Declaração de Nova Iorque, 10 votaram contra e 12 abstiveram-se.
Apresentada
por França e pela Arábia Saudita, a resolução, prevê que a Autoridade
Palestiniana (AP) governe e controle todo o território palestiniano, com um
comité administrativo de transição, imediatamente estabelecido após um
cessar-fogo em Gaza.
O
documento de sete páginas condena “os ataques cometidos pelo Hamas contra civis”,
no Sul de Israel, em 7 de outubro de 2023, quando militantes liderados pelo
Hamas mataram cerca de 1200 pessoas, muitas delas civis, e fizeram 250 reféns.
Destes, 50 ainda estão detidos, incluindo cerca de 20 que se acredita estarem
vivos. E, ao mesmo tempo, condena os ataques de Israel contra civis e contra infraestruturas
civis, em Gaza, e o seu “cerco e fome, que produziu uma catástrofe humanitária
devastadora e uma crise de proteção”. Após o dia 7 de outubro, a ofensiva
israelita matou mais de 64 mil palestinianos, na sua maioria, mulheres e
crianças, de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, que não distingue entre
combatentes e civis.
Estes
números são repetidamente citados por instituições internacionais, como a ONU.
Efetivamente,
grandes extensões da Faixa de Gaza foram arrasadas e a maioria dos mais de dois
milhões de habitantes do território foi deslocada. E a ONU declarou,
recentemente, a situação de fome na província de Gaza, que acredita poder
estender-se a Deir al Balah e Khan Younis até ao final deste mês.
“O
Hamas deve pôr fim ao seu domínio em Gaza e entregar as suas armas à Autoridade
Palestiniana”, estipula a declaração, acrescentando que deve libertar todos os
reféns.
A
declaração sugere o envio de uma missão apoiada pela ONU para proteger os civis
palestinianos, garantir a segurança aos civis palestinianos e israelitas, para apoiar
a transferência pacífica do governo para a AP e para controlar o cessar-fogo e
um futuro acordo de paz.
Por
último, a declaração apela aos países a que reconheçam o Estado da Palestina,
naquilo a que chama uma “componente essencial e indispensável” para alcançar
uma solução de dois Estados.
Sem
citar nomes, mas em clara referência a Israel, o documento diz que “as ações
unilaterais ilegais constituem uma ameaça existencial à realização do Estado
independente da Palestina”.
No
início deste mês, a Bélgica anunciou que se juntaria ao Reino Unido, à França e
a outros países, no reconhecimento de um Estado palestiniano, na reunião anual
da Assembleia Geral da ONU, no final do mês. Os palestinianos afirmavam esperar
que, pelo menos, mais 10 países reconheçam o Estado da Palestina, além dos mais
de 145 países que já o fazem.
O
embaixador palestiniano na ONU, Riyah Mansour, afirmou que o apoio
maioritário à resolução indica “o desejo de quase todos, da comunidade
internacional, de abrir a porta à opção da paz”. E, sem nomear Israel, disse: “Convidamos
uma parte que ainda está a insistir na opção da guerra e da destruição e nas
tentativas de eliminar o povo palestiniano e de roubar as suas terras, a ouvir
o som da razão, o som da lógica de lidar com esta questão pacificamente, e a
mensagem esmagadora que ressoou, hoje, nesta Assembleia Geral.”
Israel
rejeitou, de imediato, a resolução, alegando que apenas beneficia o Hamas. “Esta
declaração unilateral não será recordada como um passo em direção à paz, mas
apenas como mais um gesto vazio que enfraquece a credibilidade desta assembleia”,
afirmou o embaixador de Israel na ONU, Danny Danon, sustentando que esta
decisão da ONU é “vergonhosa” e não “favorece uma solução para a paz”.
Israel,
que há muito critica a ONU por não condenar, nominalmente, o Hamas pelos
ataques de 7 de outubro, rejeitou a declaração como unilateral e descreveu a
votação como um “circo”. “Mais uma vez, ficou provado quanto a Assembleia Geral
é um circo político alheio à realidade: nas dezenas de cláusulas da declaração
endossadas por esta resolução, não há uma única menção de que o Hamas seja uma
organização terrorista”, escreveu o porta-voz do Ministério das Relações
Exteriores de Israel, Oren Marmorstein, numa publicação no X.
Durante
uma visita a um colonato israelita, na Cisjordânia ocupada, Benjamin Netanyahu
confirmou não querer um Estado palestiniano: “Este lugar pertence-nos”,
declarou.
O
aliado mais próximo de Israel, os Estados Unidos da América (EUA), que garantiu
que o presidente palestiniano, Mahmud Abbas, não obteria o visto para viajar para
Nova Yorque, também se opôs à iniciativa, tendo Morgan Ortagus,
conselheiro da missão dos EUA, considerado que se tratava de um “golpe
publicitário mal orientado e inoportuno que prejudica os esforços diplomáticos
sérios para pôr termo ao conflito”.
Além
dos EUA e de Israel, outros oito países votaram contra a resolução – a Argentina,
a Hungria, a Micronésia, Nauru, Palau, Papua-Nova Guiné, o Paraguai e Tonga.
Embora
Israel critique, há quase dois anos, os organismos da ONU pela sua incapacidade
de condenar o ataque do Hamas ao território israelita, em outubro de 2023, a
resolução em causa repudia o grupo terrorista e exclui-o da solução de dois
Estados.
O
texto, respaldado pela Liga Árabe e assinado, em julho, por 17 países, durante
a primeira parte de uma das conferências da ONU sobre a solução de dois
Estados, vai mais além: “No contexto da finalização da guerra em Gaza, o Hamas
deve deixar de exercer sua autoridade sobre a Faixa de Gaza e entregar suas
armas à Autoridade Palestina, com o apoio e a colaboração da comunidade
internacional, conforme o objetivo de um Estado palestiniano soberano e
independente”, sinaliza inequivocamente o texto”.
A
votação referida antecede uma próxima cimeira da ONU copresidida por Riad e por
Paris, a 22 de setembro, em Nova Iorque, na qual o presidente francês, Emmanuel
Macron, prometeu reconhecer formalmente o Estado palestino.
“O
facto de a Assembleia Geral, finalmente, apoiar um texto que condena
diretamente o Hamas é significativo”, embora os israelitas digam que “é pouco
demais e tarde demais”, afirmou Richard Gowan, do International Crisis Group, vincando:
“Agora, pelo menos, os Estados que apoiam os palestinianos podem refutar as
acusações israelitas segundo as quais apoiam, implicitamente, o Hamas. [Isto] oferece
um escudo contra as críticas de Israel.”
Além
da França, outros países anunciaram sua intenção de reconhecer formalmente o
Estado palestino durante a semana da Assembleia Geral da ONU, que começa em 22
de setembro.
O
gesto é visto como uma forma de aumentar a pressão sobre Israel para encerrar a
guerra em Gaza. Aliás, o texto defende a “finalização da guerra em Gaza” e
uma “solução justa, pacífica e duradoura do conflito israelita-palestiniano,
baseada numa implementação genuína da solução de dois Estados”, uma posição
comum da Assembleia Geral. E é na previsão de um futuro cessar-fogo que é mencionado
o desdobramento de uma “missão internacional temporária de estabilização”, em
Gaza, sob mandato do Conselho de Segurança da ONU, para proteger a população, [para]
apoiar o fortalecimento das capacidades do Estado palestiniano e [para] fornecer
“garantias de segurança à Palestina e a Israel”.
Aproximadamente três
quartos dos 193 Estados-membros da ONU reconhecem o Estado palestiniano proclamado
pelos líderes deste território no exílio, em 1988. No entanto, após quase dois
anos de guerra na devastada Faixa de Gaza, a expansão da colonização israelita
na Cisjordânia e as intenções de funcionários israelitas de anexar este
território ocupado, cresce o temor de que a criação de um Estado palestiniano
independente seja fisicamente impossível.
***
Antes
desta resolução da ONU, o Parlamento Europeu (PE) aprovou, no dia 11, uma
resolução que pede aos estados-membros da União Europeia (UE) que “considerem o
reconhecimento do Estado da Palestina, com vista a alcançar a solução de dois
Estados”.
Embora o PE já tenha apoiado o “reconhecimento, em princípio, do Estado palestiniano” no passado, a resolução parece configurar um apelo mais direto aos governos nacionais a que atuem. A resolução foi aprovada com 305 votos a favor, 151 contra e 122 abstenções.
Embora o PE já tenha apoiado o “reconhecimento, em princípio, do Estado palestiniano” no passado, a resolução parece configurar um apelo mais direto aos governos nacionais a que atuem. A resolução foi aprovada com 305 votos a favor, 151 contra e 122 abstenções.
De
acordo com o eurodeputado italiano Nicola Zingaretti, dos Socialistas e
Democratas (S&D), o resultado da votação foi fruto de negociações
exaustivas entre os grupos políticos sobre várias alterações. A votação foi
longa e tensa e os eurodeputados chegaram a pedir uma pausa, para verificarem
as alterações sobre Gaza, antes de procederem à votação final. Por exemplo, a
expressão “ações genocidas” acabou por ser rejeitada e excluída do texto.
***
A
tomada de posição do PE seguiu-se a várias manifestações, na Europa, contra a complacência
da UE para com Israel, no atinente à situação na Faixa de Gaza.
Ainda a 8 de setembro, dezenas de milhares de pessoas marcharam em Bruxelas, no protesto “Linha Vermelha para Gaza”, exigindo sanções mais duras da UE contra Israel e o reconhecimento do Estado da Palestina. A polícia estimou 70 mil participantes, enquanto os organizadores afirmaram que 110 mil pessoas participaram na marcha de 3,5 quilómetros, apoiada por mais de 200 grupos de direitos humanos e por agências de ajuda, incluindo a Oxfam, a Amnistia Internacional (AI) e os Médicos Sem Fronteiras (MSF).
Ainda a 8 de setembro, dezenas de milhares de pessoas marcharam em Bruxelas, no protesto “Linha Vermelha para Gaza”, exigindo sanções mais duras da UE contra Israel e o reconhecimento do Estado da Palestina. A polícia estimou 70 mil participantes, enquanto os organizadores afirmaram que 110 mil pessoas participaram na marcha de 3,5 quilómetros, apoiada por mais de 200 grupos de direitos humanos e por agências de ajuda, incluindo a Oxfam, a Amnistia Internacional (AI) e os Médicos Sem Fronteiras (MSF).
O
protesto seguiu-se ao anúncio da Bélgica de reconhecerá a Palestina na
Assembleia Geral da ONU, no final do mês e imporá sanções a Israel sob certas
condições. Os manifestantes saudaram a medida, mas exigiram ações mais firmes,
alertando que os governos da UE estão muito atrás da opinião pública, quando a
crise humanitária em Gaza se agrava.
A
Bélgica junta-se a Portugal, à Austrália, à França, ao Canadá e ao Reino Unido,
que também se comprometeram a reconhecer um Estado palestiniano, numa tentativa
de pressionar o governo de Benjamin Netanyahu a pôr fim ao ataque a Gaza e à
crise humanitária.
Segundo
o ministro dos Negócios Estrangeiros belga, Maxime Prevot, “não se trata de
sancionar o povo israelita, mas de garantir que o seu governo respeita o
direito internacional e humanitário e que toma medidas para tentar alterar a
situação no terreno”.
A
Bélgica pretende sanções a Israel, que incluem a proibição de importar produtos
dos colonatos, a revisão das políticas de contratos públicos com empresas
israelitas e restrições à assistência consular a cidadãos belgas que residam
nos colonatos ilegais, bem como eventuais ações judiciais, proibições de
sobrevoos e de trânsito, a designação de dois ministros israelitas, dirigentes
do Hamas e de vários colonos violentos como “personae non gratae”, na Bélgica. E,
embora Prevot não tenha mencionado o nome dos dois ministros, provavelmente,
pensou nos ministros da Segurança Nacional, Itamar Ben Gvir, de
extrema-direita, e das Finanças, Bezalel Smotrich, que foram alvo de ações similares,
da parte de outros países da UE, como os Países Baixos.
Prevot
anunciou também que a Bélgica apoiará medidas, a nível da UE, para suspender a
cooperação com Israel, incluindo a suspensão do acordo de associação com o
país, programas de investigação e cooperação técnica. “A Bélgica vai reconhecer
a Palestina, durante a iniciativa conjunta da França e da Arábia Saudita. Um
gesto político e diplomático forte, para preservar as hipóteses de uma solução
de dois Estados”, escreveu Prevot, frisando que Bruxelas vai participar na
iniciativa, para “marcar a condenação das ambições expansionistas de Israel com
os seus programas de colonização e de ocupações militares”.
O
chefe da diplomacia belga sublinhou que as medidas se destinam a
responsabilizar o governo israelita, pelas ações durante a dura ofensiva de 22
meses, em Gaza, não constituindo abandono do povo judeu, nem o tendo como alvo,
pois o governo belga vai tomar medidas ativas contra a glorificação do Hamas e contra
o antissemitismo.
***
O
reconhecimento da Palestina por Portugal, anunciado em julho, ganhou novo
impulso com o início das consultas aos partidos políticos, na primeira semana
de setembro, em fase mais assertiva da política externa e de alinhamento com
a posição internacional dominante.
Sob liderança do ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, o país reforçou a sua posição em defesa da solução de dois Estados, após uma reunião em fevereiro com o homólogo israelita Gideon Sa’ar, em Jerusalém, no âmbito de um périplo pelo Médio Oriente. E reafirmou-a em Copenhaga, numa reunião com homólogos da UE, onde o ministro o papel diplomático que o país pretende assumir no processo de paz.
Sob liderança do ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, o país reforçou a sua posição em defesa da solução de dois Estados, após uma reunião em fevereiro com o homólogo israelita Gideon Sa’ar, em Jerusalém, no âmbito de um périplo pelo Médio Oriente. E reafirmou-a em Copenhaga, numa reunião com homólogos da UE, onde o ministro o papel diplomático que o país pretende assumir no processo de paz.
No
final de julho, o primeiro-ministro, Luís Montenegro, anunciou que o governo
iria ouvir o Presidente da República e os partidos com representação
parlamentar, para considerar o reconhecimento palestiniano na semana de
Alto Nível da 80.ª Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque, entre 23 e 29
de setembro. Estas reuniões fazem parte de encontros preparatórios não só
por causa desta questão, mas também do Orçamento do Estado e da lei da
nacionalidade, e refletem a preocupação de construir uma base de apoio
parlamentar sólida para o reconhecimento da Palestina por Portugal.
O
partido Chega sustenta que não é tempo de reconhecer o Estado palestiniano,
acompanhando as posições conservadoras relativas ao tema, nomeadamente, a nível
europeu.
Já
se tinham manifestado, anteriormente, a favor de que Portugal reconheça o
Estado da Palestina o Partido Comunista Português (PCP), o Bloco de Esquerda
(BE), o Livre, o partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN), o Juntos Pelo Povo
(JPP) e o Partido Socialista (PS), defendendo que o reconhecimento é uma
solução para o conflito israelo-palestiniano e que deve ter em conta as
fronteiras anteriores a 1967 e com capital em Jerusalém
Oriental. O
partido do Centro Democrático Social (CDS) rejeitou, até agora, o
reconhecimento do Estado palestiniano, aduzindo que, antes, têm de ser
respeitados pressupostos, como o fim do Hamas, o acordo de cessar-fogo e a
libertação de todos os reféns. E a Iniciativa Liberal (IL) recomendou ao governo
uma “estratégia equilibrada e responsável, para promover uma solução pacífica e
sustentável para o conflito israelo-palestiniano”, assim como sustenta que o
reconhecimento deve ser feito num movimento multilateral, não fazendo sentido
Portugal fazê-lo individualmente.
***
Veremos
se a campanha multilateral resultará. Não é fácil.
2025.09.14
– Louro de Carvalho
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