Recentemente, no programa “Joker” da RTP 1, apresentado por Vasco Palmeirim, perguntava-se “quem foi a primeira mulher que, em Portugal, fundou e dirigiu jornais”.
Lembra que,
em 1801 António Pusich foi nomeado intendente da Marinha de Cabo Verde, o único
intendente que o arquipélago alguma vez teve, mudando-se para as Ilhas, onde
nasceu a filha Antónia. Terminada a comissão, em 1811, António Pusich voltou a
Lisboa e prosseguiu para a Corte, sediada no Rio de Janeiro. Posteriormente, foi nomeado governador-geral de Cabo Verde, cargo que
exerceu entre 1818 e 1821, ficando o seu nome ligado à ilha de São Vicente, ao
rebatizar, em 1819, a Aldeia de Nossa Senhora da Luz de Vila Leopoldina (em
homenagem a D. Maria Leopoldina, arquiduquesa de Áustria e primeira esposa do
imperador D. Pedro I e Imperatriz Consorte do Império do Brasil, de 1822 até à sua
morte, em 1826).
Segundo Brito-Semedo, Antónia
Gertrudes Pusich “foi a primeira mulher que, como jornalista e diretora de
publicações periódicas, pôs o seu nome no cabeçalho, sem se esconder, como até
aí outras mulheres o haviam feito, atrás de um pseudónimo masculino”. Com
efeito, fundou e dirigiu os jornais “Assembleia Literária” (de
instrução), Lisboa, [1849?]-1851; “Beneficência” (dedicado à Associação
consoladora dos aflitos), Lisboa, 1852-1855; e “A cruzada” (religioso e
literário), Lisboa, 1858, a testemunhar a sua intervenção na pedagogia e na
vida social e política.
Da vasta
obra que publicou, Brito-Semedo destaca os poemas Olinda ou A Abadia
de Connor Place (1848) e Saudade (1859). Fez teatro e escreveu
sobre membros da família real, como Canto saudoso ou lamentos na
solidão á memoria do Dom Pedro Quinto (1861). Redigiu uma monografia sobre
o seu pai, em 1872: Biographia de Antonio Pusich contendo 18 documentos
de relevantes serviços prestados a Portugal por este illustre varão; Resumo da
história da republica de Ragusa e sua antiga literatura, um documento
importante para o conhecimento da História de Cabo Verde de um determinado
período
Enfatiza o articulista que Antónia
Pusich colaborou no Almanaque de Lembranças Luso-Brasileiro (Lisboa,
1851-1932), tendo sido o primeiro escritor de Cabo Verde, e mulher, a ali
publicar, no caso, o poema “Um cipreste”, no seu número de 1854. Seguiram-se, em 1855, “Ao Sr. A. F. de Castilho. No encerramento do curso
normal de leitura repentina. Memória”; em 1856, “Madeira. Saudação lírica”; em
1857, “Lamentações. Oremos pelos finados”; em 1858, “Chora!”; e em 1859, “A uma
viúva inconsolável. A flor pendida”, num total de cinco poemas longos, seguindo
os cânones do Romantismo Português.
Anota
Brito-Semedo que Guilherme da Cunha Dantas, outro dos fundadores da literatura
cabo-verdiana, só faria a sua estreia poética no Almanaque de
Lembranças Luso-Brasileiro, em 1875 – embora já tivesse publicado Contos
Singelos (Mafra, 1867) e um texto, em prosa, no Almanaque
Luso-Brasileiro, em 1872 – seguido da Africana, em 1883 (ano da morte de
Antónia Gertrudes Pusich); Eugénio Tavares, em 1885; e José Lopes da Silva, Sénior,
em 1888.
A vasta
intervenção desta personalidade contrasta com os usos e costumes da época em
que as mulheres se confinavam à família, à música e aos bordados. Em contramão,
Antónia Pusich defendia que deveriam também aprender a ler e a escrever, para
poderem participar na vida social e política do país. E, através dos jornais
que fundou despertou nas mulheres o sentido cívico que viria a ser realidade
nos séculos que se lhe seguiram.
Põe,
verdadeiramente, o dedo na chaga o trecho recolhido por Brito Semedo: “Nos
outros colégios do Estado e, ainda, nas escolas particulares, igual esmero se
vai tendo com a instrução dos meninos e honra seja feita aos professores e diretores
desses colégios. Mas as meninas!... As meninas imploram atenção, e de todas as
pessoas que nutrem sentimentos de humanidade e desejos de ver prosperar a sua
pátria. [...]. Enquanto em nossa terra as mulheres não tiverem a precisa
instrução literária, ensinam a coser, marcar, bordar, música, etc. Porém, a
ler, escrever, contar, etc., não. E, ainda menos, outros estudos. Que mal pode
ensinar alguém o que mal sabe... Poucas senhoras sabem escrever bem [...].
Aparecem numa sociedade, ostentam uma brilhante conversação, fazem uma elegante
figura... encantam os espectadores... seduzem... adquirem nomeada, estudam
todas essas aparências fosfóricas (sic);
vai um sábio entrar com elas em discurso... onde está o espírito dessas
fascinantes beldades?... Evaporou-se! Nem sabem dar uma razão do que dizem.” (Antónia
Pusich, 25 de Agosto de 1849)
Portanto, na
opinião de Brito-Semedo, que se aplaude, Antónia Pusich não pode ficar
confinada às estantes das bibliotecas, nem à lápide que a Câmara Municipal lhe
colocou na última casa onde morou, na Rua de São Bento, em Lisboa. “Precisa de ser
conhecida, estudada e apropriada, por Cabo Verde, como uma das pioneiras e
fundadoras da sua literatura”. O mesmo se diga de Portugal, pois, ao tempo era
portuguesa e enriqueceu a nossa língua e literatura. Bem merece uma
encomiástica referência no 140.º aniversário do seu nascimento, a 1 de outubro.
Carla
Cerqueira conta que, desde que soube da existência de Virgínia Quaresma, quis
saber mais sobre quem ela foi e o que resta do seu legado, mas não encontrou
muito. Sabe-se que era negra e lésbica (de “inclinações sáficas”, como se dizia
então), mas no seu trabalho jornalístico, do que se conhece, não há sinais de “interseccionalidade”,
ou seja, de reflexos do seu cruzamento de identidades. Há poucos registos do
que escreveu, o que não é estranho, quando “muitas mulheres não assinavam os
artigos ou assinavam com pseudónimos masculinos”.
Sendo
a primeira mulher a entrar numa redação, lugar antes reservado aos homens,
abriu de facto caminho para as que se seguiram, mas não sem custos. “A mulher
que queira enveredar por este caminho tem que ter uma educação especial, tem de
ser despida de certos preconceitos para poder suportar os preconceitos dos
homens”, disse, numa entrevista ao jornal A Capital.
A edição que
homenageou a jornalista foi coordenada pelas investigadoras Mariana Rodrigues e
Sara Torres e a sua apresentação no auditório do Público contou com uma mesa redonda em que participaram, além de
Carla Cerqueira, as investigadoras Isabel Ventura e Filipa Subtil.
Isabel
Ventura, investigadora do Centro de Estudos das Migrações e das Relações
Interculturais da Universidade Aberta e autora do livro As Primeiras
Mulheres Repórteres, falou sobre os anos 1960 e 1970, em que as redações
eram “masculinas e brancas” e havia “uma segregação espacial”, já que “os
jornalistas diziam que a presença de mulheres punha em causa a sua liberdade”,
não podendo dizer o que lhes apetecia. E, como os jornalistas eram conhecidos
pela “promiscuidade” e “pela vida noturna”, elas não eram bem vistas nesse “livre
convívio com homens”. Além disso, dizia-se que “não eram inteligentes o
suficiente para escrever sobre determinados assuntos”, pelo que eram afastadas
para “secções da mulher”.
Para
Isabel Ventura, o primeiro aumento significativo de mulheres, nas redações, face
aos valores residuais ou nulos de antes, nos anos 1960 e 1970, não ocorreu por
mudança de preconceitos, mas circunstancialmente. Quando os jornalistas eram
presos pela PIDE ou morriam, as redações, não raro, davam emprego às mulheres
para subsistirem os maridos, mas pagando menos.
Filipa
Subtil, do Instituto de Comunicação da Universidade Nova de Lisboa, sustenta
que “jamais podemos dizer” que as mulheres “não estiveram presentes” nas
redações. Contudo, foram os maiores índices de escolaridade e de mobilidade
social que advieram da Revolução dos Cravos que trouxeram as grandes mudanças. A
partir daí, sobretudo, nos anos 1980 e 1990, os espaços de trabalho
rejuvenesceram, ficaram mais letrados e com maior presença feminina.
Todavia,
o “processo de feminização contínuo” nas redações estancou, na primeira década
deste milénio: nos últimos anos, o número de mulheres jornalistas tem estancado
em cerca de 40% dos detentores de carteira profissional. As mulheres integram,
plenamente, as redações, mas abandonam mais a profissão do que os homens. E as
que entram são obrigadas à precariedade, a estágios consecutivos, mal
remunerados, a trabalhos à peça e a situações ilegais.
Isabel
Ventura, falando de violência sobre mulheres jornalistas, referiu Shireen Abu
Akleh, palestiniana morta por forças israelitas, e Lara Logan, sexualmente
agredida por dezenas de homens no Egipto, enquanto fazia reportagem. E Filipa Subtil anotou que “a
feminização no local de trabalho é um processo profundamente incompleto, parcial
e travado” e que, apesar das “conquistas inegáveis das últimas décadas”, há
ainda “muitos obstáculos”.
***
Helô d’Angelo, no artigo intitulado “Pioneira,
espanhola foi a primeira mulher a dirigir um jornal de circulação nacional”,
publicado, a 1 de agosto de 2017, Arte Revista CULT, faz memória de María Luz Morales, a espanhola que
nunca se definiu como feminista, mas que viveu na luta pela ocupação dos
mesmos espaços que os homens. Enquanto adolescente, entrava em bibliotecas onde
não eram permitidas mulheres; depois, cursou a faculdade e usou pseudónimos
masculinos para publicar os seus textos, até se tornar a primeira mulher a
dirigir um jornal de circulação nacional, na Espanha. “Deixar de escrever seria
como deixar de respirar”, dizia.
O
livro “María Luz Morales: pionera del
periodismo”, lançado 37 anos após a sua morte, pela crítica
literária espanhola María Ángeles Cabré, narra as lutas da que se tornaria
a primeira mulher jornalista cultural da Espanha e uma das pioneiras da área no
Mundo.
Nascida em
Corunha, no Noroeste da Espanha, em 1889, não casou. Preferiu
estudar Filosofia e Literatura no primeiro centro universitário de
mulheres da Espanha, a Residencia de Señoritas, para se tornar escritora e
seguir a carreira de jornalista, sua vocação.
Começou a
redigir pequenos artigos jornalísticos para revistas de moda e beleza. Aos 25
anos, enviou textos a um processo seletivo para a vaga de diretora de redação
da revista feminina El hogar y la moda (hoje, Lecturas) e conseguiu o cargo.
Pouco depois, conquistou a coluna semanal “La
mujer, el niño y el hogar”, no diário El Sol, “o jornal da
intelectualidade”.
Após cinco
anos como diretora da El hogar y la moda, passou a
publicar críticas cinematográficas no jornal liberal La Vanguardia, sob o pseudónimo
Felipe Centeno, tomado de uma personagem do romancista Benito Pérez Galdós. As
suas críticas eram tão bem escritas que um dos responsáveis pela Paramount
Pictures na Espanha quis conhecer Felipe Centeno. E, ao ver que o famoso
crítico era uma mulher, decidiu contratá-la como colaboradora da
empresa no país. Tal posição fez-lhe ganhar mais espaço no La Vanguardia e, em 1933, passou
a escrever críticas teatrais, mais valorizadas do que as de cinema, assinando com
o próprio nome.
Com o início da
Guerra Civil Espanhola, em 1936, o La
Vanguardia passou a ser controlado por um grupo franquista. Os
censores consideraram María Luz, a única mulher da redação, como a pessoa mais
inofensiva para o dirigir – função que exerceu até ao fim da guerra, tida como “La gran señora de nuestra prensa”. Porém,
em 1939, o La
Vanguardia foi fechado. Todos os redatores foram demitidos e
os seus passaportes confiscados pelo regime franquista, por terem colaborado
com um jornal da oposição. E Morales foi mandada para um convento, onde ficou
trancada durante 40 dias, facto que nunca comentou a respeito.
No entanto, não
parou de escrever: publicava os textos sob os pseudónimos masculinos Ariel e
Jorge Marineda. E, em 1948, entrou na redação do Diario de Barcelona, onde trabalhou
como crítica teatral, até ao resto da vida, tendo morrido em 1980, aos 91 anos,
há 45 anos.
2025.09.04 – Louro de Carvalho
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