Desde 2020 que o valor máximo anual das propinas para o Ensino
Superior se mantinha inalterado nos 697 euros, para licenciaturas e para mestrados
integrados, mas o ministro da Educação, Ciência e Inovação, Fernando Alexandre,
já anunciou o seu descongelamento, que sempre admitiu, associando o aumento ao
valor da inflação em 2025.
Nestes termos, no ano letivo 2026/2027, a propina para
licenciaturas e para mestrados integrados, no ensino superior público, aumentará 13 euros, ficando em 710 euros, mas
variando, nos anos subsequentes, consoante a taxa de inflação. De acordo com a
proposta do Orçamento do Estado para 2026 (OE2026), nos mestrados não integrados,
não haverá limites à subida, pelo que poderão sofrer aumentos. Por outro lado,
a dotação das verbas para a ação social aumentarão 43%, ou seja, 30 milhões de
euros (passando de 70 milhões para 100 milhões de euros), mas os
recém-diplomados terão de optar entre o imposto sobre o rendimento das pessoas
singulares jovem (IRS Jovem) e a devolução das propinas.
O
anúncio foi feito pelo governante, no Teatro
Thalia, em Lisboa, após a apresentação do estudo sobre Ação Social
no Ensino
Superior, do Centro de Economia da
Educação da Nova SBE.
“O
governo incluirá na proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2026 a
atualização das propinas de licenciatura, com base na taxa de inflação de 2025,
medida pelo Índice de Preços no Consumidor [IPC] sem habitação. Ou seja, com
base nas previsões atuais para a taxa de inflação, a propina máxima de
licenciatura, no ano letivo de 2026/2027, deverá ser atualizada
de 697 euros para cerca 710 euros, isto é, um aumento de cerca 13 euros
anuais”, detalhou o governante.
No
caso dos mestrados, cujas propinas estão congeladas e que não têm um valor máximo
definido, Fernando Alexandre disse que não serão impostos limites
a eventuais aumentos, apesar de, em alguns casos, o valor ser
de vários milhares de euros, por ano. “O que espero é que as instituições de ensino
que já praticam estes valores canalizem parte dessas verbas para garantir que
os alunos que têm mérito, mas que não têm condições financeiras para suportar
essas propinas, não fiquem privados de aceder a esses cursos”, frisou,
sustentando que é a capacidade de ter mais receitas que torna estas instituições mais
competitivas.
Depois,
considerando que “o país precisa de ter essas instituições de excelência,
afirmou que “o congelamento das propinas tem manietado as instituições de
ensino superior”, impedindo-as de “serem mais competitivas”. Na sua ótica, “reduzir as propinas
– que não são o fator que neste momento mais pesa na frequência de ensino
superior” – não favorece quem mais precisa”, antes “favorece mais os
alunos com rendimentos mais elevados”, pelo é através do reforço da ação social
que se garante que nenhum aluno fica excluído por razões económicas.
Sobre
o reforço da
ação social, argumenta com a garantia de termos “um sistema de
ação social mais justo e mais robusto, no ano letivo de 2026/2027”, o que levará
a aumentar o valor das receitas de impostos dedicado à ação social, mostrando o
compromisso do governo com esta.
Outras
das novidades apresentadas pelo ministro, com efeitos já este ano é a alteração ao diploma
relativo ao prémio salarial para diplomados, criado pelo governo
de António Costa, e que prevê a devolução do montante de propinas pagas (ao
longo do curso) aos estudantes que, logo após a licenciatura ou o mestrado, permanecessem
em Portugal. Dezenas de milhares de diplomados beneficiaram dessa norma,
que esteve, depois, em banho-maria, nos últimos anos.
Agora,
os recém-diplomados
terão de optar entre dois regimes de apoio: a devolução das
propinas ou o benefício do IRS jovem. Segundo o governante, “a conceção de base
do prémio salarial está errada e não é eficaz e o governo irá alterar o
Decreto-lei que criou o prémio salarial, com efeitos em 2025”. Assim, “continuarão
a ser pagos os pedidos já aprovados”, mas, “nos novos pedidos os diplomados
irão optar entre o prémio salarial e o IRS jovem”, explicou.
O IRS jovem é uma
medida do governo de Luís Montenegro, alargada a todos os jovens, até aos 35
anos, pelo período de 10 anos. E
Fernando Alexandre sustenta que esta medida, “ao contrário do Prémio Salarial,
criado em 2023, vai no sentido certo, de permitir a todos os jovens recuperarem,
mais rapidamente, o investimento que fizeram na sua educação, com melhores
salários e melhores empregos”.
***
Sofia Pereira, deputada, dirigente nacional do Partido
Socialista (PS) e secretária-geral da Juventude Socialista (JS), vincando que o
governo está a transferir para as famílias o custo de aumentar o financiamento
das universidades, acusa-o de tomar uma “decisão errada”,
com o descongelamento das propinas, por se tratar de retrocesso, pois limitará,
cada vez mais, o acesso ao ensino superior aos que o possam pagar. “Aquilo que nós não conseguimos compreender é
que este governo, que se mostrava tão disponível, tão preparado para dar estas
respostas a esta geração, aos jovens e às suas famílias, que, agora, não o
consiga fazer, nem executar. O que nos apresentaram é precisamente o retrocesso”,
criticou, em declarações à Lusa, a
deputada, para quem a decisão de descongelamento das propinas “é errada”.
“O que acontece aqui é que, depois de dizerem, durante uma campanha eleitoral
inteira, de que os jovens eram uma prioridade, aquilo que têm para lhes
oferecer é continuar a garantir que o custo de vida é cada vez mais
incomportável”, atirou, considerando que o aumento de 13 euros nos diz que o caminho
que o governo quer seguir é o de “não democratizar o ensino superior, mas cada
vez torná-lo acessível apenas àqueles que possam pagar”.
“Nós
também temos a preocupação do financiamento do ensino superior, achamos que
deve ser reforçado. O que não pode acontecer é que esse custo seja transferido
para as famílias e para os jovens”, defendeu, dizendo que o PS quer garantir que “todos os
jovens tenham acesso ao ensino superior de qualidade” e que se dê resposta às
qualificações de uma geração que é preciso reter em Portugal, pois “o ensino
superior deve ser para todos e não apenas para alguns”.
Para Sofia Pereira, depois de este ter
sido “dos anos [em que] menos jovens entraram no Ensino Superior”, o
descongelamento das propinas irá fazer com que menos jovens frequentem este
nível de ensino, no futuro. “Isto vai contra tudo
aquilo que seria expectável, num período [em que] a aposta deve ser nos jovens, deve ser na qualificação dos mesmos
para podermos garantir que ficam cá a contribuir no futuro, e o que fazem é
precisamente o inverso”, apontou.
***
O descongelamento de
propinas é mais um travão a emperrar o elevador social do Ensino Superior, na
perspetiva de Gonçalo Osório de Castro, presidente
da Associação Académica da Universidade de Lisboa (AAL).
Em artigo de
opinião no Expresso online, de 2 de setembro,
questiona: “Como podemos justificar que, num país onde um estudante deslocado,
num grande centro urbano, gasta, em média, 500 euros, por mês, se adicione mais
um encargo sobre este mesmo estudante? Que análise interpretativa de um estudo
que diz que as bolsas ainda são um decisor de sucesso académico pode sustentar
esta opção? A que destino estamos a condenar o elevador social do Ensino Superior,
quando, numa altura em que sabemos que, de um ano para o outro, houve menos 6%
de alunos carenciados a candidatarem-se ao Ensino Superior?”
Depois, assegura
que “Portugal e o seu sistema de Ensino Superior não estão capacitados para um
aumento das propinas”.
Reconhecendo que os problemas do Ensino Superior são múltiplos, “desde a
crise do alojamento, passando pelo custo de vida e a insuficiência do nosso
sistema de ação social”, sustenta que vivemos “uma verdadeira crise sistémica”,
pelo que a intenção do aumento “é, para dizer o mínimo, injustificada”. Com o
pretexto de que “diminuir as propinas favorece mais os alunos com rendimentos
mais elevados”, o titular da pasta da Educação parece esquecer “a realidade da
grande maioria dos estudantes”, que Portugal é o 2.º país da União Europeia [UE]
em que as contribuições familiares mais pesam no orçamento do estudante e que,
segundo o referido estudo, “uma restrição dos critérios académicos para
atribuição de bolsa levaria a um aumento de 15% no número de estudantes que não
conseguem concluir o curso”.
Gonçalo de Castro denuncia a existência de estudantes colocados, do início
ao fim do seu percurso académico, em situações de “tremenda fragilidade
financeira, devido ao baixíssimo rendimento que têm disponível”. Muito se tem feito
para aumentar o número de residências públicas disponíveis, mas “só 13% das
camas previstas no PNAES [Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior] estão
prontas”. “O Ensino Superior está hoje mais democratizado, [mas] apenas
20% dos alunos do Ensino Superior têm pais licenciados”, releva o presidente da
AAL, para sentenciar: “Caminhamos, perigosamente, para uma elitização do
ensino, onde quem pode pagar, no imediato, avança; e quem não pode, estagna.”
Frisando que o Financiamento do Ensino Superior é “resultado de um sistema
progressivo, o fiscal”, refere que se a intenção do executivo fosse reformular
o sistema de ensino superior, “essa reforma nunca teria de passar pela
imposição de novos encargos aos seus estudantes”. Ao invés, na ótica do presidente
da AAL, a resolução das grandes questões nacionais, incluindo a reforma adequada
do Ensino Superior “seria um serviço ao país”, tendo nós, um Ensino Superior
que se afirmaria como “investimento” e como “instrumento económico ao serviço
da nação”.
Por fim, explicita: “Os estudantes nunca foram, não são e nunca serão
apenas números. Somos quem escreve o amanhã, quem constrói as fundações deste
país. Não permitiremos que Portugal ignore o seu futuro, nem que desperdice o
talento de quem dele depende.”
***
Os autores do estudo sobre a ação social no ensino superior
recomendam a atribuição automática da bolsa a alunos com ação social no ensino secundário,
a simplificação das candidaturas e um aumento do valor mínimo da bolsa.
Menos
de um quinto dos alunos do ensino superior recebia, em 2024, uma bolsa de
estudos e, entre estes, 70% contavam apenas com o valor mínimo (872 euros). A
percentagem de bolseiros da ação social tem vindo a diminuir, nos últimos anos
(comparando com os picos de 2017 e de 2018) e o seu valor real (descontada a
inflação) sofreu uma “queda acentuada”, na última década, sendo insuficiente
para cobrir os custos educacionais da maioria dos estudantes de famílias com
rendimentos mais baixos.
Em
relação à evolução do valor real da bolsa média (a preços de 2023) atribuída a
estudantes de licenciatura e de mestrado integrado, verifica-se, entre os anos
letivos de 2013/2014 e 2023/2024, uma “queda acentuada, tanto no valor
total atribuído, como no valor após o pagamento da propina”, caindo,
no primeiro caso, de cerca de 2300 euros para 1400 euros anuais e, no segundo,
de cerca de mil euros para pouco mais de 500 euros. Esta evolução negativa
reflete-se, na proporção dos custos da frequência de ensino superior cobertos
pela bolsa. Embora o objetivo do apoio não seja cobrir a totalidade dos
custos, para
a maioria dos bolseiros, ele apenas paga até 20% das despesas (já excluindo o
valor da propina).
Além
do peso da inflação, a evolução dos preços do alojamento, sobretudo, nos grandes centros
urbanos, complica as contas dos estudantes, sendo assumido, atualmente, como o
custo que “mais condiciona” as escolhas dos jovens.
O
custo médio de alojamento é mais elevado na Área Metropolitana de Lisboa (AML) para
estudantes que vivem sozinhos ou dividindo com outros, em alojamentos
arrendados. A Área Metropolitana do Porto (AMP) segue de perto, com custos
ligeiramente mais baixos nas regiões Norte, Centro e Sul. Mesmo assim, os alunos
reconhecem o investimento “importante” feito na oferta de camas em residências
universitárias e nos complementos de apoio ao alojamento para alunos deslocados
com baixos rendimentos. Porém, estando o apoio dependente da apresentação do recibo
de renda, essa não é opção para muitos estudantes, que aceitam ofertas de
alojamento mais baratas, por serem feitas sem recibo.
No
estudo referido estudo, há recomendações para garantir que o sistema de ação
social promova a “equidade, a transparência e a simplificação no processo de
atribuição de bolsas de estudo, contribuindo assim para a igualdade de
oportunidades no acesso e sucesso no Ensino Superior”.
A
lista de prioridades tem, à cabeça, a atribuição automática aos alunos do 1.º
ano que beneficiavam da ação social escolar no ensino secundário, sem
necessidade de formalização do pedido, de apresentar documentos e sem haver
possibilidade de o valor da bolsa ser revisto no decurso do 1.º ano (a menos
que o aluno peça a reavaliação). E, logo a seguir, vem a simplificação do processo de
candidatura, já que, “ao reduzir as barreiras administrativas e [ao] garantir
que nenhum estudante elegível fosse excluído, devido à falta de conhecimento ou
à complexidade perspetivada do processo de candidatura à bolsa, aumentaria o
número de matrículas”.
Como os limites de rendimento anual per capita para a atribuição da bolsa
mínima oscilam entre os 5400 euros e os 11700 euros, englobando alunos com
condições de vida muito diferentes, os investigadores defendem “o desdobramento
em dois subintervalos, aumentando o valor da bolsa para os rendimentos mais
baixos”. E propõem a reavaliação do Programa +Superior (apoio a
alunos que vão estudar para instituições localizadas em zonas de menor
densidade populacional), por não haver evidência suficiente de alcance dos
objetivos definidos.
Os
investigadores lembram que, embora a obtenção de qualificações tenha aumentado,
nas últimas décadas, o sistema ainda acarreta desigualdades regionais, disparidades, com base no
rendimento, e taxas moderadas de abandono escolar.
***
Além dos que desistem dos estudos superiores, por dificuldade em
superar escolhos académicos, quase 17% dos jovens, em Portugal, abandonam os
estudos, por motivos financeiros e laborais. Aliás, um estudo do
Instituto Nacional de Estatística (INE) revela que metade dos jovens que, em
algum momento, desistiu de um curso o fez no ensino superior e que 20% diz ter
qualificações acima do necessário para a função que exercem.
Em
2024, mais de 369 mil jovens entre os 15 e os 34 anos (16,8% dos jovens do
país, neste escalão etário) abandonaram os estudos em algum momento do percurso
académico. Destes, metade (50,8%) abandonou curso superior, 39,0% curso de
ensino secundário ou pós-secundário não superior e 10,3% não concluiu o ensino
básico. A
desistência tem, sobretudo, motivações financeiras (a maioria), de conciliação
laboral e até de suposta inutilidade para o trabalho, o que deve ser motivo de particular
atenção. O abandono é mais expressivo nos homens (19,2%) do que nas mulheres (14,3%), há crescente relação entre a idade e o abandono
da escolaridade e há motivações, como a perceção de que o curso é muito
difícil ou não corresponde às expectativas e necessidades” (28,2%).
Além disso, o
crescente aumento de vagas em muitos cursos do ensino superior deve fazer
pensar na complexidade do acesso e do apoio a este nível de ensino, bem como à
sua gestão, se o queremos cada vez mais democratizado, do que duvido.
2025.09.03 – Louro de Carvalho
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