terça-feira, 1 de outubro de 2024

Campanha de recrutamento de outono na Rússia

 

O dia 1 de outubro marca o início da mais recente campanha de recrutamento da Rússia, depois de o presidente Vladimir Putin ter assinado o decreto de convocatória de dezenas de milhares de jovens para o serviço militar. É um novo elã para a prossecução da guerra contra a Ucrânia

Cerca de 133 mil jovens estão prestes a ser convocados para o serviço militar na Rússia, no âmbito da tradicional campanha de recrutamento do outono, em que todos os homens com idades compreendidas entre os 18 e os 30 anos que não sejam reservistas e estejam sujeitos ao serviço militar têm de ser convocados por um período de 12 meses. Esta convocação de outono, que decorre até 31 de dezembro, é a segunda campanha de recrutamento de rotina, desde que a idade máxima foi aumentada de 27 para 30 anos.

Os novos recrutas passam por um a dois meses de formação de base, seguidos de três a seis meses de formação avançada, antes de chegarem às unidades que lhes são atribuídas.

A lei estipula que os recrutas não podem ser destacados para combate com menos de quatro meses de treino e que não podem ser destacados para fora da Rússia, portanto, para a guerra na Ucrânia. No entanto, muitos deles são-no. Na verdade, os recrutas não podem legalmente ser destacados para combater fora da Rússia, mas, muitas vezes, acabam do outro lado da fronteira por se inscreverem no exército profissional após o recrutamento.

Entretanto, a organização não-governamental (ONG) russa “Get Lost” apoia as pessoas que tentam evitar o recrutamento, que resulta, muitas vezes, na assinatura de um contrato, mesmo que a contragosto. Ivan Chuvilyaev,  considerando que os recrutas são cada vez mais forçados a assinar contactos com os militares russos, afirma: “Um soldado alistado encontra-se numa situação muito difícil. De facto, não tem a opção de não estar num contrato.”.

No início, os soldados são persuadidos a fazê-lo com argumentos, como “toda a gente assinou, mas tu ainda não, e toda a gente recebeu dinheiro, mas tu não”. Se isso não resultar, são-lhes prometidas coisas, como: “Se assinardes, enviar-vos-emos para servir numa região segura, algures nos Urais ou na Sibéria ou perto de casa; e, se não assinardes, ides para uma zona para onde os recrutas podem ser enviados por lei.”

Mesmo sem contrato, os recrutas podem ser enviados para a Crimeia, ilegalmente anexada, ou para as regiões russas de Belgorod, de Kursk e de Bryansk, que, segundo Chuvilyaev, não são mais seguras do que os territórios temporariamente ocupados nas regiões ucranianas de Luhansk, de Donetsk, de Kherson e de Zaporíjia, onde continuam a ocorrer combates ferozes no terreno.

É muito utilizada a prática de falsificação de documentos. O contrato é assinado por recrutadores que colocam um “x” na caixa da assinatura. O soldado fica a saber quando recebe um cartão bancário e documentos sobre o subsídio. E Andrei Belousov, ministro russo da Defesa, disse, a 1 de outubro, que o Ministério da Defesa não considera outra vaga de mobilização geral e que está concentrado em fazer com que os militares que cumprem o serviço obrigatório assinem contratos.

Entretanto, também há mobilização forçada na Ucrânia. Em 2023, o recrutamento de outono da Rússia incluiu os residentes dos territórios ocupados na Ucrânia. A este respeito, o Centro de Resistência Nacional das Forças Armadas ucranianas informou, em setembro de 2023, que foram criados os comissariados federais em partes ocupadas das regiões de Kherson e de Zaporíjia.

As administrações de ocupação instaladas por Moscovo publicam, regularmente, anúncios nos canais no Telegram, apelando à população local elegível para o serviço militar a que forneça dados pessoais e cópias de documentos de identificação para “registo temporário” e para posterior recrutamento.

Quando Kiev lançou a sua incursão-surpresa na região de Kursk, no início de agosto, foram feitos prisioneiros de guerra centenas de recrutas russos. As autoridades ucranianas afirmaram que a sua captura em território russo ajudava a “reconstituir o fundo de troca”, o que significa que estes prisioneiros podiam ser trocados por soldados ucranianos mantidos em cativeiro na Rússia. E foi isso que aconteceu a 14 de setembro, quando a Ucrânia e a Rússia trocaram 103 prisioneiros de guerra. Para o Kremlin, os jovens soldados russos são particularmente valiosos, pois, em troca, Moscovo libertou 15 defensores de Mariupol e da Azovstal, que passaram mais de dois anos em cativeiro russo.

Moscovo está muito relutante em trocar os defensores da Azovstal e de Mariupol, especialmente os do regimento Azov, que têm estado ausentes na maioria das trocas de prisioneiros de guerra.

O presidente russo evitou, até agora, declarar outra convocação de mobilização parcial de reservistas, desde a sua decisão de mobilizar 300 mil soldados, no final de setembro de 2022, em resposta ao sucesso das operações de contraofensiva ucranianas.

O Instituto para o Estudo da Guerra (ISW), com sede nos Estados Unidos da América (EUA), diz que a Rússia parece não ter os recursos humanos necessários para sustentar, simultaneamente, a escala e o ritmo das operações ofensivas na Ucrânia e os esforços defensivos nas regiões fronteiriças russas.

O Ministério da Defesa do Reino Unido citou funcionários russos que afirmaram, em 2023, que as forças armadas da estava a recrutar indivíduos a um ritmo de 1600 por dia. No entanto, números citados publicamente, neste ano, colocam a taxa em cerca de mil por dia, o que eleva o número para 30 mil por mês. “Estes números estão provavelmente inflacionados, mas demonstram que as táticas baseadas em vagas de infantaria em massa têm exigido que a Rússia reabasteça continuamente as forças na linha da frente”, diz a publicação dos serviços secretos do Ministério da Defesa britânico, na rede social X.

No final de agosto, bloggers militares russos afirmaram que o governo russo continua a contar com forças militares regulares, com pessoal mobilizado e com voluntários de curto prazo enganados para continuar as operações ofensivas russas na Ucrânia.

O governo russo apresentou, a 1 de outubro, à Duma (Parlamento) um projeto de lei sobre o orçamento federal para o período de 2025 a 2027. De acordo com o documento, o governo russo planeia gastar 165 mil milhões de euros (17 biliões de rublos) em segurança e defesa nacional, em 2025, ou seja, cerca de 41% das suas despesas anuais. O orçamento atribui, nomeadamente, 136 milhões de euros por ano, entre 2025 e 2027, para criar uma reserva de mobilização nas forças armadas russas. E o projeto de lei também prevê cerca de 388 milhões de euros, em 2025, para financiar o “Fundo dos Defensores da Pátria”, que apoia os veteranos russos e as suas famílias.

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As forças russas terão sido incumbidas, pelo Kremlin, de expulsar o exército ucraniano da região de Kursk, até meados de outubro, ou seja, em menos de um mês. Resta saber se o conseguirão.

Também lhes foi dito para estabelecerem uma “zona tampão” nas áreas fronteiriças ucranianas no Nordeste da Ucrânia, até ao final de outubro.

De acordo com o Instituto para o Estudo da Guerra (ISW), com sede nos EUA, é muito pouco provável que os militares russos alcancem este resultado, que o ISW classificou como um “empreendimento significativo” num período de tempo tão curto.

As forças russas têm estado numa contraofensiva dentro do saliente ucraniano – a parte do território russo capturada pelas forças de Kiev, desde o início da incursão, agora um teatro de operações na região – aproximadamente desde 10 de setembro.

Alguns dias depois da contraofensiva russa, as forças ucranianas atravessaram a fronteira russa numa área diferente, cerca de 30 quilómetros a Oeste do saliente principal.

A operação, vista como uma repetição do assalto transfronteiriço de 6 de agosto, embora em menor escala, poderá ter consequências significativas.

Imagens geolocalizadas indicam que as forças ucranianas avançaram recentemente, de forma marginal, para Leste de Veseloye, a Oeste do saliente principal.

Se continuarem a tentar contornar Veseloye e atacarem, imediatamente, Glushkovo, isso pode permitir-lhes pressionar o grupo do exército russo de encontro a uma barreira natural, o rio Seym.

Poderiam conseguir isto, virando para Leste e para Nordeste, em direção ao saliente principal, e tentando ligar-se às forças ucranianas que aí se encontram. Neste caso, as forças ucranianas poderiam encurralar e isolar milhares de efetivos russos.

Desde que as forças russas começaram os contra-ataques dentro do saliente principal, ainda não iniciaram operações de combate em grande escala que indicassem uma operação contraofensiva concertada com o objetivo de expulsar completamente as forças ucranianas da área, afirmou o ISW, explicando que as operações de contraofensiva sustentadas na região de Kursk exigirão que as forças russas reposicionem elementos adicionais da Ucrânia e que afetem forças recém-geradas, na Rússia, para a área, em vez da linha da frente na Ucrânia.

As forças ucranianas também poderão precisar de elementos adicionais, se quiserem continuar a sua ofensiva na região de Kursk.

Embora ainda não tenham estabelecido o controlo de todas as áreas do saliente, o ISW avalia que, nalgumas áreas, têm certamente posições preparadas que constituirão um desafio a qualquer contraofensiva russa concertada.

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A guerra na Ucrânia está para continuar, provavelmente para punição dos erros de uns e de outros.

Recentemente, o presidente Joe Biden anunciou que os EUA “darão à Ucrânia o apoio de que necessita para vencer esta guerra” e comprometeu-se a garantir que todo o financiamento aprovado seja desembolsado “antes de deixar o cargo”.

O novo pacote da ajuda financeira é composto por 5,2 mil milhões em ajuda militar, previamente aprovados pelo Pentágono, e dois mil milhões estão incluídos na Iniciativa de Assistência à Segurança da Ucrânia.

A 26 de setembro, a chefe do executivo da União Europeia (UE), Ursula von der Leyen, deslocou-se à Ucrânia devastada pela guerra, prometendo 160 milhões de euros em novos fundos de energia para ajudar a nação a atravessar o inverno.

E o neerlandês Mark Rutte, na sua tomada de posse como o 14.º secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), o 4.º proveniente dos Países Baixos, estabeleceu como prioridade “aproximar ainda mais a Ucrânia da NATO”, dando sequência à criação do Conselho NATO-Ucrânia, criado, com esse propósito, na cimeira de 2023.

Ora, havendo reforço militar e financeiro e sendo rejeitadas quaisquer hipóteses de negociação da paz, a guerra continuará, até que uma das partes (ou a duas) definhe. É pena que a diplomacia não saiba funcionar a bem da concórdia e da paz.

2024.10.01 – Louro de Carvalho

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