O dia 1 de outubro marca o início da mais recente campanha de
recrutamento da Rússia, depois de o presidente Vladimir Putin ter assinado o
decreto de convocatória de dezenas de milhares de jovens para o serviço
militar. É um novo elã para a prossecução da guerra contra a Ucrânia
Cerca
de 133 mil jovens estão prestes a
ser convocados para o serviço militar na Rússia, no âmbito da
tradicional campanha de recrutamento do outono, em que todos os homens com
idades compreendidas entre os 18 e os 30 anos que não sejam reservistas e
estejam sujeitos ao serviço militar têm de ser convocados por um período de 12
meses. Esta convocação de outono, que decorre até 31 de dezembro, é a segunda
campanha de recrutamento de rotina, desde que a idade máxima foi aumentada de
27 para 30 anos.
Os novos
recrutas passam por um a dois meses de formação de base, seguidos de três a
seis meses de formação avançada, antes de chegarem às unidades que lhes são
atribuídas.
A lei
estipula que os recrutas não podem ser destacados para combate com menos de
quatro meses de treino e que não podem ser destacados para fora da Rússia,
portanto, para a guerra na Ucrânia.
No entanto, muitos deles são-no. Na verdade, os recrutas não podem legalmente
ser destacados para combater fora da Rússia, mas, muitas vezes, acabam do outro
lado da fronteira por se inscreverem no exército profissional após o
recrutamento.
Entretanto,
a organização não-governamental (ONG) russa “Get Lost” apoia as pessoas que
tentam evitar o recrutamento, que resulta, muitas vezes, na assinatura de um
contrato, mesmo que a contragosto. Ivan
Chuvilyaev, considerando que os recrutas são cada vez mais
forçados a assinar contactos com os militares russos, afirma: “Um soldado
alistado encontra-se numa situação muito difícil. De facto, não tem a opção de
não estar num contrato.”.
No início,
os soldados são persuadidos a fazê-lo com argumentos, como “toda a gente
assinou, mas tu ainda não, e toda a gente recebeu dinheiro, mas tu não”. Se
isso não resultar, são-lhes prometidas coisas, como: “Se assinardes, enviar-vos-emos
para servir numa região segura, algures nos Urais ou na Sibéria ou perto de
casa; e, se não assinardes, ides para uma zona para onde os recrutas podem ser
enviados por lei.”
Mesmo sem
contrato, os recrutas podem ser enviados para a Crimeia, ilegalmente anexada, ou para as regiões russas de Belgorod, de Kursk e de Bryansk,
que, segundo Chuvilyaev, não são mais seguras do que os territórios
temporariamente ocupados nas regiões ucranianas de Luhansk, de Donetsk, de Kherson e de Zaporíjia, onde continuam a
ocorrer combates ferozes no terreno.
É muito
utilizada a prática de falsificação de documentos. O contrato é assinado por
recrutadores que colocam um “x” na caixa da assinatura. O soldado fica a saber
quando recebe um cartão bancário e documentos sobre o subsídio. E Andrei Belousov,
ministro russo da Defesa, disse, a 1 de outubro, que o Ministério da Defesa não
considera outra vaga de mobilização geral e que está concentrado em fazer com
que os militares que cumprem o serviço obrigatório assinem contratos.
Entretanto, também há mobilização forçada na Ucrânia. Em 2023, o recrutamento de outono da Rússia incluiu os
residentes dos territórios ocupados na Ucrânia. A este respeito, o Centro de
Resistência Nacional das Forças Armadas ucranianas informou, em setembro de
2023, que foram criados os comissariados federais em partes ocupadas das
regiões de Kherson e de Zaporíjia.
As
administrações de ocupação instaladas por Moscovo publicam, regularmente,
anúncios nos canais no Telegram,
apelando à população local elegível para o serviço militar a que forneça dados
pessoais e cópias de documentos de identificação para “registo temporário” e para
posterior recrutamento.
Quando Kiev
lançou a sua incursão-surpresa na região de Kursk, no início de agosto, foram
feitos prisioneiros de guerra centenas de recrutas russos. As autoridades
ucranianas afirmaram que a sua captura em território russo ajudava a “reconstituir
o fundo de troca”, o que significa que estes prisioneiros podiam ser trocados
por soldados ucranianos mantidos em cativeiro na Rússia. E foi isso que
aconteceu a 14 de setembro, quando a Ucrânia e a Rússia trocaram 103
prisioneiros de guerra. Para o Kremlin, os jovens soldados russos são particularmente
valiosos, pois, em troca, Moscovo libertou 15 defensores de Mariupol e da Azovstal, que passaram mais de dois
anos em cativeiro russo.
Moscovo está
muito relutante em trocar os defensores da Azovstal e de Mariupol, especialmente
os do regimento Azov, que têm estado ausentes na maioria das trocas de
prisioneiros de guerra.
O presidente
russo evitou, até agora, declarar outra convocação de mobilização parcial de
reservistas, desde a sua decisão de mobilizar 300 mil soldados, no final de
setembro de 2022, em resposta ao sucesso das operações de contraofensiva
ucranianas.
O Instituto
para o Estudo da Guerra (ISW), com sede nos Estados Unidos da América (EUA),
diz que a Rússia parece não ter os recursos humanos necessários para sustentar,
simultaneamente, a escala e o ritmo das operações ofensivas na Ucrânia e os
esforços defensivos nas regiões fronteiriças russas.
O Ministério
da Defesa do Reino Unido citou funcionários russos que afirmaram, em 2023, que
as forças armadas da estava a recrutar indivíduos a um ritmo de 1600 por dia.
No entanto, números citados publicamente, neste ano, colocam a taxa em cerca de
mil por dia, o que eleva o número para 30 mil por mês. “Estes números estão
provavelmente inflacionados, mas demonstram que as táticas baseadas em vagas de
infantaria em massa têm exigido que a Rússia reabasteça continuamente as forças
na linha da frente”, diz a publicação dos serviços secretos do Ministério
da Defesa britânico, na rede social X.
No final de
agosto, bloggers militares russos afirmaram que o governo
russo continua a contar com forças militares regulares, com pessoal mobilizado
e com voluntários de curto prazo enganados para continuar as operações
ofensivas russas na Ucrânia.
O governo russo
apresentou, a 1 de outubro, à Duma (Parlamento) um projeto de lei sobre o
orçamento federal para o período de 2025 a 2027. De acordo com o documento, o
governo russo planeia gastar 165 mil milhões de euros (17 biliões de rublos) em
segurança e defesa nacional, em 2025, ou seja, cerca de 41% das suas despesas
anuais. O orçamento atribui, nomeadamente, 136 milhões de euros por ano, entre
2025 e 2027, para criar uma reserva de mobilização nas forças armadas russas. E
o projeto de lei também prevê cerca de 388 milhões de euros, em 2025, para
financiar o “Fundo dos Defensores da Pátria”, que apoia os veteranos russos e
as suas famílias.
***
As forças russas terão sido
incumbidas, pelo Kremlin, de expulsar o exército ucraniano da região de Kursk,
até meados de outubro, ou seja, em menos de um mês. Resta saber se o
conseguirão.
Também lhes foi
dito para estabelecerem uma “zona tampão” nas áreas fronteiriças ucranianas no
Nordeste da Ucrânia, até ao final de outubro.
De acordo com
o Instituto para o Estudo da Guerra (ISW), com sede nos EUA, é muito pouco
provável que os militares russos alcancem este resultado, que o ISW classificou
como um “empreendimento significativo” num período de tempo tão curto.
A operação,
vista como uma repetição do assalto transfronteiriço de 6 de agosto, embora em
menor escala, poderá ter consequências significativas.
Imagens
geolocalizadas indicam que as forças ucranianas avançaram recentemente, de
forma marginal, para Leste de Veseloye, a Oeste do saliente principal.
Se continuarem a tentar contornar Veseloye e atacarem, imediatamente,
Glushkovo, isso pode permitir-lhes pressionar o grupo do exército russo de
encontro a uma barreira natural, o rio Seym.
Poderiam conseguir
isto, virando para Leste e para Nordeste, em direção ao saliente principal, e
tentando ligar-se às forças ucranianas que aí se encontram. Neste caso, as
forças ucranianas poderiam encurralar e isolar milhares de efetivos russos.
Desde que as forças russas começaram
os contra-ataques dentro do saliente principal, ainda não iniciaram operações
de combate em grande escala que indicassem uma operação contraofensiva
concertada com o objetivo de expulsar completamente as forças ucranianas da
área, afirmou o ISW, explicando que as operações de contraofensiva sustentadas
na região de Kursk exigirão que as forças russas reposicionem elementos
adicionais da Ucrânia e que afetem forças recém-geradas, na Rússia, para a
área, em vez da linha da frente na Ucrânia.
As forças ucranianas também poderão
precisar de elementos adicionais, se quiserem continuar a sua ofensiva na região
de Kursk.
Embora ainda
não tenham estabelecido o controlo de todas as áreas do saliente, o ISW avalia
que, nalgumas áreas, têm certamente posições preparadas que constituirão um
desafio a qualquer contraofensiva russa concertada.
***
A guerra na Ucrânia está para
continuar, provavelmente para punição dos erros de uns e de outros.
Recentemente, o presidente Joe Biden
anunciou que os EUA “darão à Ucrânia o apoio de que necessita para vencer esta
guerra” e comprometeu-se a garantir que todo o financiamento aprovado seja
desembolsado “antes de deixar o cargo”.
O novo
pacote da ajuda financeira é composto por 5,2 mil milhões em ajuda militar,
previamente aprovados pelo Pentágono, e dois mil milhões estão incluídos na
Iniciativa de Assistência à Segurança da Ucrânia.
A
26 de setembro, a chefe do executivo da União Europeia (UE), Ursula von der
Leyen, deslocou-se à Ucrânia devastada pela guerra, prometendo 160 milhões de
euros em novos fundos de energia para ajudar a nação a atravessar o
inverno.
E
o neerlandês Mark Rutte, na sua tomada de posse como o 14.º secretário-geral da
Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), o 4.º proveniente dos Países
Baixos, estabeleceu como prioridade “aproximar
ainda mais a Ucrânia da NATO”, dando sequência à criação do Conselho NATO-Ucrânia,
criado, com esse propósito, na cimeira de 2023.
Ora, havendo reforço militar e financeiro e sendo rejeitadas quaisquer
hipóteses de negociação da paz, a guerra continuará, até que uma das partes (ou
a duas) definhe. É pena que a diplomacia não saiba funcionar a bem da concórdia
e da paz.
2024.10.01
– Louro de Carvalho
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