sábado, 5 de outubro de 2024

Macron apela à total suspensão das exportações de armas para Israel

 

No dia 5 de outubro, dia em que, em muitas cidades de países europeus, houve manifestações pelo fim da guerra em Gaza, o presidente francês, Emmanuel Macron, lançou apelo urgente a que se ponha termo ao fornecimento de armas a Israel, no meio de críticas crescentes à operação de retaliação em Gaza. Esta declaração constitui significativa mudança na posição internacional sobre o conflito israelo-palestiniano.

Macron, frisando a prioridade de “regressar a uma solução política”, afirmou, categoricamente, que a França não envia armas para Israel, distanciando assim o seu país de qualquer envolvimento direto no conflito e sublinhando a necessidade de procurar alternativas diplomáticas.

De acordo com o Instituto Internacional de Investigação sobre a Paz de Estocolmo (SIPRI), “a última exportação de armas importantes da França para Israel foi em 1998”, mas a França tem fornecido “componentes para armas”.

Em fevereiro de 2024, Sébastien Lecornu, ministro francês das Forças Armadas, disse à comissão parlamentar de defesa que as exportações da França para Israel eram apenas de “componentes básicos”, principalmente, para serem reexportados por Israel, e acrescentou que, desde outubro de 2023, tinha dado instruções para que houvesse maior rigor na exportação de componentes “e que o governo procurava ser “irrepreensível” no atinente às exportações de armas para Israel.

Esta tomada de posição de Macron reflete a crescente preocupação internacional com o conflito em Gaza e poderá assinalar importante mudança nas políticas de exportação de armas dos países ocidentais para Israel.

O presidente francês falou à rádio France Inter, afirmando que “a prioridade é regressar a uma solução política, deixar de fornecer armas para levar a cabo os combates em Gaza”, pelo que a França não fornece armas a Israel, para atacar Gaza.

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A tomada de posição de Emmanuel Macron vem na sequência da carta dirigida ao responsável pela diplomacia europeia, a 27 de setembro, em que dezenas de eurodeputados pedem a Josep Borrell que inclua as propostas dos subscritores na ordem de trabalhos da reunião do Conselho da União Europeia (UE), como forma de “restaurar a credibilidade internacional da Europa”.

Considerando, que a 23 de setembro, o exército israelita bombardeou várias zonas do Líbano, nomeadamente, bairros residenciais, matando cerca de 500 pessoas, incluindo, pelo menos, 35 crianças, e ferindo mais de 700 pessoas – isto, na sequência da explosão de milhares de engenhos na semana anterior, que mataram cerca de 40 pessoas e feriram mais de 3400 pessoas, na sua maioria civis, incluindo crianças e profissionais de saúde –, conclui-se pela confirmação de que “Israel não está interessado num acordo de paz ou na libertação dos reféns”.

Com efeito, “o objetivo destas ações é alargar o conflito no Médio Oriente, continuar o genocídio em Gaza e provocar o envolvimento do Irão, com graves consequências para a estabilidade global”. “O completo desrespeito do governo israelita pela vida humana pelos direitos humanos e pelo direito internacional” é claro para toda a gente, como o demonstraram as recentes votações na Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), reza a carta.

Excetuando as declarações e posições inequívocas de Josep Borrell, “o silêncio cúmplice da maioria das instituições e dos estados-membros da UE sobre as ações de Israel, em flagrante contraste com as suas posições claras e ações decisivas em relação a outros conflitos, está a corroer o que resta da credibilidade da União, como defensora do direito internacional, da paz e dos direitos humanos”. E o fornecimento contínuo de armas a Israel diz muito sobre o nosso papel nesta tragédia e torna a UE, no seu conjunto, “moral e juridicamente corresponsável pelos crimes sem fim que estão a ser cometidos perante os nossos olhos”.

Ao arrepio do artigo 2.º do Acordo de Associação UE-Israel, que estabelece que as relações entre as partes (bem como de todas as disposições do próprio acordo) “devem basear-se no respeito pelos direitos humanos e pelos princípios democráticos, que orientam a sua política interna e internacional”, sustentam, sem qualquer fundamento razoável, que o Estado de Israel está a defender o “respeito pelos direitos humanos” que constitui “um elemento essencial deste acordo”.

Por tudo isto, os deputados do Parlamento Europeu (PE) subscritores da carta apelam a Josep Borrell a que volte a incluir na ordem de trabalhos da reunião do Conselho e a que os Ministros dos Negócios Estrangeiros da UE suspendam, imediatamente, o Acordo de Associação UE-Israel e a aplicação de um embargo de armas, até que seja alcançado um acordo de paz duradouro. Na verdade, segundo os subscritores, “estas iniciativas são essenciais, para restaurar a credibilidade internacional da Europa, e cruciais, para permitir esforços sérios e multilaterais no sentido de uma solução diplomática.

Creem que não é tarde para a UE “desempenhar um papel positivo nestes acontecimentos” e sustentam que “não podemos anular os danos causados pelas armas europeias utilizadas para massacrar crianças na Palestina e no Líbano”, mas que “podemos e devemos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para pôr termo a este vergonhoso e interminável ciclo de violência”.

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Estão agendadas manifestações em massa, em várias cidades europeias, incluindo Londres, Berlim, Paris e Roma, com maiores protestos previstos de 5 de a 7 de outubro.

De acordo com a sede da polícia, pelo menos sete mil pessoas saíram às ruas da Piazzale Ostiense, em Roma, apesar da recusa das autoridades locais em autorizar protestos na capital, invocando preocupações de segurança pública com o risco de “glorificação” do atentado de 7 de outubro.

O Ministro do Interior, Matteo Piantedosi, sublinhou que, na véspera deste aniversário importante, a Europa está em alerta máximo para possíveis ataques terroristas. “Esta não é uma situação normal: estamos já numa condição de prevenção máxima”, afirmou.

Da praça, que foi isolada pela polícia, ouviram-se gritos contra Israel e contra o presidente dos Estados Unidos da América (EUA), Joe Biden. “A Itália deixou de vender e enviar armas a Israel, ponha fim imediato ao genocídio em Gaza”, gritaram alguns manifestantes, repetindo, depois: “A revolução começou a 7 de outubro” e “Somos todos antissionistas”.

Ao meio-dia de sábado 5 de outubro, milhares de pessoas reuniram-se em Russell Square, no centro de Londres, com uma grande presença policial. Alguns dos organizadores da marcha disseram que tencionavam atingir empresas e instituições considerados “cúmplices dos crimes de Israel”, incluindo o Barclays Bank e o Museu Britânico. Ben Jamal, diretor da Campanha de Solidariedade com a Palestina, no Reino Unido, disse que ele e outros continuariam a organizar marchas, até que fossem tomadas medidas contra Israel. “Precisamos de ir para a rua, em maior número, para acabar com este massacre e impedir que o Reino Unido seja apanhado nele”, vincou.

Ao invés da maioria das instituições de ensino superior, em Portugal, o Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra (UC) anunciou a suspensão de todas as colaborações que tinha com instituições israelitas, invocando “a flagrante violação do direito internacional e dos direitos humanos do povo palestiniano, que tem vindo a ser perpetrada pelo Estado de Israel, na Faixa de Gaza, e a crescente violência infligida à população palestiniana residente na Cisjordânia”, lê-se em comunicado publicado pela instituição, no fim de setembro.

“Numa altura em que todas as universidades de Gaza foram destruídas ou severamente danificadas, e tendo em consideração os princípios e a missão deste centro de investigação, propomo-nos contribuir para o esforço global de paz e justiça na região. A comunidade académica tem o dever particular de promover a justiça e a igualdade”, acrescenta o comunicado.

No sentido oposto, as universidades portuguesas têm descartado o corte de relações com instituições congéneres em Israel. De acordo com o jornal Expresso, “apesar de garantir que a paz e o direito internacional serão sempre defendidos”, o presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) afirmou, em maio, que será adotada uma posição diferente da que tem vindo a ser exigida por vários movimentos estudantis em Portugal, que pedem o corte de relações entre as universidades dos dois países.

Em Berlim, está prevista para domingo, dia 6, uma marcha da Porta de Brandeburgo até à Bebelplatz. Os meios de comunicação social locais informaram que as forças de segurança alertaram para uma possível sobrecarga, devido à dimensão dos protestos. As autoridades alemãs sublinharam o aumento dos incidentes de antissemitismo e de violência nos últimos dias.

Também se registam protestos noutras partes do Mundo. Por exemplo, nas Filipinas, dezenas de ativistas de esquerda protestaram junto à embaixada dos EUA, em Manila, onde a polícia os impediu de se aproximarem da estância balnear.

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O primeiro-ministro israelita já veio a terreiro criticar o presidente francês e os países francófonos que pediram a suspensão do fornecimento de armas a Israel, por causa da guerra em Gaza e no Líbano. “Enquanto Israel luta contra as forças da barbárie lideradas pelo Irão, todos os países civilizados devem apoiar Israel com firmeza. No entanto, o presidente Macron e outros líderes ocidentais estão, agora, a pedir embargos de armas contra Israel. Deveriam ter vergonha”, afirmou Benjamin Netanyahu, insistindo que o seu país está a travar uma guerra, em várias frentes, contra organizações apoiadas pelo Irão, o inimigo declarado de Israel.

“O Irão impõe um embargo de armas ao Hezbollah, aos ‘Houthis’ (rebeldes no Iémen), ao Hamas e aos seus outros representantes? Claro que não”, afirmou.

“Este eixo do terror está unido, mas os países que, supostamente, se opõem a este eixo de terror estão a pedir um embargo de armas a Israel. É uma pena”, acrescentou Netanyahu, assegurando que o seu país vai vencer, de qualquer modo, e advertiu: “Tenham a certeza de que Israel lutará até que a batalha seja ganha, para o nosso bem e para o bem da paz e da segurança no mundo.”

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A guerra continua. Na tarde de 5 de outubro, um ataque israelita a um campo de refugiados, no Norte do Líbano, matou Saeed Atallah Ali, um dos responsáveis das Brigadas Al Qassam, o braço militar do grupo palestiniano Hamas.

O ataque atingiu a casa onde Saeed Atallah Ali vivia, matando também a mulher e duas filhas. A casa estava localizada no campo de Beddawi, perto de Trípoli, a segunda maior cidade do país.

Este ataque decorreu um dia depois de Israel ter cortado a principal autoestrada que liga o Líbano à Síria, durante outro ataque que deixou duas crateras de ambos os lados da estrada.

A situação na fronteira do Líbano tem estado sob tensão, desde o ataque do Hamas, a 7 de outubro de 2023, com Israel e o Hezbollah a trocar fogo quase diariamente. Porém, o conflito intensificou-se, quando Israel lançou uma invasão terrestre ao Líbano. Israel disse que estava a realizar “ataques terrestres direcionados”, com o objetivo de atingir o Hezbollah.

Do lado libanês, quase duas mil pessoas foram mortas e 1,2 milhões de pessoas fugiram de casa. A maioria destas mortes e deslocamentos diz respeito às últimas semanas.

À medida que o conflito aumenta, vários países estão a organizar missões e evacuação. No dia 4 de outubro, à noite, chegaram a Portugal 16 nacionais e familiares vindos do Líbano, num total de 41 pessoas que pediram para sair do país. O grupo foi transportado num avião da Força Aérea Portuguesa e recebido, em Lisboa, pelo ministro dos Negócios Estrangeiros português, Paulo Rangel. Os Países Baixos repatriaram mais de 180 nacionais e familiares. A bordo do avião, que aterrou na Base Aérea de Eindhoven, seguiam também um cidadão belga, um irlandês e um finlandês. O Ministério dos Negócios Estrangeiros dos Países Baixos está a organizar um segundo voo. E, na manhã do dia 5, um avião militar chegou à Coreia do Sul com 97 pessoas vindas do Líbano. Apenas cerca de 30 nacionais sul-coreanos permanecem no Líbano, sobretudo diplomatas e pessoal da embaixada.

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Peripécias da guerra, com a diplomacia a funcionar tarde, quando não ao contrário. Todavia, o Mundo merece a paz.

2024.10.05 - Louro de Carvalho

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