quarta-feira, 2 de outubro de 2024

Mais de mil bombeiros ocupam escadaria do Parlamento em protesto

 

Os sapadores bombeiros estiveram em protesto, em frente à Assembleia da República (AR), em Lisboa, a 2 de outubro, para reivindicarem aumentos salariais e a regulamentação da carreira. O protesto foi convocado pelo Sindicato Nacional dos Bombeiros Sapadores que critica a falta de ação dos vários governos.

O protesto, que teve início pelas 12h25, ficou marcado pelo rebentamento de vários petardos​ e por um caixão branco levado em braços até à porta do Palácio de São Bento (sede da AR), enquanto era gritada a palavra “vergonha”. Dois pneus e uma farda foram incendiados.

Durante a tarde, foram vários os momentos de tensão e os ânimos aqueceram com os profissionais em luta a subirem as escadarias da AR, deitando ao chão as baias de segurança tendo sido travados apenas pela Polícia de Segurança Pública (PSP).

Ricardo Cunha, do Sindicato Nacional dos Bombeiros Sapadores, explicou que os momentos de tensão foram de origem espontânea, não estando previstos, admitindo que o protesto tenha ido “além do que estava legalizado”. Todavia, o sindicalista explica a revolta dos profissionais, num altura em que decorrem reuniões entre o governo e os bombeiros.

“Sei que eles têm razão nos protestos. O que motivou isto foi o senhor secretário de Estado ter marcado uma reunião e, no fim, voltou a dizer que não tinha nada para apresentar. Qualquer pessoa normal devia perceber que não podemos faltar à verdade aos bombeiros. Se já andam revoltados, a probabilidade de isto acontecer era muito elevada. O culpado disto tudo acaba por ser o governo”, afirmou aos jornalistas Ricardo Cunha.

Por volta das 15h30, o protesto começou a ser desmobilizado com os bombeiros sapadores a abandonarem a escadaria da AR. As baias deitadas ao chão foram até repostas pelos profissionais, que aplaudiram os agentes da polícia que estavam no local. O sindicato diz que cerca de 1300 bombeiros estiveram em Lisboa para a manifestação.

O protesto reuniu profissionais de todo o país que seguiram de autocarro até aos locais de origem. Atualmente, existem cerca de três mil bombeiros sapadores, distribuídos por 25 municípios, em todo o país, já que a maioria dos bombeiros exerce enquanto voluntário.

Além dos aumentos salariais, que exigem para compensar a inflação, estes profissionais lutam por uma regulamentação do horário de trabalho, pela reforma aos 50 anos e por um regime de avaliação específico, entre outras condições de trabalho, nomeadamente o suplemento de risco, bem como a disponibilidade permanente, em percentagem e à parte do vencimento.

Nos últimos 44 anos morreram em serviço 254 bombeiros, incluindo os quatro que morreram nos últimos três dias no combate aos incêndios florestais, segundo a Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP). E, nos últimos grandes incêndios que assolaram o Norte e Centro do país, quatro profissionais, depois de serem mobilizados para combate aos fogos.

Em resposta ao protesto a ministra da Administração Interna, sublinhou que as reivindicações dos profissionais “já vêm de há 22 anos”. Margarida Blasco disse acreditar que é possível chegar a um acordo sobre o estatuto da classe profissional, salientando, no entanto, que os sapadores bombeiros são responsabilidade direta das autarquias e não do governo.

“Os bombeiros sapadores que se estão a manifestar em frente da Assembleia da República são bombeiros cujo patrão não é o Estado, dependem das autarquias”, afirmou, em declarações aos jornalistas, numa declaração no Palácio de São Bento, sem direito a perguntas.

A ministra explicou que os bombeiros tiveram uma reunião com a tutela, no dia 27 de setembro, e que considera que as conversações “estão a ter um bom ritmo” e que será possível “chegar a bom porto” através da via negocial. Sobre as acusações dos profissionais que de o Executivo não tinha propostas a apresentar, Margarida Blasco não forneceu qualquer explicação aos jornalistas.

O primeiro-ministro, Luís Montenegro, remeteu eventual resposta ao protesto para mais tarde.

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A Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) veio, de imediato, recordar que o poder legislativo para alterar a remuneração dos bombeiros sapadores é do governo

Em comunicado, a ANMP destacou que foi com “estranheza e estupefação” que ouviu as declarações da ministra da Administração Interna, “pretendendo responsabilizar os municípios pelo protesto dos bombeiros sapadores”.

A ANMP recordou que os bombeiros sapadores estão em protesto “pela revisão da carreira profissional e respetiva remuneração” e “tanto a carreira como a remuneração são fixadas por decreto-lei do governo”. “Como é sabido, as autarquias locais não têm poder legislativo – este depende exclusivamente do governo e da Assembleia da República”, destacou a associação.

A ANMP afirmou que entregou ao governo uma proposta dos municípios que inclui a revisão da carreira e as remunerações destes bombeiros, numa reunião realizada em 12 de junho, com o secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, Hernâni Dias, e com o secretário de Estado da Proteção Civil, Paulo Simões Ribeiro.

A associação de municípios realçou que “o governo ainda não deu seguimento” a esta proposta, “que foi amplamente consensualizada”.

Segundo o Sindicato Nacional dos Bombeiros Sapadores, na origem do protesto está a ausência de valorização salarial das carreiras não revistas da função pública e um compromisso de 2023 do anterior governo para efetuar essa valorização com retroatividade a janeiro de 2023, que não foi cumprido e que o atual governo também não concretizou.

Fonte do Sindicato dos Trabalhadores do Município de Lisboa (STML) explicou à Lusa que, apesar de os sapadores dependerem das autarquias em termos de condições de trabalho, as suas condições salariais dependem da tutela do Ministério da Administração Interna (MAI), que inclui a Secretaria de Estado da Proteção Civil, embora no governo a discussão da tabela remuneratória seja partilhada entre o MAI e o Ministério das Finanças.

A tabela salarial dos sapadores está definida na Base Remuneratória da Administração Pública.

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O presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, cujo município se desvinculou da ANMP, considerou, a propósito desta manifestação, que a ministra da Administração Interna “não sabe o que está a dizer”, quando remete responsabilidades para as autarquias sobre a remuneração dos bombeiros sapadores. O autarca do Porto disse que, “por desconhecimento”, a governante atribuiu responsabilidades na matéria aos municípios.

“A senhora ministra não sabe o que está a dizer”, insistiu o autarca, depois de visitar os bombeiros sapadores que, desde o início de setembro, estão em frente à Câmara do Porto em vigia e protesto.

Questionado se a ministra estava a tentar passar as responsabilidades para os municípios, o autarca disse “já estar habituado a que, quando as coisas correm bem, é o governo; e, quando as coisas correm mal, são os municípios”.

“A senhora ministra já está há algum tempo em funções, devia estar a par da situação e, portanto, se não sabe, devia saber, e pode passar a saber a partir das nossas declarações”, referiu.

Recusando fazer “interpretações sobre motivações”, Rui Moreira apelou a que o governo responda às reivindicações dos bombeiros sapadores, que “não custam um tostão [um cêntimo] ao Estado e serão asseguradas plenamente pelo município”.

“A única coisa que pedimos à senhora ministra, [é que] ela, se quiser, que descentralize, que faça o que quiser, agora que não diga que este é um problema dos municípios. É um problema que os municípios sentem na pele, os bombeiros sentem na pele, mas que não temos [autarquias] meios para resolver”, observou, lembrando que os bombeiros sapadores são funcionários do município, como outros, mas que não é a autarquia que lhes determina as carreiras e condições de trabalho.

“Da mesma maneira que o vencimento do presidente da câmara não é determinado pela Câmara do Porto, ou de um polícia municipal, também o dos bombeiros sapadores é definido pelo Estado”, considerou. E, dizendo não ter descoberto este tema hoje, o autarca lembrou a proposta aprovada, a 30 de setembro, por unanimidade, no executivo municipal. “No município do Porto, todas as forças políticas que estão representadas defendem que é preciso criar condições para as carreiras dos bombeiros, dadas as condições do desempenho das suas funções e a desadequação das condições remuneratórias, e não apenas em termos de carreira de uma profissão que é de desgaste elevado”, observou.

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Por sua vez, a PSP rejeitou que tenha havido falhas no planeamento do dispositivo de segurança para a concentração dos bombeiros sapadores na AR, embora admitindo imprevistos que obrigaram ao desvio de meios. “Eu não creio que tenha havido falhas no que estava previsto no planeamento”, afirmou o chefe da Área Operacional do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP, Manuel Gonçalves, depois de centenas de bombeiros sapadores terem ocupado a escadaria da AR, durante uma concentração que incluiu o rebentamento de vários petardos e o incendimento de pneus e de um fato de trabalho dos bombeiros.

Manuel Gonçalves disse que a PSP tinha conhecimento da concentração organizada pelos bombeiros sapadores à frente da AR e tinha os meios que considerava “adequados para garantir que o policiamento seria suficiente para fazer face a essa manifestação”. E, como explicou, a PSP faz, antes de cada manifestação, uma avaliação prévia, com base no histórico das manifestações organizadas pelo mesmo grupo de pessoas, sendo que os bombeiros sapadores já tinham estado no mesmo local, “há várias semanas e sempre de forma pacífica, ordeira”. Assim, a PSP partiu do princípio de que esta obedeceria ao seu histórico, mas estava apta para intervir, se necessário.

Porém, salientou que, do contingente inicialmente mobilizado na AR, alguns meios tiveram de ser desviados para desfiles dos bombeiros sapadores não previstos, incluindo, designadamente, o reforço de segurança junto à sede do Partido Socialista (PS), no Largo do Rato. A partir de então, o Corpo de Intervenção da PSP foi colocado de prevenção, tendo-se deslocado para a AR, onde a situação estava “minimamente controlada”. “Para nós, o facto de não ter havido nenhuma ação hostil da parte dos bombeiros é essencial na nossa reação. E, como tal, nós contivemos no cimo da escadaria este grupo de bombeiros e, a partir daí, houve um diálogo constante para lhes dar a entender que o posicionamento deles não era o mais adequado e nós, se necessário, iríamos intervir para que a ordem pública fosse retomada”, explicou.

Questionado se, tendo em conta o que aconteceu hoje, preveem reforçar o policiamento das próximas concentrações deste tipo de sapadores bombeiros, Manuel Gonçalves respondeu: “Claramente esta situação terá impacto no próximo planeamento da nossa parte.”

Questionado se a PSP não ficou surpreendida pela utilização de explosivos e de palavras de ordem forte, respondeu que não, pois já houve manifestações mais pacíficas destes bombeiros em que isso aconteceu. “Não iríamos nunca intervir numa situação de utilização de petardos ou de potes de fumo perante uma multidão porque, em termos de proporção e de consequências, achamos que não se justificaria”, vincou.

Não obstante, a PSP garantiu que irá participar ao Ministério público as circunstâncias desta manifestação junto da AR, para apuramento da existência (ou não) de ilícito criminal.

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Depois de o anterior governo ter satisfeito as reivindicações da Polícia Judiciária e de o atual ter resolvido as de vários setores profissionais (professores, forças de segurança, guardas prisionais, funcionários de justiça, militares e enfermeiros), é natural que os sapadores (em especial situação de risco) estejam em reivindicação legítima, na substância, embora talvez não, quanto a alguns meios. Ou será que o governo não vê possibilidade orçamental para mais liberalidades?

2024.10.02 – Louro de Carvalho

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