Os sapadores
bombeiros estiveram em protesto, em frente à Assembleia da República (AR), em
Lisboa, a 2 de outubro, para reivindicarem aumentos salariais e a
regulamentação da carreira. O protesto foi convocado pelo Sindicato Nacional
dos Bombeiros Sapadores que critica a falta de ação dos vários governos.
O protesto,
que teve início pelas 12h25, ficou marcado pelo rebentamento de vários
petardos e por um caixão branco levado em braços até à porta do Palácio de São
Bento (sede da AR), enquanto era gritada a palavra “vergonha”. Dois pneus e uma
farda foram incendiados.
Durante a
tarde, foram vários os momentos de tensão e os ânimos aqueceram com os
profissionais em luta a subirem as escadarias da AR, deitando ao chão as
baias de segurança tendo sido travados apenas pela Polícia de Segurança Pública
(PSP).
Ricardo
Cunha, do Sindicato Nacional dos Bombeiros Sapadores, explicou que os momentos
de tensão foram de origem espontânea, não estando previstos, admitindo que
o protesto tenha ido “além do que
estava legalizado”. Todavia, o sindicalista explica a revolta dos
profissionais, num altura em que decorrem reuniões entre o governo e os
bombeiros.
“Sei que
eles têm razão nos protestos. O que motivou isto foi o senhor secretário
de Estado ter marcado uma reunião e, no fim, voltou a dizer que não tinha nada
para apresentar. Qualquer pessoa normal devia perceber que não podemos faltar à
verdade aos bombeiros. Se já andam
revoltados, a probabilidade de isto acontecer era muito elevada. O culpado
disto tudo acaba por ser o governo”, afirmou aos jornalistas Ricardo
Cunha.
Por volta
das 15h30, o protesto começou a ser desmobilizado com os bombeiros sapadores a
abandonarem a escadaria da AR. As baias deitadas ao chão foram até repostas
pelos profissionais, que aplaudiram os agentes da polícia que estavam no local.
O sindicato diz que cerca de 1300 bombeiros
estiveram em Lisboa para a manifestação.
O protesto
reuniu profissionais de todo o país que seguiram de autocarro até aos locais de
origem. Atualmente, existem cerca de três mil bombeiros sapadores, distribuídos
por 25 municípios, em todo o país, já que a maioria dos bombeiros exerce
enquanto voluntário.
Além dos
aumentos salariais, que exigem para compensar a inflação, estes profissionais
lutam por uma regulamentação do horário de trabalho, pela reforma aos 50 anos e
por um regime de avaliação específico, entre outras condições de trabalho,
nomeadamente o suplemento de risco, bem como a disponibilidade permanente, em
percentagem e à parte do vencimento.
Nos últimos
44 anos morreram em serviço 254 bombeiros, incluindo os quatro que morreram nos
últimos três dias no combate aos incêndios florestais, segundo a Liga dos
Bombeiros Portugueses (LBP). E, nos últimos grandes incêndios que
assolaram o Norte e Centro do país, quatro profissionais, depois de
serem mobilizados para combate aos fogos.
Em resposta
ao protesto a ministra da Administração Interna, sublinhou que as
reivindicações dos profissionais “já
vêm de há 22 anos”. Margarida Blasco disse acreditar que é possível
chegar a um acordo sobre o estatuto da classe profissional, salientando, no
entanto, que os sapadores
bombeiros são responsabilidade direta das autarquias e não do governo.
“Os
bombeiros sapadores que se estão a manifestar em frente da Assembleia da
República são bombeiros cujo patrão não é o Estado, dependem das autarquias”,
afirmou, em declarações aos jornalistas, numa declaração no Palácio de São
Bento, sem direito a perguntas.
A ministra
explicou que os bombeiros tiveram uma reunião com a tutela, no dia 27 de
setembro, e que considera que as conversações “estão a ter um bom ritmo” e que
será possível “chegar a bom porto” através da via negocial. Sobre as acusações
dos profissionais que de o Executivo não tinha propostas a apresentar,
Margarida Blasco não forneceu qualquer explicação aos jornalistas.
O
primeiro-ministro, Luís Montenegro, remeteu eventual resposta ao protesto para
mais tarde.
***
A Associação
Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) veio, de imediato, recordar que o
poder legislativo para alterar a remuneração dos bombeiros sapadores é do
governo
Em comunicado,
a ANMP destacou que foi com “estranheza e estupefação” que ouviu as declarações
da ministra da Administração Interna, “pretendendo responsabilizar os
municípios pelo protesto dos bombeiros sapadores”.
A ANMP
recordou que os bombeiros sapadores estão em protesto “pela revisão da carreira
profissional e respetiva remuneração” e “tanto a carreira como a remuneração
são fixadas por decreto-lei do governo”. “Como é sabido, as autarquias
locais não têm poder legislativo – este depende exclusivamente do governo e da
Assembleia da República”, destacou a associação.
A ANMP afirmou que entregou
ao governo uma proposta dos municípios que inclui a revisão da carreira e as remunerações
destes bombeiros, numa reunião realizada em 12 de junho, com o secretário de
Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, Hernâni Dias, e com o
secretário de Estado da Proteção Civil, Paulo Simões Ribeiro.
A associação de municípios
realçou que “o governo ainda não deu seguimento” a esta proposta, “que foi
amplamente consensualizada”.
Segundo o Sindicato Nacional dos Bombeiros Sapadores, na
origem do protesto está a ausência de valorização salarial das carreiras não
revistas da função pública e um compromisso de 2023 do anterior governo para
efetuar essa valorização com retroatividade a janeiro de 2023, que não foi
cumprido e que o atual governo também não concretizou.
Fonte do Sindicato dos Trabalhadores do Município de Lisboa
(STML) explicou à Lusa que, apesar de
os sapadores dependerem das autarquias em termos de condições de trabalho, as
suas condições salariais dependem da tutela do Ministério da Administração
Interna (MAI), que inclui a Secretaria de Estado da Proteção Civil, embora no governo
a discussão da tabela remuneratória seja partilhada entre o MAI e o Ministério
das Finanças.
A tabela salarial dos sapadores está definida na Base
Remuneratória da Administração Pública.
***
O presidente
da Câmara do Porto, Rui Moreira, cujo município se desvinculou da ANMP, considerou,
a propósito desta manifestação, que a ministra da Administração Interna “não
sabe o que está a dizer”, quando remete responsabilidades para as autarquias
sobre a remuneração dos bombeiros sapadores. O autarca do Porto disse que, “por
desconhecimento”, a governante atribuiu responsabilidades na matéria aos
municípios.
“A senhora ministra não sabe o
que está a dizer”, insistiu o autarca, depois de visitar os bombeiros sapadores
que, desde o início de setembro, estão em frente à Câmara do Porto em vigia e
protesto.
Questionado se a ministra estava a tentar passar as responsabilidades para os municípios, o autarca disse “já estar habituado a que, quando as coisas correm bem, é o governo; e, quando as coisas correm mal, são os municípios”.
“A senhora ministra já está há algum tempo em funções, devia estar a par da
situação e, portanto, se não sabe, devia saber, e pode passar a saber a partir
das nossas declarações”, referiu.
Recusando fazer “interpretações sobre motivações”, Rui Moreira apelou a que o governo responda às reivindicações dos bombeiros sapadores, que “não custam um tostão [um cêntimo] ao Estado e serão asseguradas plenamente pelo município”.
“A única coisa que pedimos à senhora ministra, [é que] ela, se quiser, que descentralize, que faça o que quiser, agora que não diga que este é um problema dos municípios. É um problema que os municípios sentem na pele, os bombeiros sentem na pele, mas que não temos [autarquias] meios para resolver”, observou, lembrando que os bombeiros sapadores são funcionários do município, como outros, mas que não é a autarquia que lhes determina as carreiras e condições de trabalho.
“Da mesma maneira que o
vencimento do presidente da câmara não é determinado pela Câmara do Porto, ou
de um polícia municipal, também o dos bombeiros sapadores é definido pelo
Estado”, considerou. E, dizendo não ter descoberto este tema hoje, o autarca lembrou
a proposta aprovada, a 30 de setembro, por unanimidade, no executivo municipal.
“No
município do Porto, todas as forças políticas que estão representadas defendem
que é preciso criar condições para as carreiras dos bombeiros, dadas as
condições do desempenho das suas funções e a desadequação das condições
remuneratórias, e não apenas em termos de carreira de uma profissão que é de
desgaste elevado”, observou.
***
Por sua vez,
a PSP rejeitou que tenha havido falhas no planeamento do dispositivo de
segurança para a concentração dos bombeiros sapadores na AR, embora admitindo
imprevistos que obrigaram ao desvio de meios. “Eu não creio que tenha havido
falhas no que estava previsto no planeamento”, afirmou o chefe da Área
Operacional do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP, Manuel Gonçalves, depois
de centenas de bombeiros sapadores terem ocupado a escadaria da AR, durante uma
concentração que incluiu o rebentamento de vários petardos e o incendimento de
pneus e de um fato de trabalho dos bombeiros.
Manuel
Gonçalves disse que a PSP tinha conhecimento da concentração organizada pelos
bombeiros sapadores à frente da AR e tinha os meios que considerava “adequados
para garantir que o policiamento seria suficiente para fazer face a essa
manifestação”. E, como
explicou, a PSP faz, antes de cada manifestação, uma avaliação prévia, com base
no histórico das manifestações organizadas pelo mesmo grupo de pessoas, sendo
que os bombeiros sapadores já tinham estado no mesmo local, “há várias semanas
e sempre de forma pacífica, ordeira”. Assim, a PSP partiu do princípio de que
esta obedeceria ao seu histórico, mas estava apta para intervir, se necessário.
Porém, salientou
que, do contingente inicialmente mobilizado na AR, alguns meios tiveram de ser
desviados para desfiles dos bombeiros sapadores não previstos, incluindo,
designadamente, o reforço de segurança junto à sede do Partido Socialista (PS),
no Largo do Rato. A partir de então, o Corpo de Intervenção da PSP foi colocado
de prevenção, tendo-se deslocado para a AR, onde a situação estava “minimamente
controlada”. “Para nós, o facto de não ter havido nenhuma ação hostil da parte
dos bombeiros é essencial na nossa reação. E, como tal, nós contivemos no cimo
da escadaria este grupo de bombeiros e, a partir daí, houve um diálogo
constante para lhes dar a entender que o posicionamento deles não era o mais
adequado e nós, se necessário, iríamos intervir para que a ordem pública fosse retomada”,
explicou.
Questionado
se, tendo em conta o que aconteceu hoje, preveem reforçar o policiamento das
próximas concentrações deste tipo de sapadores bombeiros, Manuel Gonçalves
respondeu: “Claramente esta situação terá impacto no próximo planeamento da nossa
parte.”
Questionado se a PSP não ficou surpreendida pela utilização de explosivos e de palavras de ordem forte, respondeu que não, pois já houve manifestações mais pacíficas destes bombeiros em que isso aconteceu. “Não iríamos nunca intervir numa situação de utilização de petardos ou de potes de fumo perante uma multidão porque, em termos de proporção e de consequências, achamos que não se justificaria”, vincou.
Não obstante,
a PSP garantiu que irá participar ao Ministério público as circunstâncias desta
manifestação junto da AR, para apuramento da existência (ou não) de ilícito
criminal.
***
Depois de o
anterior governo ter satisfeito as reivindicações da Polícia Judiciária e de o
atual ter resolvido as de vários setores profissionais (professores, forças de
segurança, guardas prisionais, funcionários de justiça, militares e enfermeiros),
é natural que os sapadores (em especial situação de risco) estejam em reivindicação
legítima, na substância, embora talvez não, quanto a alguns meios. Ou será que
o governo não vê possibilidade orçamental para mais liberalidades?
2024.10.02 – Louro de Carvalho
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