Foi identificada, na jazida de Lo Hueco, em Cuenca Nova,
na Espanha, uma espécie de dinossauro saurópode do Cretáceo Superior, de 10
toneladas. Esta descoberta revela que havia espécies endémicas e migrantes na
Europa.
Qunkasaura pintiquiniestra. Parece que alguém perdeu os dedos à toa pelo
teclado do piano, mas é o nome científico dado a uma espécie de dinossauro que
ainda não era conhecida e que foi revelada, agora, por um grupo de paleontólogos
liderado por um português.
Em 2007, durante as obras da linha
ferroviária de alta velocidade Madrid-Levante foram recolhidos
fósseis de um dos últimos gigantes a habitar a Europa, antes da
extinção dos dinossauros. Qunkasaura pintiquiniestra é o nome da nova
espécie de dinossauro, de 10 toneladas, que viveu na Península Ibérica, há
73 ou 75 milhões de anos.
Etimologicamente “qunkasaura” relaciona-se
com Qunca (ou Kunka), referente à cidade andaluza
que, após a sua anexação a Castela, em 1177, deu origem a várias pequenas
aldeias em seu redor, incluindo a de Fuentes (Cuenca), onde se encontra o sítio
fóssil de Lo Hueco, bem como com “saura”, o sufixo tradicional da forma
latinizada, “saurus”, da palavra grega “saûros”, para designar “lagarto”. Neste
caso, é utilizado no feminino, estendendo a referência a Antonio Saura, um dos
mais importantes pintores do século XX, em Espanha, que desenvolveu parte
importante da sua atividade a partir de Cuenca. E o nome específico “pintiquiniestra”
refere-se a uma personagem, por vezes, interpretada como uma giganta: a Rainha
Pintiquiniestra, de um dos romances que enlouqueceu Dom Quixote de la Mancha,
personagem criada pelo grande Miguel de Cervantes, no século XVII.
“Qunkasaura é um dinossauro saurópode
que viveu na Península Ibérica, no Cretáceo Superior [a época do período Cretáceo da era Mesozoica do éon Fanerozoico,
compreendida entre há 100,5 milhões e 66 milhões de anos, aproximadamente].
Nós sabemos que este dinossauro viveu em Cuenca e morreu
neste território. Provavelmente, pertencia a um grupo que tinha
uma distribuição, pelo menos, na Península Ibérica, e este, em particular,
pertenceu a uma linhagem que nós acreditamos que tinha uma distribuição que
tinha afinidades com outros dinossauros saurópodes do território europeu e do
território asiático”, explicou, a 1 de outubro, à Euronews Pedro Mocho, paleontólogo português do Instituto Dom Luiz da
Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que integra equipa que fez a
descoberta, publicada na revista “Communications Biology”, a 4 de setembro.
A nova espécie pertence ao grupo dos saurópodes que se distinguem por serem dinossauros herbívoros de grande porte, pescoço longo e cauda comprida, que são raros no resto da Europa.
Qunkasaura pintiquiniestra destaca-se por ser um dos esqueletos de saurópode mais completos encontrados na Europa. Deste exemplar, encontrado na jazida de Lo Hueco, foi possível recolher vértebras cervicais, dorsais e caudais, parte da cintura pélvica e elementos dos membros.
“Estamos a
falar de um exemplar que teria cerca de 15 metros de longitude,
portanto, cabeça à ponta da cauda, e que poderia atingir cerca de dez toneladas, uma altura de três metros até ao ombro. Mas estes animais, o grupo dos
dinossauros saurópodes, podiam atingir tamanhos muito maiores”, sustenta Pedro
Mocho.
A presença deste exemplar em Lo Hueco
sugere ainda a deslocação desta e de outras espécies entre continentes. “Por
algum motivo, nós temos estes grupos de dinossauros de grandes dimensões a
viver num território que, naquele momento, correspondia a uma ilha [do grande
arquipélago que hoje é a Europa]. A Península Ibérica, neste
momento, era uma ilha unida à zona sul da França. Nós chamamos
a ilha Ibero-Armoricana, que inclui o
que é, hoje, parte do território português, espanhol e sul de França”, esclarece
o paleontólogo português.
Segundo o investigador, em situações
insulares, as espécies tendem a evoluir no sentido de
diminuir o seu tamanho, porque há uma menor disponibilidade de recursos. É
deste pressuposto que se estima que Qunkasaura
não tenha evoluído em território europeu, mas tenha migrado do território
asiático até chegar à Península Ibérica.
“Neste
território, existiam já grupos endémicos, com, provavelmente, mais de 20
milhões de anos de evolução que viveram isolados e num ambiente insular. “E,
por isso, nós encontramos, hoje em dia, espécies de pequenas dimensões, não só
nos dinossauros saurópodes como em outros grupos de dinossauros e de
vertebrados”, diz Pedro Mocho, segundo o qual, no caso desta nova linhagem, foi
possível perceber que está aparentada com duas espécies
da Ásia e da América do Norte. Portanto, para lá do seu tamanho
médio a grande, estas espécies, provavelmente, não evoluíram isoladas neste
território e não deram origem a espécies endémicas.
“Estes grupos, provavelmente, tinham
chegado à Europa provenientes da Ásia e atravessaram o Leste Europeu, até
chegarem à Ilha Ibero-Armoricana. Isto acontece, porque, durante este período
do Cretáceo Superior, há sempre momentos em que o nível médio das águas do mar
baixa e sobe; e, portanto, nos momentos em que o nível
médio das águas do mar baixa, há a possibilidade de os territórios se
conectarem entre si e, portanto, temos nesse momento
algumas linhagens capazes de passar esse território e outras não”, considera o
investigador.
Como foi
dito, o nome “Qunkasaura pintiquiniestra” resulta de várias referências
geográficas e culturais próximas da jazida de Lo Hueco.
O estudo faz parte das linhas de investigação do Grupo de Biologia
Evolutiva da Universidad Nacional de Educación
a Distancia (UNED) sobre os ecossistemas com dinossauros do centro da
Península Ibérica
e uma parte do esqueleto do dinossauro está, agora, exposta no Museu
de Paleontologia de Castilla-La Mancha, em Cuenca.
***
O Titanosauria foi um grupo
bem-sucedido de dinossauros saurópodes – de
corpos enormes, com bacia de réptil e com
um pescoço muito comprido que terminava em uma cabeça muito pequena –
que experimentou um importante evento de diversificação no Cretáceo Inferior, com
o estabelecimento de várias linhagens distintas, incluindo o Lithostrotia. Os
litostrotianos (compõem o clado de dinossauros mais diversos, com o maior
número de espécies formalmente descrita) dominaram a fauna de saurópodes do
Cretáceo Superior e foram representados por dois grupos principais, os saltassauroides
e os colossossauros, incluindo desde pequenas formas até aos maiores animais
terrestres conhecidos. Eles sobreviveram até a fronteira do Cretáceo-Paleógeno,
quando foram extintos, como todos os outros dinossauros não-aviários. Nas
últimas duas décadas, a descrição de novos titanossauros, bem como a
reavaliação sistemática de táxons antigos, lançaram luz sobre a complexa
filogenia do clado. Neste contexto, os estratos Campaniano-Maastrichtiano do
domínio europeu Ibero-Armoricano são conhecidos por um rico registo fóssil de
titanossauros apresentando uma fauna diversificada composta por, pelo menos,
seis táxons, cuja sistemática permanece obscura, devido à escassez de espécimes
de titanossauros parcialmente completos ou associações inquestionáveis de
restos mortais à mesma espécie.
A descoberta, em
2007, do sítio fóssil Lo Hueco, em Cuenca, proporcionou uma oportunidade para
lançar luz sobre este complexo cenário sistemático. Lo Hueco é um leito ósseo
multitáxico da Campânia-Maastrichtiano da Formação Villalba de la Sierra que
rendeu mais de 10 mil fósseis, dos quais quase metade são restos de titanossauros,
incluindo vários esqueletos parciais. Este é um novo titanossauro do sítio Lo
Hueco, baseado num esqueleto articulado e parcialmente associado que
corresponde a um dos espécimes mais completos encontrados na Europa. Além
disso, também é proposta uma nova hipótese filogenética, que inclui quase todos
os titanossauros europeus do intervalo Campânia-Maastrichtiano.
A descrição desta
nova forma revela, pela primeira vez, a presença de pelo menos duas linhagens saltasauroides
distintas no domínio Ibero-Armoricano, e apoia o estabelecimento de um novo
clado saltasauroide. Esta nova forma é caraterizada pela sua morfologia
peculiar da cauda, que converge com a dos membros do clado Gondwanan
Aeolosaurini.
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Uma das caraterísticas relevantes do registo fóssil de Lo
Hueco é a abundância de esqueletos parciais de dinossauros saurópodes de grande
dimensão, raros no resto da Europa. E Qunkasaura pintiquiniestra destaca-se
como um dos esqueletos de saurópode mais completos encontrados na Europa,
incluindo vértebras cervicais, dorsais e caudais, parte da cintura pélvica e
elementos dos membros. A morfologia única, sobretudo, nas vértebras da cauda,
oferece novas perspetivas sobre os dinossauros não-avianos da Península
Ibérica, grupo historicamente pouco compreendido.
O estudo, agora publicado
na revista “Communications Biology”, identifica Qunkasaura como um representante dos saltassaurídeos
opisthocoelicaudinos, um grupo presente no Hemisfério Norte (Laurásia). Por
outro lado, a maioria dos saurópodes do Cretáceo Superior do Sudoeste da Europa,
incluindo Lohuecotitan pandafilandi,
anteriormente descrito em Lo Hueco, pertence ao grupo Lirainosaurinae, um grupo
de saurópodes aparentemente exclusivo do continente europeu. Este estudo sugere
que Lo Hueco é o único local onde se conhece a coexistência de ambos os grupos
e propõe um novo grupo de titanossáurios chamado Lohuecosauria, que inclui os
representantes das duas linhagens. Os lohuecossáurios podem ter tido origem nos
continentes do Sul (Gondwana), antes de se dispersarem globalmente.
***
Também, recentemente, os arqueólogos descobriram, sob a aldeia
dinamarquesa de Åsum, na Dinamarca, mais de 50 esqueletos vikings, em
sepulturas, “excecionalmente bem preservados”. Tal descoberta sugere que os Vikings estavam envolvidos em
redes de comércio muito mais extensas do que se pensava anteriormente.
A escavação, conduzida por
arqueólogos do Museu de Odense, nos últimos seis meses, revelou esqueletos excecionalmente bem preservados, enterrados
com grande quantidade de outros artefactos, como facas, joias e cristais. “É,
realmente, invulgar encontrar tantos esqueletos bem preservados de uma só vez
como os encontrados em Åsum, e uma descoberta destas proporciona oportunidades
extraordinárias para realizar uma vasta gama de análises científicas naturais
que podem dizer mais sobre o estado geral de saúde, os hábitos alimentares das
pessoas enterradas e da sua origem”, explicou Michael Borre Lundø, arqueólogo e
inspetor do Museu de Odense, acrescentando: “Talvez as análises possam revelar
se os Vikings encontrados nas sepulturas eram parentes uns dos outros, o que
será muito especial, uma vez que isto nunca foi investigado anteriormente em
sepulturas semelhantes.”
Estima-se
que as sepulturas e os esqueletos sejam
originários do século IX, do reinado de Gorm e Thyra, em Jelling, na
Dinamarca. Entre as descobertas mais extraordinárias encontradas no
local, está uma mulher que foi enterrada no que parecem ser os restos de uma
carroça viking. Os artefactos que rodeiam o corpo do esqueleto, desde um colar
de contas de vidro a uma faca de ferro trabalhada, sugerem que a mulher teria tido um estatuto elevado na sociedade.
Outros achados significativos incluem
uma fivela de bronze com três lóbulos e um pedaço de cristal de rocha,
materiais que não eram de fácil acesso na Dinamarca, mas que provavelmente eram
importados de lugares tão distantes como a Noruega.
Há, pois, vários objetos das muitas sepulturas em Åsum que mostram que os Vikings
enterrados estavam ligados às redes de comércio internacional desenvolvidas durante
a Era Viking.
A maioria dos
esqueletos foi retirada das sepulturas e guardada em caixas de cartão no Museu
de Odense. Os esqueletos terão de secar, antes de ser submetidos a exame e a
limpeza final.
***
Embora de épocas muito distantes no
tempo, estas duas descobertas recentes são claro exemplo de que a paleontologia
e a arqueologia não param, são operativas e são úteis para percebermos o
universo em que vivemos e de que passado nós provimos.
2024.10.01 – Louro de Carvalho
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