terça-feira, 1 de outubro de 2024

Dinossauro que viveu na Península Ibérica, há 75 milhões de anos

 

Foi identificada, na jazida de Lo Hueco, em Cuenca Nova, na Espanha, uma espécie de dinossauro saurópode do Cretáceo Superior, de 10 toneladas. Esta descoberta revela que havia espécies endémicas e migrantes na Europa.

Qunkasaura pintiquiniestra. Parece que alguém perdeu os dedos à toa pelo teclado do piano, mas é o nome científico dado a uma espécie de dinossauro que ainda não era conhecida e que foi revelada, agora, por um grupo de paleontólogos liderado por um português.

Em 2007, durante as obras da linha ferroviária de alta velocidade Madrid-Levante foram recolhidos fósseis de um dos últimos gigantes a habitar a Europa, antes da extinção dos dinossauros. Qunkasaura pintiquiniestra é o nome da nova espécie de dinossauro, de 10 toneladas, que viveu na Península Ibérica, há 73 ou 75 milhões de anos. 

Etimologicamente “qunkasaura” relaciona-se com Qunca (ou Kunka), referente à cidade andaluza que, após a sua anexação a Castela, em 1177, deu origem a várias pequenas aldeias em seu redor, incluindo a de Fuentes (Cuenca), onde se encontra o sítio fóssil de Lo Hueco, bem como com “saura”, o sufixo tradicional da forma latinizada, “saurus”, da palavra grega “saûros”, para designar “lagarto”. Neste caso, é utilizado no feminino, estendendo a referência a Antonio Saura, um dos mais importantes pintores do século XX, em Espanha, que desenvolveu parte importante da sua atividade a partir de Cuenca. E o nome específico “pintiquiniestra” refere-se a uma personagem, por vezes, interpretada como uma giganta: a Rainha Pintiquiniestra, de um dos romances que enlouqueceu Dom Quixote de la Mancha, personagem criada pelo grande Miguel de Cervantes, no século XVII.

“Qunkasaura é um dinossauro saurópode que viveu na Península Ibérica, no Cretáceo Superior [a época do período Cretáceo da era Mesozoica do éon Fanerozoico, compreendida entre há 100,5 milhões e 66 milhões de anos, aproximadamente]. Nós sabemos que este dinossauro viveu em Cuenca e morreu neste território. Provavelmente, pertencia a um grupo que tinha uma distribuição, pelo menos, na Península Ibérica, e este, em particular, pertenceu a uma linhagem que nós acreditamos que tinha uma distribuição que tinha afinidades com outros dinossauros saurópodes do território europeu e do território asiático”, explicou, a 1 de outubro, à Euronews Pedro Mocho, paleontólogo português do Instituto Dom Luiz da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que integra equipa que fez a descoberta, publicada na revista “Communications Biology”, a 4 de setembro.

A nova espécie pertence ao grupo dos saurópodes que se distinguem por serem  dinossauros herbívoros de grande porte, pescoço longo e cauda comprida, que são raros no resto da Europa.

Qunkasaura pintiquiniestra destaca-se por ser um dos esqueletos de saurópode mais completos encontrados na Europa. Deste exemplar, encontrado na jazida de Lo Hueco, foi possível recolher vértebras cervicais, dorsais e caudais, parte da cintura pélvica e elementos dos membros. 

“Estamos a falar de um exemplar que teria cerca de 15 metros de longitude, portanto, cabeça à ponta da cauda, e que poderia atingir cerca de dez toneladas, uma altura de três metros até ao ombro. Mas estes animais, o grupo dos dinossauros saurópodes, podiam atingir tamanhos muito maiores”, sustenta Pedro Mocho.

A presença deste exemplar em Lo Hueco sugere ainda a deslocação desta e de outras espécies entre continentes. “Por algum motivo, nós temos estes grupos de dinossauros de grandes dimensões a viver num território que, naquele momento, correspondia a uma ilha [do grande arquipélago que hoje é a Europa]. A Península Ibérica, neste momento, era uma ilha unida à zona sul da França. Nós chamamos a ilha Ibero-Armoricana, que inclui o que é, hoje, parte do território português, espanhol e sul de França”, esclarece o paleontólogo português.

Segundo o investigador, em situações insulares, as espécies tendem a evoluir no sentido de diminuir o seu tamanho, porque há uma menor disponibilidade de recursos. É deste pressuposto que se estima que Qunkasaura não tenha evoluído em território europeu, mas tenha migrado do território asiático até chegar à Península Ibérica.

“Neste território, existiam já grupos endémicos, com, provavelmente, mais de 20 milhões de anos de evolução que viveram isolados e num ambiente insular. “E, por isso, nós encontramos, hoje em dia, espécies de pequenas dimensões, não só nos dinossauros saurópodes como em outros grupos de dinossauros e de vertebrados”, diz Pedro Mocho, segundo o qual, no caso desta nova linhagem, foi possível perceber que está aparentada com duas espécies da Ásia e da América do Norte. Portanto, para lá do seu tamanho médio a grande, estas espécies, provavelmente, não evoluíram isoladas neste território e não deram origem a espécies endémicas.

“Estes grupos, provavelmente, tinham chegado à Europa provenientes da Ásia e atravessaram o Leste Europeu, até chegarem à Ilha Ibero-Armoricana. Isto acontece, porque, durante este período do Cretáceo Superior, há sempre momentos em que o nível médio das águas do mar baixa e sobe; e, portanto, nos momentos em que o nível médio das águas do mar baixa, há a possibilidade de os territórios se conectarem entre si e, portanto, temos nesse momento algumas linhagens capazes de passar esse território e outras não”, considera o investigador.

Como foi dito, o nome “Qunkasaura pintiquiniestra” resulta de várias referências geográficas e culturais próximas da jazida de Lo Hueco.

O estudo faz parte das linhas de investigação do Grupo de Biologia Evolutiva da  Universidad Nacional de Educación a Distancia (UNED) sobre os ecossistemas com dinossauros do centro da Península Ibérica e uma parte do esqueleto do dinossauro está, agora, exposta no Museu de Paleontologia de Castilla-La Mancha, em Cuenca. 

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O Titanosauria foi um grupo bem-sucedido de dinossauros saurópodes – de corpos enormes, com bacia de réptil e com um pescoço muito comprido que terminava em uma cabeça muito pequena que experimentou um importante evento de diversificação no Cretáceo Inferior, com o estabelecimento de várias linhagens distintas, incluindo o Lithostrotia. Os litostrotianos (compõem o clado de dinossauros mais diversos, com o maior número de espécies formalmente descrita) dominaram a fauna de saurópodes do Cretáceo Superior e foram representados por dois grupos principais, os saltassauroides e os colossossauros, incluindo desde pequenas formas até aos maiores animais terrestres conhecidos. Eles sobreviveram até a fronteira do Cretáceo-Paleógeno, quando foram extintos, como todos os outros dinossauros não-aviários. Nas últimas duas décadas, a descrição de novos titanossauros, bem como a reavaliação sistemática de táxons antigos, lançaram luz sobre a complexa filogenia do clado. Neste contexto, os estratos Campaniano-Maastrichtiano do domínio europeu Ibero-Armoricano são conhecidos por um rico registo fóssil de titanossauros apresentando uma fauna diversificada composta por, pelo menos, seis táxons, cuja sistemática permanece obscura, devido à escassez de espécimes de titanossauros parcialmente completos ou associações inquestionáveis ​​de restos mortais à mesma espécie.

A descoberta, em 2007, do sítio fóssil Lo Hueco, em Cuenca, proporcionou uma oportunidade para lançar luz sobre este complexo cenário sistemático. Lo Hueco é um leito ósseo multitáxico da Campânia-Maastrichtiano da Formação Villalba de la Sierra que rendeu mais de 10 mil fósseis, dos quais quase metade são restos de titanossauros, incluindo vários esqueletos parciais. Este é um novo titanossauro do sítio Lo Hueco, baseado num esqueleto articulado e parcialmente associado que corresponde a um dos espécimes mais completos encontrados na Europa. Além disso, também é proposta uma nova hipótese filogenética, que inclui quase todos os titanossauros europeus do intervalo Campânia-Maastrichtiano.

A descrição desta nova forma revela, pela primeira vez, a presença de pelo menos duas linhagens saltasauroides distintas no domínio Ibero-Armoricano, e apoia o estabelecimento de um novo clado saltasauroide. Esta nova forma é caraterizada pela sua morfologia peculiar da cauda, ​​que converge com a dos membros do clado Gondwanan Aeolosaurini.

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Uma das caraterísticas relevantes do registo fóssil de Lo Hueco é a abundância de esqueletos parciais de dinossauros saurópodes de grande dimensão, raros no resto da Europa. E Qunkasaura pintiquiniestra destaca-se como um dos esqueletos de saurópode mais completos encontrados na Europa, incluindo vértebras cervicais, dorsais e caudais, parte da cintura pélvica e elementos dos membros. A morfologia única, sobretudo, nas vértebras da cauda, oferece novas perspetivas sobre os dinossauros não-avianos da Península Ibérica, grupo historicamente pouco compreendido.

O estudo, agora publicado na revista “Communications Biology”, identifica Qunkasaura como um representante dos saltassaurídeos opisthocoelicaudinos, um grupo presente no Hemisfério Norte (Laurásia). Por outro lado, a maioria dos saurópodes do Cretáceo Superior do Sudoeste da Europa, incluindo Lohuecotitan pandafilandi, anteriormente descrito em Lo Hueco, pertence ao grupo Lirainosaurinae, um grupo de saurópodes aparentemente exclusivo do continente europeu. Este estudo sugere que Lo Hueco é o único local onde se conhece a coexistência de ambos os grupos e propõe um novo grupo de titanossáurios chamado Lohuecosauria, que inclui os representantes das duas linhagens. Os lohuecossáurios podem ter tido origem nos continentes do Sul (Gondwana), antes de se dispersarem globalmente.

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Também, recentemente, os arqueólogos descobriram, sob a aldeia dinamarquesa de Åsum, na Dinamarca, mais de 50 esqueletos vikings, em sepulturas, “excecionalmente bem preservados”. Tal descoberta sugere que os Vikings estavam envolvidos em redes de comércio muito mais extensas do que se pensava anteriormente.

A escavação, conduzida por arqueólogos do Museu de Odense, nos últimos seis meses, revelou esqueletos excecionalmente bem preservados, enterrados com grande quantidade de outros artefactos, como facas, joias e cristais. “É, realmente, invulgar encontrar tantos esqueletos bem preservados de uma só vez como os encontrados em Åsum, e uma descoberta destas proporciona oportunidades extraordinárias para realizar uma vasta gama de análises científicas naturais que podem dizer mais sobre o estado geral de saúde, os hábitos alimentares das pessoas enterradas e da sua origem”, explicou Michael Borre Lundø, arqueólogo e inspetor do Museu de Odense, acrescentando: “Talvez as análises possam revelar se os Vikings encontrados nas sepulturas eram parentes uns dos outros, o que será muito especial, uma vez que isto nunca foi investigado anteriormente em sepulturas semelhantes.”

Estima-se que as sepulturas e os esqueletos sejam originários do século IX, do reinado de Gorm e Thyra, em Jelling, na Dinamarca. Entre as descobertas mais extraordinárias encontradas no local, está uma mulher que foi enterrada no que parecem ser os restos de uma carroça viking. Os artefactos que rodeiam o corpo do esqueleto, desde um colar de contas de vidro a uma faca de ferro trabalhada, sugerem que a mulher teria tido um estatuto elevado na sociedade.

Outros achados significativos incluem uma fivela de bronze com três lóbulos e um pedaço de cristal de rocha, materiais que não eram de fácil acesso na Dinamarca, mas que provavelmente eram importados de lugares tão distantes como a Noruega.

Há, pois, vários objetos das muitas sepulturas em Åsum que mostram que os Vikings enterrados estavam ligados às redes de comércio internacional desenvolvidas durante a Era Viking.

A maioria dos esqueletos foi retirada das sepulturas e guardada em caixas de cartão no Museu de Odense. Os esqueletos terão de secar, antes de ser submetidos a exame e a limpeza final.

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Embora de épocas muito distantes no tempo, estas duas descobertas recentes são claro exemplo de que a paleontologia e a arqueologia não param, são operativas e são úteis para percebermos o universo em que vivemos e de que passado nós provimos.

2024.10.01 – Louro de Carvalho

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