sábado, 5 de outubro de 2024

Líder supremo do Irão elogia ataque a Israel: repetir-se-á, se necessário

 

Numa rara aparição, em cerca de cinco anos, o Ayatollah Ali Khamenei discursou, a 4 de outubro, em Teerão, perante uma multidão de milhares de pessoas, a legitimar o ataque iraniano a Israel.

“O que os decisores militares e políticos considerarem lógico, sensato e correto será feito a seu tempo. Foi feito [recentemente] e, no futuro, voltará a ser feito se necessário”, defendeu o líder supremo do Irão, caraterizando o ataque como o “castigo mínimo” para o que chamou de “crimes espantosos” de Israel.

É de recordar que o Irão lançou, a 1 de outubro, pelo menos, 180 mísseis contra Israel, no mais recente de uma série de ataques em rápida escalada entre Israel e o Irão e os seus aliados, que ameaçam empurrar o Médio Oriente para uma guerra em toda a região. O Irão afirmou que a maioria dos seus mísseis atingiu os alvos pretendidos, mas não houve relatos imediatos de vítimas. Israel afirmou ter intercetado muitos dos mísseis. E as autoridades de Washington disseram que os destroyers americanos ajudaram na defesa de Israel.

Agora, o líder supremo do Irão elogiou o Hezbollah e o Hamas, afirmando que cada ataque contra Israel é “um serviço para toda a região e para toda a Humanidade”. “O Hezbollah e o mártir Sayyed (Nasrallah), com a sua defesa de Gaza e a sua Jihad pela mesquita de Al-Aqsa, atingindo a entidade opressora e tirana, deram um passo em direção a um dever fatídico para com toda a região”, afirmou Khamenei, acrescentando: “Cada sucesso de um indivíduo ou de um grupo, em relação a esta entidade, é um serviço para toda a região e para toda a Humanidade.”

O ministro dos Negócios Estrangeiros do Irão, que viajou até Beirute, avisou Israel de que, se o país atacar o Irão, Teerão retaliará de forma mais forte que no passado. “Se a entidade israelita der qualquer passo ou medida contra nós, a nossa retaliação será mais forte do que a anterior”, disse Abbas Araghchi em conferência de imprensa, após reunião com o presidente do parlamento libanês, Nabih Berri, referindo-se ao recente ataque a Israel, frisando: “A nossa resposta será proporcional e totalmente calculada.”

No Líbano, os ataques aéreos israelitas prosseguiram e foram intensificados, durante a noite, incluindo perto do aeroporto de Beirute. Pelo menos 37 pessoas foram mortas nas últimas 24 horas, segundo informaram as autoridades libanesas na manhã do dia 4.

Israel mantém as ofensivas aéreas sobre o país, com os militares israelitas a ordenarem a retirada dos habitantes de mais de 30 aldeias do Sul do Líbano. E as Forças de Defesa de Israel (FDI) anunciaram, em comunicado, que eliminaram mais de dois mil alvos militares, nomeadamente, dos terroristas: “infraestruturas, edifícios militares, armazéns de armas”.

As FDI informaram que mataram o comandante do Hezbollah responsável pelas comunicações. Nos balanços realizados, a 4 de outubro, contabilizam-se dois mortos para o lado israelita com as FDI a anunciarem a morte de dois soldados, que operavam nas Brigadas Golani no Norte de Israel: Daniel Sofer e Tal Dror, ambos de 19 anos.

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Entretanto, os países da União Europeia (UE) continuam a retirar os seus cidadãos do Líbano, à medida que as hostilidades entre Israel e o Hezbollah se intensificam e os receios de uma guerra regional mais vasta no Médio Oriente aumentam.

A Alemanha retirou do país mais 130 dos seus cidadãos a bordo de um avião militar que aterrou em Frankfurt, no final da tarde do dia 3. Isto, depois de, a 30 de setembro, um avião militar alemão ter transportado 111 pessoas de Beirute para Berlim – famílias de diplomatas alemães, pessoal não essencial e alemães com problemas de saúde.

Os ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Defesa alemães afirmaram que o Airbus A330 pertencente à Multinational Multi Role Tanker Transport Unit – frota internacional de transporte aéreo – foi enviado a Beirute, para trazer de volta alemães “particularmente ameaçados”. “Era um risco. Por isso, cada vez que saíamos à rua, era um risco. Onde quer que fossemos, pensávamos que ia acontecer alguma coisa”, disse Samira Salman, ao chegar ao aeroporto.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros afirmou, num post no X, que o avião de evacuação trouxe cinco toneladas de ajuda, nomeadamente, equipamento médico, para Beirute.

A Grécia enviou um avião de transporte militar a Beirute, no dia 4, para trazer para casa cidadãos gregos e cipriotas que queriam deixar o Líbano. O C-130, que transportava 38 cipriotas e 22 gregos, aterrou em Larnaca, no Chipre, na tarde desse dia, antes de se dirigir para um aeródromo militar perto de Atenas, no final do dia. Alguns dos que chegaram em segurança a Chipre falaram do medo que sentiram e do que testemunharam. “Foram tempos muito difíceis, sobretudo na última semana. […] Havia muito barulho, era assustador. E ver os civis a sofrer. Foram tempos muito difíceis, especialmente para os meus filhos”, disse uma das pessoas retiradas.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros grego criou linhas diretas para as quais os seus cidadãos que vivem no Líbano podem ligar, se precisarem de ajuda para abandonar o país.

A Espanha resgatou o primeiro grupo de cidadãos no dia 4, trazendo 250 pessoas a bordo de dois aviões militares, que aterraram na base aérea de Torrejón, a Leste de Madrid.

Muitos dos resgatados que falaram com a emissora espanhola TVE, no aeroporto de Beirute, disseram que tinham apenas alguns pertences com eles, pois estavam com muita pressa de partir.

“É terrível. Terrível. Ninguém consegue acreditar, não dá para acreditar, por causa da quantidade de bombas, por causa do som dos aviões que não nos deixa a noite toda”, disse um homem.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros espanhol declarou que a situação no Líbano é tão grave que parte do pessoal da embaixada será retirada de Beirute num segundo avião, deixando apenas o pessoal necessário para realizar o trabalho diplomático essencial.

A França também começou a retirar os seus cidadãos, tendo o primeiro grupo chegado num dos quatro voos que aterraram no aeroporto Charles de Gaulle, em Paris. “Estou feliz por me ter reunido com a minha família. Mas estou triste por ter deixado o Líbano. A vida lá é muito difícil, especialmente nos últimos tempos. Mas agora sei que estou em segurança, que estou com a minha família”, disse uma mulher à chegada.

A embaixada francesa no Líbano terá negociado dois voos adicionais para Paris com a companhia aérea nacional libanesa MEA, enquanto a transportadora aérea Air France declarou que suspendeu todos os voos de passageiros para o Líbano até, pelo menos, 8 de outubro.

Mais de 300 cidadãos turcos e estrangeiros chegaram ao porto de Mersin, no Sul do país, num navio que partiu de Tripoli. Segundo a agência noticiosa IHA, o navio da Med Lines foi o terceiro a chegar a Mersin, nos últimos dias. Os passageiros viajaram, depois, para os países de origem, informou a IHA. “Vamos a Beirute para trabalhar, regularmente, durante três meses de cada vez. Mas as bombas começaram a explodir à esquerda, à direita, mesmo ao lado do nosso hotel. Não é como o que se vê na televisão, é um banho de sangue”, disse um cidadão turco.

A 1 de outubro, o Ministério dos Negócios Estrangeiros turco declarou que a situação de segurança no Líbano era suscetível de se deteriorar, que tinha criado uma linha direta de emergência para os cidadãos apresentarem pedidos de evacuação e que uma delegação que incluía funcionários do Ministério dos Negócios Estrangeiros, da Direção-Geral de Segurança e da Presidência da Gestão das Migrações foi enviada ao Líbano, para supervisionar o transporte.

Todas estas evacuações ocorreram depois que os militares israelitas avisaram as pessoas para abandonarem uma cidade e outras comunidades no Sul do Líbano que se encontram a Norte de uma zona tampão declarada pela Organização das Nações Unidas (ONU), dando a entender que poderão alargar a operação terrestre contra o grupo militante Hezbollah. De facto, Israel disse às pessoas para abandonarem Nabatieh, capital de província, e outras comunidades a Norte do rio Litani, que constitui o limite Norte da zona fronteiriça estabelecida pelo Conselho de Segurança da ONU, na sequência da guerra de 2006.

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Perante cenário de tanta gravidade, a Comissão Europeia anunciou, a 3 de outubro, mais 30 milhões de euros de ajuda humanitária no Líbano, montante que se junta aos 10 milhões de euros anunciados a 29 de setembro, elevando o total da ajuda humanitária da UE ao país para mais de 104 milhões, a fim de socorrer a população mais necessitada.

Os ataques de Israel ao país vizinho estão a criar nova crise humanitária, após a destruição da Faixa de Gaza, e a deixar o Líbano à beira do colapso. Por isso, a presidente da Comissão Europeia demonstrou preocupação com a escalada do conflito no Médio Oriente e apelou a um cessar-fogo imediato. “Estou extremamente preocupada com a constante escalada das tensões no Médio Oriente. Todas as partes devem fazer tudo o que estiver ao seu alcance para proteger a vida de civis inocentes. Hoje, estamos a intensificar a nossa ajuda humanitária ao povo do Líbano. O nosso novo financiamento garantirá que os civis recebam a tão necessária assistência, durante este período tão difícil. Continuamos a apelar a um cessar-fogo na fronteira com o Líbano e em Gaza, bem como à libertação de todos os reféns”, disse a líder do executivo da UE, em comunicado.

O conflito desencadeou uma deslocação sem precedentes da população no Líbano, tendo já provocado milhares de vítimas e feridos entre os civis. Ali, as pessoas, incluindo os refugiados, (cerca de 2 milhões de libaneses e refugiados) já estavam a viver níveis elevados de pobreza e de insegurança alimentar e tinham um acesso limitado aos serviços. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), foram encerrados mais de 30 centros de cuidados de saúde primários, nas zonas afetadas do Líbano. O pessoal médico tem dificuldade em lidar com o afluxo diário de novos doentes e, ao abrigo dos planos de emergência do governo, os hospitais e os profissionais de saúde suspenderam as operações não urgentes. E OMS já fez chegar a Beirute o primeiro lote de material médico que mobilizou, chegando, um pouco mais tarde, novos lotes de ajuda.

Desde 2011, a UE afetou mais de 971 milhões de euros, em ajuda humanitária, para responder às necessidades da população, tanto libanesa como refugiada. Agravada a situação, especialmente desde 2019, a ajuda humanitária da UE está a ser entregue tanto aos sírios como aos libaneses mais necessitados. E a UE organizou uma série de conferências de Bruxelas sobre a Síria para dar resposta às necessidades dos refugiados sírios e das comunidades de acolhimento no Líbano.

“A situação humanitária é catastrófica”, disse Hassan Dbouk, chefe da unidade de gestão de catástrofes na cidade libanesa de Tiro citado pela Associated Press (AP), onde muitas pessoas procuraram refúgio. Não há provisões pré-posicionadas, tais como pacotes de alimentos, kits de higiene e colchões, e a deslocação de camiões é, agora, muito perigosa. Os agricultores foram impedidos de aceder às suas terras, devido aos bombardeamentos, e o município tem dificuldades em pagar os salários. Um dos quatro hospitais do distrito foi encerrado, após ter sofrido danos causados por uma greve que afetou o fornecimento de eletricidade e danificou a sala de operações. Em dois outros hospitais, foram partidos vidros de janelas. Por enquanto, os hospitais da cidade estão a receber mais mortos do que feridos.

Uma crise económica que começou em 2019 e a enorme explosão do porto de Beirute, em 2020, deixaram o Líbano com dificuldades em fornecer serviços básicos como eletricidade e cuidados médicos. As divisões políticas deixaram o país de seis milhões de habitantes sem presidente nem governo em funções, durante mais de dois anos, aprofundando um sentimento nacional de abandono que se estende às pessoas de quem o país depende em situações de emergência.

O Líbano está “a braços com múltiplas crises, que ultrapassaram a capacidade de resposta do país”, afirmou Imran Riza, coordenador humanitário da ONU para o Líbano.

Depois, o lixo acumula-se nas ruas de todo o Líbano, porque o número de funcionários municipais diminuiu de 160 para 10.

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Entretanto, enquanto os Houthis do Iémen, apoiados pelo Irão, visam, com drones, a capital israelita, Israel continua a atacar o Líbano, monta uma vaga de ataques aéreos mortais contra alvos dos Houthis e não exclui novos ataques ao Irão. É a dinâmica mortífera da guerra, até à eliminação do último palestiniano, segundo o primeiro-ministro de Israel.

2024.10.04 – Louro de Carvalho

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