Após a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais,
Robert F. Kennedy Jr., antigo candidato presidencial e aliado de Trump, afirmou
que a nova administração fará da remoção do flúor da água pública, nos Estados
Unidos da América (EUA), uma prioridade do primeiro dia.
Kennedy, que
defende teorias fora do comum, incluindo o atinente às vacinas e ao 11 de setembro,
está preparado para assumir papel fundamental na abordagem do governo à Saúde Pública.
(Fonte: MedicalXpress / Cody
Mello-Klein, Northeastern University).
Segundo
Kennedy, o flúor está ligado à artrite, a fraturas ósseas, ao cancro e à perda
de quociente de inteligência (QI), entre outras doenças. Porém, é de questionar
se tais ideias têm fundamento.
O flúor é um
mineral que, segundo grupos como a American Dental Association, a American
Academy of Pediatrics (AAP) e os Centers for Disease Control and Prevention
(CDC), é vital para a saúde oral, porque repara e previne os danos causados
pelas bactérias que produzem ácido, sempre que se come ou bebe, segundo o CDC.
Com efeito, substituindo pelos minerais decompostos estes ácidos, fortalece os
dentes e reduz as cáries.
Os EUA têm
adicionado flúor à água desde 1950, quando o governo federal endossou a prática
como forma de prevenir as cáries. Neil Maniar, diretor do programa de Mestrado
em Saúde Pública da Northeastern University e professor de prática em Saúde
Pública, sustenta que a fluoretação da água foi “uma das maiores conquistas da
Saúde Pública do século XX”. E considera que a introdução de flúor na água
potável reduziu as cáries em 25%. Por isso, os grupos referidos apoiam a
fluoretação da água, que não é imposta como obrigatória pelo governo federal.
Porém, as
preocupações de Kennedy não são totalmente infundadas, embora mal orientadas e
mal direcionadas, diz Phil Brown, professor de Sociologia e de Ciências da Saúde
na Northeastern University e diretor do Instituto de Investigação em Ciências
Sociais e Saúde Ambiental.
Para muitos
americanos, o flúor provém, agora, de uma variedade de fontes diferentes, não
apenas da água: está na pasta de dentes, no elixir oral, em alguns alimentos e
bebidas e nos cuidados prestados pelo médico dentista, embora a fonte primária
seja a água potável. “O que está a acontecer é que há muitas outras coisas onde
as pessoas obtêm flúor – produtos alimentares, bebidas – e isso resulta num
nível de flúor mais elevado do que o que é saudável”, diz Brown.
Com mais
fontes de flúor, aumenta o risco de fluorose, doença dentária que, na forma
mais comum, escurece ou descolora os dentes. Se não for tratada, pode danificar
o esmalte e tornar os dentes “mais propensos à cárie”, diz Brown.
Em 2015, as autoridades
federais reduziram a quantidade de flúor na água potável, em resposta à
fluorose, que se tornou mais comum, especialmente, em crianças. Contudo, o CDC
observa que a maior parte das fluoroses, nos EUA, é de natureza ligeira.
Kennedy repetiu
declarações dum relatório governamental que encontrou, “com confiança
moderada”, ligação entre níveis significativamente mais elevados de flúor e o
desenvolvimento neurológico. O juiz distrital dos EUA, Edward Chen, citou,
posteriormente, o estudo, ao ordenar à Agência
de Proteção Ambiental (EPA) que reduzisse o risco de impactos
neurológicos. No entanto, Chen observou que não é claro se a quantidade típica
de flúor adicionada à água tem o mesmo efeito. E a Campanha pela Saúde Oral da
AAP releva que “não há provas cientificamente válidas” para apoiar as alegações
de Kennedy de que o flúor causa cancro e doenças renais.
Segundo
Brown, Kennedy diagnosticou mal o problema. O flúor, em excesso, pode trazer riscos
para a saúde, mas removê-lo, inteiramente, da água potável pública causaria mais
danos do que benefícios. “Todos os tratamentos médicos têm alguns efeitos
adversos para um pequeno número de pessoas […] Os benefícios gerais são tão
grandes para tantas pessoas que os aceitamos”, diz Brown. E Maniar afirma que
as ligações recentemente descobertas entre a saúde oral e outros resultados de
saúde – doenças crónicas e cancro que surgem mais tarde na vida, bem como a
doença de Alzheimer e a demência – são vitais. “É realmente importante que
façamos tudo o que estiver ao nosso alcance para aumentar as taxas de boa saúde
oral neste país e a fluoretação é uma parte fundamental disso”, considera
Maniar, para quem, num país onde nem todos têm acesso ao mesmo nível de
cuidados de saúde e dentários, manter o flúor na água potável é essencial para
garantir que todos têm algum nível de proteção dentária.
“Estão também
a falar sobre a redução dos serviços disponíveis para as comunidades
carenciadas. […] “As comunidades que já estão em risco correrão um risco maior
e veremos disparidades cada vez maiores”, adverte Maniar.
***
Em artigo
intitulado “Trump
pode levar os EUA a deixar de adicionar flúor à água. Qual é a posição da
Europa?”, publicado pela Euronews, 23 de novembro, Gabriela Galvin refere que “são
poucos os países da UE [União
Europeia] que ainda
fluoretam as suas fontes de abastecimento de água, mas não há provas de que
tenham deixado de o fazer, devido a danos para a saúde”.
Mais revela
que, estando o presidente eleito dos EUA prestes a iniciar o seu segundo
mandato na Casa Branca, “um suspeito invulgar está no topo da lista de tarefas
da política de saúde: retirar o flúor, um mineral natural que ajuda a prevenir
as cáries dentárias, do abastecimento de água”.
Efetivamente,
Robert F. Kennedy
Jr., “advogado ambientalista, ativista antivacinas
e escolhido para liderar o departamento da Saúde dos EUA, apelidou o flúor de
‘resíduo industrial’ e afirmou que Trump fará pressão para o retirar, no
primeiro dia da sua presidência, em janeiro”.
O foco na
fluoretação parece misterioso para alguns, dado que os EUA e a Europa começaram
a adicionar flúor à água potável para melhorar a saúde dentaria das
crianças, em meados do século XX, pois ficou demonstrado que o flúor reduz as
cáries em cerca de 25%.
Nos EUA, as
autoridades estatais e locais decidem se a água deve ser fluoretada, mas o
governo federal recomenda, atualmente, um nível de 0,7 miligramas de flúor por
litro de água, muito abaixo do limiar de segurança da Organização Mundial de
Saúde (OMS) de 1,5 mg/L. No entanto, parece haver alguns riscos associados à
fluoretação, a longo prazo, acima desse nível. Estudos realizados em países com
níveis elevados de flúor sugerem que o consumo excessivo está associado ao
enfraquecimento dos ossos e à diminuição do QI das crianças. Ao longo dos
anos, os opositores afirmam que os países europeus rejeitaram ou proibiram a
fluoretação. Porém, não é totalmente verdade. De acordo com investigadores da
Universidade da Cidade de Dublin, a Irlanda, a Inglaterra, o País de Gales e
partes de Espanha adicionam, atualmente, flúor à água.
Cerca de 10%
da população de Inglaterra acede a água fluoretada, de forma ótima, em
comparação com 11%, na Espanha, e 73%, na Irlanda, revelou a British Society
Foundation, em 2020.
No início
deste ano, a Inglaterra decidiu aumentar o seu programa de fluoretação, para
abranger mais pessoas no Nordeste do país, mas o plano não avançou.
Entretanto,
várias localidades irlandesas suspenderam a prática e o governo irlandês lançou
uma análise exaustiva, em 2014, para avaliar os potenciais riscos para a saúde
associados à fluoretação.
A Health
Research Board (HRB), Conselho de Pesquisa em Saúde, da Irlanda, publicou as
suas conclusões mais recentes, no início deste ano, concluindo que não há
provas definitivas para a grande maioria dos problemas de saúde, mas que é
necessária mais investigação sobre o potencial impacto no sistema nervoso do
cérebro e nas condições conexas com as hormonas.
De acordo
com os investigadores da Universidade da Cidade de Dublin, 11 países da UE e do
Reino Unido costumavam adicionar flúor à água, mas deixaram de o fazer: a
Chéquia, a Finlândia, a Alemanha, a Hungria, a Irlanda do Norte, os Países
Baixos, a Polónia, a Roménia, a Escócia, a Eslováquia e a Suécia. Outros 14
países nunca adotaram esta prática, incluindo a Áustria, a Bélgica, a Bulgária,
o Chipre, a Dinamarca, a Estónia, a França, a Grécia, a Itália, a Letónia, a Lituânia,
o Luxemburgo, a Noruega e a Eslovénia.
Os decisores
políticos apresentaram razões pelas quais não fluoretam a água, incluindo a
possibilidade de as pessoas obterem flúor, através de comprimidos, de pasta de
dentes ou de fontes naturais; provas desatualizadas de que a fluoretação ajuda
a tratar as cáries dentárias; questões sobre direitos individuais e medicação
em massa; e obstáculos logísticos na implementação de um programa de flúor. Alguns
também referiram preocupações com a segurança pública, mas não citaram qualquer
risco real para a saúde associado à fluoretação. “Não há provas de que qualquer
país da UE tenha deixado de adicionar flúor, devido a provas de danos”,
concluíram os investigadores.
Os países europeus já praticamente nem debatem o flúor, especialmente os Holandeses, segundo Roberta Hofman,
cientista sénior do KWR Water Research Institute, nos Países Baixos. O seu país
começou a adicionar flúor a alguma água potável, como experiência em, 1953,
acabando por atingir cerca de 2,5 milhões de pessoas, no final da década de
1960. Todavia, em 1973, o Supremo Tribunal holandês decidiu não haver base
legal para a fluoretação, sem decidir se é bom ou mau para a saúde das pessoas,
devendo os decisores políticos aprovar nova lei para adicionar flúor.
O debate não
foi reavivado, de forma significativa, desde então, disse Hofman à Euronews Health, acrescentando: “As
pessoas começaram a dizer: ‘Bem, o governo não nos deve dar um medicamento,
quando não podemos escolher onde comprar a nossa água potável’. […] Nos Países
Baixos, não queremos adicionar químicos nem nada à água potável.”
***
Não é
confundível a fluoretação da água com o tratamento da água em bruto (de rio, de
lago ou de poço) para a tornar potável. Cada etapa do tratamento pode
representar um óbice à transmissão de doenças. O grau e o tipo de
tratamento vão da simples desinfeção ao tratamento mais complexo,
dependendo das condições do manancial a utilizar. Isso é estudado na engenharia
sanitária, uma especialidade da engenharia hidráulica.
A primeira
destas etapas é a coagulação, quando a água bruta recebe, logo ao entrar na
estação de tratamento, uma dosagem de sulfato de alumínio (tanino em algumas
estações), o que leva as partículas sólidas (sedimentos), sobretudo de
argila, a iniciar o processo de aglomeração.
Segue-se a
floculação, quando continua, em tanques de betão, o processo de
aglutinação das impurezas, na água em movimento. As partículas transformam-se em
flocos mais pesados.
A seguir, a
água entra em outros tanques, para decantação. As impurezas, que se aglutinaram
e formaram flocos, separam-se da água pela ação da gravidade e vão para o
fundo.
A próxima
etapa é a filtração, quando a água passa por filtros com camadas
diversas de seixos (pedra de rio) e de areia, com granulações
diversas e carvão antracitoso (mineral). Aí ficarão retidas as
impurezas mais finas que passaram pelas fases anteriores.
A água,
neste ponto, parece ser potável, sob o aspeto organolético, mas, para
maior proteção contra o risco de contaminações, faz-se o processo de desinfeção,
através do cloro líquido, do cloro gasoso, do ozono ou de outras formas.
A cloração elimina os germes patogénicos (nocivos à saúde) e garante a
qualidade da água até a torneira do consumidor.
Opcionalmente,
pode fazer-se a fluoretação, adicionando fluorsilicato de sódio ou ácido
fluorsilícico em dosagem adequada, para reduzir a incidência de cárie
dentária, especialmente nos consumidores até aos 12 anos de idade, período de
formação dos dentes. Tal prática gera polémica nos EUA, pois, em cerca de 20%
dos casos, causa algum tipo de fluorose infantil.
A correção
de pH (que determina o grau de acidez de uma solução, classificando-a em
ácida, básica ou neutra) é a última
ação do processo de tratamento da água, quando se adiciona a cal hidratada
ou barrilha leve (carbonato de sódio) para neutralização adequada à proteção da
tubulação da rede.
***
Segundo um artigo publicado na revista Cochrane, referenciado no jornal The Guardian, os benefícios da fluoretação
diminuíram desde a década de 1970, quando a pasta de dentes com
flúor se tornou amplamente disponível.
Na verdade, a adição de baixos níveis de
flúor à água potável foi considerada uma das maiores realizações de Saúde Pública
do século XX, sendo este um elemento químico conhecido por
reduzir as cáries dentárias. No entanto, a maioria
dos estudos sobre a fluoretação da água tem mais de 50 anos,
antes da existência de pastas dentífricas com flúor. E os resultados de estudos
realizados após 1975 sugerem que os sistemas de fluoretação da
água podem conduzir a ligeira diminuição das cáries nos
dentes de leite das crianças.
Estes estudos, realizados no Reino Unido e na Austrália,
abrangendo 2908 pessoas, concluíram que a fluoretação pode conduzir a
uma média de menos 0,24 dentes de leite cariados por criança. Em
comparação, uma análise de estudos com 5708 crianças realizados em 1975, ou
antes, estimou que a fluoretação reduziu o número de dentes de leite cariados,
em média, em 2,1 por criança. De acordo com a Dra. Lucy O’Malley, professora
sénior na Universidade de Manchester, as provas sugerem que a fluoretação da
água pode reduzir, ligeiramente, a cárie dentária nas crianças.
Os investigadores sugerem que, visto que o benefício do flúor na água tem vindo a diminuir,
antes de introduzir um novo esquema de fluoretação, é necessário refletir, cuidadosamente, sobre os
custos, a aceitabilidade, a viabilidade e a monitorização contínua.
O
flúor é importante, pois reduz, em média, 35% as cáries dentárias, na primeira
dentição, e 26%, na dentição definitiva. Os seus defensores sugerem que um dos principais benefícios da fluoretação da água é a redução das
desigualdades, em termos de saúde oral. “Embora a fluoretação da água possa conduzir a pequenas melhorias
na saúde oral, não aborda as questões subjacentes, como o elevado consumo de
açúcar e os comportamentos inadequados em matéria de saúde oral”,
adverte Janet Clarkson, coautora e professora de eficácia clínica na
Universidade de Dundee. Todavia, de acordo com um relatório do governo dos EUA,
a presença de flúor na água potável, no dobro do limite recomendado,
está associada à diminuição do QI das crianças.
Porém, não se chegou a conclusão sobre os riscos de níveis mais baixos de flúor,
por ser necessária mais investigação, nem se evidenciou o que os níveis
elevados de flúor farão em adultos.
Assim, talvez seja conveniente seguir a indicação da OMS (1,5
mg/L) e ir monitorizando os resultados nas comunidades locais.
2024.11.23
– Louro de Carvalho
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