domingo, 24 de novembro de 2024

Donald Trump pode levar os EUA a deixar de adicionar flúor à água

 

Após a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais, Robert F. Kennedy Jr., antigo candidato presidencial e aliado de Trump, afirmou que a nova administração fará da remoção do flúor da água pública, nos Estados Unidos da América (EUA), uma prioridade do primeiro dia.

Kennedy, que defende teorias fora do comum, incluindo o atinente às vacinas e ao 11 de setembro, está preparado para assumir papel fundamental na abordagem do governo à Saúde Pública. (Fonte: MedicalXpress  /  Cody Mello-Klein, Northeastern University).

Segundo Kennedy, o flúor está ligado à artrite, a fraturas ósseas, ao cancro e à perda de quociente de inteligência (QI), entre outras doenças. Porém, é de questionar se tais ideias têm fundamento.

O flúor é um mineral que, segundo grupos como a American Dental Association, a American Academy of Pediatrics (AAP) e os Centers for Disease Control and Prevention (CDC), é vital para a saúde oral, porque repara e previne os danos causados ​​pelas bactérias que produzem ácido, sempre que se come ou bebe, segundo o CDC. Com efeito, substituindo pelos minerais decompostos estes ácidos, fortalece os dentes e reduz as cáries.

Os EUA têm adicionado flúor à água desde 1950, quando o governo federal endossou a prática como forma de prevenir as cáries. Neil Maniar, diretor do programa de Mestrado em Saúde Pública da Northeastern University e professor de prática em Saúde Pública, sustenta que a fluoretação da água foi “uma das maiores conquistas da Saúde Pública do século XX”. E considera que a introdução de flúor na água potável reduziu as cáries em 25%. Por isso, os grupos referidos apoiam a fluoretação da água, que não é imposta como obrigatória pelo governo federal.

Porém, as preocupações de Kennedy não são totalmente infundadas, embora mal orientadas e mal direcionadas, diz Phil Brown, professor de Sociologia e de Ciências da Saúde na Northeastern University e diretor do Instituto de Investigação em Ciências Sociais e Saúde Ambiental.

Para muitos americanos, o flúor provém, agora, de uma variedade de fontes diferentes, não apenas da água: está na pasta de dentes, no elixir oral, em alguns alimentos e bebidas e nos cuidados prestados pelo médico dentista, embora a fonte primária seja a água potável. “O que está a acontecer é que há muitas outras coisas onde as pessoas obtêm flúor – produtos alimentares, bebidas – e isso resulta num nível de flúor mais elevado do que o que é saudável”, diz Brown.

Com mais fontes de flúor, aumenta o risco de fluorose, doença dentária que, na forma mais comum, escurece ou descolora os dentes. Se não for tratada, pode danificar o esmalte e tornar os dentes “mais propensos à cárie”, diz Brown.

Em 2015, as autoridades federais reduziram a quantidade de flúor na água potável, em resposta à fluorose, que se tornou mais comum, especialmente, em crianças. Contudo, o CDC observa que a maior parte das fluoroses, nos EUA, é de natureza ligeira.

Kennedy repetiu declarações dum relatório governamental que encontrou, “com confiança moderada”, ligação entre níveis significativamente mais elevados de flúor e o desenvolvimento neurológico. O juiz distrital dos EUA, Edward Chen, citou, posteriormente, o estudo, ao ordenar à Agência de Proteção Ambiental (EPA) que reduzisse o risco de impactos neurológicos. No entanto, Chen observou que não é claro se a quantidade típica de flúor adicionada à água tem o mesmo efeito. E a Campanha pela Saúde Oral da AAP releva que “não há provas cientificamente válidas” para apoiar as alegações de Kennedy de que o flúor causa cancro e doenças renais.

Segundo Brown, Kennedy diagnosticou mal o problema. O flúor, em excesso, pode trazer riscos para a saúde, mas removê-lo, inteiramente, da água potável pública causaria mais danos do que benefícios. “Todos os tratamentos médicos têm alguns efeitos adversos para um pequeno número de pessoas […] Os benefícios gerais são tão grandes para tantas pessoas que os aceitamos”, diz Brown. E Maniar afirma que as ligações recentemente descobertas entre a saúde oral e outros resultados de saúde – doenças crónicas e cancro que surgem mais tarde na vida, bem como a doença de Alzheimer e a demência – são vitais. “É realmente importante que façamos tudo o que estiver ao nosso alcance para aumentar as taxas de boa saúde oral neste país e a fluoretação é uma parte fundamental disso”, considera Maniar, para quem, num país onde nem todos têm acesso ao mesmo nível de cuidados de saúde e dentários, manter o flúor na água potável é essencial para garantir que todos têm algum nível de proteção dentária.

“Estão também a falar sobre a redução dos serviços disponíveis para as comunidades carenciadas. […] “As comunidades que já estão em risco correrão um risco maior e veremos disparidades cada vez maiores”, adverte Maniar.

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Em artigo intitulado “Trump pode levar os EUA a deixar de adicionar flúor à água. Qual é a posição da Europa?”, publicado pela Euronews,  23 de novembro, Gabriela Galvin refere que “são poucos os países da UE [União Europeia] que ainda fluoretam as suas fontes de abastecimento de água, mas não há provas de que tenham deixado de o fazer, devido a danos para a saúde”.

Mais revela que, estando o presidente eleito dos EUA prestes a iniciar o seu segundo mandato na Casa Branca, “um suspeito invulgar está no topo da lista de tarefas da política de saúde: retirar o flúor, um mineral natural que ajuda a prevenir as cáries dentárias, do abastecimento de água”.

Efetivamente, Robert F. Kennedy Jr., “advogado ambientalista, ativista antivacinas e escolhido para liderar o departamento da Saúde dos EUA, apelidou o flúor de ‘resíduo industrial’ e afirmou que Trump fará pressão para o retirar, no primeiro dia da sua presidência, em janeiro”.

O foco na fluoretação parece misterioso para alguns, dado que os EUA e a Europa começaram a adicionar flúor à água potável para melhorar a saúde dentaria das crianças, em meados do século XX, pois ficou demonstrado que o flúor reduz as cáries em cerca de 25%.

Nos EUA, as autoridades estatais e locais decidem se a água deve ser fluoretada, mas o governo federal recomenda, atualmente, um nível de 0,7 miligramas de flúor por litro de água, muito abaixo do limiar de segurança da Organização Mundial de Saúde (OMS) de 1,5 mg/L. No entanto, parece haver alguns riscos associados à fluoretação, a longo prazo, acima desse nível. Estudos realizados em países com níveis elevados de flúor sugerem que o consumo excessivo está associado ao enfraquecimento dos ossos e à diminuição do QI das crianças. Ao longo dos anos, os opositores afirmam que os países europeus rejeitaram ou proibiram a fluoretação. Porém, não é totalmente verdade. De acordo com investigadores da Universidade da Cidade de Dublin, a Irlanda, a Inglaterra, o País de Gales e partes de Espanha adicionam, atualmente, flúor à água.

Cerca de 10% da população de Inglaterra acede a água fluoretada, de forma ótima, em comparação com 11%, na Espanha, e 73%, na Irlanda, revelou a British Society Foundation, em 2020.

No início deste ano, a Inglaterra decidiu aumentar o seu programa de fluoretação, para abranger mais pessoas no Nordeste do país, mas o plano não avançou.

Entretanto, várias localidades irlandesas suspenderam a prática e o governo irlandês lançou uma análise exaustiva, em 2014, para avaliar os potenciais riscos para a saúde associados à fluoretação.

A Health Research Board (HRB), Conselho de Pesquisa em Saúde, da Irlanda, publicou as suas conclusões mais recentes, no início deste ano, concluindo que não há provas definitivas para a grande maioria dos problemas de saúde, mas que é necessária mais investigação sobre o potencial impacto no sistema nervoso do cérebro e nas condições conexas com as hormonas.

De acordo com os investigadores da Universidade da Cidade de Dublin, 11 países da UE e do Reino Unido costumavam adicionar flúor à água, mas deixaram de o fazer: a Chéquia, a Finlândia, a Alemanha, a Hungria, a Irlanda do Norte, os Países Baixos, a Polónia, a Roménia, a Escócia, a Eslováquia e a Suécia. Outros 14 países nunca adotaram esta prática, incluindo a Áustria, a Bélgica, a Bulgária, o Chipre, a Dinamarca, a Estónia, a França, a Grécia, a Itália, a Letónia, a Lituânia, o Luxemburgo, a Noruega e a Eslovénia.

Os decisores políticos apresentaram razões pelas quais não fluoretam a água, incluindo a possibilidade de as pessoas obterem flúor, através de comprimidos, de pasta de dentes ou de fontes naturais; provas desatualizadas de que a fluoretação ajuda a tratar as cáries dentárias; questões sobre direitos individuais e medicação em massa; e obstáculos logísticos na implementação de um programa de flúor. Alguns também referiram preocupações com a segurança pública, mas não citaram qualquer risco real para a saúde associado à fluoretação. “Não há provas de que qualquer país da UE tenha deixado de adicionar flúor, devido a provas de danos”, concluíram os investigadores.

Os países europeus já praticamente nem debatem o flúor, especialmente os Holandeses, segundo Roberta Hofman, cientista sénior do KWR Water Research Institute, nos Países Baixos. O seu país começou a adicionar flúor a alguma água potável, como experiência em, 1953, acabando por atingir cerca de 2,5 milhões de pessoas, no final da década de 1960. Todavia, em 1973, o Supremo Tribunal holandês decidiu não haver base legal para a fluoretação, sem decidir se é bom ou mau para a saúde das pessoas, devendo os decisores políticos aprovar nova lei para adicionar flúor.

O debate não foi reavivado, de forma significativa, desde então, disse Hofman à Euronews Health, acrescentando: “As pessoas começaram a dizer: ‘Bem, o governo não nos deve dar um medicamento, quando não podemos escolher onde comprar a nossa água potável’. […] Nos Países Baixos, não queremos adicionar químicos nem nada à água potável.”

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Não é confundível a fluoretação da água com o tratamento da água em bruto (de rio, de lago ou de poço) para a tornar potável. Cada etapa do tratamento pode representar um óbice à transmissão de doenças. O grau e o tipo de tratamento vão da simples desinfeção ao tratamento mais complexo, dependendo das condições do manancial a utilizar. Isso é estudado na engenharia sanitária, uma especialidade da engenharia hidráulica.

A primeira destas etapas é a coagulação, quando a água bruta recebe, logo ao entrar na estação de tratamento, uma dosagem de sulfato de alumínio (tanino em algumas estações), o que leva as partículas sólidas (sedimentos), sobretudo de argila, a iniciar o processo de aglomeração.

Segue-se a floculação, quando continua, em tanques de betão, o processo de aglutinação das impurezas, na água em movimento. As partículas transformam-se em flocos mais pesados.

A seguir, a água entra em outros tanques, para decantação. As impurezas, que se aglutinaram e formaram flocos, separam-se da água pela ação da gravidade e vão para o fundo.

A próxima etapa é a filtração, quando a água passa por filtros com camadas diversas de seixos (pedra de rio) e de areia, com granulações diversas e carvão antracitoso (mineral). Aí ficarão retidas as impurezas mais finas que passaram pelas fases anteriores.

A água, neste ponto, parece ser potável, sob o aspeto organolético, mas, para maior proteção contra o risco de contaminações, faz-se o processo de desinfeção, através do cloro líquido, do cloro gasoso, do ozono ou de outras formas. A cloração elimina os germes patogénicos (nocivos à saúde) e garante a qualidade da água até a torneira do consumidor.

Opcionalmente, pode fazer-se a fluoretação, adicionando fluorsilicato de sódio ou ácido fluorsilícico em dosagem adequada, para reduzir a incidência de cárie dentária, especialmente nos consumidores até aos 12 anos de idade, período de formação dos dentes. Tal prática gera polémica nos EUA, pois, em cerca de 20% dos casos, causa algum tipo de fluorose infantil.

A correção de pH (que determina o grau de acidez de uma solução, classificando-a em ácida, básica ou neutra) é a última ação do processo de tratamento da água, quando se adiciona a cal hidratada ou barrilha leve (carbonato de sódio) para neutralização adequada à proteção da tubulação da rede.

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Segundo um artigo publicado na revista Cochrane, referenciado no jornal The Guardianos benefícios da fluoretação diminuíram desde a década de 1970, quando a pasta de dentes com flúor se tornou amplamente disponível.

Na verdade, a adição de baixos níveis de flúor à água potável foi considerada uma das maiores realizações de Saúde Pública do século XX, sendo este um elemento químico conhecido por reduzir as cáries dentárias. No entanto, a maioria dos estudos sobre a fluoretação da água tem mais de 50 anos, antes da existência de pastas dentífricas com flúor. E os resultados de estudos realizados após 1975 sugerem que os sistemas de fluoretação da água podem conduzir a ligeira diminuição das cáries nos dentes de leite das crianças.

Estes estudos, realizados no Reino Unido e na Austrália, abrangendo 2908 pessoas, concluíram que a fluoretação pode conduzir a uma média de menos 0,24 dentes de leite cariados por criança. Em comparação, uma análise de estudos com 5708 crianças realizados em 1975, ou antes, estimou que a fluoretação reduziu o número de dentes de leite cariados, em média, em 2,1 por criança. De acordo com a Dra. Lucy O’Malley, professora sénior na Universidade de Manchester, as provas sugerem que a fluoretação da água pode reduzir, ligeiramente, a cárie dentária nas crianças.

Os investigadores sugerem que, visto que o benefício do flúor na água tem vindo a diminuir, antes de introduzir um novo esquema de fluoretação, é necessário refletir, cuidadosamente, sobre os custos, a aceitabilidade, a viabilidade e a monitorização contínua.

O flúor é importante, pois reduz, em média, 35% as cáries dentárias, na primeira dentição, e 26%, na dentição definitiva. Os seus defensores sugerem que um dos principais benefícios da fluoretação da água é a redução das desigualdades, em termos de saúde oral. “Embora a fluoretação da água possa conduzir a pequenas melhorias na saúde oral, não aborda as questões subjacentes, como o elevado consumo de açúcar e os comportamentos inadequados em matéria de saúde oral”, adverte Janet Clarkson, coautora e professora de eficácia clínica na Universidade de Dundee. Todavia, de acordo com um relatório do governo dos EUA, a presença de flúor na água potável, no dobro do limite recomendado, está associada à diminuição do QI das crianças.

Porém, não se chegou a conclusão sobre os riscos de níveis mais baixos de flúor, por ser necessária mais investigação, nem se evidenciou o que os níveis elevados de flúor farão em adultos.

Assim, talvez seja conveniente seguir a indicação da OMS (1,5 mg/L) e ir monitorizando os resultados nas comunidades locais.

2024.11.23 – Louro de Carvalho

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