quinta-feira, 21 de novembro de 2024

A guerra da Rússia na Ucrânia passou a ser guerra com o Ocidente

 A autorização de utilização de armas de longo alcance para atacar a Rússia, por parte do Reino Unido e dos Estados Unidos da América (EUA) foi um ponto-chave do “plano de vitória” do presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskyy, que apresentou aos aliados de Kiev, nas visitas de estado pela Europa, no início de outubro.

O Reino Unido deu essa autorização há mais tempo e, recentemente, o presidente dos EUA autorizou a Ucrânia a utilizar mísseis de longo alcance fornecidos pelos EUA. A decisão de Joe Biden foi, alegadamente, tomada em resposta à introdução de tropas norte-coreanas, destacadas para combater ao lado da Rússia na guerra contra a Ucrânia. Porém, como sustentam alguns observadores, o objetivo será encurralar, politicamente, Donald Trump, o presidente eleito norte-americano, entre a sua promessa de acabar com a guerra e a situação agravada no terreno.  

Por seu turno, no milésimo dia da guerra, o presidente russo, Vladimir Putin, assinou um decreto-lei que altera a doutrina nuclear na Rússia, legitimando a utilização deste tipo de armamento, em caso de ataque de alguma potência a algum dos alvos russos ou dos seus aliados.

O resultado está à vista: as trocas de mísseis ocorrem entre a Rússia e a Ucrânia; e as autoridades russas afirmam que os centros de logística dos EUA existentes em países como a Polónia são alvos a abater.   

De acordo com a agência Associated Press (AP), o Ministério da Defesa russo afirmou, a 21 de novembro, que os seus sistemas de defesa aérea abateram dois mísseis Storm Shadow (mísseis de cruzeiro furtivos franco-britânicos de baixa altitude e de longo alcance, lançados do ar), fabricados e fornecidos pelo Reino Unido, seis foguetes HIMARS (sistema lançador múltiplo de foguetes leve desenvolvido, no início da década de 1990 para o Exército dos EUA e montado num camião militar padrão) e 67 drones.

Por sua vez, a Ucrânia acusou a Rússia de lançar um míssil intercontinental (míssil balístico com alcance superior a 5500 quilómetros, projetado, principalmente, para entrega de armas nucleares, entregando uma ou mais ogivas termonucleares) em direção a Dnipro.

O anúncio, feito no relatório diário do Ministério da Defesa sobre a “operação militar especial” na Ucrânia, não refere quando nem onde exatamente isso aconteceu, nem qual era o alvo dos mísseis. E este não é o primeiro anúncio público de Moscovo sobre o abate de mísseis Storm Shadow. A Rússia já tinha anunciado ter abatido alguns sobre a península anexa da Crimeia.

Segundo a Força Aérea ucraniana, foi disparado um míssil balístico intercontinental contra a cidade de Dnipro, juntamente com outros oito mísseis, e os militares ucranianos abateram seis deles. Efetivamente, numa declaração publicada, a 21 de novembro, no Telegram, a Força Aérea ucraniana não especificou o tipo exato de míssil, mas disse que foi lançado da região russa de Astrakhan, que faz fronteira com o Mar Cáspio. Segundo as autoridades locais, o ataque causou ferimentos em duas pessoas e danificou uma instalação industrial e um centro de reabilitação para pessoas com deficiência.

Também a Ucrânia, pouco depois de os EUA terem levantado as restrições, disparou mísseis ATACMS contra a região russa de Bryansk, confirmou o Ministério da Defesa russo.

MGM-140 Army Tactical Missile System (“sistema de mísseis táticos do exército” – ATACMS)) é um míssil balístico tático fabricado pela empresa Lockheed Martin dos EUA. Tem um alcance de até 300 km (190 milhas), com combustível sólido e tem quatro metros (13 pés) de altura e 610 mm (24 polegadas) de diâmetro. 

O secretário-geral da NATO, Mark Rutte, entende caber, bilateralmente, a cada país definir como podem ser utilizadas as armas que fornece.

As nações ocidentais mostraram-se relutantes em autorizar a utilização das armas americanas, receando uma escalada que pode levar os membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) a um conflito direto com a Rússia.

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Entretanto, a União Europeia (UE) e o Ocidente, em geral, têm consciência de que a guerra pode escalar. Depois de vários países da UE, incluindo Portugal, os EUA e o Canadá terem encerrado as suas embaixadas em Kiev, com receio de retaliação da parte da Rússia (Portugal foi claro e convincente na reafirmação do apoio à Ucrânia pelas mãos do Presidente da República e do primeiro-ministro, mas, ao ver as barbas dos vizinhos a arder, bateu com a porta), 18 estados-membros da UE assinaram uma carta de intenções para intensificar a cooperação e partilhar os custos do desenvolvimento de sistemas de defesa comuns, setor estratégico que suscita a união de todos, considerando que o reforço das capacidades europeias de defesa aérea e antimísseis é agora uma das prioridades da cooperação militar na UE. 

“Estamos a falar de todas as capacidades, incluindo sistemas antimíssil e sistemas antidrone. Portanto, este é um ponto crucial, porque a vantagem no ar define a guerra”, explica Paweł Ksawery Zalewski, Secretário de Estado da Defesa Nacional da Polónia.

A Agência Europeia de Defesa (AED) propôs três outros domínios de ação: a guerra eletrónica (acolhida por 14 estados-membros), as munições flutuantes (por 17 estados-membros) e o navio de guerra europeu (por sete estados-membros).

A UE carece de capacidades de defesa aérea e de antimísseis. Tal fraqueza resulta do facto de se tratar de novas tecnologias, que só foram postas, recentemente, em prática no terreno.

A AED frisa o interesse estratégico do projeto e as suas vantagens industriais, que podem ser do interesse de todos os estados-membros. “A defesa integrada contra mísseis é um conjunto muito amplo de atividades. Estas [as capacidades] podem apoiar muitas forças e projetos industriais diferentes e são, por isso, altamente relevantes para a base tecnológica e de defesa europeia”, explica Stefano Cont, Diretor de Capacidades, Armamento e Planeamento da AED, salientando que o esforço não se limita ao envolvimento militar, mas também envolve a monitorização e a análise de riscos ,utilizando satélites, tecnologias de comunicação e inteligência artificial.

“Por isso, temos de aumentar o número dos nossos sistemas, insiste Stefano Cont, considerando que “temos de manter uma liderança tecnológica que nos permita derrotar estes sistemas”.

O objetivo destes projetos de cooperação é evitar a duplicação de esforços entre os estados-membros na investigação e no desenvolvimento destes meios e partilhar o esforço financeiro.

No seu relatório 2024, a AED salienta que as despesas dos estados-membros   aumentaram 30%, neste ano, em comparação com 2021, ou seja, antes da invasão russa da Ucrânia. Prevê-se que os 27 gastem 326 mil milhões de euros, neste ano, o que representa 1,9% do produto interno bruto (PIB da UE). Todavia, apesar do aumento das despesas, os esforços nacionais, por si só, são insuficientes para que as forças armadas dos estados-membros se preparem para uma guerra de alta intensidade. Por conseguinte, a AED apela a uma maior cooperação, nas quatro áreas de ação, para reduzir a fragmentação da defesa europeia e da indústria.

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Em comunicado divulgado pelas agências noticiosas russas, o Ministério da Defesa russa disse que os militares abateram cinco dos seis mísseis enviados pela Ucrânia e danificaram um. Os fragmentos caíram no território técnico de uma instalação militar não especificada, na região de Bryansk, provocando um incêndio, que foi rapidamente extinto. Não houve danos nem vítimas.

A Ucrânia informara, no dia 12, que o seu exército tinha atacado um arsenal logístico das tropas russas perto da cidade de Karachev, na região de Bryansk. De acordo com os serviços secretos ucranianos, o depósito era utilizado para armazenar bombas e munições, incluindo as fornecidas pela Coreia do Norte.

Washington levantou as restrições de utilização dos mísseis ATACMS, mas não esclareceu se estes mísseis, podem ser utilizados em toda a Rússia, nas regiões fronteiriças ou só na região de Kursk, onde mais de 10 mil soldados de Pyongyang estão no terreno. Se as alegações sobre o ataque ucraniano com ATACMS, na região de Bryansk, se confirmarem, isso significaria que as restrições foram levantadas, não só para Kursk, mas também para todas as regiões fronteiriças.

O grupo de reflexão do Instituto para o Estudo da Guerra (ISW), com sede em Washington, sustenta que há, pelo menos, 245 objetos militares e paramilitares russos conhecidos dentro do alcance dos ATACMS, no território ucraniano, especialmente, a sua variante de 300 quilómetros.

Há muito que os responsáveis russos vêm utilizando uma retórica ameaçadora como parte do seu esforço para dissuadir os EUA e outros aliados da Ucrânia de levantarem as restrições aos mísseis de longo alcance, chamando-lhe “escalada”.

O decreto do presidente russo que aprova a sua doutrina nuclear atualizada, alterando os parâmetros sobre quando a Rússia pode utilizar armas nucleares, define as condições em que a Rússia pode utilizar armas nucleares, ou seja, em qualquer agressão contra a Rússia por um Estado não nuclear, se uma potência nuclear a apoiar, o que será considerado um ataque conjunto. A referida autorização dos EUA é, segundo o ISW, resposta branda à escalada do Kremlin, que introduziu tropas norte-coreanas como combatentes ativos na guerra da Rússia contra a Ucrânia, dado que tanto Moscovo como Pyongyang são potências nucleares.

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Os estados-membros da UE perfilam-se para o compromisso de desenvolvimento de projetos militares conjuntos em matéria de defesa aérea e antimíssil integrada, de guerra eletrónica, de munições e de um navio de combate da próxima geração. “Para se tornar um fornecedor de segurança credível, a UE tem de desenvolver capacidades estratégicas, nomeadamente para cenários de guerra de alta intensidade”, afirmou o diretor executivo da AED, Jiří Šedivý.

De acordo com um novo relatório da Agência Europeia de Defesa, os estados-membros da UE estão perto de atingir o objetivo da NATO de 2% de despesas com a defesa, com um total de despesas militares, que deverão atingir 326 mil milhões de euros (1,9% do PIB da UE), em 2024. Porém, os esforços nacionais por si só não são suficientes para que a UE esteja preparada para uma guerra de alta intensidade, segundo Josep Borrell, diplomata cessante e diretor da AED.

A Comissão Europeia, por seu turno, aprovou um financiamento de 300 milhões de euros para cinco projetos conjuntos de defesa, ao abrigo do European Defence Industry Reinforcement through common Procurement Act  (EDIRPA), e lançou uma proposta para atribuir 1,5 mil milhões de euros ao Programa Europeu para a Indústria da Defesa (EDIP). No entanto, estes valores estão aquém do necessário para responder aos desafios do setor da defesa europeu, que continua a ser altamente fragmentado e dependente de fornecedores externos.

O novo comissário europeu da Defesa, Andrius Kubilius, disse aos eurodeputados, na sua audição de confirmação, que serão necessários cerca de 200 mil milhões de euros, na próxima década, para atualizar as infraestruturas, de modo que o equipamento militar e as tropas sejam facilmente mobilizados em toda a UE, e outros 500 mil milhões de euros um escudo de defesa aérea da UE.

A AED identificou um total de 18 oportunidades de cooperação em matéria de defesa e segurança, mas, para já, só as quatro acima mencionadas receberam compromissos dos estados-membros para cooperação mais aprofundada, de modo a tornarem-se projetos de pleno direito.

Pelo menos, sete estados-membros – incluindo a Bélgica e os Países Baixos – estão interessados em desenvolver o navio de combate europeu para proteger as suas águas e para responder a conflitos no estrangeiro. Vão planear a harmonização dos requisitos, desenvolver um caso de negócio e preparar a aquisição conjunta, até 2040, com o objetivo de fazer desta uma grande colaboração naval europeia. Porém, os projetos que ganharam mais força entre os estados-membros são os conexos com a defesa integrada de ar e mísseis, através da aquisição de sistemas aéreos não tripulados (C-UAS), com a defesa aérea terrestre (GBAD) e com as munições.

A UE está a preparar-se para uma guerra que pode estar fora de tempo, se a atual guerra escalar a sério. Valer-nos-ão os interesses da China instalados na Europa e as economias emergentes do Índia e do Brasil, que instam às negociações pela paz.

A NATO e a UE insistiram em alargar a sua área de influência para lá da Alemanha, rompendo compromissos anteriores, e arrostam com as consequências.

           2024.11.21 – Louro de Carvalho             

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