A autorização de utilização de armas de longo alcance para atacar a Rússia, por parte do Reino Unido e dos Estados Unidos da América (EUA) foi um ponto-chave do “plano de vitória” do presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskyy, que apresentou aos aliados de Kiev, nas visitas de estado pela Europa, no início de outubro.
O Reino
Unido deu essa autorização há mais tempo e, recentemente, o presidente dos EUA autorizou
a Ucrânia a utilizar mísseis de longo alcance fornecidos pelos EUA. A decisão de
Joe Biden foi, alegadamente, tomada em resposta à introdução de tropas
norte-coreanas, destacadas para combater ao lado da Rússia na guerra contra a
Ucrânia. Porém, como sustentam alguns observadores, o objetivo será encurralar,
politicamente, Donald Trump, o presidente eleito norte-americano, entre a sua
promessa de acabar com a guerra e a situação agravada no terreno.
Por seu
turno, no milésimo dia da guerra, o presidente russo, Vladimir Putin, assinou um
decreto-lei que altera a doutrina nuclear na Rússia, legitimando a utilização
deste tipo de armamento, em caso de ataque de alguma potência a algum dos alvos
russos ou dos seus aliados.
O resultado
está à vista: as trocas de mísseis ocorrem entre a Rússia e a Ucrânia; e as autoridades
russas afirmam que os centros de logística dos EUA existentes em países como a
Polónia são alvos a abater.
De acordo com
a agência Associated Press (AP),
o Ministério da Defesa russo afirmou,
a 21 de novembro, que os seus sistemas de defesa aérea abateram dois
mísseis Storm Shadow (mísseis de cruzeiro furtivos franco-britânicos de baixa
altitude e de longo alcance, lançados do ar), fabricados
e fornecidos pelo Reino Unido, seis foguetes HIMARS (sistema lançador
múltiplo de foguetes leve desenvolvido, no início da década de
1990 para o Exército dos EUA e montado num camião militar
padrão) e 67
drones.
Por sua vez, a Ucrânia acusou a Rússia de lançar um míssil
intercontinental (míssil balístico com alcance superior a 5500 quilómetros, projetado,
principalmente, para entrega de armas nucleares, entregando uma ou mais ogivas
termonucleares) em direção a Dnipro.
O anúncio,
feito no relatório diário do Ministério da Defesa sobre a “operação militar
especial” na Ucrânia, não refere quando nem onde exatamente isso aconteceu, nem
qual era o alvo dos mísseis. E este não é o primeiro anúncio público de Moscovo
sobre o abate de mísseis Storm Shadow. A Rússia já tinha anunciado ter abatido
alguns sobre a península anexa da Crimeia.
Segundo a
Força Aérea ucraniana, foi disparado um míssil balístico intercontinental contra
a cidade de Dnipro,
juntamente com outros oito mísseis, e os militares ucranianos abateram seis
deles. Efetivamente, numa declaração publicada, a 21 de novembro, no Telegram, a Força Aérea ucraniana não
especificou o tipo exato de míssil, mas disse que foi lançado da região russa de Astrakhan, que faz fronteira com o
Mar Cáspio. Segundo as autoridades locais, o ataque causou ferimentos em duas
pessoas e danificou uma instalação industrial e um centro de reabilitação para
pessoas com deficiência.
Também a
Ucrânia, pouco depois de os EUA terem levantado as restrições, disparou mísseis
ATACMS contra a região russa de Bryansk, confirmou o Ministério da Defesa
russo.
O MGM-140 Army
Tactical Missile System (“sistema de mísseis táticos do exército” –
ATACMS)) é um míssil balístico tático fabricado pela empresa Lockheed
Martin dos EUA. Tem um alcance de até 300 km (190 milhas), com combustível
sólido e tem quatro metros (13 pés) de altura e 610 mm (24 polegadas) de
diâmetro.
O secretário-geral
da NATO, Mark Rutte, entende caber, bilateralmente, a cada país definir como podem
ser utilizadas as armas que fornece.
As nações
ocidentais mostraram-se relutantes em autorizar a utilização das armas
americanas, receando uma escalada que pode levar os membros da Organização do Tratado
do Atlântico Norte (NATO) a um conflito direto com a Rússia.
***
Entretanto, a União Europeia (UE) e o Ocidente, em geral, têm consciência
de que a guerra pode escalar. Depois de vários países da UE, incluindo Portugal,
os EUA e o Canadá terem encerrado as suas embaixadas em Kiev, com receio de
retaliação da parte da Rússia (Portugal foi claro e convincente na reafirmação
do apoio à Ucrânia pelas mãos do Presidente da República e do primeiro-ministro,
mas, ao ver as barbas dos vizinhos a arder, bateu com a porta), 18 estados-membros
da UE assinaram uma carta de intenções para intensificar a cooperação e
partilhar os custos do desenvolvimento de sistemas de defesa comuns, setor estratégico
que suscita a união de todos, considerando que o reforço das capacidades europeias de defesa aérea e
antimísseis é agora uma das prioridades da cooperação militar na UE.
“Estamos a falar de todas as capacidades,
incluindo sistemas antimíssil e sistemas antidrone. Portanto, este é um ponto
crucial, porque a vantagem no ar define a guerra”, explica Paweł Ksawery
Zalewski, Secretário de Estado da Defesa Nacional da Polónia.
A Agência
Europeia de Defesa (AED) propôs três outros domínios de ação: a guerra
eletrónica (acolhida por 14 estados-membros), as munições flutuantes (por 17
estados-membros) e o navio de guerra europeu (por sete estados-membros).
A UE carece
de capacidades de defesa aérea e de antimísseis. Tal fraqueza resulta do facto
de se tratar de novas tecnologias, que
só foram postas, recentemente, em prática no terreno.
A AED frisa
o interesse estratégico do projeto e as suas vantagens industriais, que podem ser do interesse de todos os estados-membros. “A defesa integrada contra mísseis é um
conjunto muito amplo de atividades. Estas [as capacidades] podem apoiar muitas
forças e projetos industriais diferentes e são, por isso, altamente relevantes
para a base tecnológica e de defesa europeia”, explica Stefano Cont, Diretor
de Capacidades, Armamento e Planeamento da AED, salientando que o esforço não
se limita ao envolvimento militar, mas também envolve a monitorização e a análise de riscos ,utilizando
satélites, tecnologias de comunicação e inteligência artificial.
“Por isso, temos de aumentar o número dos
nossos sistemas, insiste Stefano Cont, considerando que “temos de manter uma liderança tecnológica
que nos permita derrotar estes sistemas”.
O objetivo
destes projetos de cooperação é evitar a duplicação de esforços entre os estados-membros
na investigação e no desenvolvimento destes meios e partilhar o esforço
financeiro.
No seu
relatório 2024, a AED salienta que as despesas dos estados-membros aumentaram 30%, neste ano, em comparação com
2021, ou seja, antes da invasão russa da Ucrânia. Prevê-se que os 27
gastem 326 mil milhões
de euros, neste ano, o
que representa 1,9% do produto
interno bruto (PIB da UE). Todavia, apesar do aumento das despesas, os
esforços nacionais, por si só, são insuficientes para que as forças armadas dos
estados-membros se preparem para uma guerra de alta intensidade. Por
conseguinte, a AED apela a uma maior cooperação, nas quatro áreas de ação, para
reduzir a fragmentação da defesa europeia e da indústria.
***
Em comunicado divulgado pelas
agências noticiosas russas, o Ministério da Defesa russa disse que os militares
abateram cinco dos seis mísseis enviados pela Ucrânia e danificaram um. Os
fragmentos caíram no território técnico de uma instalação militar não
especificada, na região de Bryansk, provocando um incêndio, que foi rapidamente
extinto. Não houve danos nem vítimas.
A Ucrânia informara, no dia 12, que o
seu exército tinha atacado um arsenal logístico das tropas russas perto da
cidade de Karachev, na região de Bryansk. De acordo com os serviços secretos
ucranianos, o depósito era utilizado para armazenar bombas e munições,
incluindo as fornecidas pela Coreia do Norte.
Washington levantou as restrições de
utilização dos mísseis ATACMS, mas não esclareceu se estes mísseis, podem ser
utilizados em toda a Rússia, nas regiões fronteiriças ou só na região de Kursk,
onde mais de 10 mil soldados de Pyongyang estão no terreno. Se as alegações
sobre o ataque ucraniano com ATACMS, na região de Bryansk, se confirmarem, isso
significaria que as restrições foram levantadas, não só para Kursk, mas também
para todas as regiões fronteiriças.
O grupo de reflexão do Instituto para
o Estudo da Guerra (ISW), com sede em Washington, sustenta que há, pelo menos,
245 objetos militares e paramilitares russos conhecidos dentro do alcance dos
ATACMS, no território ucraniano, especialmente, a sua variante de 300
quilómetros.
Há muito que
os responsáveis russos vêm utilizando uma retórica ameaçadora como parte do seu
esforço para dissuadir os EUA e outros aliados da Ucrânia de levantarem as
restrições aos mísseis de longo alcance, chamando-lhe “escalada”.
O decreto do
presidente russo que aprova a sua doutrina nuclear atualizada, alterando os
parâmetros sobre quando a Rússia pode utilizar armas nucleares, define as
condições em que a Rússia pode utilizar armas nucleares, ou seja, em qualquer
agressão contra a Rússia por um Estado não nuclear, se uma potência nuclear a
apoiar, o que será considerado um ataque conjunto. A referida autorização dos
EUA é, segundo o ISW, resposta branda à escalada do Kremlin, que introduziu
tropas norte-coreanas como combatentes ativos na guerra da Rússia contra a
Ucrânia, dado que tanto Moscovo como Pyongyang são potências nucleares.
***
Os estados-membros da UE perfilam-se
para o compromisso de desenvolvimento de projetos militares conjuntos em matéria de defesa
aérea e antimíssil integrada, de guerra eletrónica, de munições e de um navio
de combate da próxima geração. “Para se tornar um fornecedor de segurança
credível, a UE tem de desenvolver capacidades estratégicas, nomeadamente para
cenários de guerra de alta intensidade”, afirmou o diretor executivo da AED,
Jiří Šedivý.
De acordo com um novo relatório da Agência
Europeia de Defesa, os estados-membros da UE estão perto de atingir o objetivo
da NATO de 2% de despesas com a defesa, com um total de despesas militares, que
deverão atingir 326 mil milhões de euros (1,9% do PIB da UE), em 2024. Porém, os
esforços nacionais por si só não são suficientes para que a UE esteja preparada
para uma guerra de alta intensidade, segundo Josep Borrell, diplomata cessante
e diretor da AED.
A Comissão Europeia, por seu turno,
aprovou um financiamento de 300 milhões de euros para cinco projetos conjuntos
de defesa, ao abrigo do European Defence
Industry Reinforcement through common Procurement Act (EDIRPA), e lançou uma proposta para
atribuir 1,5 mil milhões de euros ao Programa Europeu para a Indústria da
Defesa (EDIP). No entanto, estes valores estão aquém do necessário para
responder aos desafios do setor da defesa europeu, que continua a ser altamente
fragmentado e dependente de fornecedores externos.
O novo comissário europeu da Defesa,
Andrius Kubilius, disse aos eurodeputados, na sua audição de confirmação, que
serão necessários cerca de 200 mil milhões de euros, na próxima década, para
atualizar as infraestruturas, de modo que o equipamento militar e as tropas
sejam facilmente mobilizados em toda a UE, e outros 500 mil milhões de euros um
escudo de defesa aérea da UE.
A AED identificou um total de 18
oportunidades de cooperação em matéria de defesa e segurança, mas, para já, só
as quatro acima mencionadas receberam compromissos dos estados-membros para
cooperação mais aprofundada, de modo a tornarem-se projetos de pleno direito.
Pelo menos,
sete estados-membros – incluindo a Bélgica e os Países Baixos – estão
interessados em desenvolver o navio de combate europeu para proteger as suas
águas e para responder a conflitos no estrangeiro. Vão planear a harmonização
dos requisitos, desenvolver um caso de negócio e preparar a aquisição conjunta,
até 2040, com o objetivo de fazer desta uma grande colaboração naval europeia.
Porém, os projetos que ganharam mais força entre os estados-membros são os
conexos com a defesa integrada de ar e mísseis, através da aquisição de
sistemas aéreos não tripulados (C-UAS), com a defesa aérea terrestre (GBAD) e com
as munições.
A UE está a preparar-se para uma
guerra que pode estar fora de tempo, se a atual guerra escalar a sério.
Valer-nos-ão os interesses da China instalados na Europa e as economias
emergentes do Índia e do Brasil, que instam às negociações pela paz.
A NATO e a UE insistiram em alargar a
sua área de influência para lá da Alemanha, rompendo compromissos anteriores, e
arrostam com as consequências.
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