No decurso da cimeira, de 25 e 26 de novembro, dos Ministros dos Negócios
Estrangeiros do G7 (grupo que inclui as sete nações mais industrializadas do
Mundo), em Fiuggi, a cerca de 80 quilómetros a Sudeste de Roma, na Itália,
rodeada de apertada segurança, pairou no ar a possibilidade de, em breve, se
alcançar um cessar-fogo entre Israel e o Hezbollah. “Talvez estejamos perto de
um cessar-fogo no Líbano. […] Esperemos que seja verdade e que não haja recuos
à última da hora, disse Antonio Tajani, ministro italiano dos Negócios
Estrangeiros e anfitrião do encontro, vincando a disponibilidade de a Itália
assumir papel mais interventivo nos esforços de manutenção de paz e na
supervisão de qualquer acordo de cessar-fogo.
Também o embaixador de Israel nos Estados Unidos da América (EUA), Mike
Herzog, disse à Rádio do Exército de
Israel, no dia 25, que poderia ser alcançado, dentro de dias, um acordo de cessar-fogo para acabar com os
combates entre Israel e o Hezbollah, com sede no Líbano.
O Médio Oriente, a par da situação na Ucrânia, foi um dos temas
prioritários da cimeira, estando os líderes a enfrentar uma pressão
crescente para o fim do conflito, quer no Líbano, quer na Faixa de Gaza. Tão
premente é esta temática que foi a primeira vez que aos ministros do G7 se
juntaram os seus homólogos da Arábia Saudita, do Egito, da Jordânia, dos Emirados
Árabes Unidos e do Catar – o “Quinteto Árabe” –, bem como o secretário-geral da
Liga Árabe.
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Na verdade, foi com grado que se ouviu, no dia 26, o presidente norte-americano,
Joe Biden, a anunciar que, nos próximos
60 dias, Israel irá retirar, gradualmente, as suas forças do Sul do Líbano.
Porém, frisava que Israel tem direito à autodefesa se o Hezbollah violar o
acordo, em conformidade com o direito internacional.
O acordo de
cessar-fogo entre Israel o grupo xiita Hezbollah, sediado no Líbano, entrou em
vigor no dia 27, às 4h00 locais (duas horas em Lisboa).
A trégua,
aprovada pelo governo israelita, durará 60 dias, segundo o presidente do país (os
EUA) que mediou as conversações, foi desenhada para ser permanente.
Num discurso
a partir do no Jardim das Rosas, da Casa Branca, em Washington D.C., Joe Biden
afirmou que os governos de Israel e do Líbano aceitaram a proposta dos EUA para
pôr fim a um conflito “devastador”. Por conseguinte, os civis de ambos os lados
poderão, em breve, regressar em segurança às suas comunidades e começar a
reconstruir as suas vidas.
Horas antes,
o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, já tinha anunciado o acordo
de cessar-fogo, que abre espaço para pôr termo a quase 14 meses de combates,
iniciados após a resposta israelita ao ataque do Hamas, a 7 de outubro de
2023.
Numa
comunicação ao país, Benjamin Netanyahu começou por se dirigir aos residentes
do Norte de Israel, dizendo-se orgulhoso da sua perseverança e resistência e
vincando que a guerra não terminará, enquanto os habitantes do Norte de Israel
não puderem regressar a casa em segurança. Depois, afirmando que o Hezbollah
sofreu forte revés na sequência da campanha militar israelita, disse que “já não
é o mesmo Hezbollah” e que Israel fez o grupo recuar “décadas”. Com efeito,
Hassan Nasrallah, qualificado como “a cabeça da serpente”, foi morto, assim
como “todos os líderes” do Hezbollah. “Destruímos a maior parte dos rockets e
mísseis. Matámos milhares de terroristas e destruímos as infraestruturas
subterrâneas perto das nossas fronteiras”, adiantou Netanyahu, garantindo que, se
o Hezbollah violar o acordo de cessar-fogo, rearmando-se e atacando, Israel,
que se manterá unidos até à vitória, reagirá de forma “enérgica”.
Todavia, Israel não desiste das hostilidades. Ao invés, o fim do conflito
com o Hezbollah, na ótica de Netanyahu, permite a Israel “atualizar” e
“rearmar” as suas tropas, sublinha, tendo as forças israelitas, em breve, à
disposição mais armamento, armamento sofisticado.
Outro dos objetivos do acordo de cessar-fogo, como refere Netanyahu, é
isolar o Hamas. “O Hamas estava a contar com o Hezbollah a lutar em conjunto e,
uma vez eliminado o Hezbollah, o Hamas fica sozinho”, sustenta, garantindo: “A
nossa pressão sobre o Hamas será cada vez mais forte e isso vai ajudar-nos a
recuperar os nossos reféns.”
Do lado libanês, o primeiro-ministro interino, Najib Mikati, afirma que a
comunidade internacional deve “atuar rapidamente”, para travar a ofensiva
israelita e para “aplicar um cessar-fogo imediato”. E sublinha que o povo de
Beirute “suportou muito hoje, como sempre suportou o maior fardo para todo o
Líbano.
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No dia 26, o
Gabinete de Segurança de Israel aprovou o acordo de cessar-fogo no Líbano numa
votação de 10-1, logo após a recomendação do primeiro-ministro, Benjamin
Netanyahu.
O acordo pretende uma pausa de 60 dias no conflito, mas Joe Biden, para
quem a decisão de Israel é uma boa notícia, assegura que a perspetiva é a da “cessação
permanente das hostilidades”.
Nos próximos
60 dias, o exército libanês e as forças de segurança do Estado serão
mobilizados e assumirão o controlo do seu território. As infraestruturas do
Hezbollah no Sul do Líbano não podem ser reconstruídas. Israel retirará,
gradualmente, as forças que lhe restam, nos próximos 60 dias. E os civis de
ambos os lados poderão regressar em segurança às suas comunidades.
Os EUA têm dado
firme apoio a Israel, apoio que Joe Biden reiterou, desta vez, afirmando que,
se “o Hezbollah ou qualquer outra pessoa quebrar o acordo e representar uma
ameaça direta a Israel, então o país mantém o direito à autodefesa”. Neste
ponto, alinha com a declaração de Benjamin Netanyahu, após a sua recomendação
ao Conselho de Ministros, onde avisou que “a duração do cessar-fogo depende do
que vai acontecer no Líbano”.
O primeiro-ministro
israelita frisou que, no entendimento com os EUA, Israel ficou a manter total
liberdade de ação militar, de modo que, se o Hezbollah violar o acordo e tentar
armar-se ou se tentar renovar as infraestruturas terroristas perto da fronteira,
Israel atacará.
Biden
agradeceu ao presidente francês, Emmanuel Macron, pela sua parceria na obtenção
do acordo e disse que os EUA trabalhariam em conjunto com França e com outros
países para fornecer a assistência necessária a uma bem-sucedida implementação
do acordo.
Numa videomensagem
de vídeo, o presidente francês saudou o acordo de cessar-fogo e afirmou que
este marcava uma “nova página” para o Líbano. “É importante que este
cessar-fogo seja respeitado, que dure para restaurar a segurança dos Libaneses,
a segurança dos Israelitas, para permitir o regresso dos deslocados de ambos os
países às suas casas e para permitir a restauração da soberania do Líbano”,
disse Macron, sublinhando que a restauração da soberania do Líbano exige a
eleição de um novo presidente “capaz de unir o povo libanês através da
formação, também, de um governo forte e representativo e da adoção das reformas
necessárias para a recuperação económica e financeira do país”.
Outros
líderes mundiais também manifestaram o seu apoio ao acordo, na plataforma das
redes sociais X. Isaac Herzog,
presidente de Israel, julga a decisão “correta e importante” e a presidente da
Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, considera-a “notícia muito
encorajadora”. Ao invés, o líder da oposição israelita, Yair Lapid, criticou o
acordo, dizendo que “Netanyahu não sabe como trazer segurança a Israel”, e
apontou a urgência de acordo sobre os reféns.
O acordo não
é um dado adquirido, mantém-se frágil e reversível. O anúncio de Joe Biden foi
feito momentos antes de um ataque aéreo israelita ter abalado a capital
libanesa. Nas horas que antecederam a reunião do Conselho de Ministros, Israel
emitiu um número recorde de avisos de evacuação, e as autoridades locais
afirmam que os ataques em todo o Líbano mataram, pelo menos, 24 pessoas, no dia
26. Na verdade, Israel tinha assinalado que continuaria os ataques até à
aplicação do acordo de cessar-fogo às 4h00 da manhã, hora local. Por sua vez, o
Hezbollah também disparou rockets, fazendo disparar as sirenes dos ataques
aéreos no Norte de Israel.
Outra fragilidade
do acordo é que a pausa nos combates entre Israel e o Hezbollah não abrange a guerra
de Israel em Gaza. Mesmo assim, Joe Biden espera que o acordo de cessar-fogo
seja um catalisador para se chegar a um acordo entre Israel e o Hamas. Por isso,
os EUA irão trabalhar em conjunto com a Turquia, com o Egito, com o Qatar e com
Israel, nos próximos dias, com vista a um acordo entre Israel e o grupo
militante Hamas, pois, “tal como o povo libanês merece um futuro de segurança e
de prosperidade, também o povo de Gaza merece”, na ótica de Biden.
O ainda
ocupante da Casa Branca referiu que os EUA “continuam preparados para concluir
um conjunto de acordos históricos com a Arábia Saudita, incluindo um pacto de
segurança e de garantias económicas, juntamente com uma via credível para o
estabelecimento de um Estado palestiniano e a normalização total das relações entre
a Arábia Saudita e Israel”. E mostrou-se convicto de que a única via para um
acordo inclui a libertação dos reféns. Porém, ainda recentemente, os EUA
vetaram (pela quarta vez, neste ano) uma resolução da Organização das Nações
Unidas (ONU) a apelar a um cessar-fogo em Gaza, aduzindo que não colocava como
condição a libertação dos reféns.
O presidente eleito Donald Trump, que tomará posse a 20 de janeiro, já disse que iria trazer a paz ao Médio Oriente, mas não explicitou como.
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Este acordo
de cessar-fogo, frágil à nascença, como dissemos, mantém a geopolítica mundial numa espécie de limbo,
à espera da chegada de Donald Trump à Casa Branca, a 20 de janeiro. A
duração acordada é de 60 dias e pode haver interesses táticos, não saudáveis,
de ambas as partes.
Mesmo assim,
é a vitória diplomática que Biden que procurava para amenizar a saída penosa da
presidência dos EUA – contraditória com a autorização de armas norte-americanas,
em solo russo, pela Ucrânia. O grande objetivo será um cessar-fogo em Gaza, ansiado
e não concretizado, mas já é alguma coisa. Dificilmente o presente acordo será um passo para um plano abrangente de
paz no Médio Oriente.
“As pessoas
de Gaza passaram por um inferno, o seu mundo está absolutamente destruído”,
lamentou Joe Biden, considerando que a “única saída” para o Hamas é libertar os
restantes reféns e pôr fim aos combates. Ao mesmo tempo, o presidente
norte-americano falou de “acordos históricos”, a curto prazo, o que poderá
incluir a normalização de relações entre Israel e a Arábia Saudita e o caminho
para a criação de um Estado Palestiniano – ambição excessiva para o tempo de presidência
que lhe resta (menos de dois meses).
No entanto, este cessar-fogo, se for concretizado, dará vantagem
a ambos os lados: o Hezbollah, reconstruindo-se, pode fazer regressar
parte dos 1,3 milhões de pessoas deslocadas, especialmente no Sul (região, há
muito dominada, pelo grupo xiita); e Israel pode rearmar-se e dar descanso às
suas Forças Armadas, além de fazer regressar 60 mil deslocados ao Norte do país.
Além disso –
e mais importante para Israel – é o governo de Telavive poder voltar a focar-se
no Irão (que julga ser “a maior ameaça na região”), batalha para a qual Israel
precisa de apoio internacional. Ora, Benjamin Netanyahu assumiu a diminuição no
fornecimento de armas por parte dos EUA, pelo que estará à espera de um acordo com Donald Trump, que redunde no
aumento dos fornecimentos.
O acordo de
cessar-fogo prevê a retirada das forças israelitas do Líbano e das forças do
Hezbollah da região a Sul do rio Litani, a 30 quilómetros da fronteira
israelita. As Forças Armadas Libanesas e um comité de supervisão liderado pelos
EUA monitorizarão o acordo, que alguns especialistas acreditam que será cumprido,
o que não dou por garantido, em virtude das declarações no sentido da legítima
defesa de Israel (por Biden e por Netanyahu). É fácil haver um incidente!
Esta pausa
pode não passar de uma ocorrência e a tensão continuar no Médio Oriente. Porém,
é melhor do que nada.
2024.11.27 – Louro de Carvalho
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