quinta-feira, 31 de outubro de 2024

A importância da discussão parlamentar do 0E 2025

 

Esteve em curso (em 30 e 31 de outubro), a discussão parlamentar da Proposta de Orçamento do Estado para 2025 (OE 2025), apresentada pelo governo, com vista à aprovação na generalidade, passando à discussão na especialidade.

A questão da viabilização ou não da viabilização do OE 2025, cuja proposta é elaborada por um governo de apoio parlamentar minoritário, já fez correr muita tinta, na imprensa, e gastar muita saliva aos comentadores de rádio e de televisão.    

Recordo que, na campanha eleitoral para a disputa das eleições internas do Partido Socialista (PS), o candidato José Luís Carneiro se afirmou disponível para viabilizar o OE 2025, caso a Aliança Democrática (AD) ganhasse as eleições legislativas antecipadas, mas sem maioria na Assembleia da República (AR). Já Pedro Nuno Santos recusava tal compromisso, alegando que não fazia sentido comprometer-se, por antecipação, com documento não conhecido, nem sequer elaborado.

Contudo, muitos comentadores entendiam que o secretário-geral do PS devia comprometer-se a viabilizar o OE 2025, pelo interesse nacional (não o exigindo à AD para com o PS), como fizera Marcelo Rebelo de Sousa, enquanto presidente do Partido Social Democrata (PSD), em relação a governos de António Guterres (mito que desmontei, em tempo). E poderia fazê-lo, pondo condições, o que o vinculava à execução (não é verdade: a abstenção liberta do compromisso), ou não pondo condições, o que, alegadamente, o libertava da cumplicidade com o governo.

À medida que as linhas gerais e específicas do documento iam sendo conhecidas, enquanto os partidos à esquerda do PS prometiam o voto contra, Pedro Nuno Santos, com o partido supostamente dividido, nesta matéria, clamava que este não era o orçamento do PS. Entrou em negociação com o governo, fez propostas e recebeu contrapropostas. O governo fez aproximações e o PS também. Todavia, não chegaram a acordo e as reações discursivas de cada um dos lados eram desabridas e reciprocamente acusatórias.

Por seu turno, os partidos à direita da AD exigiam, para viabilizar o OE 2025, que o governo negociasse. E o Chega ousou prometer o voto a favor com a contrapartida de o governo promover um referendo sobre a imigração, o que foi rejeitado. Caso contrário, votaria contra, como votou.

Entretanto, o PS garantiu a viabilização do OE 2025, pela abstenção, quer na aprovação na generalidade, quer na votação final global. Porém, garantiu a discussão de várias matérias na discussão na especialidade. Assim, alguns acusam o PS de muleta do governo, enquanto o Chega acusa o governo de se vender ao PS. E AD e Chega entretiveram-se em acusações de mentira.

Dizem alguns observadores que o secretário-geral do PS, garantindo antecipadamente a viabilização do OE 2025, esvaziou o interesse do 42.º Congresso do PSD e o debate parlamentar.

Quanto ao 42.º Congresso do PSD, parece que é verdade, mas se o partido só tinha esse como tema de interesse, então é partido muito pobre. Já o debate parlamentar não perde interesse, porquanto, a discussão é pública e aberta a todos/as os/as deputados/as, e não apenas às cúpulas partidárias. E, a todo o momento, os parlamentares podem apresentar projetos de alteração, melhorando ou piorando a proposta do governo.

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A intervenção inicial do primeiro-ministro (PM), no debate do OE 2025, revelou um chefe do governo “moderado, mas em ataque antecipado”, para “queimar” qualquer argumento contra as negociações com o PS de terem feito da proposta um documento de bloco central. Para tanto, frisou que “o Orçamento é apenas da Aliança Democrática (AD) e que os socialistas são a maior força da oposição”, embora tenha havido um “esforço de compromisso” com o PS.

Segundo o PM, o executivo negociou “até ao limite a partir do qual se desvirtuaria o programa de Governo”. “Ir além disto em aspetos essenciais, seja na generalidade, seja na especialidade, seja no tocante à margem orçamental, seja na direção política governativa, descaracterizaria o Orçamento e seria uma ofensa à escolha dos Portugueses nas eleições”, argumentou.

Para evitar colagem ao PS, o PM, com a veste de oposição ao PS, criticou a estratégia orçamental do anterior governo e garantiu que, no seu, “há vida e objetivos para além dos excedentes orçamentais”. E questionou: “De que serviram contas certas, se apesar de os Portugueses estarem asfixiados em impostos, o Estado engordava e os serviços públicos definhavam?”

O PS desafiou o PM a apresentar reformas estruturais que justifiquem o crescimento económico previsto. “Pedia ao primeiro-ministro para nos explanar as duas reformas revolucionárias que vão fazer a taxa de crescimento disparar. Qual é a fórmula estrutural nova que vai fazer duplicar taxa de crescimento para 3,4%? Diga, para termos certeza que é capaz de distribuir folga orçamental e que tem uma ideia para a economia nacional”, atirou Pedro Nuno Santos.

Já o Chega atirou farpas à bancada socialista. “O PS deixou de ser o partido da oposição. Passou a ser o partido que sustenta o governo”, resumiu André Ventura, sustentando que o Chega é “o maior partido da oposição”, o que Luís Montenegro negou, para clarificar que, para o governo, “o maior partido da oposição é o PS”.

Rita Matias, também do Chega, relevou que “os jovens votaram à direita” para dizerem: “Chega de socialismo.” Porém, o governo desprezou a maioria de direita e “aliou-se ao PS”, disse.

Todavia, a Iniciativa Liberal (IL) também sustenta que a proposta do executivo em nada espelha o Programa do Governo da AD, sendo, em tudo, semelhante aos orçamentos do PS a despesa corrente, a carga fiscal e o número de funcionários públicos, ao invés do que apregoou a campanha eleitoral a AD, nomeadamente, prometendo uma “descida de impostos já”. Rui Rocha anotou que o PM “tem dito que não é liberal, mas não [se] esperava que se tornasse socialista tão depressa”. E Rodrigo Saraiva, do mesmo partido, acusou Estado de estar demasiado presente em demasiadas áreas e funções.

Num debate parlamentar sem resposta a diversas questões colocadas pelos deputados da oposição, o PM respondeu ao líder da IL. “Perguntou-me se fazemos tudo aquilo que queríamos? Não, não fazemos. Num governo minoritário até descer impostos é difícil”, alegou.

Em determinado momento, o chefe do governo clarificou não ter desistido da redução da taxa de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) para 15%, até ao fim da legislatura, mas notou que “é uma impossibilidade”, devido às “circunstâncias [composição da AR] que existem”.

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O OE 2025 não é criticado apenas a nível político. Também a nível técnico é criticado. O Conselho das Finanças Públicas (CFP), liderado por Nazaré da Costa Cabral, calcula que o valor total dos instrumentos de controlo da despesa pública, em 2025, mais do que duplica, face a 2024, para um valor equivalente a 1,5% do produto interno bruto (PIB). Na análise à proposta de Orçamento do OE 2025, divulgada a 29 de outubro, disse que isso, em parte, é explicado por a proposta orçamental não prever um conjunto de exceções.

O CFP estima que o total desses instrumentos ascende a 4313,2 milhões de euros, em 2025, comparativamente com os 2480,2 milhões de euros, em 2024 – “um acréscimo de 1833 milhões de euros, que decorre, sobretudo, do aumento das cativações iniciais (de 1244,1 milhões de euros, maioritariamente, nos programas de Infraestruturas, Defesa e Finanças) e da dotação centralizada destinada à regularização de passivos e aplicação de ativos (aumento de 588,9 milhões de euros na despesa com ativos financeiros)”, explica.

Além disso, anota que, para o aumento das cativações iniciais terá contribuído o aumento das dotações inscritas e o facto de o OE2025 “não prever um conjunto de exceções que existiam anteriormente, reforçando assim o poder discricionário dos ministros setoriais”. E assinala que foi eliminada a norma que limitava a aplicação de cativações iniciais, resultantes do OE 2025 e do decreto-lei de execução orçamental, a um máximo equivalente a 90% dos cativos iniciais aprovados em 2017. “A eliminação desse limite [correspondente a cerca de 1,7 mil milhões de euros, que vigorou desde o OE 2018] permite que as cativações iniciais para 2025 atinjam um novo máximo de 2,5 mil milhões de euros, um valor que supera os 1,9 mil milhões de euros, registados em 2017 e que corresponde a mais do dobro do montante aprovado para 2024.”

A 28 de outubro, na AR, os partidos, à exceção dos que suportam o governo, questionaram o ministro das Finanças sobre as cativações, o qual disse e redisse que os valores de 2024 e de 2025 não são comparáveis e que, ao fazê-lo, se “está a comparar maçãs com peras”.

Também a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), coordenada por Rui Baleiras, voltou a criticar a utilização dos instrumentos de controlo de despesa não convencionais, advertindo que são opacos e entrópicos e se sobrepõem aos tetos de despesa aprovados pela AR, assim como alertando para o impacto negativo nos serviços públicos. “Os instrumentos não convencionais, tal como as cativações, são exemplos deprimentes da Administração Pública a trabalhar para si própria”, lê-se no relatório entregue na AR pelos técnicos que dão apoio aos deputados.

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O OE 2025 inclui um cenário macroeconómico e orçamental “cauteloso”, na ótica do governo: crescimento da economia de 1,8%, neste ano, e de 2,1%, em 2025, com o excedente de 0,4%, em 2024, e de 0,3%, em 2025, e com a redução da dívida pública para 95,9%, neste ano, caindo para 93,3%, em 2025. Entre as medidas com maior destaque estão o IRS Jovem (imposto sobre o rendimento das pessoas singulares) e a redução em 1% do IRC, pontos negociados com o PS.

O PM assegurou que o OE 2025 não aumenta impostos e permite “um resgate do estado social e dos serviços público”, tal como permite valorizar os setores chaves da economia, desde a agricultura às pescas, passando pela indústria, pela valorização do capital humano, pelo investimento na investigação e na inovação e pelo reforço dos “fatores de competitividade” do país, diminuindo “os custos para atrairmos mais investimento”. E deixou claro que nem é “liberal”, nem “socialista”. 

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António Mendonça Mendes, vice-presidente do grupo parlamentar do PS (ex-secretário de Estado nos governos de António Costa), no artigo “OE 2025: Uma oportunidade perdida”, publicado a 30 de outubro, no jornal ECO online, refere que “corremos sérios riscos, a prazo, de voltar a ter uma situação orçamental difícil” e que “a maior expressão deste desafio é a projeção do próprio governo para que, em 2027 e [em] 2028”, anos em que o crescimento económico abrandará e “a capacidade de medidas discricionárias”, do lado da receita ou da despesa, “estará mais limitada, tal como é evidenciado no plano orçamental de médio prazo”.

Passa ao de leve pelo facto de muitos terem admitido que os partidos podiam definir o sentido de voto, independentemente do conteúdo do OE 2025. Aliás, o PM, antes de liderar o Partido Social Democrata (PSD), dizia não precisar de ver um orçamento do PS para determinar o voto contra. Porém, “mudam-se os tempos”.

Depois, sustenta que a precariedade do apoio parlamentar minoritário ao governo torna a situação propícia a decisões de curto prazo, com a “tentação de agradar a diferentes segmentos eleitorais”, podendo descurar “o interesse coletivo de médio prazo”.

Refere que a situação orçamental herdada pelo governo era confortável e que, há muito, o PSD reivindicava o direito de governar em tempos de normalidade orçamental, isto é, ao invés do que foi o seu último ciclo de governação, marcado pela intervenção da troika. Porém, o colunista estranha a propensão do governo para “a total ausência de compromisso com o futuro nas decisões que tem vindo a tomar”, pois, limitou-se, até agora, “a distribuir a margem orçamental deixada por diferentes grupos profissionais e por diferentes segmentos da sociedade”. É certo que este executivo “encontrou problemas para os quais se impunham respostas”, mas o anterior teve o mandato interrompido, antes de completar metade, sendo expectável que respondesse a muitos dos desafios a que este respondeu, quiçá não desta forma, sobretudo, pela concentração no tempo. E não é por este governo ter um sentido de urgência diferente do dos anteriores.

O que ressalta, na ótica do articulista, é a frágil situação de apoio parlamentar do governo, que o levou a trilhar o caminho fácil – “como estando em constante preparação de um ato eleitoral a curto prazo” – o que é preocupante, pelas consequências que terá a médio e longo prazo. Com efeito, enquanto houver folga orçamental, haverá a perceção de que há caminho para responder a tudo e a todos. Porém, a folga orçamental acabará.

Duas dimensões têm suportado o crescimento da nossa economia em convergência com a União Europeia (UE), nos últimos oito anos: o mercado de trabalho e as exportações. O peso dos salários e o das exportações no PIB suportam a nossa situação económica. “Daqui uma situação orçamental equilibrada, com as receitas fiscais a acompanhar o bom momento do ciclo económico […] e as receitas contributivas a acompanhar o bom momento do mercado de trabalho […].”

Há sinais de aumento de despesa justificável, em parte, pelo período de inflação do pós-pandemia e das consequências dos recentes choques geopolíticos. E quando estamos em níveis de inflação mais consentâneos com a normalidade económica, não se justifica, segundo Mendonça Mendes, “que a despesa nominal do Estado continue a crescer a um ritmo superior ao do crescimento do PIB” e com um crescimento superior a qualquer dos anos económicos desde 1992.

Efetivamente, “o nosso excedente orçamental está assente, em grande medida, na receita contributiva e menos na receita fiscal”, segundo o articulista. Ora, quando os riscos globais são conhecidos, incluindo os das nossas exportações, estamos dependentes “do bom desempenho do nosso mercado de trabalho”. E, sendo claro que “o saldo orçamental se vai tornando dependente das contribuições sociais, para assegurar o equilíbrio”, não será de estranhar que “as necessidades de endividamento do Estado aumentem”.

Assim, “exaurir bases tributárias” e “manter uma trajetória de despesa”, como sucede no OE 2025, não é, na otica do colunista, “a forma mais adequada de gerir o orçamento e o ciclo económico”. Consequentemente, “estamos no presente a limitar a capacidade de lidar com um período do ciclo económico menos favorável do que o atual”. É este, para Mendonça Mendes, “o traço mais preocupante do OE 2025: um exercício assente numa visão de curto prazo, que gasta em termos de maior abundância e retira margem para responder a tempos de maior dificuldade”.

Talvez seja oportuno refletir sobre este alerta do vice-presidente da bancada socialista.

2024.10.31 – Louro de Carvalho

Haverá falta de professores a quase todas as disciplinas em 2031

 

O estudo “Reservas de Professores sob a lupa: antevisão de professores necessários e disponíveis”, da Edulog – um Think tank da Fundação Belmiro de Azevedo para a Educação – divulgado a 29 de outubro, revela que, a este ritmo, se não houver medidas estruturais, quase todas as disciplinas terão falta de professores, em 2031, e que a atual situação de penúria de docentes se agravará dentro de dois anos.

As escolas terão, dentro de seis anos, falta de professores com habilitação profissional em praticamente todas as disciplinas, em todas as áreas e níveis de ensino, excetuando-se a Educação Física e talvez a Educação Pré-Escolar. De facto, há cada vez mais docentes a entrar na aposentação e os que estudam professores não serão suficientes para colmatar as saídas. Por isso, em 2031, as escolas terão de lidar com um problema muito mais grave do que o atual.

Se em 2021, a falta de professores se sentia, apenas aquando da substituição de quem faltava, em 2031, a situação ganhará escala e será um problema estrutural, de acordo com a investigação coordenada por Isabel Flores. Em 2021 faltavam três mil docentes, mas, em 2031, “assistiremos a 8700 professores por colocar em vagas permanentes e à falta de 15700 professores para substituir colegas ausentes”, lê-se no estudo, que aponta para muito mais alunos sem aulas, em especial, entre o 7.º ano e o 12.º.

Porém, os investigadores, que compararam as necessidades das escolas e os professores disponíveis e com formação necessária, preveem que a falta de docentes se agravará, já dentro de dois anos, a algumas disciplinas. E, tendo analisado a situação do ano letivo 2023-2024, concluíram que, já então, “não foi possível substituir grande parte dos professores”.

O problema notou-se menos entre as crianças, porque há mais docentes de educação Pré-Escolar e do 1.º Ciclo, mas, ainda assim a taxa de sucesso de substituição de professores pedidos pelas escolas foi de só de 83% e de 88%, respetivamente. No 2.º Ciclo, a taxa desceu para 67%, uma média que esconde realidades, como as carências em Português e em Inglês, com as escolas a substituírem só 37% dos pedidos. Mas é a partir do 7.º ano que a situação se agrava, em especial para as disciplinas de Economia, de Geografia, de Informática, de Matemática, de Biologia e Geologia, e Física e Química. E o grupo de Informática está em carência em todo o país, destacando-se as escolas do Sul que apenas substituíram cerca de 10% dos professores em falta.

Deambulando pelo país, notam-se desigualdades regionais. O Baixo Alentejo é onde faltam mais educadores, para a Educação Pré-escolar (35% não foram substituídos), e o litoral destaca-se pela carência de docentes para o 1.º Ciclo, tal como a Área Metropolitana de Lisboa (AML) e o Sul.

As zonas de Lisboa, do Alentejo e do Algarve estão, há muito, identificadas como as mais carenciadas, porque é no Norte que a maioria dos alunos conclui a formação exigida para dar aulas, não querendo, depois, afastar-se de casa. Nessas zonas carenciadas, haverá problemas, em 2026, nas áreas das Artes, da Informática e das Humanidades; e, em 2029, nas disciplinas de Ciências. Para cobrir as necessidades no grupo de Economia, o país teria de formar, até 2030, dez vezes mais professores; e no de Física e Química, 6,5 vezes mais. No país, apenas metade dos mestrados de ensino têm alunos inscritos. No 3.º Ciclo e no Ensino Secundário, dos 2640 mestrados, 43% eram de Educação Física. E eram zero os mestrados a funcionar a Sul de Lisboa.

Perante este cenário, a Edulog faz algumas recomendações, como aumento do número de vagas nos cursos de formação de professores, sobretudo em áreas mais críticas. Porém, o impacto desse eventual aumento de vagas só poderá sentir-se daqui a três ou cinco anos para professores.

A criação de incentivos financeiros, a melhoria das condições de trabalho e oportunidades de progressão na carreira são outras das propostas feitas pelos investigadores.

O estudo não considerou as medidas do atual governo, como o plano “Mais Aulas, Mais Sucesso”, para reduzir os alunos sem aulas, ou o apoio financeiro aos professores deslocados. Estas medidas “têm um impacto meramente conjuntural”, ou seja, “o problema estrutural continua lá”, declarou à Lusa o porta-voz do Edulog, David Justino, ex-ministro da Educação, para quem as medidas da equipa de Fernando Alexandre têm “um efeito conjuntural, permitindo que se adotem, em devido tempo, outro tipo de medidas com maior impacto estrutural”. Assim, o estudo recomenda a criação de uma estratégia nacional para a gestão das reservas de recrutamento dos professores.

Os investigadores analisaram também a falta de professores noutros países – desde a Lituânia à Alemanha, passando pela Nova Zelândia, pelo Reino Unido e até pelo estado de Washington, nos Estados Unidos da América (EUA) – e concluíram que nenhum dos países estudados resolveu, na íntegra, o problema, mesmo depois de 30 anos de variadas políticas públicas. Todavia, concluíram que as políticas que preveem o pagamento dos custos de deslocação aparentam ter sucesso na redistribuição territorial dos professores.

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Já em 2021, se apontava que mais de metade da classe estaria aposentada dentro de 10 anos e que a substituição natural não estava a acontecer. A carreira não é atrativa, os cursos estão sem gente que queira dar aulas, a burocracia encrava procedimentos e acresce o desgaste da imagem e a desvalorização da docência. Estimava-se que, nos próximos 10 anos, estariam aposentados 58% dos professores, mais de metade da classe. A falta de professores é, pois, um problema que se agrava, ano após ano, e as consequências podem ser complexas.

Segundo Paula Carqueja, presidente da Associação Nacional de Professores (ANP), há várias explicações: a não atratividade da profissão desgastada e desgastante; a instabilidade de colocação, de horário; o magro vencimento; as exigências de resposta a outras atividades que ultrapassam a função docente; a falta de condições laborais; a distância da residência; a falta de apoios financeiros às deslocações ou à residência fora do domicílio, o que a maioria das profissões tem: ajudas de custo, viatura, seguro de saúde, seguro de risco, etc.

Entre as várias razões, ressalta a informação repetida de que havia excesso de docentes e falta de vagas, a degradação do estatuto profissional e social dos professores e a falta de investimento dos governos na Educação e de uma ação estratégica concreta e na aplicação de medidas que suscitem o aliciamento dos jovens para a docência. O desprestígio da profissão é crasso e ser professor é ter muita responsabilidade e obrigação, mas pouca valorização. Há poucos alunos nos cursos que habilitam para a docência, porque “o horizonte profissional é desmotivador”, e é mínimo o investimento das instituições do ensino superior, que é essencial e desejável, na formação de professores. O impacto de tudo isso reforçará as desigualdades. “Um país sem professores é um país sem desenvolvimento cultural, científico, social e económico. Sendo a Educação de um país a sua riqueza principal e fundamental, podemos considerar que o nosso país será um país empobrecido a todos os níveis”, adverte a presidente da ANP.

A legislação que rege o concurso de docentes tem sido reformulada e melhorada para os futuros professores terem uma visão global no acesso ao mercado de trabalho e à carreira docente. Porém, isso ainda é insuficiente. É, pois, urgente (e já é tardia) uma reflexão política para o encontro e promoção de soluções, para reforço desta profissão, que deve ser central para o século XXI. Não se pode repetir o sucedido nas décadas de 70/80 do século XX, quando houve a necessidade de contratar pessoas com habilitações académicas multidisciplinares, qualificadas insuficientemente ou deficientemente e sem conhecimentos pedagógicos.

A presidente da ANP aponta vias para a atratividade da função docente: remuneração adequada às exigências atuais e ao custo de vida; menos burocracia na docência; e uma profissão mais prestigiada, valorizada e dignificada pelos governos e pela opinião pública. É preciso reconhecer esta profissão como fundamental no desenvolvimento da sociedade, valorizar o professor, clarificar a componente letiva e não letiva, nos horários de trabalho, rever as habilitações de acesso à profissão e apostar em campanhas nos media, para sensibilizar jovens estudantes para a opção e para importância de ser professor e em campanhas nas escolas, promovidas pela tutela, “para fomentar o interesse nos jovens em serem professores”.

Manuel Pereira, presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE), sustenta que só quem anda muito distraído não terá percebido que a falta de professores não é problema de hoje, mas que se arrasta e que piora de ano para ano. Com o estimado volume de aposentações, não haverá professores disponíveis para ocupar tais lugares. As escolas superiores de educação (ESE) estão vazias e quem entra não elege a docência como primeira opção. “A Educação não pode sobreviver com legionários que vão para cursos de docência, porque não têm outra solução.”

A maioria dos professores não aceita horários incompletos ou temporários, são períodos muito curtos, há despesas com deslocações e todos os custos associados. A tutela deve tentar que os horários incompletos, sobretudo na AML, uma das mais fustigadas com a falta de professores, sejam considerados completos. Eu penso que isso deve acontecer, se houver um só horário completo no respetivo grupo de docência e na substituição de professores com componente letiva inferior a 22 horas. Por outro lado, as autarquias e as associações de municípios devem arranjar formas de cativar professores para os seus territórios – à semelhança do que foi feito quando não havia médicos no interior do país – “que forneçam habitação ou financiem habitação”.

Outra forma de contornar a falta de professores, como medida imediata, segundo Manuel Pereira, será convidar professores aposentados para darem aulas de algumas horas em disciplinas chave, do que discordo, pois os professores, regra geral, chegam cansados à aposentação, que é, tantas vezes, antecipada. E alguns prolongam o serviço ativo para lá da idade legal da aposentação / reforma, por meios pouco ortodoxos, para engrossarem um pouco a pensão.

Diz o presidente da ANDE que as escolas devem ter autorização imediata para avançarem para a oferta de escola, a fim de preencherem horários sem esperas ou perdas de tempo. Concordo.

Manuel Pereira, lembrando que, muitas vezes, as administrações escolares esbarram na legislação e que é necessária maleabilidade para tomar decisões pontuais, a título excecional, teme que o país recue aos anos 80 do século XX, com gente a vestir a pele de professores sem habilitações. “Ou se prepara o futuro de imediato ou a situação agudiza-se a cada dia que passa”, diz, sustentando que, “se ontem o cenário era mau, hoje é ainda pior”. Por isso, há que atuar já, para estimular a carreira docente, para diminuir a burocracia, que encrava procedimentos, e para dignificar a imagem do professor.

Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), refere que há um problema estrutural e um problema conjuntural que pode ser resolvido, de imediato, por exemplo, pela contratação de escolas, na reserva de recrutamento, contornando a espera que pode durar duas semanas e duas rejeições de horários. A questão é que “não houve investimento na carreira docente, na profissão”. “Os ministérios não deram valor, até desvalorizaram a função de professor e a respetiva carreira”, refere Filinto Lima, defendendo a abertura da vinculação extraordinária. A norma-travão deve ser atualizada, para permitir que professores contratados há 10, 15, ou mais anos, entrem nos quadros [temos pirâmides de professores nas reservas de 40 a 50 anos à espera]. E as autarquias das zonas mais afetadas devem arranjar formas de atrair quem ensina, encontrar mecanismos de fixação de professores.

O presidente da ANDAEP receia um retrocesso complexo e difícil de entender. Não podemos regressar ao final do século XX, quando tínhamos professores com habilitações mínimas. É preciso atuar já. Nos périplos de Norte a Sul do país, a ANDAEP percebeu que o problema é grave e que piora. Há anos que tem alertado para a falta de professores e para as suas consequências. “É um problema nacional, não é deste governo ou deste ministério, é um problema que deve envolver todos os participantes, políticos, professores e a própria sociedade”, defende.

O professor Paulo Guinote atira direto: “A falta de professores resulta de uma política errada de gestão dos recursos humanos, ao longo dos últimos 20 anos, porque se associou uma desconsideração pública dos professores à proletarização crescente da sua condição material. Ainda há poucos anos, tínhamos dezenas de candidatos ao concurso externo que ficavam por colocar”, refere, acrescentando: “Com o argumento de serem ‘caros’, os professores sofreram uma dupla penalização: os contratados viram as suas condições de trabalho serem cada vez mais precárias, desde a forma como são colocados a concurso os horários à própria contagem do tempo de serviço (para efeitos de concurso ou mesmo para a Segurança Social); os professores de carreira viram a sua progressão ser estrangulada, enquanto desapareciam anos completos de trabalho realizado.”

A falta de atração para a carreira não é de estranhar e as consequências mais graves não se ficam pelo envelhecimento da classe, pois há um corte geracional entre os professores, em que muita experiência se perde e não é compensada pela ‘formação’ (inicial ou contínua), assegurada, há décadas, pelas mesmas pessoas, ultrapassadas nas suas conceções da docência.

A profissão tem de ser atrativa. Há maneiras de abordar o assunto e de o resolver: dignificar o trabalho dos professores contratados, reduzindo a precariedade que leva a serem colocados em duas ou três escolas para completarem um horário; não mudar regras dos concursos, no sentido de dificultar a vinculação ou de conseguir horários completos na contratação; e alterar o discurso político que menoriza os professores, como peças facilmente substituíveis.

Para Alexandre Henriques, autor do blogue “ComRegras”, o problema está na falta de interesse dos jovens pela docência, mercê da carreira pouco atrativa, a nível financeiro, sobretudo, no início da carreira; desgaste da imagem social do professor; aumento da indisciplina; elevada burocracia e falta de confiança no trabalho docente, onde tudo tem de ser justificado; e quase obrigatoriedade de deixar a família no início da carreira. Contudo, a questão a colocar não é o motivo da falta de professores, mas quais os motivos para que nada tenha sido feito para resolver o problema.

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Enfim, a Educação é o tesouro que a guardar e a proteger, mas é, sobretudo, uma tarefa que deve envolver a comunidade, suscitar o empenho dos decisores políticos e o zelo dos seus atores.

2024.10.29 – Louro de Carvalho

terça-feira, 29 de outubro de 2024

Israel hostiliza a ONU a nível bélico e a nível legislativo

 

No fim de semana de 26-27 de outubro, a Força Interina das Nações Unidas no Líbano (UNIFIL, na sigla inglesa, para United Nations Interim Force in Lebanon) acusou as Forças de Defesa de Israel (FDI) por terem forçado a entrada numa das posições da missão, destruindo o portão principal e causando ferimentos ligeiros a, pelo menos, 15 soldados.

O incidente ocorreu após o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, ter acusado esta missão de manutenção da paz da Organização das Nações Unidas (ONU) no Líbano de “fornecer escudos humanos aos terroristas do Hezbollah” e ter exigido a sua retirada do Sul do Líbano, onde o exército israelita está a levar a cabo uma invasão terrestre contra a milícia apoiada pelo Irão.

Numa mensagem de vídeo, Netanyahu apelou ao secretário-geral da ONU, António Guterres, para “retirar as forças da UNIFIL do caminho do perigo”, o que “deve ser feito agora mesmo, imediatamente”.

No dia 27, à noite, Josep Borrell, chefe da diplomacia da União Europeia (UE) repreendeu duramente Netanyahu, vincando que a UNIFIL está sob o comando direto do Conselho de Segurança (CS) e não do secretário-geral. “Quero lembrar a todos que não é o secretário-geral das Nações Unidas que decide sobre a permanência ou não desta missão. É o Conselho de Segurança que tem de tomar este tipo de decisões”, disse Borrell aos jornalistas, acrescentando: “Por isso, parem de culpar o secretário-geral, Guterres, porque é o Conselho de Segurança que toma este tipo de decisões, não é ele pessoalmente.”

A ira de Borrell foi replicada pelos ministros dos Negócios Estrangeiros, à chegada ao Luxemburgo, que utilizaram a palavra “inaceitável” para expressar o seu descontentamento.

“Isto é inaceitável e deve parar e deve ser investigado o mais rapidamente possível”, declarou Caspar Veldkamp, dos Países Baixos, revelando que tinha telefonado ao homólogo israelita, Israel Katz, para expressar o seu descontentamento. “Isto tem de acabar”, frisou.

José Manuel Albares, de Espanha, afirmou que o trabalho da UNIFIL é “válido e necessário em tempo de guerra” e que qualquer violência dirigida contra a missão é “contrária ao direito internacional” e não deve repetir-se. Além disso, “o Líbano é um Estado soberano”, sublinhou.

Os ministros da Letónia, da Suécia e do Luxemburgo juntaram as suas vozes à condenação europeia, em consonância com a declaração publicada por Borrell, que Micheál Martin, da Irlanda, disse que poderia ter sido “muito mais forte”.

“Acreditamos, hoje, que a segurança de Israel não pode ser garantida apenas pelo uso da força”, disse o francês Jean-Noël Barrot aos jornalistas, esclarecendo: “O uso da força deve dar lugar ao uso do diálogo e da negociação, e é por isso que, tal como a maioria dos países do Mundo, estamos hoje a apelar a um cessar-fogo em Gaza, tal como no Líbano.”

O austríaco Alexander Schallenberg, cujo país é um dos mais fortes apoiantes de Israel no bloco, classificou os ataques contra a UNIFIL como “simplesmente inaceitáveis”. “Não, eles não se vão retirar. Sim, vão continuar a cumprir o mandato”, disse Schallenberg à chegada, garantindo: “E sim, exigimos a todas as partes que respeitem este mandato e respeitem a segurança e a proteção dos nossos capacetes azuis.”

A UNIFIL é uma missão internacional criada pelo CS da ONU, em 1978, para restaurar a paz e a segurança no Sul do Líbano, perto da fronteira israelita. É composta por 10 mil soldados da paz de 50 nacionalidades, incluindo 16 países da UE. “O seu trabalho é muito importante. É completamente inaceitável atacar as tropas das Nações Unidas”, afirmou Borrell, no dia 28, de manhã, antes da reunião de ministros dos Negócios Estrangeiros no Luxemburgo.

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UNIFIL foi criada pela ONU pela resolução 425 do CS, adotada em 19 de março de 1978, dias após a invasão israelita no sul do Líbano. No mesmo dia, o CS adotava uma segunda resolução, a 426, que fixava em seis meses o período inicial da missão.

Israel alegava que procurava proteger o Norte do seu território dos combatentes da Organização para a Libertação da Palestina (OLP). Porém, o objetivo da UNIFIL era ajudar o exército libanês a mobilizar-se ao longo da fronteira com Israel e velar pela instauração da segurança e a paz na região. Ao ser criada, contava com seis mil soldados, que chegaram a sete mil, em 1982.

Três meses após a retirada israelense do Sul do Líbano, em maio de 2000, a UNIFIL ocupou a fronteira, assumindo a missão que recebera da ONU, há 22 anos. Em 31 de janeiro de 2006, o CS da ONU prorrogou por mais seis meses o mandato da UNIFIL.

Os capacetes azuis da UNIFIL atuam, de forma frequente, como desativadores de minas terrestres, como socorristas ou como “trabalhadores humanitários” de ajuda à população local. Desde a sua criação, a UNIFIL já perdeu mais de 250 soldados, 80 dos quais em ataques.

Após a Guerra do Líbano, de 2006, a Força Tarefa Marítima da UNIFIL (em Inglês: Maritime Task Force, ou MTF) foi criada para auxiliar a Marinha do Líbano na prevenção do contrabando de transferências ilegais, em geral, e de embarques de armamento, em particular. Com a sua criação, em outubro de 2006, a força era liderada pela Marinha Alemã, que foi a principal contribuinte para a força. Os alemães lideraram a MTF até 29 de fevereiro de 2008, quando passaram a controlar a EUROMARFOR – força composta por navios de Portugal, da Espanha, da Itália e da França (dos quais os três últimos países enviaram navios para a força no Líbano). Desde maio de 2008, a Marinha Alemã ainda continua a ser a maior contribuinte para a MTF da UNIFIL, com quatro navios. Estes navios são complementados por dois italianos, dois gregos, um francês, um espanhol, um búlgaro, um navio turco e um brasileiro, o Fragata Liberal, que compõem as 13 embarcações da MTF da UNIFIL.

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Os ministros dos Negócios Estrangeiros de 43 Estados da União para o Mediterrâneo (UPM) reuniram-se, em Barcelona, para abordar os desafios regionais. E Josep Borrell, chefe da diplomacia da UE, condenou o exército israelita pelo ataque à UNIFIL no Líbano, neste fórum.Dizer que há ataques contra a UNIFIL sem dizer quem os está a fazer é esconder parte da verdade, e quem os está a fazer é o exército israelita e, portanto, o exército israelita deve ser condenado”, sublinhou.

Israel defendeu a sua presença militar no sul do Líbano e os ataques às posições do Hezbollah no país vizinho como necessários, para se defender da ameaça dos militantes apoiados pelo Irão. Há muito que Israel acusa a UNRWA em Gaza de ter militantes do Hamas infiltrados. Porém, Borrell reiterou que irá pedir à UE que estabeleça sanções contra os responsáveis pelos colonos israelitas na Cisjordânia, bem como contra dois membros do governo israelita, o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, e o ministro da Defesa Itamar, Ben-Gvir.

O ministro dos Negócios Estrangeiros de Espanha afirmou que o seu país renovou o compromisso com a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA) que é indispensável para milhões de refugiados palestinianos na região.

“O direito internacional humanitário nasceu do sofrimento da Europa. Por isso, é imperativo que a Europa se coloque ao lado do direito internacional e impeça as suas violações”, acrescentou Ayman Safadi, ministro dos Negócios Estrangeiros da Jordânia.

Por último, Nasser Kamel, secretário-geral da UPM, falou da solução de dois Estados no Médio Oriente. “Todos sabemos que os parâmetros do remédio se baseiam numa solução de dois Estados e no direito do povo palestiniano a exercer a autodeterminação”, vincou.

O primeiro-ministro israelita participou no dia 28, numa cerimónia fúnebre em Jerusalém, em memória dos soldados e civis mortos a 7 de outubro e durante as ofensivas em Gaza. “Não vamos desistir da missão de vitória e uma componente central da missão de vitória é o regresso de todos os nossos reféns, tanto os vivos como os mortos, a Israel”, disse Netanyahu.

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No dia 18 de outubro, um porta-voz das forças de manutenção da paz da ONU disse que estavam a manter as suas posições no sul do Líbano, apesar dos avisos dos Israelitas para se afastarem. E os ministros da Defesa do G7 manifestaram preocupação com a segurança das forças de manutenção da paz da ONU no Líbano, na sequência de uma série de ataques das FDI.

Em declaração conjunta emitida após a sua primeira reunião na cidade italiana de Nápoles, vincaram que “a proteção das forças de manutenção da paz compete a todas as partes em conflito”.

“Estamos preocupados com os últimos acontecimentos no Líbano e com o risco de uma nova escalada. Reiteramos o nosso apelo a uma cessação total das hostilidades, em conformidade com a aplicação integral da Resolução 1701 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, e a uma solução diplomática para os combates, reconhecendo o papel estabilizador fundamental das Forças Armadas libanesas e reafirmando o papel essencial da UNIFIL”, afirma a declaração.

O chefe da política externa da UE, Josep Borrell, sugeriu que a UNIFIL poderia ser mais eficaz, mas afirmou que cabe ao CS da ONU tomar decisões sobre o seu futuro.

O porta-voz da FINUL, Andrea Tenenti, afirmou que os 50 países que contribuem com tropas e o Conselho de Segurança tomaram uma decisão “unânime”, no sentido de manter as suas posições, como parte do seu objetivo de monitorizar o conflito e trabalhar para garantir que a ajuda humanitária chega aos civis necessitados. Porém, Israel acusou a UNIFIL de ser ineficaz em travar as atividades do Hezbollah e alegou que o grupo possui infraestruturas militares muito próximas das bases das forças de manutenção da paz.

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Não é só pelos ataques à UNIFIL que Israel é objeto de críticas. A 28 de outubro, o parlamento israelita aprovou legislação que pode ameaçar o trabalho da principal agência da ONU que presta ajuda à população de Gaza, impedindo-a de operar em solo israelita. O projeto de lei proíbe a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA) de realizar “qualquer atividade” ou prestar qualquer serviço dentro de Israel.

A legislação, que não entrará em vigor imediatamente, pode comprometer o frágil processo de distribuição de ajuda, numa altura em que a crise humanitária em Gaza está a agravar-se e Israel se encontra sob crescente pressão dos Estados Unidos da América (EUA) para aumentar a ajuda. Por isso, a ONU já criticou duramente a decisão de Israel.

O projeto foi aprovado por 92 votos a favor e 10 contra, na sequência de aceso debate entre os apoiantes da lei e os opositores, que são, na maioria, membros de partidos parlamentares árabes.

Estava também a ser votado, no mesmo dia, um segundo projeto de lei que cortava os laços diplomáticos com a UNRWA. EM conjunto, estes projetos de lei representariam um novo ponto baixo nas relações entre o estado israelita e a UNRWA, que Israel acusa de manter laços estreitos com os militantes do Hamas. As alterações legislativas constituiriam também um rude golpe para a agência e para os Palestinianos de Gaza, que passaram a depender da sua ajuda ao longo de mais de um ano de guerra devastadora.

Mais de 1,9 milhões de Palestinianos estão deslocados das suas casas e Gaza enfrenta uma escassez generalizada de alimentos, água e medicamentos.

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Enfim, nem os ataques à UNIFIL devem ser tolerados, nem os projetos de lei que dificultem a ação da UNRWA fazem sentido numa região onde as pessoas, deslocadas, feridas e doentes precisam de ajuda humanitária, cada vez mais necessária, mais escassa e mais dificultada. Por isso, a ONU, a UE, a UPM e os ministros da Defesa do G7 expressam a preocupação com todas as ameaças à segurança da UNIFIL (ainda tem ali um papel e uma missão a cumprir) e renovaram o apoio à missão “para garantir a estabilidade do Líbano”. Com efeito, uma eventual retirada dos capacetes azuis abrirá o caminho à reocupação do território Sul do Líbano sem a presença de terceiros elementos, como as forças da ONU, como afirmou à Euronews Enzo Moavero Milanesi, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros italiano e, atualmente, professor de Direito Comunitário na Universidade LUISS de Roma.

2024.10.28 – Louro de Carvalho

segunda-feira, 28 de outubro de 2024

 

As eleições legislativas do dia 26 de outubro, na Geórgia, são consideradas por especialistas como fundamentais para saber se, no futuro, o país se volta para o Ocidente e entra na União Europeia (UE) ou se torna a cair na órbita da Rússia.

Segundo a Comissão Eleitoral Central (CEC), o partido Sonho Georgiano ganhou com 52,99%, com a maioria dos votos contados. Porém, a oposição pró-europeia contesta os resultados e recusa-se a reconhecer a derrota, atribuindo-a a “resultados distorcidos de eleições roubadas”.

A recusa da oposição pró-europeia em aceitar os resultados foi anunciada após as autoridades terem afirmado que o partido no poder, Sonho Georgiano, liderava a votação. “Não reconhecemos os resultados distorcidos de eleições roubadas”, declarou Tina Bokuchava, líder do Movimento Nacional Unido (MNU), numa conferência de imprensa. Por sua vez, o líder do partido Akhali, também na oposição, denunciou “uma usurpação do poder e um golpe constitucional”.

A campanha pré-eleitoral no país do Cáucaso do Sul, com 3,7 milhões de habitantes e que faz fronteira com a Rússia, foi dominada pela política externa e marcada por acesa luta pelos votos e por alegações de uma campanha de difamação.

Alguns Georgianos queixaram-se de intimidação e de terem sido pressionados a votar no Sonho Georgiano, enquanto a oposição acusou o partido de levar a cabo uma “guerra híbrida” contra os seus cidadãos. E o maior partido da oposição, o MNU, afirmou que a sua sede foi alvo de ataques no dia das eleições.

Muitos Georgianos encaravam a votação como decisivo referendo sobre a oportunidade de aderir à UE. Os números iniciais sugeriam que a afluência às urnas fora a mais elevada desde que o partido no poder, Sonho Georgiano, foi eleito, pela primeira vez, em 2012.

A oposição declarou, inicialmente, a vitória pouco depois do encerramento das urnas, às 20h00.

Confirmada a vitória, o Sonho Georgiano terá a maioria parlamentar que alimentará os receios quanto à candidatura do país para aderir à UE, já que o partido se tem tornado cada vez mais autoritário, adotando leis semelhantes às da Rússia, para reprimir a liberdade de expressão e para combater a comunidade LGBT.

Em 2023, a UE concedeu à Geórgia o estatuto de país candidato à adesão, mas a candidatura foi congelada, em resposta à lei dos “agentes estrangeiros”, aprovada, em maio, pelo Parlamento georgiano, que exige que os media e as organizações não-governamentais (ONG) que recebam mais de 20% do seu financiamento do estrangeiro se registem como agentes de influência estrangeira. A lei foi criticada pela UE, afirmando que imita a legislação da Rússia. Mas Bidzina Ivanishvili, fundador do Sonho Georgiano, reivindicou a vitória quase logo após o fecho das urnas e disse: “É raro, no Mundo que o mesmo partido consiga tal sucesso numa situação tão difícil.”

Do seu lado, Tina Bokuchava, presidente do partido da oposição MNU, acusando a CEC de cumprir a “ordem suja” de Ivanishvili, afirmou que este “roubou a vitória ao povo georgiano e, consequentemente, roubou o futuro europeu”, pelo que a oposição não reconhecerá os resultados e que “vai lutar como nunca”, para recuperar o futuro europeu. Com efeito, os observadores eleitorais georgianos, que colocaram milhares de pessoas em todo o país, para monitorizar a votação, apontaram múltiplas violações e que os resultados não correspondem à vontade do povo.

Os media georgianos informaram que duas pessoas foram hospitalizadas depois de terem sido atacadas à porta das assembleias de voto, uma na cidade ocidental de Zugdidi e a outra em Marneuli, cidade a Sul da capital, Tbilisi. Houve relatos de múltiplas irregularidades na votação. Um vídeo partilhado nas redes sociais mostrava um homem a colocar os boletins de voto numa caixa numa assembleia de voto, em Marneuli. O Ministério do Interior da Geórgia declarou ter iniciado uma investigação. E a CEC indicou que tinha sido aberto um processo criminal e que todos os resultados da assembleia de voto seriam declarados inválidos.

Antes das eleições parlamentares, Bidzina Ivanishvili – o bilionário obscuro que criou o Sonho Georgiano e fez fortuna na Rússia – prometeu, novamente, proibir os partidos da oposição, caso o seu partido ganhasse.

Ora, de acordo com as sondagens, cerca de 80% dos Georgianos são a favor da adesão à UE e a Constituição do país obriga os seus dirigentes a aderir a esse bloco e à Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), o que é contrariado pelos resultados eleitorais.

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A CEC anunciou, na manhã do dia 27, que o partido no poder, o Sonho Georgiano, obteve confortável maioria nas eleições do dia 26, com 53,9% dos votos, com base em 99% das mesas de voto contadas, estando ainda por contabilizar os votos da diáspora georgiana no estrangeiro. E os quatro principais partidos da oposição, que tinham planeado unir-se para retirar o Sonho Georgiano do poder, reuniram 37%.

O cenário estava montado para a agitação, já que os quatro partidos da oposição se recusaram, imediatamente, a reconhecer os resultados, alegando que tinham sido manipulados e falsificados.

Pouco tempo antes de o Sonho Georgiano reclamar a maioria, os quatro partidos da oposição aplaudiram-se e felicitaram-se, mutuamente, nas suas sedes, com base em resultados de sondagens à boca das urnas, que mostravam um resultado dramaticamente diferente.

Uma sondagem da Edison mostrava os quatro partidos da oposição com 51,9% dos votos e o partido no poder com 40,9%

A CEC afirmou, anteriormente, que 90% dos votos estariam disponíveis, duas horas após o encerramento das urnas, mas divulgou os resultados completos várias horas mais tarde.

Os membros dos partidos da oposição chamaram a atenção para o número inesperadamente elevado de votos no Sonho Georgiano em zonas, como Tbilíssi, consideradas bastiões da oposição. E uma sondagem da HarrisX para canais pró-oposição atribuiu ao partido no poder 42% dos votos e aos grupos da oposição 48%. “Analisámos os dados destas circunscrições e há uma grande discrepância, em relação aos dados que temos. Em alguns casos, há zonas em Tbilíssi onde o Georgian Dream está a ganhar por 45% dos votos, quando sabemos que a maioria dos votos da oposição veio da capital”, disse à BBC Dritan Nesho, da HarrisX, sobre os resultados preliminares.

Os partidos da oposição afirmaram que os resultados foram manipulados, tendo a presidente do MNU afirmado que “não aceitaremos os resultados destas eleições”, que foram “roubados”.

Vários grupos de observadores eleitorais afirmaram que se registaram incidentes de violação, no momento em que os Georgianos votavam. Um vídeo de alguém a encher uma urna de voto, em Marneuli, tornou-se viral quando a votação estava a decorrer, tendo o Ministério do Interior anunciado que seria feita uma investigação ao incidente e que todos os votos dessa assembleia de voto seriam declarados inválidos. E My Vote, uma missão de observação local composta por várias organizações da sociedade civil da Geórgia, apelou à anulação dos resultados, com base em vários incidentes de manipulação dos eleitores e de assédio nas assembleias de voto.

O Parlamento Europeu (PE) confirmou que as eleições foram acompanhadas por observadores nacionais e internacionais, incluindo uma delegação do PE.

O Gabinete das Instituições Democráticas e dos Direitos Humanos disse à Euronews que tinha 380 pessoas a observar as eleições, juntamente com outros observadores internacionais. Os resultados oficiais foram divulgados no dia 27.

O partido no poder e a oposição enquadraram as eleições nos termos mais duros, com Ivanishvili a acusar, num comício em Tbilíssi, antes da votação, os partidos da oposição de crimes de guerra contra o povo georgiano e a afirmar que os proibiria, se o Sonho Georgiano obtivesse uma maioria constitucional.

A oposição reagiu aos resultados em termos duros, com o líder da Coligação para a Mudança, Nika Gvaramia, a afirmar que “as eleições foram roubadas”. E a presidente do MNU, Tina Bokuchava, acusou a CEC de levar a cabo o trabalho sujo de Ivanishvili e disse que a oposição iria “lutar como nunca antes, para recuperar o futuro europeu”.

As eleições foram consideradas pela oposição como um momento crucial para a adesão da Geórgia à UE. Todavia, o Sonho Georgiano afirma que está empenhado na adesão da Geórgia à UE, alegando que quer aderir ao bloco nos seus próprios termos.

Os partidos da oposição, que subscreveram a “Carta da Geórgia” da presidente Salomé Zurabishvili, antes das eleições, afirmaram todos que, se obtivessem a maioria, efetuariam reformas imediatas, para reabrir as negociações de adesão da Geórgia à UE. No entanto, se a maioria do Sonho Georgiano se mantiver, não é claro como irão progredir as ambições da Geórgia em relação à UE. E os líderes europeus têm-se mantido relativamente silenciosos, em relação aos resultados das eleições, tendo apenas o húngaro Victor Orbán felicitado o Sonho Georgiano, numa publicação no X.

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Os resultados baseados no voto eletrónico, que afeta 90% da população, dão a vitória ao partido Sonho Georgiano, considerado pró-russo. A CEC anunciava, no dia 16, após o encerramento das urnas, que o partido no poder, obteve 52,99% dos votos, mas ressalvava que o anúncio era preliminar, depois de 97% dos votos eletrónicos (utilizados por 90% dos eleitores) terem sido contados. Os Georgianos votaram no interior do país por via eletrónica e utilizando cédulas de papel, mas nem todos os votos expressos pelos Georgianos no estrangeiro tinham sido contados.

A presidente da Geórgia, Salomé Zurabishvili, afirmou, no dia 27, que o país foi vítima de uma “operação especial” russa, dizendo que não reconhece os resultados da votação, que deu a vitória ao partido no poder. E, nesta situação, apelou aos Georgianos para que se manifestassem às 19 horas do dia 28, na rua principal da capital, Tbilíssi, para protestar contra o resultado, que considerou ser uma “falsificação total, um roubo total dos vossos votos”.

Os resultados finais foram anunciados a meio do domingo, dia 27, com uma vitória por 53,9% do Sonho Georgiano. Entretanto, a Coligação para a Mudança (oposição), que ficou no segundo lugar, anunciou que desistia dos mandatos parlamentares ganhos, em protesto contra a alegada fraude nas eleições, de acordo com o anunciado pela cabeça-de-lista Nana Malashkhia.

Embora os membros da delegação de observadores tenham afirmado que a votação no dia das eleições foi, de um modo geral, bem organizada, chamaram a atenção para um ambiente tenso e de pressão, antes do dia da votação, bem como para vários casos de intimidação e inconsistências processuais durante o próprio dia.

Em 24% dos casos analisados por uma delegação do Gabinete das Instituições Democráticas e dos Direitos Humanos da Organização para a Segurança e a Cooperação (OSCE), o sigilo dos eleitores foi considerado comprometido. E Antonio López-Isturiz White, que representou uma delegação de observadores do PE, salientou o ambiente tenso e muito polarizado para os eleitores.

Os observadores assinalaram a existência de condições de concorrência desiguais, com o partido no poder a dispor de recursos financeiros significativamente mais elevados no período que antecedeu as eleições. Embora tenha havido um claro enviesamento político em todos os meios de comunicação social nacionais na Geórgia, foi dedicado muito mais tempo de antena ao partido no poder, no período que antecedeu as eleições.

Os observadores não responderam a perguntas sobre o impacto das suas conclusões na formação do novo governo, mas prepararão relatórios separados e monitorizar o ambiente pós-eleitoral.

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Com um partido pró-russo no poder e a pretender a adesão à UE, é difícil prever o futuro da Geórgia. Quererá o bloco ter como estado-membro um país que jogue nos dois tabuleiros?

2024.10.27 – Louro de Carvalho

domingo, 27 de outubro de 2024

Líderes ocidentais e do Médio Oriente advertem contra escalada

 

A 25 de outubro,  após meses de ataques do regime no Irão contra o Estado de Israel e vice-versa, as Forças de Defesa de Israel (IDF) bombardearam alvos militares iranianos nas regiões de Teerão, de Cuzestão e de Ilam, incluindo locais de fabrico de mísseis e de defesas aéreas, o que acarretou a morte de quatro soldados iranianos. Teerão admitiu “danos limitados”, lamentou a morte dos seus militares e afirmou ter “o direito e a obrigação de se defender contra atos agressivos externos”. Porém, não falou em retaliação.

Segundo Israel, os ataques aéreos foram resposta à barragem de mísseis balísticos que a República Islâmica disparou contra o país no início do mês. Os militares israelitas afirmaram que os seus aviões visaram instalações que o Irão utilizava para fabricar mísseis disparados contra Israel, bem como locais de mísseis terra-ar. Não houve indicação imediata de que tivessem sido atingidas instalações petrolíferas ou de mísseis, caso em que os ataques que teriam marcado uma escalada muito mais grave. E Israel não fez qualquer avaliação imediata dos danos.

De acordo com o site  norte-americano Axios, Israel terá avisado, previamente, o Irão do ataque e alertou contra qualquer retaliação. Apesar de pressionado, a nível interno, para retaliar, atacando o programa nuclear ou os campos de petróleo do Irão, o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, optou por só visar alvos militares, o parece mostrar o efeito da pressão diplomática dos Estados Unidos da América (EUA) ao chefe do governo de Israel

Eram 2h15, os media iranianos reportaram as primeiras explosões em Teerão. Quase logo a seguir, as FDI confirmavam estar a proceder a um “ataque preciso”. Algumas horas depois, segunda onda de ataques atingiu as regiões do Cuzestão e Ilam. Terão sido atingidos cerca de 20 alvos, incluindo locais onde se fabricam os mísseis balísticos, drones e sistemas de defesa. Pelas 6h00 horas, Israel dizia ter terminado o ataque e atingido os objetivos, anunciando o regresso dos 140 caças, de aviões reabastecedores e de aviões espiões usados para o bombardeamento, a mais de 1600 quilómetros de distância.

Além da morte de quatro soldados, o Irão admitiu “danos limitados” e “alguns sistemas de radares danificados”, alegando que os sistemas de defesa “intercetaram e combateram, com êxito, os ataques” – o que Israel rejeita. “Penso que mostrámos que a nossa determinação para nos defendermos não tem limites”, declarou o chefe da diplomacia, Abbas Araghchi. Mais cedo, o seu ministério insistia que o Irão tinha “o direito e a obrigação” de se defender, reconhecendo “a sua responsabilidade para com a paz e segurança regional”.

Os media nacionais e fontes próximas do Corpo de Guardas da Revolução Islâmica (CGRI) minimizam a situação, afirmando que se tratou de um fracasso. Frisam que os dirigentes israelitas dirigiram o ataque a partir de bunkers, alegadamente por receio de potencial retaliação iraniana. E Fatemeh Mohajerani, porta-voz do governo iraniano, na sua declaração sobre os danos causados pelos ataques aéreos, disse que foram “limitados” e que a “situação é normal”.

Está longe a promessa de retaliação, mas isso não mostra que o conflito esteja resolvido, até porque os aliados do Irão – o Hamas, na Faixa de Gaza, o Hezbollah, no Líbano, os Houthis, no Iémen, ou os rebeldes iraquianos – prosseguem a luta. O Hezbollah condena a agressão sionista contra a República Islâmica do Irão e considera-a uma escalada perigosa em toda a região.

As instalações nucleares e petrolíferas tinham sido consideradas como possíveis alvos da resposta de Israel ao ataque iraniano de 1 de outubro, antes de a administração dos EUA ter obtido garantias de Israel, em meados do mês, de que não atingiria esses alvos, o que constituiria uma escalada mais grave. Com efeito, Washington advertiu contra novas retaliações, indicando que os ataques recentes deveriam pôr fim à troca direta de tiros entre Israel e o Irão.

O facto de Israel se ter concentrado em alvos militares específicos, apesar de não ser o ideal para a República Islâmica, está longe de ser o pior cenário. Um ataque mais extenso a infraestruturas críticas – como instalações petrolíferas, elétricas ou nucleares – poderia ter levado o Irão a uma crise ainda mais profunda, no contexto da atual instabilidade económica e política.

O ataque em referência tem precedentes graves. A 13 abril,  o Irão bombardeou Israel de, forma direta, pela primeira vez, lançado cerca de 300 mísseis e drones – a maioria dos quais foi intercetada por Israel ou pelos aliados. É a retaliação ao ataque, duas semanas antes, contra a embaixada iraniana em Damasco, que matou 13 pessoas, incluindo um dos comandantes dos Guardas da Revolução. A 19 de abril,  Israel respondeu com o bombardeamento de um sistema de defesa aéreo iraniano, em Natanz, localidade central no programa nuclear do Irão. E, a 2 de outubro, o Irão voltou a atacar Israel, em resposta à morte do líder político do Hamas, Ismail Haniyeh (em Damasco, a 31 de julho), e do chefe máximo do Hezbollah, Nassan Nasrallah (em Beirute, a 27 de setembro). Teerão lançou 180 mísseis balísticos, alguns dos quais atingiram bases israelitas causando danos materiais. 

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Face a estes acontecimentos, “profundamente preocupado”, António Guterres, secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), “reitera, com urgência, o seu apelo a todas as partes para que cessem todas as ações militares, incluindo em Gaza e no Líbano, para que envidem todos os esforços para evitar uma guerra regional generalizada e para que regressem à via da diplomacia”, disse o seu porta-voz, num comunicado.

No seguimento da postura de Guterres, líderes ocidentais e do Médio Oriente apelaram a ambas as partes para que não se envolvam numa escalada.

“O perigoso ciclo de ataques e retaliações corre o risco de provocar uma nova expansão do conflito regional”, disse, em comunicado, Josep Borrell, chefe da diplomacia europeia.

“Espero que este seja o fim”, disse o presidente dos EUA, Joe Biden, sobre o ataque israelita. Washington diz que não participou no ataque ao Irão, mas Teerão acusa os Israelitas de terem lançado o ataque a partir do espaço aéreo iraquiano, ocupado pelos EUA, e fala em “cumplicidade.

Em comunicado, o Ministério dos Negócios Estrangeiros francês instou “todas as partes a absterem-se de qualquer escalada ou de ação que possam agravar o contexto extremamente tenso na região”. A situação no Médio Oriente foi discutida, em conversa telefónica, entre o presidente francês, Emmanuel Macron, e o chefe de Estado egípcio Abdel-Fattah al-Sisi, segundo um comunicado da presidência egípcia citado pela agência Xinhua.

O chanceler alemão Olaf Scholz reagiu aos ataques aéreos de Israel contra o Irão, na madrugada de 26 de outubro, publicando no X: “A minha mensagem para o Irão é clara: não podemos continuar com reações de escalada maciça. Isto tem de acabar já:”

O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, apelou à “máxima contenção”.

Em Washington, Sean Savett, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional,  afirmou que os EUA instam o Irão “a cessar os seus ataques a Israel, para que este ciclo de combates possa terminar sem uma nova escalada”.

Arábia Saudita foi um dos vários países da região a condenar o ataque, considerando-o uma “violação da soberania do Irão e uma violação das leis e normas internacionais”. O Ministério dos Negócios Estrangeiros do reino disse rejeitar a escalada na região e “a expansão do conflito que ameaça a segurança e a estabilidade dos países e povos da região”.

Os Emirados Árabes Unidos (EAU) “condenaram veementemente” os ataques, de acordo com um comunicado do seu Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Turquia acusou Israel de, na sequência dos seus ataques ao Irão, ter “colocado a nossa região à beira de uma guerra maior”. “Pôr fim ao terror criado por Israel na região tornou-se um dever histórico, em termos de estabelecimento da segurança e da paz internacionais”, afirmou o Ministério dos Negócios Estrangeiros, em comunicado, apelando à comunidade internacional para que tome “medidas imediatas para fazer cumprir a lei e travar o governo de Netanyahu”.

O Hamas, apoiado pelo Irão, considerou o ataque “uma escalada que visa a segurança da região e a segurança do seu povo”.

O líder da oposição israelita afirmou que os ataques ao Irão não foram suficientemente longe. Yair Lapid criticou a decisão de evitar “alvos estratégicos e económicos” no ataque. “Podíamos e devíamos ter exigido um preço muito mais elevado ao Irão”, escreveu Lapid no X.

Em Portugal, a Assembleia da República (AR) rejeitou a recomendação proposta pelo Bloco de Esquerda (BE) para considerar Israel Katz, ministro israelita dos Negócios Estrangeiros, como “persona non grata”, depois de este ter atribuído esse estatuto ao secretário-geral da ONU. A proposta do BE foi rejeitada com os votos contra do Partido Social Democrata (PSD), do Partido Socialista (PS), do Chega, da Iniciativa Liberal (IL) e do Centro Democrático Social – Partido Popular (CDS-PP), tendo obtido os votos favoráveis dos restantes partidos.

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O Irão encontra-se em posição precária, sobretudo porque as suas forças regionais por procuração, nomeadamente o Hezbollah, no Líbano, estão muito enfraquecidas. O regime está consciente, pelo menos, nos bastidores, de que não tem capacidade militar para se equiparar a Israel, que recebe, anualmente, milhares de milhões de euros em ajuda militar dos EUA. Porém, embora seja improvável que o Irão renuncie ao direito de retaliação, uma resposta imediata não parece estar de acordo com os seus interesses estratégicos. A curto prazo, é provável que os media iranianos e a televisão estatal enfatizem a narrativa de vitória, minimizando ou até rejeitando aspetos do ataque de retaliação de Israel como falsos. O regime estará, provavelmente, a ocultar danos nas instalações de produção de mísseis balísticos ou nas fábricas de drones, aproveitando a natureza limitada e coordenada da resposta de Israel para controlar a situação.

Esconder a verdade não é novidade na política iraniana, com muitos exemplos como, o abate do avião ucraniano ou a resposta de Israel ao primeiro ataque do Irão, em solo israelita, em abril de 2024. Relativamente ao ataque israelita às instalações de Isfahan, há alguns dias e pela primeira vez, um alto comandante do CGRI reconheceu, finalmente, a ocorrência deste ataque.

Embora se espere que o Irão mantenha a retórica de resposta potencial, é provável que navegue num equilíbrio delicado entre a escalada e a redução das tensões. E é de recordar que as próximas eleições norte-americanas influenciarão, significativamente, as futuras políticas do Irão e de Israel, e parece improvável que a Casa Branca permita que as tensões entrem numa espiral, nos dias que restam – perspetiva que pode levar o Irão a arquivar a questão, por agora – uma contenção talvez sugerida pela garantia implícita do Irão de estabilizar o Líbano e Gaza, o que poderia encorajar Teerão a manter o assunto em segredo.

Contudo, não se deve subestimar a influência dos que beneficiam das sanções e da linha dura nos círculos dirigentes do Irão, que veem no conflito em grande escala a sua única via de sobrevivência política. Assim, o ataque corre o risco de aproximar os arqui-inimigos de uma guerra total, numa altura em que a violência aumenta no Médio Oriente, onde grupos militantes apoiados pelo Irão – incluindo o Hamas, em Gaza, estão em guerra com Israel.

Esta foi a primeira vez que as FDI atacaram abertamente o Irão, que não enfrentava uma barragem de fogo sustentada de um inimigo estrangeiro, desde a guerra dos anos 80 com o Iraque.

Enquanto as explosões soavam, as pessoas, em Teerão, viram o que parecia ser fogo traçador a iluminar o céu. Outras imagens mostram o que parecem ser mísseis terra-ar a serem lançados.

O Irão fechou o espaço aéreo do país na madrugada do dia 26 e os dados de rastreio de voos analisados pela Associated Press (AP) mostraram que as companhias aéreas comerciais tinham abandonado amplamente os céus do Irão e do Iraque, da Síria e do Líbano.

A Casa Branca indicou que os ataques de Israel ao Irão deveriam pôr fim à troca direta de tiros entre os dois países e avisou Teerão das “consequências”, se respondesse.

Israel e o Irão são inimigos ferozes desde a Revolução Islâmica de 1979. Israel considera o Irão a sua maior ameaça, citando os apelos dos seus líderes à destruição de Israel, o apoio a grupos militantes anti-israelitas e o programa nuclear do país.

2024.10.26 – Abílio Louro de Carvalho