A um governo que, estando na oposição, criticava as leis Power/Point, não fica bem a ironia traduzida no facto de o comunicado em referência remeter, precisamente, para um Power/Point cujas parangonas parecem sintetizar as ideias básicas do anteprojeto.
***
O Governo
aprovou uma reforma “profunda” da legislação laboral “sob a forma de anteprojeto”
e que “será apresentado, em detalhe, aos parceiros sociais”, anunciou António
Leitão Amaro, ministro da Presidência, em conferência de imprensa subsequente ao
Conselho de Ministros.
Por seu turno, Maria do Rosário Palma Ramalho, ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, também presente, considerou que o “Trabalho XXI” visa flexibilizar regimes laborais, “que são muito rígidos”, de modo a aumentar a “competitividade da economia e a promover a produtividade das empresas”. Além disso, na ótica da responsável pela tutela, “valoriza os trabalhadores através do mérito”, estimula o emprego, “em especial, o emprego jovem”, e dinamiza a negociação coletiva. “Em termos de dimensão, há 30 temas-chave”, indicou a governante, vincando que a reforma inclui a iniciação do “processo de transposição de duas diretivas europeias (uma sobre salários mínimos adequados e outra sobre as condições de trabalho em plataforma de digitais”) e que moderniza o Código de Trabalho (CT), “voltando a olhar para mais de uma centena de artigos”, incluindo a revisão de nove diplomas legais complementares do Código de Trabalho.
Em concreto, de acordo com o ECO online, a proposta do governo apresenta alterações à lei laboral, designadamente, a criação de um regime que permite tirar um dia extra de férias com correspondente perda salarial, mas sem penalizações na atribuição de outros benefícios (como subsídio de refeição, de férias ou de natal, ou na carreira contributiva), a definição de uma percentagem de serviços mínimos às greves e o fim das restrições ao outsourcing.
Tais medidas
vão ao encontro do que vêm defendendo os representantes dos patrões,
nomeadamente, os líderes da Confederação Empresarial (CIP), Armindo Monteiro, e
da Confederação do Comércio e Serviços (CCP), João Vieira Lopes.
O
estabelecimento de regras
“objetivas” para os serviços mínimos, durante greves, e o fim da proibição do
recurso à subcontratação ou outsourcing, após despedimentos, são outras das reivindicações dos patrões
atendidas pelo executivo. Esta última medida até já foi validada pela maioria
dos juízes do Palácio Ratton, que a considerou constitucional – entendimento
oposto ao das confederações patronais, que consideram que viola a Lei
Fundamental. Mesmo assim, o Ministério do Trabalho Solidariedade e Segurança
Social (MTSSS) pretende eliminar esta norma. “É retirar as iniquidades
da Agenda do Trabalho Digno”, sustentou Armindo Monteiro, em declarações ao ECO.
A definição de uma percentagem de serviços mínimos às greves passa por evitar casos como, o da paralisação de maio da CP, em que o Tribunal Arbitral decidiu não decretar serviços mínimos, para, depois, o Tribunal da Relação ter acabado por dar razão à empresa, considerando que deveriam ter sido fixados serviços mínimos de 25% da oferta programada. Logo na altura, o primeiro-ministro, Luís Montenegro, defendeu a revisão da lei da greve.
O governo também quer introduzir alterações à licença parental exclusiva do pai, de modo a obrigar que este goze 14 dias seguidos, logo após o nascimento do filho. Em causa está a proposta de alteração ao artigo 43.° do CT, referente à licença parental exclusiva do pai, e que prevê que passe a ser obrigatório “o gozo pelo pai de uma licença parental de 28 dias, seguidos ou em períodos interpolados, nos 42 dias seguintes ao nascimento da criança, 14 dos quais gozados de modo consecutivo, imediatamente a seguir a este”.
Atualmente, a lei prevê que os pais gozem, pelo menos, sete dias após o nascimento do filho. “É obrigatório o gozo pelo pai de uma licença parental de 28 dias, seguidos ou em períodos interpolados de, no mínimo, 7 [sete] dias, nos 42 dias seguintes ao nascimento da criança, 7 [sete dos quais gozados, de modo consecutivo, imediatamente a seguir a este”, diz a lei atual.
Entre as mais de 100 alterações ao CT que constam do anteprojeto, contam-se alterações a licenças, como a de adoção, a de licença parental inicial ou a de dispensa para amamentação ou aleitação. Já no atinente à licença por interrupção da gravidez, prevista no artigo 38.º do CT, o governo quer permitir que seja considerada uma por assistência ao acompanhante da trabalhadora nestas circunstâncias. “Ao acompanhante da trabalhadora, é aplicável o regime das faltas para assistência a membro do agregado familiar, previsto no artigo 252.°”, lê-se no anteprojeto.
De acordo com a lei atual, “em caso de interrupção da gravidez, a trabalhadora tem direito a licença com duração entre 14 e 30 dias”, constituindo a violação deste direito uma contraordenação muito grave.
No respeitante à falta por assistência, acima referida, a lei prevê que o trabalhador possa faltar ao trabalho “até 15 dias, por ano, para prestar assistência inadiável e imprescindível, em caso de doença ou acidente, a cônjuge ou pessoa que viva em união de facto ou de economia comum com o trabalhador, parente ou afim na linha reta ascendente ou no 2.º grau da linha colateral”.
Também pretende o executivo que a entrega de autodeclaração de doença fraudulenta possa dar direito a despedimento por justa causa. Em causa está uma proposta de alteração ao artigo 254.° do CT, relativo à prova de motivo justificativo de falta e que prevê que “a apresentação ao empregador de declaração médica ou de autodeclaração de doença com intuito fraudulento” constitua “falsa declaração, para efeitos de justa causa de despedimento”.
Segundo a lei atual, apenas a “apresentação ao empregador de declaração médica, com intuito fraudulento, constitui falsa declaração para efeitos de justa causa de despedimento”, pelo que o objetivo é alargá-la às autodeclarações de doença emitidas pela linha SNS 24.
Esta possibilidade foi uma das medidas introduzidas no âmbito da Agenda do Trabalho Digno, que entrou em vigor a 1 de maio de 2023, pelo governo de António Costa, e que permite aos utentes pedirem uma autodeclaração de doença de curta duração, através do SNS 24.
Estas baixas não podem ultrapassar três dias consecutivos, e estão limitadas a duas utilizações por ano, não havendo lugar ao pagamento de retribuição por parte da entidade patronal. E a entidade patronal pode comprovar a veracidade das autodeclarações de doença. Para tal, o trabalhador deve facultar ao empregador o código de acesso da autodeclaração de doença que lhe foi atribuído, após a sua emissão. “Posteriormente, através da página do Portal SNS 24 é possível verificar a autenticidade da autodeclaração”, como explica o portal do SNS 24.
***
Já em meados
de junho, o governo dizia pretender dar maior flexibilidade no gozo de férias,
por iniciativa do trabalhador, com um limite a definir com o empregador. Além
disso, propunha que os trabalhadores voltassem a poder escolher se querem
receber os subsídios de férias e de Natal em duodécimos ou da forma
tradicional. “Cada trabalhador deve voltar a ter a prerrogativa de escolher como
pretende que os subsídios (13.º e 14.º meses) lhe sejam pagos: na totalidade em
dois momentos do ano ou em duodécimos, isto é, diluídos pelos 12 meses do ano”,
lê-se no Programa do Governo, que passou na Assembleia da República (AR).
Essa faculdade foi, provisoriamente,
concedida a um destes subsídios, no tempo da troika, enquanto a regra da distribuição por 12 meses foi iniciativa
do governo, que não dos trabalhadores. E foi então que alguns patrões
alvitraram que a regra se deveria manter.
Com o fito de
“valorizar o trabalho e o emprego e combater a pobreza”, o novo executivo
liderado de Luís Montenegro estabelece, ainda, outras medidas, prevendo,
nomeadamente, avançar com uma prestação
de incentivo ao trabalho. O escopo desta prestação é permitir a
“a acumulação de rendimentos do trabalho com apoios sociais”, tendo em vista
incentivar “a participação ativa no mercado de trabalho”. “Substituiria um
conjunto alargado de apoios sociais, sem perdas para ninguém, por um suplemento
remunerativo, acumulável com rendimentos do trabalho, rendimento social de integração
(RSI), pensão social, ou outros apoios sociais dirigidos a situações sociais
limite, que atenue o empobrecimento dos trabalhadores empregados e incentive a
sua participação ativa no mercado de trabalho, e que tenha em conta a dimensão
e composição do agregado familiar”, especifica o executivo, no seu programa.
Entre seis
medidas relativas à valorização do mercado de trabalho, consta a revisão do regime de proteção social na eventualidade do desemprego, “de
forma a torná-lo mais justo e transparente, incentivando a reentrada rápida no
mercado de trabalho”.
O governo insiste na necessidade de revisitar
a legislação laboral, “desejavelmente, no contexto da Concertação Social”,
tendo em vista desburocratizar e
simplificar alguns regimes legais.
Entre as medidas apresentadas então, constava
a concessão de uma “maior flexibilidade no gozo de férias por iniciativa do
trabalhador, com a possibilidade de aquisição
de dias de férias, com um limite a definir, contratualmente, entre as partes”.
Ao mesmo
tempo, o governo tencionava e tenciona “equilibrar a proteção dos trabalhadores”,
através de “maior flexibilidade dos regimes laborais”,
em matéria de tempo de trabalho, de direito a férias e de bancos de horas.
O executivo queria e quer, ainda,
reforçar a possibilidade de transição, “mesmo que
temporária” entre regimes de horário de trabalho e a possibilidade de
teletrabalho por acordo entre as partes, bem como avançar com um “enquadramento
flexível, por livre acordo, de transição entre durações do período normal de
trabalho semanal, mesmo que temporária, com possível ajuste percentual da
remuneração”. E definiu como objetivo desta última medida permitir
“um contacto mais ligeiro com o mercado de trabalho, quando tal é desejado”,
nomeadamente, para os jovens que estudam ou nos casos de transição para a
reforma, “como forma de reforçar o equilíbrio entre trabalho e vida familiar,
ou no propósito de desenvolvimento de projetos pessoais do trabalhador”.
Além disso, o
governo intentava e intenta adequar a lei à era digital, através de “regulamentação diferenciada do teletrabalho, do
trabalho em plataformas digitais, do trabalho economicamente dependente e do
trabalho em nomadismo digital”.
Por outro lado, quer “equilibrar, de forma mais
adequada”, o direito à greve “com a satisfação de necessidades sociais impreteríveis”,
assim como “clarificar, desburocratizar e simplificar” vários regimes, como o de
parentalidade, do teletrabalho, da organização do tempo de trabalho, da transmissão
de estabelecimento, do lay-off e do processo
do trabalho.
O governo
prevê, ainda, reforçar o papel das associações sindicais e patronais, a
contratação coletiva e “avaliar a definição de critérios de representatividade
mínima para a emissão de portarias de extensão das convenções coletivas de
trabalho”, de modo a “desincentivar a fragmentação sindical e a reforçar o
diálogo social nas empresas”, bem como a reforçar o enquadramento penal existente
em questões conexas com discriminação, com exploração laboral, com assédio
laboral e sexual, em contexto laboral.
Mais tarde, a 2 de julho, era
revelada a intenção de o executivo, em conjunto com os parceiros sociais,
“revisitar a legislação laboral”, incluindo a lei da greve, para consagrar
serviços mínimos que garantam “uma maior proporcionalidade” entre direitos. “Pretendemos
que essa alteração possa consagrar que, em todas as ocasiões, haja serviços
mínimos que não ponham em causa a proporção entre o exercício do direito à
greve e o exercício dos restantes direitos dos demais trabalhadores”, afirmou o
chefe do governo, no final na reunião da CPCS.
O
primeiro-ministro não quis, então, pormenorizar a proposta – que será, obviamente,
“objeto ainda de negociação e diálogo com os parceiros” –, mas apenas os
objetivos que o governo pretende atingir. “E o objetivo que pretendemos
alcançar é ter uma solução legislativa que garanta maior proporcionalidade
entre o exercício de direitos e que garanta que naquelas circunstâncias onde os
serviços mínimos, por vicissitudes legais não são possíveis, possam passar a
ser para garantir essa proporção”, disse Luís Montenegro.
***
O processo vem
amadurecendo. O próprio governo admitiu que o início do debate com os parceiros
sociais, sobre eventuais alterações a legislação laboral, estava previsto, desde
início, mas a crise política, que levou a eleições e a novo governo, adiou a
discussão. E, por mais que a flexibilidade seja dita como em reforço do mérito
e dos direitos do trabalhador, a sua gestão passa para as mãos do patronato.
Enfim, a direita política em consonância com a direita social!
2025.07.25 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário