sexta-feira, 4 de abril de 2025

Cimeira inédita fecha acordo de parceria entre a UE e a Ásia Central

 

A 4 de abril, no meio das tensões globais que se seguiram aos anúncios de Donald Trump sobre os direitos aduaneiros, União Europeia (UE), assinalando 30 anos de relações diplomáticas, anunciou uma nova parceria estratégica com os países da Ásia Central, no final de uma primeira cimeira UE-Ásia Central, na cidade uzbeque de Samarcanda.

Na verdade, líderes da UE e da Ásia Central reuniram-se, nos dias 3 e 4, em Samarcanda, no Uzbequistão, para discutirem o fortalecimento da cooperação, da estabilidade regional e dos laços económicos e políticos mais profundos, à medida que a região se volta para a Europa, à luz das novas dinâmicas geopolíticas. Após anos de reformas e de assistência europeia, os países da Ásia Central – o Cazaquistão, o Quirguizistão, o Tajiquistão, o Turquemenistão e o Uzbequistão – iniciam a viragem estratégica para a Europa, enquanto a UE procura parceiros fiáveis nas atuais e rápidas mudanças geopolíticas.

O presidente do Uzbequistão, Shavkat Mirziyoyev, anfitrião da inédita cimeira, classificou-a de “verdadeiramente histórica” e de “oportunidade histórica” para a região.

A cimeira teve lugar num clima geopolítico e económico turbulento, um dia depois de o presidente dos Estados Unidos da América (EUA) ter anunciado uma série de tarifas comerciais globais sobre vários países, incluindo aliados como a UE e o Reino Unido, abalando os mercados e atraindo críticas dos líderes mundiais.

Ao assinalar os 30 anos do estabelecimento das relações diplomáticas entre os dois blocos, o presidente do Conselho Europeu sublinhou a importância da cooperação multilateral. “No contexto internacional atual, a importância de uma ordem multilateral funcional e baseada em regras não pode ser subestimada. A nossa reunião de hoje incentiva, ainda mais, a cooperação entre a União Europeia e a Ásia Central nas instâncias multilaterais, reforçando o nosso empenhamento comum, num mundo pacífico e numa ordem global próspera”, vincou António Costa, que abordou, igualmente, os desafios comuns em matéria de segurança, chamando a atenção para as múltiplas ameaças, nomeadamente, o terrorismo, o extremismo violento e o tráfico de droga, que podem alastrar à Ásia Central e à Europa.

Já a presidente da Comissão Europeia relevou os potenciais benefícios de laços mais fortes: “A vossa localização estratégica pode abrir rotas comerciais e fluxos de investimento, a nível mundial. Estes novos investimentos reforçarão a soberania. Reforçarão as vossas economias. E, mais importante ainda, criarão novas amizades”, sustentou Ursula von der Leyen.

A presidente da Comissão Europeia disse acreditar que a parceria levará a novas oportunidades em setores como a energia, o turismo, o comércio e os transportes, ao anunciar o pacote de investimento de 12 mil milhões de euros na região: “Este pacote reunirá investimentos da União Europeia e dos estados-membros e lançará uma nova série de projetos para a Ásia Central. Este é, verdadeiramente, o início de uma nova era na nossa antiga amizade”, afirmou.

O novo pacote financiará projetos no domínio dos transportes (três mil milhões de euros), das matérias-primas essenciais (2,5 mil milhões de euros), da água, da energia e do clima (6,4 mil milhões de euros), bem como da conetividade digital, alguns dos quais foram autorizados e atribuídos pelo Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento (BERD).

O acesso a energias limpas e a terras raras é fundamental para a UE, que procura alcançar a neutralidade climática, até 2050, e aumentar a sua autonomia em setores estratégicos. Contudo, parte considerável da extração, da transformação e da reciclagem, a nível mundial, de matérias-primas críticas, como o lítio, indispensáveis ao desenvolvimento de energias renováveis, artigos de uso diário e sistemas de defesa, é controlada pela China, da qual a UE quer desligar-se, devido às suas práticas comerciais e de política externa agressivas e protecionistas.

A Ásia Central possui grandes jazidas, incluindo 38,6% do minério de manganês do Mundo, 30,07% de crómio, 20% de chumbo, 12,6% de zinco e 8,7% de titânio. “Estas matérias-primas são a força vital da futura economia mundial. No entanto, são também um ponto de encontro para os atores mundiais. Alguns estão apenas interessados em explorar e [em] extrair”, considerou Ursula von der Leyen aos líderes da Ásia Central, acrescentando: “A oferta da Europa é diferente. Também queremos ser vossos parceiros no desenvolvimento das vossas indústrias locais. O valor acrescentado tem de ser local. O nosso historial fala por si.”

Entretanto, a proteção da “ordem multilateral baseada em regras” foi o tema central do discurso de António Costa. “Temos de trabalhar em conjunto, não só para defender o multilateralismo, mas também para o reformar, de forma a torná-lo mais eficaz, inclusivo e adaptado às realidades atuais”, sustentou o presidente do Conselho Europeu, sublinhando que “as ameaças à segurança são agora de natureza transnacional” e apelando a uma maior cooperação, a nível bilateral, regional e multilateral, incluindo em relação à Rússia, que está a violar a Carta das Nações Unidas e o direito internacional com a invasão em grande escala da Ucrânia.

Os cinco países da Ásia Central abstiveram-se de votar na Organização das Nações Unidas (ONU), quanto à agressão da Rússia contra o seu vizinho, optando pela neutralidade, mas beneficiaram da reexportação para a Rússia de produtos ocidentais sancionados.

A UE, que impôs 16 pacotes de sanções contra a Rússia, nomeou um enviado especial para a questão do contorno das sanções, que se deslocou à região em numerosas ocasiões, nos últimos três anos. E altos funcionários da UE afirmaram, sob anonimato, antes da cimeira, que os países da Ásia Central têm demonstrado vontade de cooperar, mas que gostariam de ver mais, sobretudo tendo em conta as conversações entre os EUA e a Rússia, das quais a Europa tem sido afastada, provocando receio de que os seus interesses não sejam protegidos. No entanto, a mesma fonte afirmou que a realização de esforços adicionais sobre o tema é “um elemento importante para fazer avançar as nossas relações”, mas não condição prévia.

António Costa referiu, veladamente, a evasão das sanções, avisando que a Europa continuará a aumentar a pressão sobre a Rússia, sempre que necessário, e que a “cooperação da Ásia Central é inestimável”. “Contamos com os vossos esforços contínuos, a este respeito”, vincou.

O presidente Shavkat Mirziyoyev afirmou que o seu país, o Uzbequistão, “partilha o compromisso da parte europeia com os princípios e normas do direito internacional”, “saúda e apoia, plenamente o processo de negociação para a resolução pacífica da situação na Ucrânia”.

Na cimeira, os líderes concordaram em realizar um Fórum de Investidores, no final do ano, para garantir mais investimentos, nomeadamente, para o Corredor de Transporte Transcaspiano, que reduzirá, drasticamente, o tempo necessário para exportar mercadorias entre as duas regiões, contornando a Rússia, bem como estabelecer um escritório local do BERD no Uzbequistão.

Apoiaram, igualmente, a ideia de realizar cimeiras semelhantes, de dois em dois anos.

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Como esperado, diversificar as trocas comerciais, afastando-se da Rússia e da China, e reforçar as relações diplomáticas foram os principais pontos da agenda da cimeira, tendo ficado relegadas, para segundo plano, as questões dos direitos humanos, embora tenham sido abordadas, assim como o facto de a Rússia contornar as sanções que lhe foram aplicadas.

A presidente da Comissão Europeia e o presidente do Conselho Europeu deslocaram-se a Samarcanda, na esperança de aprofundar as parcerias com a região rica em recursos naturais, no domínio da energia e das matérias-primas essenciais. Os dirigentes do bloco da Ásia Central esperam, entretanto, assegurar investimentos nas suas indústrias e infraestruturas.

A agenda incluiu a proteção do multilateralismo, os desafios de segurança comuns e regionais, a cooperação no domínio das energias limpas, o turismo, os programas interpessoais e a Ucrânia.

“O presidente Costa tem sido muito claro, desde o início do seu mandato, em como acredita que, neste mundo multipolar, a UE precisa realmente de se reconetar com os seus parceiros globais”, disse um alto funcionário da UE, sob anonimato, antes da cimeira, referindo que “a Ásia Central é um dos elementos desta abordagem”.

O motor da reunião de alto nível foi o objetivo, partilhado por ambas as partes, de se afastarem da Rússia e da China, dois países que têm sido, por razões históricas e geográficas, grandes compradores dos produtos da Ásia Central, enquanto a sua sombra paira sobre a segurança energética e tecnológica da Europa. A invasão em grande escala e não provocada da Ucrânia por parte da Rússia, juntamente com a abordagem transacional de Pequim e, agora, de Washington ao comércio e à política externa, parece ter silenciado a relutância que existe, em relação ao seu envolvimento mútuo.

Para a UE, não se trata de desafiar, seriamente, a China e a Rússia, mas de oferecer alternativas em alguns setores e de competir noutros, especialmente, no que diz respeito às matérias-primas e à conetividade. Desde o início da guerra, a UE tem vindo a libertar-se, significativamente, dos combustíveis fósseis russos, mas as importações de gás natural liquefeito (GNL) russo para os portos europeus e de petróleo por oleoduto para a Europa Central continuam a ser ponto sensível, porque ajudam a financiar a máquina de guerra de Moscovo. E esta dependência evidenciou outra: no atinente à transição ecológica, a UE está demasiado dependente da China, que controla a extração e o processamento de partes significativas de muitas terras raras, cruciais para o desenvolvimento das energias renováveis.

A Ásia Central está a desenvolver a produção de energias renováveis e possui depósitos de matérias-primas essenciais. A UE assinou dois Memorandos de Entendimento com o Cazaquistão e com o Uzbequistão, sobre este tema, e chegou, agora, a uma declaração de intenções mais alargada sobre matérias-primas essenciais. Segundo a UE, trata-se de uma situação vantajosa para ambas as partes, já que o bloco assegurará as terras raras de que necessita para impulsionar a sua transição energética e para reforçar a sua autonomia estratégica, enquanto a região obterá os investimentos necessários para desenvolver a indústria local.

A UE não está apenas a promover a extração e a exportação de matérias-primas, mas quer promover a indústria local na região, ajudando o desenvolvimento de tecnologias limpas, e investir, em conjunto com os países da Ásia Central, em toda a cadeia de valor.

Do seu lado, os países da Ásia Central querem mais parcerias industriais, para desenvolver as suas bases de produção e o seu “know how”, o que lhes permitirá aumentar as suas exportações e, por conseguinte, a sua base de clientes. Para isso, precisam de poder enviar, efetivamente, os seus produtos para a UE, pois o Tajiquistão é um dos maiores produtores de alumínio do Mundo, mas é quase impossível exportá-lo para a UE, por causa da logística. Por isso têm-no vendido à China e à Rússia, o que lhes é muito mais fácil.

O Corredor de Transporte Transcaspiano foi um dos principais temas abordados pelos líderes europeus. A UE anunciou, em 2024, que iria afetar 10 mil milhões de euros ao Corredor do Meio, através da Iniciativa Global Gateway, um montante considerado insignificante por alguns, pela extensão do percurso e pelo desafio que representa o terreno montanhoso. De facto, a Iniciativa Global Gateway é muito lenta a produzir efeitos na vida real, o que é fonte de frustração para vários países parceiros, incluindo os países da Ásia Central, especialmente, desde que a Rússia atacou a Ucrânia, levando a UE a impor sanções abrangentes contra o país.

O BERD estimou, em 2023, que seriam necessários 18,5 mil milhões de euros de investimento para concluir os projetos de infraestruturas necessários para a rota, apenas na Ásia Central. Porém, as infraestruturas são apenas a ponta do icebergue. Com efeito, os desafios da conetividade, como a limitada harmonização regulamentar, a ineficiência nas fronteiras e a necessidade de maior digitalização dos documentos de transporte, continuam a dificultar a eficiência do trânsito.

Por isso, vontade política, confiança e coordenação mais forte das partes interessadas serão fundamentais para enfrentar os desafios da conetividade suave.

Na cimeira, ambas as partes tiveram de respeitar uma linha ténue. Para a Ásia Central, trata-se de se aproximar mais do Ocidente, sem incomodar Moscovo ou Pequim. Os países da Ásia Central tentam seguir a política externa multivetorial, mostrando-se preparados para cooperar com diferentes atores, sem alienar nenhum deles, isto é, gostariam de beneficiar de todas as partes. Assim, não querem ir demasiado longe, especialmente, com o Ocidente, com a UE, pois não querem tornar-se demasiado pró-Ocidente, por diferentes razões. Entretanto, Bruxelas pretende fazer acordos com certos regimes acusados de serem autoritários na vizinhança da Rússia, mas apelando à pressão política e económica sobre Moscovo.

Altos funcionários da UE insistiram que a questão da evasão às sanções russas seria levantada na cimeira, dado que alguns dos países da região beneficiaram com a venda à Rússia de artigos fabricados na Europa, que estão proibidos de entrar no país. Por exemplo, as exportações alemãs de automóveis e peças de automóvel, para o Quirguizistão, aumentaram 5500%, em 2023, enquanto, para o Cazaquistão, aumentaram 720%, de acordo com um relatório de Robin Brooks, economista-chefe do Instituto de Finanças Internacionais.

A UE está disposta a cooperar. Gostaria, obviamente, de ver mais, e esta é uma altura em que as sanções da UE são extremamente importantes, já que pretende manter a pressão sobre a Rússia. Por isso, considera que “este é um processo contínuo”.

Manter a sua credibilidade em matéria de direitos humanos poderá ser igualmente difícil para a UE. Na revisão anual dos direitos humanos em todo o Mundo, a Human Rights Watch (HRW) afirmou que a UE precisa de “chamar a atenção” dos governos da Ásia Central para o facto de terem reprimido a dissidência e reforçado o controlo da liberdade de expressão, nomeadamente através da detenção de críticos do governo, ativistas e jornalistas.

Ora, estas relações estão a desenvolver-se e, à medida que se desenvolvem e crescem, podem ter mais impacto. “Não vamos lá para dar lições. Vamos dar a conhecer as nossas preocupações, trabalhar com eles, manter um diálogo. Quanto mais dialogarmos, nos empenharmos e interagirmos, mais acreditamos que podemos mudar e melhorar todos os aspetos que nos preocupam”, considerou um alto funcionário da UE, frisando que esta “não tem muita influência sobre estes países” e não está a criá-la, nesta matéria.

A UE daria mais dinheiro à sociedade civil, mas está a adotar uma abordagem mais pragmática, tendência específica de Ursula von der Leyen, bem pragmática em questões de direitos humanos e muito mais orientada para os interesses.

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A abordagem dos direitos humanos, que se invocam, se isso interessa, continua a ser o busílis nas relações internacionais – um tabu nalguns países, grandes ou pequenos.

2025.04.04 – Louro de Carvalho

Retórica de Donald Trump fez-se realidade

 

Em conferência de imprensa, na tarde de 2 de abril, Donald Trump assinalou o “Dia da Libertação”, com a apresentação de uma grelha de 56 linhas com os nomes de países e com as taxas alfandegárias que os Estados Unidos da América (EUA) vão impor aos seus produtos. Entre os nomes constantes da lista, sobressaem a China, com 34%, a União Europeia (UE), com 20%, e o Lesotho, com 50%.

O espetáculo televisivo foi um verdadeiro comício, com fanfarra, bandeiras e com outros adereços. Os fiéis, devidamente alinhados, levantavam-se da cadeira, à medida que o presidente os chamava; espantou o elogio de Brian Pannebecker, trabalhador do setor automóvel, de colete refletor, como se estivesse prestes a picar o ponto; e a encenação desfez os protocolos e a tradição em pedacinhos de papel num colorido final de tarde no Rose Garden.

Daqui resultou que a administração Trump chegou aos valores, aparentemente, com a fórmula matemática usada para calcular o défice da balança comercial dos EUA – Δτɩ = (Χɩ - mɩ) / (ε * φ* mɩ); que o setor automóvel será o mais afetado, pois os carros importados terão a taxa de 25%, falando os analistas em constrangimentos; que os mercados reagiram e a bolsa de Wall Street sofreu imediata queda brutal; que a China reagiu, garantindo proceder em defesa dos seus cidadãos e dos seus produtos, e que a Europa responderá convenientemente; e que não se trata de narrativa caprichosa que insiste em recuperar teorias económicas longínquas, mas que tudo é planeado e sistematizado, no perfil do conselheiro trumpista e na cadência das medidas.

Sobre os primeiros 11 meses da Administração Trump, o historiador britânico Adam Tooze, professor de História na Universidade de Columbia em Nova Iorque, escreveu, no seu blogue “Chartbook”: “É a coisa mais louca que alguém já viu em política económica por uma grande potência económica”. De facto, a inauguração do “Dia da Libertação” por Donald Trump, constituiu um novo pacote de medidas protecionistas que significa um ajuste de contas global: “Durante anos fomos enganados por, praticamente, todos os países do Mundo, amigos e inimigos, mas esses dias acabaram”, escreveu o historiador, no Truth Social.

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As alfândegas puseram em prática tarifas (taxas alfandegárias) em importações vindas do Canadá, da China e do México e sobre os setores do aço e do alumínio, que já atingiram mais de 25% das importações. Os cenários mais pessimistas preveem taxas sobre mais de 60% das importações.

Esta “loucura económica” foi apresentada por Trump e pelos seus sequazes como uma mistura de políticas de saúde (antidrogas), de anti-imigração e de reindustrialização. Porém, no dizer de Peter Cohan, professor no Babson College, em Boston, a verdadeira razão do presidente dos EUA é o gosto de causar dor nos outros países e de os obrigar a implorar um acordo especial para os isentar das tarifas, bem como a pretensão de que as tarifas substituam o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS). William Halal, fundador do think tank norte-americano Tech Cast, corrobora: “A principal motivação por trás das tarifas é ganhar dinheiro dos contribuintes, para compensar o corte de impostos para os ricos. Ele também adora o poder que as tarifas lhe dão para forçar outros governos a fazer o que ele quer.”

Vista da Europa, a política alfandegária de Trump é uma arma geopolítica de negociação coerciva e de política doméstica. Porém, as tarifas, ao invés do que dizem os seus preconizadores, não são úteis para o orçamento federal, para transferir a produção para os EUA ou para reduzir o défice comercial. O défice comercial só será reduzido, se o dólar diminuir o seu estatuto de moeda de reserva mundial. Há muitos perdedores nos EUA, onde passou a falar-se de ‘Trumpcessão’ ou de potencial recessão, e as bolsas caíram. O índice global MSCI para os mercados de Nova Iorque caiu 6%, só em março, e perdeu quase 5%, desde início do ano. O Nasdaq, a bolsa das tecnológicas, afundou-se 10%, desde o final de 2024.

É elucidativo um olhar atento pelas etapas desta guerra comercial. Logo a 1 de fevereiro, o presidente dos EUA anunciou taxas de 25% sobre importações do México e do Canadá, uma redução da taxa para 10% sobre importações de energia e potássio do Canadá e taxa adicional de 10% sobre as importações da China (excetuando as inferiores a 800 dólares); no dia 3 suspendeu, por 30 dias, as medidas sobre os dois vizinhos; e, no dia 4, entraram em vigor as taxas sobre cerca de 440 mil milhões de dólares de importações da China. No comércio de produtos, o principal défice dos EUA é com a China: quase 300 mil milhões de dólares, em 2024. Ora a China reagiu, lançando o primeiro pacote de retaliações.

A 10 de fevereiro, foram decretadas, para entrarem em vigor a 12 de março, taxas de 25% sobre as importações de alumínio e de aço, que somaram mais de 60 mil milhões de dólares, em 2024. E foi introduzido o conceito de “tarifas recíprocas”, impondo taxas similares às aplicadas pelos parceiros comerciais, em cada produto.

A 18 de fevereiro, foram anunciadas, sem data de entrada em vigor, taxas de 25% sobre outros sectores deficitários, como os semicondutores (os alvos são Taiwan, a China, a Vietname, a Tailândia e a Malásia) e a farmacêutica (os alvos são a Irlanda, a Suíça e a Alemanha).

A 26 de fevereiro, o líder da Casa Branca anunciou, “para muito breve”, taxas de 25% sobre todas as importações vindas da UE, que somaram mais de 600 mil milhões de dólares, em 2024. Os EUA registam o segundo maior défice comercial em produtos com a UE, somando 236 mil milhões de dólares, em 2024, sobretudo com a Alemanha e com a Irlanda. Em resposta, Bruxelas anunciou um plano de retaliações em duas fases: a partir de 1 de abril, 50% sobre o uísque norte-americano e 25% sobre as motos Harley-Davidson; e, a partir de 13 ou 14 de abril, sobre jeans, roupa de marca, tabaco, alguns produtos agrícolas.

A 27 de fevereiro, foi reforçada a penalização das importações vindas da China com uma dose adicional de 10% a partir de 4 de março. A taxa média subirá para perto de 40%.

A 4 de março, entraram em vigor as taxas sobre importações do Canadá, da China e do México. Otava retaliou com taxas de 25%, sobre 130 mil milhões de dólares de importações dos EUA, num plano em três fases: 4 de março, 13 de março e 2 de abril. Pequim aplica taxas de 10% e de 15%, sobre mais produtos agrícolas importados dos EUA.

A 5 e 6 de março, face à pressão dos grandes construtores norte-americanos, foram adiadas, para 2 de abril, as taxas sobre importações de automóveis do Canadá e do México. E Donald Trump isentou todas as importações vindas dos dois vizinhos que estejam abrangidas pelo Acordo Estados Unidos-México-Canadá (USMCA).

A 13 de março, o líder norte-americano ameaçou impor a taxa de 200% sobre vinhos, champanhes e outras bebidas alcoólicas da UE, caso Bruxelas não revogue as tarifas sobre o whisky. As exportações deste setor para os EUA valeram 13,1 mil milhões de euros, em 2024.

A 24 de março, o secretário do Tesouro, Scott Bessent, avançou contra os “Dirty 15”. O alvo das taxas recíprocas seria centrado nos 15 parceiros comerciais com quem os EUA registem maiores défices ou verifiquem maiores desequilíbrios nas taxas bilaterais ou na imposição de barreiras não alfandegárias. O anúncio foi prometido para 2 de abril, prevendo taxas diferenciadas por país e por produto e cumulativas com outras já aplicadas.

A 26 de março, foi anunciada uma taxa de 25%, a vigorar a partir de 2 de abril, sobre todos os automóveis e seus componentes importados, com exceção dos abrangidos pelo USMCA ou os componentes de fabrico original norte-americano. As importações nesta fileira somaram 475 mil milhões de dólares em 2024, representando 15% do total das importações dos EUA. E surgiu a ameaça de taxas de 25%, a partir de 2 de abril, sobre as exportações para os EUA de todos os clientes do petróleo venezuelano.

E, a 30 de março, “Wall Street Journal” avançou que, quanto às taxas recíprocas, está em cima da mesa uma taxa geral até 20%. Trump ameaçou usar taxas, em relação às exportações para os EUA de clientes do petróleo russo, se Moscovo não aceitar um cessar-fogo na Ucrânia.

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Esta calendarização, feita com propósito firme, embora registe avanços e recuos permite concluir: 27% das importações dos EUA, em 2024, ou cerca de 835 mil milhões de euros, foram cobertas pelas novas tarifas aplicadas, até final de março, abrangendo a China, o Canadá, o México e o setor de aço e de alumínio; foram dez os anúncios de taxas para o Canadá, para a China, para o México e para a UE, para o aço e para o alumínio, para tarifas recíprocas, para automóveis, para clientes do petróleo da Venezuela, para bebidas alcoólicas da UE, entre outras, tendo, até final de março, Trump colocado em vigor quatro; e são 15 os países com os quais os EUA registam saldos mais negativos que serão visados por taxas recíprocas.

As primeiras estimativas da Comissão Europeia preveem que as empresas europeias paguem mais de 80 mil milhões de euros em direitos aduaneiros em exportações para os EUA, contra os sete mil milhões atualmente arrecadados. A UE até é, genericamente taxada, no dizer de Trump, nuns simpáticos 20%. Em 2024, Portugal exportou 5,3 mil milhões de euros em bens para os EUA, o que representa cerca de 1,9% do produto interno bruto (PIB).

As principais bolsas nova-iorquinas vergaram com a guerra comercial de Donald Trump, que na tarde anterior – já depois do fecho de Wall Street – anunciou as tarifas para (quase) todos os países do Mundo. Na sessão de 3 de abril, o índice de referência S&P 500 perdeu 4,84%, para os 5396,61 pontos, no pior dia, em cinco anos. Já o industrial Dow Jones caiu 3,98% ou 1679 pontos, para os 40545,93 pontos. O tecnológico Nasdaq, o mais castigado, tombou 5,97% ou 1050 pontos, para os 16550,61 pontos.

Apesar do tombo de Wall Street, ao longo do dia, o presidente dos EUA, acredita num “boom” dos mercados, disse que a sua estratégia comercial estava a “correr muito bem”. 

A pesar no Nasdaq, as perdas substanciais das tecnológicas foram de cerca de 800 mil milhões de dólares, em capitalização bolsista. Por exemplo, as ações da Apple afundaram 9,25%, no pior dia em bolsa, desde março de 2020. A empresa, liderada por Tim Cook, produz o iPhone em vários centros fora dos EUA, ficando sujeito a direitos aduaneiros, ao entrar no mercado norte-americano. A Amazon e a Nvidia caíram 8,98% e 7,81%, respetivamente, enquanto a dona do facebook (Meta) e a Tesla perderam 8,96% e 5,47%. A Alphabet (dona do Google) perdeu 3,92% e a Microsoft cedeu 2,36%. E a Nike – com forte produção no Vietname, país sujeito a tarifas de 46% – e a retalhista Target saíram afetadas, ao resvalarem 14,46% e 10,9%.

A maior economia do Mundo teve mais um sinal de abrandamento. O Project Management Institute (PMI) caiu para 50,8 pontos, em março, face à leitura de 53,5, em fevereiro, e o emprego no setor passou para território de contração pela primeira vez em seis meses – menos 7,7 pontos, para 46,2. Os investidores aguardam, com expectativa, a posição da Reserva Federal, já que o seu presidente, Jerome Powell, agendou um discurso para o dia 4, logo após a divulgação do relatório sobre a evolução do emprego, em março, nos EUA.

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Donald Trump, no regresso à presidência dos EUA, recolocou as tarifas aduaneiras no centro da estratégia económica. Sob o pretexto de corrigir desequilíbrios comerciais e de proteger a indústria norte-americana, a sua Administração revelou uma fórmula controversa de cálculo das tarifas impostas aos parceiros comerciais: Δτɩ = (Χɩ - mɩ) / (ε * φ* mɩ).

A base do cálculo recai sobre o saldo comercial entre os EUA e cada país. Segundo o documento do Departamento do Representante de Comércio dos EUA (USTR), a fórmula divide o excedente comercial de um país com os EUA pelas suas exportações totais para o mercado norte-americano. O resultado é reduzido para metade, originando a taxa descontada de tarifa. Por exemplo, considerando o caso da UE, em 2024, os EUA registaram o défice comercial de 235,6 mil milhões de dólares com a UE e contabilizaram importações de 605,8 mil milhões de dólares, o cálculo foi o seguinte: Taxa = (Défice comercial dos EUA com a UE) / importações da UE x 0,5 = 235,6 MM$* / 605,8 MM$ x 0,5 = 19,4% – (* valores do défice comercial e importações em mil milhões de dólares referentes a 2024). Além do saldo comercial, a fórmula considera elasticidades económicas: a da procura por importações (ε) e a dos preços das importações, relativamente às tarifas (ϕ). “Dados recentes sugerem que a elasticidade é próxima de dois, a longo prazo, mas as estimativas da elasticidade variam”, refere o Departamento de USTR, vincando que, “para ser conservador, foram utilizados estudos que encontram elasticidades mais altas perto de 3-4” e “a elasticidade dos preços de importação, face às tarifas ϕ, é de 0,25.”

Isto faz com que estas variáveis tenham sido configuradas, para, na prática, se anularem mutuamente (ε=4 e ϕ=0,25), simplificando a fórmula de cálculo das tarifas à fórmula essencial que, no caso da UE, resulta na taxa de 19,4%, quando a taxa definida por Trump é de 20%.

Apesar de simples, é questionável a eficácia da fórmula. Ignorar fatores como a manipulação cambial ou barreiras regulatórias específicas levanta dúvidas sobre se as tarifas corrigem as distorções comerciais. Além disso, as taxas apresentadas diferem das constantes no anexo oficial do decreto presidencial, gerando mais confusão e incerteza. As tarifas variam entre 0% e 99%, com a média ponderada global de 41%. Para países com os quais os EUA têm défices comerciais significativos, como a China, espera-se um impacto direto nas exportações. Contudo, alguns analistas temem retaliações comerciais que possam agravar tensões globais. Assim, Mark Carney, primeiro-ministro canadiano, garantiu que o Canadá combaterá estas tarifas com contramedidas. E Michael Martin, primeiro-ministro irlandês, frisou que “qualquer ação deve ser proporcional” e defender os interesses das empresas, dos trabalhadores e dos cidadãos.

Mais: a fórmula de cálculo baseia-se apenas no saldo comercial dos EUA, em 2024, ignorando as barreiras tarifárias que os produtos norte-americanos enfrentam no exterior, e reflete a abordagem simplificada, mas agressiva, de reequilíbrio das relações comerciais dos EUA. Embora seja defensável como um “proxy” para barreiras comerciais complexas, resta saber se atingirá os objetivos económicos, sem desencadear novos conflitos comerciais. Porém, Trump usará todos os instrumentos ao seu alcance para reforçar o lema “America First”.

2025.04.04 – Louro de Carvalho

quinta-feira, 3 de abril de 2025

Só espera que a corda apodreça!

 

A 27 de março, o almirante na reserva Gouveia e Melo, ex-chefe do Estado-Maior da Armada (ex-CEMA), defendeu que, na campanha das próximas eleições legislativas, devem ser discutidas propostas concretas, e não se o político “A” é mais imaculado do que o adversário, e recusou ser antipartidos ou autoritário.

Falando num almoço-debate promovido pelo International Club of Portugal, num hotel de Lisboa, o potencial candidato a Presidente da República (PR), nas respostas a perguntas de cidadãos ali presentes, abordou o sistema de justiça, considerando que “a única tentação em que o poder judicial não pode cair é numa justiça de pelourinho”, ou seja, “uma justiça mediatizada, porque isso corrói o próprio sentido de justiça”. Contudo, focou-se no comportamento da classe política.

Neste ponto, lamentou que “se ande a discutir o comportamento do político A, do B, do C, parecendo “que não interessa discutir quais são as opções políticas”.

Em relação ao atual clima político, o ex-CEMA foi um pouco mais longe nas suas críticas, deixando advertências sobre a qualidade futura dos políticos e salientando o caráter benéfico da experiência profissional anterior ao exercício de cargos políticos (o que lhe falta). “É importante que os nossos líderes tenham ética republicana, [e] não andarmos à procura de tudo e mais alguma coisa, porque, a certa altura, podemos querer ficar com os anjos sem capacidade de governação”, sentenciou, rejeitando ser autoritário ou contra os partidos.

Sustentou que os partidos “não são a pessoa”, mas “o conjunto de ideias que um grupo de pessoas defende”, pelo que não se deve fulanizar um partido.

Distinguiu autoridade e autoritarismo e, sobre consensos, o almirante reconheceu que, na vida militar, “a ação prevalece sobre o consenso”, pois as situações são tão “graves, complexas e urgentes que, se estivéssemos a adotar soluções por consenso, não teríamos uma única vitória”.

Contudo, percebe que “o modelo da sociedade civil é um modelo totalmente distinto” e está habituado ou pode habituar-se a “viver num modelo diferente”, até porque, na Marinha, como vincou, a maior parte das opções é tomada por consenso, pois “é muito difícil levar um grupo de homens forçados a fazer qualquer coisa”. “Uma coisa é estar numa aeronave e tomar as decisões, outra coisa é estar num navio, que tem lá 200 homens e é muito mais difícil. Portanto, esses consensos, de alguma forma, estabelecem-se, só que se estabelecem num sistema mais hierarquizado e mais disciplinado, mas com muita discussão interna”, explicitou.

O almirante considerou que Portugal precisa de uma liderança com ética que olhe para o Mundo e não para o umbigo, face a uma nova ordem mundial caraterizada pela lei do mais forte. Com efeito, na sua ótica, na nova ordem mundial – dominada pelos Estados Unidos da América (EUA), pela Rússia e pela China – impera a lei do mais forte, estando a esbater-se as regras do direito internacional criadas após a II Guerra Mundial. Neste aspeto, o potencial candidato presidencial sustenta que precisamos de lideranças que olhem para o exterior e desenvolvam um dos pilares da democracia: a prosperidade, sem a qual “só podemos distribuir pobreza e não riqueza”. E vinca a necessidade de as lideranças possuírem visão estratégica, para o país alcançar mais prosperidade e de serem e fazerem “uma liderança com valores”, sendo a ética o valor fundamental em todos os campos da atividade.

O ex-CEMA não se inibiu de deixar recado crítico, sem identificar os destinatários, aos agentes que promovem a instabilidade e pediu aos empresários nacionais que sejam “os comandantes e os capitães das novas caravelas portuguesas, porque só assim a nossa sociedade pode ser mais inclusiva, pode diminuir as assimetrias e pode responder ao outro pilar da democracia, que é a equidade”. “A História provou que os povos mais desenvolvidos e que, depois, desenvolvem uma democracia muito madura são aqueles em que a classe média e média elevada são, numericamente, a classe mais significativa da população”, vincou.

Em resposta à questão do presidente do International Club of Portugal sobre quando tenciona apresentar a sua candidatura presidencial, Gouveia e Melo atirou que, se indicasse uma data, “imediatamente estaria a dizer que me iria candidatar”. E, a seguir, considerou que, aos 18 anos, “prometeu dar a vida pelo país e esteve com essa promessa dentro da cabeça, durante 45 anos”, mas, agora, “que saiu e que se libertou dessa promessa poderá fazer uma de duas coisas: ir para casa descansar e estar com o netinho ou fazer outra coisa na vida”.

 

Estas últimas declarações fazem lembrar a postura de Cavaco Silva, quando lhe perguntavam, no outono de 1995, se iria candidatar-se a Presidente da República. Então, a evasiva foi o “meu netinho”, mas candidatou-se e perdeu.  

Quem se lançou na crítica ao almirante foi Marques Mendes, o, para já, candidato único a valer (estão no terreno outros, mas as probabilidades de êxito são diminutas), que o desafia a não andar a fingir que não é candidato, a declarar-se, a vir para o terreno, pois “nós sabemos que ele sabe que nós sabemos que ele é candidato” (paráfrase de um remoque da falecida deputada Maria José Nogueira Pinto) a Ricardo Gonçalves, deputado do Partido Socialista (PS), numa audição na Comissão Parlamentar de Saúde. Porém, Marques Mendes também andou muito tempo a dizer que não tinha decidido ser candidato e até declarou aos telespectadores, sendo ainda comentador, estar em reflexão e que, depois, anunciaria a decisão.

Ora, o protocandidato devia ter anotado que prometera também Gouveia e Melo anunciar a sua candidatura em março, só que adiou o anúncio formal para depois das eleições legislativas.

Talvez tenha sido pela inoportunidade de apresentar a candidato, em março, que sem indicar nomes (quiçá o PR, o primeiro-ministro, o PS, a oposição…) fustigou os fautores da instabilidade.

Por mim, sustento que o problema é que a corda ainda não apodreceu. Com efeito, o almirante, quando lhe começaram a colocar a hipótese de candidatura presidencial, afastou, de todo, a entrada na política e lançou o repto a quem o interrogava de, quando o vissem na política, lhe levassem uma corda. Pelos vistos, a corda leva mais tempo a apodrecer e, para que não venha o Diabo tecê-las, é bom que ela apodreça de todo, para não termos o efeito da corda.

Aliás, já estamos habituados a tudo: políticos que nunca foram políticos; político que dizia não ser líder do seu partido, nem que Cristo viesse à Terra e foi; e governante que tomou a decisão “irrevogável de não continuar no governo e continuou (até fez um plano e reforma do Estado).              

***

Entretanto, a 28 de março, em artigo publicado no jornal Sol, o potencial candidato a PR elege a prosperidade, a equidade, a segurança e a liberdade como temas centrais relevantes nas próximas eleições legislativas. No artigo, à guisa de programa eleitoral, diz que os partidos devem ser “claros e objetivos” nas propostas, “sem demagogias” e não evitando discutir problemas difíceis, pois, “só com informação adequada, os Portugueses poderão tomar decisões conscientes”.

Preconizando que “não temos de ser pobres”, o almirante seleciona, como relevantes para estas eleições legislativas [não figura como candidato em nenhuma lista partidária], julgando interpretar o pensamento da maioria dos Portugueses, a prosperidade (preços, habitação, salários baixos); a equidade (justiça, educação e saúde para todos, desigualdades sociais, imigração); a segurança (ameaças internas e externas); e a liberdade (crescimento da intolerância).

No âmbito de um plano de ação em contexto de incerteza internacional, avisa que “potências emergentes e militares desafiam a ordem global estabelecida” e que “a fragmentação do bloco ocidental é um risco crescente, especialmente, o visível enfraquecimento da indispensável relação euro-atlântica. E aí, releva a posição do “país verdadeiramente atlântico”, com “um vasto território marítimo, uma localização central nas rotas globais de matérias-primas, produtos e dados, conectados por importantes cabos submarinos, proximidade com África e fortes ligações culturais e económicas com o Atlântico.

Propõe “manter e reforçar as relações económicas com os outros 26 países da União Europeia” (UE), bem como “explorar parcerias e sinergias em setores estratégicos”, o que permitirá garantir uma base de retaguarda segura, podendo “acelerar a transformação da economia para um paradigma mais eficiente”. Com efeito, na sua perspetiva, “só uma economia de conhecimento, ágil, inovadora, tecnológica, capaz de atrair e de reter o talento e fortemente competitiva, evitará o perigo” de deslize da carruagem do desenvolvimento.

É preciso “ganhar resiliência e alavancar o soft power” e “diversificar mercados, reduzindo o risco nas importações e exportações, operando em rede e com a escala adequada”, com vista a “uma maior resiliência económica”.

Segundo o almirante, Portugal deve apostar no digital, enquanto multiplicador tecnológico e na inovação, enquanto processo essencial e acelerador da nova economia, pois, a amarração, em Portugal, de inúmeros cabos submarinos que ligam as diferentes margens do Atlântico permite “um posicionamento vantajoso, na nova indústria de dados, crítica para a economia do século XXI”. Por outro lado, considera que “a inteligência artificial [IA], a automação, a robotização, as tecnologias 3D de impressão, o big data, a smart grid, a IoT e Depois, vem a aposta no Mar e na Defesa, desenvolvendo a economia azul.

Como é óbvio, pretende que se otimize “o que Portugal já faz bem”. Por exemplo, investir na saúde digital, na telemedicina, na biotecnologia e nas terapias genéticas, como áreas de crescimento, contribuirá para a “modernização da economia” e para “serviços em áreas críticas para a população”.

Depois, urge “libertar a economia do atrito que limita o seu crescimento”, pois “a liberdade, os mercados, a tecnologia e a inovação são os verdadeiros motores da economia”, mas “o Estado pode e deve criar as condições adequadas ao desenvolvimento desta”.

Sustenta o potencial candidato que “a democracia só se fortalecerá com uma economia de mercado dinâmica e [com] uma política eficaz de combate às desigualdades”, sendo a capacitação das pessoas “a chave para uma economia mais equitativa e inovadora”.

No quadro da educação e formação, o almirante preconiza o fomento da “cultura de exigência, orientada para o desenvolvimento do conhecimento individual e coletivo, da autonomia, do sentido de pertença à comunidade e de uma mentalidade de inovação e ambição”. E entende que o sistema educativo deve “responder à diversidade humana, de forma flexível e pragmática”, com o reforço do “ensino técnico com diferentes graus de especialização e formação, de modo a facilitar a entrada dos jovens na vida ativa, oferecendo uma alternativa às vias clássicas de formação mais prolongada”.

Na habitação, propõe “forte investimento na construção de novas habitações”, numa produção industrializada, modular, inovadora nos materiais, na conceção e na montagem, contribuindo “para aumentar disponibilidades e para reduzir custos”, o que postula um reordenamento territorial, uma simplificação burocrática e a um enquadramento legal e financeiro adequados. E advoga a revitalização do mercado do arrendamento, “através de um programa de recuperação de habitações, em parceria com os proprietários”.

Quer a promoção do talento e da iniciativa dos jovens, com bons empregos, com qualidade de vida, com segurança e com esperança.

Na valorização das diásporas, pretende uma política de imigração de acordo com as necessidades do país, como forma de resolver limitações resultantes do nosso “inverno demográfico” e de “evitar eventuais problemas”. Além disso, “outras culturas que nos enriqueçam deverão ser sempre bem-vindas”, mas de modo que a tolerância não permita a intolerância. Assim, no dizer do ex-CEMA, “a integração deve evitar a marginalização e a criação de guetos, regulando a imigração, conforme a capacidade de acolhimento, alinhada com o interesse nacional”. De modo algum, as migrações podem ser encaradas como problema ou reduzidas às questões de segurança, pois “são uma oportunidade e fazem parte da nossa matriz humanista”. Já as nossas diásporas constituem, segundo o almirante, “uma oportunidade única de internacionalização da nossa cultura, soft power e economia”.

Em termos ambientais, o quase certo candidato a PR foca “os dados alarmantes” do ambiente e do clima, indiciadores da urgência de estabelecer “políticas integradas e multissetoriais que envolvam a economia e o ordenamento do território”. Respondem a este quesito o reforço da aposta nas energias renováveis, com impulso nas plataformas offshore (eólicas, correntes e energia das ondas), “num modelo complementar, distribuído e adaptativo que garanta resiliência e escala, reduzindo a dependência externa, assim como de fontes poluentes”; e a melhoria da gestão dos recursos hídricos e a garantia da preservação da água, com investimento “na retenção da água em grande escala e de forma distribuída no território, com incidência na zona Sul do país”.

É também necessária a promoção da economia e do reordenamento da floresta, sustentável e circular, como “o melhor antídoto” para os fogos de verão. E o tratamento de resíduos, pela reciclagem de materiais e da recuperação da energia contida neles, contribuirá para a redução das emissões e da fatura energética do país.

Estas medidas ambientais, na ótica do almirante são um imperativo e um contributo estratégico para reduzir a dependência energética do exterior, para mitigar os impactos das variações climáticas e para impulsionar o desenvolvimento tecnológico.

É óbvio que o desenvolvimento legislativo depende da Assembleia da República (AR) e do governo, cabendo também a este a superintendência administrativa dos projetos.

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O almirante já tinha feito declarações políticas e até escrito um artigo sobre as caraterísticas do perfil do novo PR, algumas de duvidosa constitucionalidade e de difícil aplicação (como a dissolução da AR, por incumprimento de promessas do governo). Agora, tem um plano de governo, que não lhe cabe, por não liderar qualquer candidatura à AR (e já não é um vulgar cidadão); e, além disso, reflete, grosso modo, o programa económico-social de António Costa e Silva, que serviu de base ao Programa de Recuperação e Resiliência (PRR).

Por fim, o ex-CEMA deve saber que também se serve o país na política e no trabalho!

2025.04.03 – Louro de Carvalho

quarta-feira, 2 de abril de 2025

A União Europeia e a urgência da ação climática

 
As ameaças que as alterações climáticas representam, para o Mundo, requerem medidas urgentes. E o tema é tanto mais premente quanto o cumprimento do Acordo de Paris está seriamente comprometido, em razão da galopante ascensão das forças políticas da extrema-direita, da insaciabilidade de muitos agentes económicos, no atinente aos recursos naturais, do alastramento dos conflitos bélicos, do negacionismo de muitos, sobre a matéria, e da demanda dos produtos fósseis, por parte de alguns países produtores de petróleo e de gás natural, agora patenteada por Donald Trump e seus acólitos políticos.  
A intensa atividade humana está a influenciar, gradualmente, o clima da Terra, devido às enormes quantidades de gases com efeito de estufa (GEE) que acrescenta às naturalmente presentes na atmosfera. Estes GEE adicionais provêm, principalmente, da queima de combustíveis fósseis para produzir energia, mas também derivam de outras atividades humanas, como o abate das florestas tropicais, a agricultura intensiva e extensiva, a pecuária e o fabrico de produtos químicos. O dióxido de carbono (CO2) é o GEE mais frequentemente resultante das atividades humanas.
Estes gases adicionais ampliam o “efeito de estufa” da atmosfera terrestre, fazendo com que a temperatura da Terra aumente a um ritmo inabitual e provocando grandes alterações climáticas.
A queima de combustíveis fósseis, o desmatamento e a criação de gado influenciam o clima e, em especial, a temperatura da Terra. Isso tudo adiciona enormes quantidades de GEE aos que ocorrem naturalmente na atmosfera, aumentando o efeito estufa e o aquecimento global.
Até ao presente, a década 2011-2020 foi a mais quente registada, com a temperatura média global a atingir 1,1 °C (graus centígrados), acima dos níveis pré-industriais, em 2019. E o aquecimento global induzido pelo homem está, atualmente, a aumentar a uma taxa de 0,2 °C, por década.
O aumento de 2 °C, em comparação com a temperatura em tempos pré-industriais, está associado a sérios impactos negativos no ambiente natural, na saúde e no bem-estar humanos, incluindo o risco muito maior de que mudanças perigosas e, possivelmente, catastróficas no ambiente global ocorram. Por isso, a comunidade internacional reconhece a necessidade de manter o aquecimento bem abaixo de 2 °C e de envidar esforços para o limitar a 1,5 °C.
O principal impulsionador das mudanças climáticas é o efeito estufa. Alguns gases na atmosfera da Terra agem como o vidro de uma estufa, retendo o calor do sol e impedindo que ele vaze de volta para o espaço, do que resulta o aquecimento global. Muitos desses GEE ocorrem naturalmente, mas as atividades humanas estão a aumentar as concentrações de alguns deles na atmosfera, em particular: o CO2; o metano (CH4); o óxido nitroso (N2O); e os gases fluorados.
O metano encontra-se como componente principal nas exalações naturais de regiões petrolíferas, existindo também encerrado em cavidades nos estratos de jazidas de carvão mineral. E 60% da emissão de metano no Mundo é produto da ação humana, vindo, principalmente, da agricultura.
O óxido nitroso possui muitas aplicações, sobretudo nas indústrias, sendo utilizado como anestésico, nos processos cirúrgicos, nas áreas médica e odontológica, como propelente em aerossóis e na queima de combustível, em motores de combustão, para aumentar a potência.
Os gases fluorados, substâncias químicas que contêm flúor, são utilizados em vários setores industriais. São gases artificiais que têm um forte efeito de estufa e contribuem para as alterações climáticas. Os principais são os hidrofluorocarbonetos (HFC), os perfluorocarbonetos (PFC) e o hexafluoreto de enxofre (SF6). 
O dióxido de carbono  é gás incolor e inodoro que está presente na atmosfera e que é também emitido por atividades humanas. No estado sólido, é conhecido como gelo seco.
Tem como caraterísticas: é um composto químico inorgânico formado por um átomo de carbono e dois de oxigénio; é solúvel em água; é um GEE que retém o calor do sol; e ajuda as plantas na fotossíntese.
Tem como fontes de emissão: a queima de combustíveis fósseis, como carvão, petróleo e gás natural; as mudanças de uso da terra, como o desmatamento; a produção de hidrogénio, de fertilizantes e de bioetanol; e a respiração humana.
Aplica-se na extinção de incêndios; na conservação de alimentos; na carbonatação de bebidas, como refrigerantes, água mineral e cerveja; na maturação do vinho; em procedimentos cirúrgicos, como a laparoscopia e a colonoscopia; na soldagem a arco; na limpeza de resíduos orgânicos de metais, de polímeros, de cerâmicas e vidros; e no teste de dispositivos eletrónicos.
Tem os seguintes efeitos na saúde: a exposição a baixas concentrações pode causar irritação nos olhos, nariz ou garganta; e a exposição a altas concentrações pode causar perda de consciência.
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O CO2 produzido pelas atividades humanas é o maior contribuinte para o aquecimento global. Em 2020, a sua concentração na atmosfera aumentou para 48%, acima do seu nível pré-industrial (antes de 1750). Porém, há outros GEE que são emitidos por atividades humanas, mas em quantidades menores. O metano é um gás de efeito estufa mais poderoso do que o CO2, mas tem uma vida útil atmosférica mais curta. O óxido nitroso, como o CO2, é um GEE de longa duração que se acumula na atmosfera, ao longo de décadas a séculos. E poluentes que não são GEE, incluindo aerossóis, como a fuligem, têm diferentes efeitos de aquecimento e de resfriamento e também estão associados a outros problemas, como a má qualidade do ar.
Causas naturais, como mudanças na radiação solar ou atividade vulcânica, terão contribuído, com menos de mais ou menos 0,1°C para o aquecimento total, entre 1890 e 2010.
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Como causas do aumento das emissões de gases com efeito de estufa, temos, à cabeça, a queima de carvão, de petróleo e de gás, que produz CO2 e óxido nitroso.
Logo a seguir, vem o abate florestal ou desmatamento. Na verdade, as árvores ajudam a regular o clima, absorvendo CO2 da atmosfera. Ora, quando são cortadas, esse efeito benéfico é perdido e o carbono armazenado nas árvores é libertado na atmosfera, aumentando o efeito estufa.
Também o aumento da exploração pecuária contribui para o aumento das emissões. Com efeito, as vacas e as ovelhas produzem grandes quantidades de metano, quando digerem os alimentos.
Com os fertilizantes portadores de nitrogénio produzem emissões de óxido nitroso, também são causa de emissões.
E, como os gases fluorados são emitidos por equipamentos e produtos que usam esses gases, essas emissões têm um efeito de aquecimento muito forte, até 23 mil maior do que o CO2.
Como cada tonelada de CO2 emitida contribui para o aquecimento global, todas as reduções de emissões contribuem para o desacelerar. Para deter completamente o aquecimento global, as emissões de CO2 precisam de atingir o zero líquido em todo o Mundo. Além disso, reduzir as emissões de outros GEE, como o metano, também pode ter efeito poderoso na desaceleração do aquecimento global, especialmente, no curto prazo.
As consequências das mudanças climáticas são extremamente sérias e afetam muitos aspetos das nossas vidas. Por isso, as principais prioridades da União Europeia (UE) são combater as mudanças climáticas e adaptar-se a um Mundo em aquecimento. Urge, pois, a ação climática.
O planeta Já aqueceu mais de 1 ºC, comparativamente às temperaturas anteriores à era industrial.
Cientistas do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (IPCC) alertaram para as consequências graves e, mesmo, irreversíveis de um aquecimento mundial de 1,5 ºC para o ambiente e para as nossas sociedades.
Quanto mais perturbarmos o clima, maiores serão os riscos para a nossa sociedade e para o ambiente. Ora, os efeitos das alterações climáticas já se fazem sentir em todo o Mundo e prevê-se que se tornem mais frequentes e mais intensos, nas próximas décadas.
Sem medidas tendentes a contrariar as alterações climáticas, durante a vida dos nossos filhos, poderão verificar-se na UE: 400 mil mortes prematuras, por ano, devido à poluição atmosférica; 90 mil mortes anuais, em consequência de vagas de calor; menos 40 % de volume de água disponível nas regiões meridionais da UE; exposição anual de 2,2 milhões de pessoas a inundações costeiras; e perdas económicas anuais de 190 mil milhões de euros.
Estas alterações climáticas podem transformar o planeta, afetando o abastecimento de alimentos, a disponibilidade de água e a saúde. Embora o risco seja geral, as consequências afetam mais as populações pobres e vulneráveis.
Quanto maiores forem os problemas, mais difícil e dispendioso será resolvê-los, pelo que a melhor opção será tomar, quanto antes, as medidas necessárias para enfrentar as alterações climáticas.
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A UE há muito que é líder mundial no combate às alterações climáticas. Os seus esforços consistem em políticas ambiciosas, a nível interno, e cooperação estreita com os parceiros internacionais.
A UE já estava no bom caminho, para cumprir a sua meta de redução das emissões de gases com efeito de estufa para 2020 e adotou um plano para reduzir ainda mais as emissões em, pelo menos, 55 %, até 2030.
O objetivo da UE é tornar a Europa, até 2050, o primeiro continente com impacto neutro no clima. Para tanto, há que reduzir, o mais possível, as suas emissões e aumentar as remoções de GEE da atmosfera, de modo a atingir “emissões líquidas nulas”.
Este objetivo faz parte do Pacto Ecológico Europeu (PEE): um pacote ambicioso de medidas para reduzir as nossas emissões de GEE a zero emissões líquidas, assegurando, ao mesmo tempo, uma sociedade equitativa, saudável e próspera, para as gerações futuras.
A par da redução das emissões, temos de nos adaptar às mudanças que estão a verificar-se e àquelas que ocorrerão. A UE contribui para melhorar a preparação para os impactos das alterações climáticas, a nível nacional, regional e local, assim como a capacidade de resposta a esses impactos. Colabora com outros países e regiões na promoção da ação climática, a nível mundial, e no apoio aos países parceiros – em especial os mais vulneráveis –, nos esforços que estes desenvolvem. E está a trabalhar no sentido de que, paralelamente à recuperação da pandemia de covid-19, seja assegurada a transição para uma Europa mais ecológica, mais digital e mais resiliente.
A transição para uma sociedade neutra, em termos climáticos constitui, simultaneamente, um desafio que exige medidas urgentes e uma oportunidade para construirmos um futuro melhor para todos. Ao agir em prol do clima e do ambiente, cada cidadão pode ajudar a preservar e a proteger o planeta, hoje e para as gerações futuras.
Entre os benefícios para a sociedade, contam-se os seguintes: novos empregos, tendencialmente verdes; maior competitividade; crescimento económico; ar mais limpo e sistemas de transportes públicos mais eficientes, nas cidades; novas tecnologias, como automóveis elétricos e híbridos, habitação eficiente, do ponto de vista energético, e edifícios com sistemas de arrefecimento e de aquecimento inteligentes; e aprovisionamento energético e de outros recursos seguros, para tornar a Europa menos dependente das importações.
Estudos realizados mostram que a transformação numa sociedade ecológica e digital é viável, do ponto de vista económico, e exequível. Se não se fizer nada, agora, os custos das alterações climáticas para a economia e a sociedade serão muito mais elevados.
Toda a sociedade e todos os setores económicos terão um papel a desempenhar – do setor energético ao setor industrial, ao setor dos transportes, ao setor da construção e aos setores agrícola e florestal.
No âmbito da consecução dos nossos objetivos climáticos e ambientais, é de salientar a necessidade da criação de uma indústria sustentável, que exige uma política industrial baseada na economia circular. Assim, a estratégia industrial da Europa apoia a transformação ecológica: estimulando o desenvolvimento de novos mercados para produtos de economia circular e com impacto neutro no clima; modernizando e tirando partido das oportunidades na UE e no Mundo, para garantir o nosso progresso e a prosperidade futura; e descarbonizando os setores energívoros, como os setores do aço e do cimento.
Plano de Ação para a Economia Circular apresenta uma estratégia de fomento de “produtos sustentáveis” que prioriza a redução e a reutilização dos materiais, antes da sua reciclagem. Foram estabelecidos requisitos mínimos para evitar a colocação no mercado europeu de produtos nocivos para o ambiente e são combatidas as falsas alegações ecológicas.
Os esforços concentrar-se-ão em setores, com a utilização intensiva de recursos, como os têxteis, a construção, a eletrónica e os plásticos, evitando o descarte precipitado.
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Já dominamos grande parte dos conhecimentos necessários e já há muitas soluções com provas dadas. Porém, as escolhas quotidianas de cada cidadão são importantes. Muitas das mudanças que fizermos irão melhorar a forma como vivemos, como nos deslocamos, como arrefecemos ou aquecemos as nossas casas, como produzimos e como consumimos.
Todos os cidadãos podem contribuir. Por mais pequenos que sejam, todos os esforços contam.
Não obstante, o ónus principal cabe aos decisores políticos e aos agentes económicos, que devem estar atentos aos grupos de pressão. Os decisores políticos, em especial, não podem deixar de utilizar o poder e os recursos para prevenir e para punir os comportamentos desviantes. E nunca devem aproveitar o poder, que detêm, para molestar a Natureza e a sua biodiversidade.

2025.04.02 – Louro de Carvalho


terça-feira, 1 de abril de 2025

UE usará todas as cartas para enfrentar as tarifas recíprocas de Trump

 

Ursula von der Leyen afirmou – na véspera do que o presidente dos EUA apelidou de “Dia da Libertação” – que a União Europeia (UE) dispõe de “muitas cartas” para negociar, para dissuadir e, se necessário, para o fazer recuar no plano de impor tarifas recíprocas a todos os parceiros comerciais dos EUA. Ou seja, a Comissão Europeia tem um “plano forte de retaliação” contra os direitos aduaneiros recíprocos de Trump, mas apela a uma “solução negociada”.

Donald Trump, cuja iniciativa sem precedentes, para vigorar a partir de 2 de abril, que denomina de “Dia da Libertação”, antagonizou alguns aliados de longa data, perturbou os mercados bolsistas, agitou o espantalho da recessão e declarou que as suas tarifas visariam “todos os países” como ponto de partida e, depois, se iria “ver o que acontece”.

Para a UE, as tarifas recíprocas virão na sequência de direitos de 25% sobre as exportações de aço, de alumínio e de automóveis. Em resposta, a Comissão apresentou medidas de retaliação, mas adiou a sua introdução para meados de abril. E, na iminência de nova e maior série de tarifas de Donald Trump, endureceu o tom e avisou que a resposta não terá linhas vermelhas.

“A Europa não iniciou este confronto. Pensamos que é errado”, disse Ursula von der Leyen, a 1 de abril, em discurso perante o Parlamento Europeu (PE), especificando: “Temos tudo o que é necessário para proteger os nossos cidadãos e a nossa prosperidade. Temos o maior mercado único do Mundo. Temos a força para negociar. Temos a força para negociar, temos a força para resistir. E os cidadãos da Europa devem saber: juntos, iremos sempre promover e defender os nossos interesses e valores. E defenderemos sempre a Europa”.

Em discurso anafórico, apontou que os direitos aduaneiros aumentariam os preços para os consumidores, destruiriam postos de trabalho, criariam um “monstro burocrático” nas alfândegas e seriam um “pesadelo” para as empresas norte-americanas, que vendem os seus produtos na Europa. E afirmou que as taxas aduaneiras vão contra a agenda para reindustrializar a América.

Durante o seu discurso, Ursula von der Leyen insistiu que o objetivo da Comissão seria uma “solução negociada”, para evitar o que está a transformar-se numa guerra comercial total entre os dois lados do Atlântico, que terá consequências económicas desastrosas, num contexto grande incerteza global. “Vamos abordar estas negociações numa posição de força. A Europa tem muitas cartas na manga: do comércio à tecnologia e à dimensão do nosso mercado”, afirmou a presidente da Comissão Europeia, garantindo que, se as negociações não conduzirem a um compromisso, Bruxelas não hesitará em adotar “contramedidas firmes”, com todas as opções em cima da mesa.

Os altos funcionários da Comissão já assinalaram que a potencial resposta poderá ir além do “olho por olho”, nos bens, e incluir os serviços, que, até agora, permaneceram intocados. Em 2023, a UE registou um excedente de bens com os EUA, no valor de 156,6 mil milhões de euros, mas um défice de serviços, no valor de 108,6 mil milhões de euros. “Ficaríamos todos melhor, se conseguíssemos encontrar uma solução construtiva”, disse a presidente do executivo da UE aos eurodeputados, em Estrasburgo, mas insistindo em que a Europa não iniciou este confronto e que não quer retaliar, mas que tem “um plano forte para o fazer, se necessário”.

À medida que as tensões comerciais aumentam, a Comissão intensificou o seu compromisso com os líderes de todo o bloco, para garantir uma frente unificada contra a Casa Branca. E, embora os chefes de Estado e de Governo concordem que as tarifas de Trump não podem ficar sem resposta, discordam quanto aos produtos que devem ser alvo de reação, temendo que as contramedidas prejudiquem indústrias-chave das economias nacionais.

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Também o Banco Central Europeu (BCE) se prepara para uma nova incerteza económica, visto que o presidente dos EUA imporá tarifas alfandegárias muito abrangentes, como elemento fundamental do seu novo esforço para reduzir o défice comercial do país, mas que podem afetar o crescimento da UE e fazer subir a inflação, colocando um dilema à autoridade de política monetária da Zona Euro.

Embora o âmbito e a escala exatos permaneçam incertos, intensificou-se a especulação de que a Casa Branca imporia tarifas de até 25% sobre os produtos europeus, direitos a aplicar com base nas taxas existentes já aplicadas a automóveis e a peças, que aumentaram o custo das exportações relacionadas com veículos em 50%. O impacto é significativo. De acordo com o Centro de Comércio Internacional (CCI), em 2024, a UE exportou 382 mil milhões de euros de mercadorias para os EUA. Deste montante, 46,3 mil milhões de euros provieram de veículos, incluindo automóveis, motociclos e peças.

Com os EUA a representar cerca de 10% do total das exportações da UE, esta ficará especialmente exposta às fricções comerciais transatlânticas. Com efeito, segundo as estimativas citadas pela presidente do BCE, Christine Lagarde, uma tarifa de 25% imposta pelos EUA poderia reduzir o PIB da Zona Euro em 0,5 pontos percentuais e fazer subir a inflação numa margem semelhante, no primeiro ano, partindo do princípio de que a UE retaliaria na mesma moeda.

É um caso exemplar de conflito de políticas: os direitos aduaneiros atuam como choque de oferta, ao encarecerem as importações, e como choque de procura, ao minarem a confiança e o rendimento disponível. Assim, os decisores políticos de Frankfurt veem-se confrontados com o paradoxo incómodo: o dever de apoiar o crescimento, flexibilizando a política monetária, ou o dever de se precaverem contra o choque inflacionista que tais direitos podem desencadear.

Para economistas, como Sven Jari Stehn, da Goldman Sachs, tudo depende do comportamento das expectativas de inflação. “As nossas estimativas sugerem que as tarifas americanas teriam efeitos materialmente negativos sobre o crescimento, com efeitos modestos (e temporários) sobre a inflação”, afirmou, em nota recente, sustentando que o manual de política económica padrão defenderia cortes nas taxas, desde que as expectativas de inflação a longo prazo permanecessem ancoradas.

Os modelos da Goldman mostram que, sob tais pressupostos, a estratégia ótima do BCE seria olhar além do pico de inflação e baixar as taxas de juro. Por isso, a Goldman Sachs continua a esperar que o BCE reduza as taxas de juro, em abril, com outra redução para 2%, em junho. Porém, este cálculo mudará, drasticamente, se a explosão inicial da inflação se refletir nas expectativas. Ou seja, se as empresas e os trabalhadores anteciparem aumentos sustentados dos preços e ajustarem a fixação dos salários em conformidade, o BCE pode ser forçado a atuar para evitar que a inflação se enraíze. “Neste caso, concluímos que a política ótima poderia exigir uma política monetária mais restritiva”, adiantou Sven Jari Stehn, considerando que, neste cenário, o BCE não se pode dar ao luxo de se preocupar com o impacto das tarifas no crescimento e tem de se apoiar na persistência da inflação”.

Contudo, sugeriu que esses efeitos de segunda ordem teriam de ser “bastante fortes” – isto é, envolverem aumento grande e generalizado das expectativas de longo prazo – para justificarem uma mudança tão agressiva. Para já, as tendências de fixação de salários e as expectativas de inflação permanecem suficientemente benignas, para que o BCE considere a possibilidade de flexibilização.

Por seu turno, Ruben Segura-Cayuela, economista do Bank of America, vê um caminho semelhante, embora com ritmo mais cauteloso. “Provavelmente, não é absurdo supor que poderemos assistir a uma taxa genérica de 20% sobre as importações da UE, como parecem pensar os funcionários da UE”, afirmou, referindo-se a notícias recentes da imprensa.

Segundo as suas estimativas, a medida poderia pôr em risco cerca de 0,25 pontos percentuais do PIB da Zona Euro, num ano, sendo possíveis perdas mais substanciais, se a UE retaliar.

Segura-Cayuela considera provável a retaliação, mas adverte que a escalada pode ir para além dos bens. “Se a ‘oferta de entrada’ dos EUA for particularmente agressiva, os riscos de escalada que vão além dos direitos aduaneiros sobre as mercadorias, incluindo a ação da UE sobre os serviços dos EUA, poderão ser mais proeminentes”, sustentou, defendendo que uma ação deste tipo poderia ser estrategicamente atrativa para os responsáveis políticos da UE, se protegesse partes mais sensíveis da economia europeia.

O Bank of America mantém a elevada convicção de que o primeiro corte de taxas do BCE ocorrerá em abril, seguido da redução para uma taxa de depósito de 1,5%, em setembro, embora não possa excluir o risco de um atraso, até dezembro. E, com a aproximação do dia 2 de abril, os mercados acompanharão de perto a forma como o BCE navega neste ambiente complexo, em que as tarifas exacerbam os desafios macroeconómicos.

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No dia seguinte ao anúncio de novos direitos aduaneiros dos EUA sobre as importações de automóveis, a Comissão Europeia declarou que aguardava as tarifas recíprocas de Washington. “Se necessário, daremos uma resposta firme, proporcionada, robusta, bem calibrada e atempada às medidas injustas e contraproducentes dos EUA”, afirmou o porta-voz da Comissão, Olof Gill, acrescentando que não podia especificar o momento exato das ações da UE, até à entrada em vigor das tarifas americanas.

As tarifas americanas sobre o aço e o alumínio já foram aplicadas. Para lá das tarifas de 25% sobre os automóveis, estão previstas tarifas recíprocas para a UE a 2 de abril. No entanto, não era claro se estas tarifas irão afetar os países europeus, individualmente, ou a UE, como bloco.

A Comissão Europeia consultaria os estados-membros sobre uma lista de produtos americanos sujeitos a tarifas, suspensas desde 2018, na sequência da disputa comercial entre a UE e a primeira administração Trump sobre as tarifas de aço e de alumínio. Além disso, está considerar uma segunda lista de produtos norte-americanos, numa altura em que pondera os próximos passos a dar nesta disputa. Estas medidas farão parte de um pacote mais vasto de tarifas de retaliação, que entrarão em vigor em meados de abril.

Entretanto, um funcionário da UE disse que Bruxelas não se contentará com estas duas listas, avisando que, quando Washington anunciar as tarifas recíprocas, o bloco poderá ter de responder com outras medidas. “Ainda não anunciámos nada sobre os serviços ou sobre a ferramenta anticoerção”, vincou o funcionário.

Até à data, as contramedidas anunciadas sobre o aço e o alumínio apenas visaram os produtos americanos. No entanto, em 2023, os EUA registaram um excedente comercial de serviços de 109 mil milhões de euros com a UE. O alargamento das medidas de retaliação aos serviços marcaria escalada significativa nas tensões comerciais entre Bruxelas e Washington. E o instrumento anticoerção, adotado pela UE em 2023, mas nunca acionado, é visto por alguns especialistas como opção nuclear na política comercial, que permitiria à UE impor medidas sobre os direitos de propriedade intelectual ou, por exemplo, restringir o licenciamento contra um país terceiro, adicionando poderosa ferramenta ao arsenal do bloco em disputas comerciais globais.

O anúncio da imposição de direitos aduaneiros sobre as importações de automóveis para os EUA provocou fortes reações em toda a UE. “É agora importante que a UE dê uma resposta decisiva aos direitos aduaneiros; tem de ficar claro que não recuaremos perante os EUA. É preciso força e autoconfiança”, afirmou o ministro alemão da Economia, Robert Habeck, em comunicado, garantindo apoio à Comissão Europeia, na procura de uma solução com os EUA, “através de negociações que evitem uma espiral tarifária”.

O Comissário europeu para o Comércio, Maroš Šefčovič, reuniu-se em Washington com o secretário de Comércio dos Estados Unidos, Howard Lutnick, com o representante para o Comércio, Jamieson Greer, e com o principal conselheiro económico da Casa Branca, Kevin Hassett. Porém, as conversações tiveram resultados dececionantes.

Donald Trump confirmou, recentemente, a aplicação de tarifas de 25% aos veículos não fabricados nos EUA, a vigorar a partir de 2 de abril. Na sequência, as ações do setor automóvel caíram em toda a Ásia, esperando-se que o impacto se repercuta na Europa. E referiu, ainda, em declarações aos jornalistas, que irá tornar as taxas recíprocas “muito brandas”, acrescentando: “Penso que as pessoas vão ficar muito surpreendidas. Serão, em muitos casos, menores do que os direitos aduaneiros que nos cobram há décadas.”

De acordo com a sua ordem executiva, as tarifas sobre os automóveis não se aplicarão apenas a veículos já completos, mas também a peças de automóveis. Os veículos qualificados ao abrigo do Acordo Estados Unidos-México-Canadá (USMCA) serão avaliados, e os direitos aplicar-se-ão apenas ao conteúdo não fabricado nos EUA.

Em 2024, o México foi a principal fonte de importações de automóveis dos EUA, representando 16,2% da quota de mercado, seguido pela Coreia do Sul, pelo Japão e pelo Canadá, com quotas de 8,6%, 8,2% e 7,2%, respetivamente, de acordo com a GlobalData. A Alemanha ficou em quinto lugar, com as vendas de automóveis para os EUA a representarem 2,7% das vendas totais.

A UE anunciou, a 12 de março, que o bloco imporá tarifas sobre 26 mil milhões de euros de bens dos EUA, “que corresponde ao alcance económico das tarifas dos EUA”, em abril. A Comissão retomará as contramedidas impostas de 2018 a 2020, no primeiro mandato de Trump, contra oito mil milhões de euros de produtos americanos, a 1 de abril, a que se seguirá novo pacote de tarifas sobre 18 mil milhões de euros em meados de abril. E reduziu a taxa de liberalização das importações de aço de 1% para 0,1%, “limitando a quantidade de aço que pode ser importada para a UE com isenção de tarifas”. A decisão foi tomada numa altura em que “a indústria siderúrgica da UE enfrenta pressão intensa, devido à sobrecapacidade global, ao aumento das exportações, por parte da China, e ao aumento das barreiras comerciais em mercados-chave como os EUA.

Os mercados europeus e norte-americanos ainda não tinham arrancado a sessão, no momento do anúncio, mas as ações do setor automóvel estavam sob pressão, após os comentários de Trump. Os fabricantes alemães de automóveis deverão ser dos mais afetados. 

Os fabricantes de automóveis dos EUA também enfrentarão desafios com as tarifas de Trump, já que muitos operam instalações de fabrico fora do país, em especial, no México e no Canadá.

O Euro recuperou face ao dólar americano, com o anúncio das tarifas de Trump a enfraquecer o dólar.  No entanto, permaneceu numa baixa de três semanas, em relação ao dólar, após perfazer, seis dias consecutivos de negociação em queda.

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Enfim, um transtorno global desnecessário que, afinal, em pouco baixará a dívida e o défice dos EUA e que pouca mais-valia representará para reindustrializar a América, mas criando dificuldades à reindustrialização europeia.

2025.04.01 – Louro de Carvalho