O art.º
5.º do Decreto n.º 3-A/2021, de 14 de janeiro, que regulamenta o estado de emergência decretado pelo Presidente da República
(Decreto do Presidente da República n.º
6-B/2021, de 13 de janeiro), estabelece a obrigatoriedade do regime de teletrabalho, “independentemente
do vínculo laboral, da modalidade ou da natureza da relação jurídica, sempre
este seja compatível com a atividade desempenhada e o trabalhador disponha de
condições para a exercer, sem necessidade de acordo das partes”; o
reconhecimento, para o trabalhador em regime de teletrabalho, dos mesmos
direitos e deveres dos demais trabalhadores, sem redução de retribuição, nos
termos do Código do Trabalho (CT) ou em
instrumento de regulamentação coletiva aplicável, “nomeadamente no que se
refere a limites do período normal de trabalho e outras condições de trabalho,
segurança e saúde no trabalho e reparação de danos emergentes de acidente de
trabalho ou doença profissional, mantendo ainda o direito a receber o subsídio
de refeição que já lhe fosse devido”; e o dever de o empregador “disponibilizar os equipamentos de trabalho e de comunicação necessários à
prestação de trabalho em regime de teletrabalho”.
Estabelece outrossim
que, no caso de tal disponibilização não ser possível e o trabalhador assim o
consentir, “o teletrabalho pode ser realizado através dos meios que o
trabalhador detenha, competindo ao empregador a devida programação e adaptação
às necessidades inerentes à prestação do teletrabalho” e que “a empresa utilizadora ou beneficiária final dos serviços prestados é
responsável por assegurar o cumprimento do disposto” acima (com as
necessárias adaptações) aos respetivos
trabalhadores temporários e prestadores de serviços.
Por isso,
não é estranha a notícia veiculada pela comunicação social, nestes dias, de que
o Governo entende que as empresas têm de suportar os custos de telefone e
internet dos trabalhadores quando em teletrabalho, mas não os da água ou
energia. Com efeito, o
CT já prevê que as empresas têm de
assumir esse encargo, exceto se houver um acordo escrito em contrário; e a obrigação do teletrabalho determinada pelo regime do Estado de Emergência
(vd
legislação acima referenciada), sempre que
compatível com a atividade e sem necessidade de acordo, não suspende tudo o mais que está previsto no CT aprovado
pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, cuja última alteração foi introduzida pela Lei n.º
93/2019, de 4 de setembro.
Na verdade,
o art.º 168.º do CT determina que em teletrabalho, salvo acordo escrito em
contrário, no atinente aos instrumentos relativos a TIC (tecnologias
de informação e de comunicação), cabe ao
empregador “assegurar as respetivas instalação e manutenção e o pagamento das
inerentes despesas”. Nestes termos, diz o Ministério do Trabalho, citado pelo Jornal de Negócios, que já resulta do
n.º 1 do art.º 168.º do CT a obrigação de o empregador “assegurar as respetivas
instalação e manutenção e o pagamento das inerentes despesas”, exceto se houver
um acordo individual ou convenção coletiva em contrário. Porém, as despesas mencionadas
na última parte do n.º 1 do art.º 168.º do CT referem-se às despesas de
instalação e manutenção dos instrumentos de trabalho respeitantes a tecnologias
de informação e de comunicação, não estando abrangidas as despesas de água,
eletricidade e gás, ao contrário do pagamento de despesas relacionadas com
internet e telefone, como conclui fonte oficial do Ministério.
Segundo o CT, “considera-se teletrabalho a prestação laboral
realizada com subordinação jurídica, habitualmente fora da empresa e através do
recurso a tecnologias de informação e de comunicação” (art.º 165.º).
Nos termos do art.º 166.º (regime
de contrato), pode exercer a atividade neste regime trabalhador da empresa ou outro admitido para o
efeito, mediante a celebração de contrato para prestação subordinada de
teletrabalho. Verificadas as condições do n.º 1 do art.º 195.º (violência doméstica,
com apresentação de queixa-crime e saída de casa), o trabalhador tem direito a passar a exercer a atividade neste regime de
teletrabalho, quando for compatível com a atividade a desempenhar. Além disso, o
trabalhador com filho com idade até 3 anos tem direito a exercer a atividade
neste regime, quando compatível com a atividade a desempenhar e a entidade
patronal disponha de recursos e meios (a violação deste preceito constitui
contraordenação grave). Nestes casos,
o empregador não pode opor-se ao pedido do trabalhador (contraordenação
leve). O referido contrato está sujeito
a forma escrita (forma exigida apenas para prova da estipulação do
regime de teletrabalho) e deve
conter: identificação, assinaturas e domicílio ou sede das partes; indicação da
atividade a prestar pelo trabalhador, com menção expressa do regime de
teletrabalho, e correspondente retribuição; indicação do período normal de
trabalho; se o período previsto para a prestação de trabalho em regime de
teletrabalho for inferior à duração previsível do contrato de trabalho, a atividade
a exercer após o termo daquele período; propriedade dos instrumentos de
trabalho bem como o responsável pela respetiva instalação e manutenção e pelo
pagamento das inerentes despesas de consumo e de utilização; identificação do
estabelecimento ou departamento da empresa em cuja dependência fica o trabalhador,
bem como quem este deve contactar no âmbito da prestação de trabalho. O
trabalhador em regime de teletrabalho pode passar a trabalhar no regime dos
demais trabalhadores da empresa, a título definitivo ou por período
determinado, mediante acordo escrito com o empregador.
No caso de
trabalhador anteriormente vinculado ao empregador, a duração inicial do
contrato para prestação subordinada de teletrabalho não pode exceder três anos
ou o prazo estabelecido em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho. Qualquer
das partes pode denunciar o contrato durante os primeiros 30 dias da sua
execução. Cessando tal contrato, o trabalhador retoma a prestação de trabalho,
nos termos acordados ou nos previstos em instrumento de regulamentação coletiva
de trabalho, constituindo contraordenação grave a violação do disposto neste último
ponto (vd art.º
167.º: regime no caso de trabalhador
anteriormente vinculado ao empregador).
Em relação aos
instrumentos de trabalho em
prestação subordinada de teletrabalho, presume-se
que, faltando a estipulação no contrato, os instrumentos de trabalho
respeitantes a tecnologias de informação e de comunicação utilizados pelo
trabalhador pertencem ao empregador, que deve assegurar as respetivas
instalação e manutenção e o pagamento das inerentes despesas (n.º 1). O trabalhador deve observar as regras de utilização
e funcionamento dos instrumentos de trabalho que lhe forem disponibilizados (n.º 2). Salvo acordo em contrário, o trabalhador não pode
dar aos instrumentos de trabalho disponibilizados pelo empregador uso diverso
do inerente ao cumprimento da sua prestação de trabalho (n.º 3). (vd
art.º 168.º).
O
trabalhador em regime de teletrabalho tem os mesmos direitos e deveres dos
demais trabalhadores, nomeadamente no que se refere a formação e promoção ou
carreira profissionais, limites do período normal de trabalho e outras
condições de trabalho, segurança e saúde no trabalho e reparação de danos
emergentes de acidente de trabalho ou doença profissional. No âmbito da
formação profissional, o empregador deve proporcionar ao trabalhador, em caso
de necessidade, formação adequada sobre a utilização de TIC inerentes ao
exercício da respetiva atividade. O empregador deve evitar o isolamento do
trabalhador, nomeadamente através de contactos regulares com a empresa e os
demais trabalhadores. (vd art.º 169.º: igualdade de tratamento de trabalhador em regime de
teletrabalho).
O empregador
deve respeitar a privacidade do trabalhador e os tempos de descanso e repouso
da família deste, bem como proporcionar-lhe boas condições de trabalho, tanto
do ponto de vista físico como psíquico. Sempre que o teletrabalho seja realizado
no domicílio do trabalhador, a visita ao local de trabalho só deve ter por objeto
o controlo da atividade laboral, bem como dos instrumentos de trabalho e apenas
pode ser efetuada entre as 9 e as 19 horas, com a assistência do trabalhador ou
de pessoa por ele designada. (vd art.º 170.º: privacidade de trabalhador em regime de teletrabalho – c uja
violação constitui contraordenação grave).
O
trabalhador em regime de teletrabalho integra o número de trabalhadores da
empresa para todos os efeitos relativos a estruturas de representação coletiva,
podendo candidatar-se a essas estruturas (n.º 1) e pode utilizar as TIC afetas à prestação de trabalho
para participar em reunião promovida no local de trabalho por estrutura de
representação coletiva dos trabalhadores (n.º 2); qualquer estrutura de representação coletiva dos
trabalhadores pode utilizar tais tecnologias para, no exercício da sua atividade,
comunicar com o trabalhador em regime de teletrabalho, nomeadamente divulgando
informações a que se refere o n.º 1 do art.º 465.º (convocatórias, comunicações, informações ou outros textos
relativos à vida sindical e aos interesses socioprofissionais) (n.º 3); e constitui
contraordenação grave a violação do disposto nos n.os 2 ou 3 (n.º 4). (vd art.º 171.º: participação e representação coletivas).
Ora o que
mudou, na legislação atinente ao estado de emergência foi a não obrigatoriedade
da contratualização do regime do teletrabalho ou a falta de concordância das
partes, bem como a possibilidade de o trabalhador, querendo, disponibilizar os seus
materiais.
***
Porém, como os professores são muitos e obedientes, o Governo não cumpre. Por
isso, em carta aberta, é alertado para o incumprimento das indicações para se
trabalhar a partir de casa.
Se o melhor para a saúde é ficar em casa, porque manda o ME (Ministério da Educação) centenas de trabalhadores seus “apanhar covid”, porque não têm para ceder
ou se recusam a ceder, gratuitamente computadores e outros equipamentos para
ficarem em casa a trabalhar?
Esta é uma das questões levantadas pelos professores que assinaram uma
carta aberta enviada a João Costa, Secretário de Estado Adjunto e da Educação, lembrando
que o teletrabalho foi decretado como “obrigatório” no atual estado de
emergência e acusando:
“O Ministério
da Educação não está a cumprir tal lei em relação aos professores, que estão a
ser coagidos a ceder os seus equipamentos, para poder trabalhar e ficar em
casa, sem que o Ministério peça o seu consentimento, como a lei exige ou sequer
compense tal uso coativo. A coação concretiza-se na imposição, para um trabalho que pode ser
feito em teletrabalho, da deslocação ao local de trabalho.”.
A “Carta aberta dos professores desconfinados
à força” refere-se, por exemplo, aos docentes só com um computador em casa,
a ser partilhado pelos filhos que estão em ensino à distância. Tanta
preocupação com a desigualdade e o Estado, no caso dos professores com filhos ou
que só têm recursos para um computador para a família toda, não cumpre como
patrão entregando-lhes material para trabalhar, para não terem de escolher
entre o estudo dos filhos e o trabalho!
Na verdade, nas reuniões
entre diretores de agrupamentos e João Costa, o governante foi questionado
sobre de que forma estes responsáveis teriam de atuar nos casos em que os
professores que não têm, não podem ou não querem usar o seu material para dar
aulas. E a resposta foi clara: “aqueles que não têm condições para estar em
teletrabalho têm de ir para as escolas” – explicou ao DN um dos
diretores presentes.
André Pestana, coordenador nacional do STOP (Sindicato de
Todos Os Professores), afirma que “a lei é clara e é a entidade empregadora que é responsável
por garantir e custear as despesas inerentes ao teletrabalho” e os professores
só pedem que se cumpra a lei. Ora o facto de os diretores estarem a chamar os
professores para fazer teletrabalho nas escolas contradiz o confinamento. Pestana releva 120 mil professores a
nível nacional terão de começar o ensino à distância (e@d) e que muitos deles “não
têm condições para emprestar o seu equipamento para trabalhar”. De facto, há professores com
filhos menores de 12 anos que também precisam de computadores para as suas
aulas e os equipamentos não chegam para todos. E Pestana, vincando que, na última reunião negocial
com o ME sobre as normas do e@d, não foram apresentadas soluções, explicou:
“Na reunião negocial com os sindicatos, em
que o 3.º ponto falava nas normas do e@d não houve qualquer linha sobre o
teletrabalho nem explicaram o que fazem os professores em teletrabalho que são
pais de filhos menores que também precisam de acompanhamento. É uma total falta
de respeito para esses filhos e para esses pais. Os filhos dos professores não
podem ir para as escolas de acolhimento porque essa autorização ainda não foi
dada. Haverá muitos professores com filhos menores que vão ser prejudicados,
tal como os alunos desses professores.”.
O STOP está preocupado com as condições de trabalho dos professores e com
os alunos, pois estes vão ter professores com filhos menores com o trabalho
condicionado. E, sobre isto, não houve uma palavra da parte do ME, quanto mais
a apresentação de alternativas face às interpelações dos professores.
Também um diretor de Agrupamento de Escolas, questionado pelo DN sobre as condições de trabalho nas
escolas para os professores que terão de trabalhar a partir dos
estabelecimentos, afirma não ser isso possível se todos os docentes precisarem,
reagiu dizendo:
“O problema é que a maioria das escolas não tem condições. Os
computadores têm mais de 12 anos e não têm webcams. No meu agrupamento, não
tenho material suficiente se todos os professores quisessem dar aulas aqui.”.
O parque informático da grande maioria das escolas quase não tem
computadores e o material que há é “obsoleto”. Assim, para uma professora do
Agrupamento de Escolas de Ansiães, este é um dos muitos problemas do e@d. A
docente diz ter enviado requerimento à direção alegando não ter condições para
fazer teletrabalho e solicitando o empréstimo do material necessário, mas não
obteve resposta. Um professor duma escola na região centro diz ter feito exposição ao diretor aduzindo que não tinha
condições para trabalhar em casa e não obteve resposta, mas conclui que “ir
para a escola está fora de questão, pois é violar o confinamento. E, nas
páginas das redes sociais e
blogues dedicados à educação, centenas de relatos dão conta de que muitos
docentes têm recebido ordens para se apresentarem na escola no próximo dia 8 e
pedem orientações sobre como atuar, visto que muitos não sabem o que fazer com
os filhos menores a partir desse dia.
Também a FENPROF se dirigiu ao Presidente da
República, ao Primeiro-Ministro e aos Grupos Parlamentares solicitando a promoção
de todas as diligências possíveis para a resolução urgente da situação, pois inicia-se
novo e@d sem estarem resolvidos os problemas do ano transato.
Não basta que tenhamos boa e clara legislação: importa que o Governo e seus
agentes a façam cumprir e a justiça funcione a jusante não interpretando a lei
fora da intenção do legislador.
***
Enfim, está visto que nem os patrões são todos iguais (o Estado é pior à vezes) nem os
trabalhadores o são. Que moral a do Estado em exigir de patrões se não cumpre? E
que moral tem em confinar se obriga a desconfinar? Bem se vê que o e@ de maio a julho se deveu à
carolice docente!
2021.02.05 –
Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário