A 3 de fevereiro, o Ministério da Saúde informava que o Dr. Francisco
Ventura Ramos, Coordenador da Task Force para a Elaboração do “Plano
de Vacinação contra a COVID-19 em Portugal”, renunciara ao cargo, no dia
anterior, por irregularidades detetadas pelo próprio no processo de seleção de
profissionais de saúde no HCVP (Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa), de cuja comissão executiva é presidente. Não
obstante, o funcionamento da Task Force mantém-se assegurado pelos
restantes membros do núcleo de coordenação, nomeados pelo Despacho n.º
11737/2020, de 26 de novembro.
No mesmo dia, o Ministério
da Saúde comunicou oficialmente que “o Governo nomeou o Vice-Almirante Henrique
Gouveia e Melo para coordenador da Task Force do
Plano de vacinação contra a Covid-19 em Portugal” – um oficial-general da
Armada, com 60 anos de idade, que passou por várias funções no
Ramo, nomeadamente exercendo o comando de submarinos e fragatas,
que liderou o Serviço de Treino e Avaliação da Esquadrilha de Submarinos e o
Estado-Maior da Autoridade Nacional para o Controlo de Operações de Submarinos,
assumindo, mais tarde, o comando daquela esquadrilha, que foi, de 2017 a 2020, Comandante
Naval exercendo, durante dois anos deste mesmo período, de 19 de setembro de
2017 a 19 de setembro de 2019, funções de Comandante da EUROMARFOR e que, a
partir de janeiro de 2020, assumiu as funções de Adjunto
para o Planeamento e Coordenação do EMGFA (Estado-Maior General das Forças Armadas).
Foi distinguido com várias condecorações, nomeadamente Comendador da Ordem
Militar de Avis, oito Medalhas Militares de Serviços Distintos, três de ouro e
cinco de prata, e, mais recentemente, por parte da Marinha Francesa, a Ordem de
Mérito Marítimo e, por parte da Marinha do Brasil, a Medalha da Ordem do Mérito
Naval, Grau Grande Oficial.
O militar, que já integrava a equipa que coordena o
plano, assumiu funções de imediato. E, em declarações aos jornalistas, reiterou
a prioridade de “atuar em todas as áreas, a
começar por onde houve falhas”; que “as Forças Armadas apoiam o processo
de vacinação e o Ministério da Saúde”; que a sua posição, como coordenador, “é
mais um sinal do apoio das forças armadas a este processo”; e que, tendo estado
a trabalhar com a estrutura, a conhece.
Para lá
daquele hospital, têm surgido mais casos de vacinação indevida. E, questionado
sobre tais irregularidades, o vice-almirante apontou que o “processo em si é lamentável, bastava haver um desvio que fosse
que é lamentável”, mas frisa que o “processo também tem que ter análise
estatística”, sendo que, atualmente, estes casos são raros, acontecendo cerca
de uma vez em mil.
O próprio Dr. Francisco Ramos, em nota enviada à imprensa, justificou a sua
tomada de posição:
“Ao tomar conhecimento de irregularidades no
processo de seleção para vacinação de profissionais de saúde do Hospital da
Cruz Vermelha, do qual sou Presidente da Comissão Executiva, considero que não
se reúnem as condições para me manter no cargo de coordenador da Task Force
para a elaboração do Plano de Vacinação Contra a COVID-19 em Portugal. Assim,
apresentei ontem, dia 2 de fevereiro de 2021, à Senhora Ministra da Saúde, a
renúncia ao cargo.”.
O líder do PSD vê na demissão de Francisco Ramos a possibilidade de
entregar a liderança da Task Force da
vacinação a um especialista em logística e salvar o verão, pois, como observa
Rui Rio, se as irregularidades ocorreram
na CVP (Cruz Vermelha
Portuguesa), demitia-se da CVP e não da Task Force. Assim, como aponta, precisamos de quem “saiba o que
está a fazer”. Na verdade, as Forças Armadas e o Exército em particular têm
formação neste tipo de situações. E a vacina, neste momento, é um dos bens mais
importantes e mais escassos da sociedade. E observa:
“Se não vacinarmos mais de 70% da população até ao final de junho,
estragamos o verão. Não digo que há males que venham por bem, mas esta é a
oportunidade de ficar alguém entendido na matéria a liderar a Task Force. Devíamos estar a dar 50 mil
doses por dia e estamos a dar 10 mil. Se calhar, vamos ter de passar a dar 70
ou 80 mil por dia para cumprirmos os objetivos.”.
Rui Rio diz que “o Primeiro-ministro devia estar a fazer melhor”, embora
não duvide da sua “dedicação e vontade”, pois, “se há vacinação indevida, é
porque há doses a mais e se planeou mal”, tanto assim é que há “situações em
que não se está a dar a segunda dose”.
Também Carlos Oliveira, Secretário de Estado do Empreendedorismo, da Competitividade
e da Inovação do Governo de Pedro Passos Coelho, refere que se abriu “uma enorme oportunidade para se ter e
implementar um real plano de vacinação para Portugal”, pois criar e implementar
“um plano de vacinação à escala de um país num curto espaço de tempo não é uma
tarefa para políticos ou aprendizes de logística”, mas “um trabalho técnico que
implica enorme conhecimento de logística em grande escala e uma enorme
capacidade de trabalho”. E desafia:
“Encontre-se uma equipa composta por militares e/ou de especialistas
em logística (de qualquer setor, não têm que perceber de saúde ou vacinas) que
tenha a capacidade e os recursos para fazer o que for preciso para que seja um
enorme sucesso. Sucesso é igual a vacinação rápida e de cobertura ‘total’ dos
portugueses. Ah, e olhe-se para o que outros países estão a fazer bem, como
Israel, e aprenda-se com o que está a correr bem.”.
O líder do Chega saudou a demissão de Francisco Ramos como “uma decisão que já devia ter sido tomada” e
disse que “precisamos de alguém que seja credível e objetivo”.
Ana Rita Bessa, do CDS-PP, apontou como sucessor alguém das Forças Armadas,
considerando que na Task Force há elementos, por exemplo das
Forças Armadas, capazes, capacitados de gerir operações desta natureza,
operações logísticas de precisão e de processos com esta natureza.
A Iniciativa Liberal defendeu que Francisco Ramos “já sai tarde”,
considerando que a “incompetência e desfaçatez já deviam ter tido
consequências”.
O PAN mostrou-se preocupado com as irregularidades identificadas na
administração das vacinas contra a covid-19, que justificaram a demissão do
coordenador do plano de vacinação, e pediu explicações ao Governo.
Francisco George, presidente da CVP, assegurou que a instituição não está
ligada à gestão do hospital, cuja comissão executiva é presidida por Francisco
Ramos, que se demitiu da Task Force
de vacinação contra a covid-19. Com efeito, “no dia 14 de dezembro de 2020, a CVP vendeu 55%
das ações que detinha na gestão do hospital à SCML (Santa Casa da Misericórdia de Lisboa) e que desde então não teve contactos
com a comissão executiva do HCV, garantindo que a organização “é só
proprietária do edifício” e que a decisão não condiciona a CVP. A atual administração
entrou em funções sem a CVP, que deixou de ter qualquer participação na
sociedade de gestão. A maioria do capital social da sociedade gestora é detida
pela SCML. Assim, o presidente do conselho de administração – que era até 14 de
dezembro o presidente da CVP – passou a ser o provedor da SCML, que nomeou como
presidente da comissão executiva o Dr. Francisco Ramos.
Questionado se ficava surpreendido com a denúncia feita por Francisco Ramos
de irregularidades no processo de seleção para vacinação de profissionais de
saúde do HCVP contra a covid-19, recusou fazer comentários, mas saiu em defesa
do ex-coordenador da Task Force, de
quem disse ser “amigo pessoal há muitos anos” e que “é uma pessoa de grande integridade”, inclusive “nos atos de gestão que
pratica”.
A bastonária da Ordem dos Enfermeiros afirmou que a vacinação indevida
contra a covid-19 “não é culpa de uma só pessoa”, ao comentar a demissão do
coordenador da Task Force deste plano
em Portugal. E explicou em declarações à agência Lusa:
“Isto não é culpa de uma só pessoa, até porque as regras estavam
definidas à partida, inclusive a questão dos nomes supletivos nas listas,
consoante nós tirássemos cinco ou seis doses de cada ampola de vacinação”.
Considerando que, no caso, houve “uma tremenda falta de fiscalização, a que o Governo não se pode alhear”,
Ana Rita Cavaco reiterou que “não se pode culpar apenas o coordenador” do
Plano. E admitindo que “poderá haver aqui uma tentativa de, nestas situações de
vacinação indevida, culpar uma só pessoa”, disse não compreender por que razão
Francisco Ramos, sendo presidente da CVP, se demite da Task Force e, por outro lado, continua a presidir à instituição”.
Esquece que ele pôs o lugar à disposição da SCML, que recusou a demissão.
Segundo a bastonária, o volume de denúncias recebidas
na Ordem mostra que “estamos a falar de milhares de pessoas que foram vacinadas,
em princípio indevidamente”, designadamente “autarcas, provedores de santas casas, família, amigos,
informáticos, pessoas em teletrabalho e muitas outras” – isto, quando o país
tem “ainda milhares de enfermeiros
por vacinar”, assim como de idosos, incluindo os que residem em lares,
bombeiros, forças de segurança e estudantes de enfermagem que “estão fora de
qualquer grupo prioritário e que têm ajudado os lares e que estão a receber
ensino clínico” para o país poder ter enfermeiros.
Mais disse Ana Rita Cavaco que a Ordem se
ofereceu, várias vezes, para organizar os centros de vacinação, inclusive com
trabalho pro bono, acabando por escrever isso mesmo ao Presidente
da República. E garantiu que não teria havido estes casos de vacinação indevida
com a Ordem.
***
Certamente deu para ver que alguns dos comentários surgiram antes de
conhecida a nomeação de Gouveia e
Melo para coordenador da Task Force, que terá sido instada pelo Presidente
da República no pressuposto de que os militares são quem tem mais experiência
no âmbito da logística e do planeamento – do que não duvido, desde que uma
indevida politização e o sempre espreitante zelo de interesses não baralhem
tudo. A isso nem as forças armadas valem.
O problema da vacinação em massa duma população em
todo o mundo traz sempre muitos problemas quer a montante, quer a jusante das
decisões políticas. E o caso da covid-19 é emblemático neste aspeto.
Desesperava-se por uma vacina ou um medicamento
eficaz de combate ao vírus para travar a pandemia. As vacinas surgiram em tempo
record, não sem os Estados e sobretudo algumas estruturas intraestatais, como a
UE, terem disponibilizado avultadas verbas para a investigação e produção,
ações que decorreram mais na dinâmica da concorrência que da convergência,
dando azo a que alguns poucos enriquecessem desmedidamente à custa disso. Com a
aprovação das primeiras de entre as muitas vacinas, criou-se alta expectativa
sobre a sua eficácia sobre a pandemia, bem como a falsa expectativa de que
todos seriam rapidamente vacinados – muito mais desejo que garantia
comunicacional. E pouco liguei à afirmação do nosso Presidente da República de
que o fornecimento estaria garantido a tempo e horas, porque teria falado com
os fornecedores (Mais que os políticos, eles
prometem e garantem tudo, até que interesses mais altos se levantem!), parecendo demarcar-se do
Plano de Vacinação gizado pelo Governo, até porque a vacinação da gripe em 2020
falhara em relação ao prometido.
É óbvio que a Comissão Europeia, agora sob várias e
fortes críticas (a que responde de forma sustentada), incluindo as de membros
do Governo alemão, fez um reiterado esforço diplomático e financeiro por que
todos os países da UE sejam atempadamente dotados das doses de vacinas em
conformidade com o seu volume populacional e com as encomendas feitas junto de
cada um dos produtores. E já reforçou tal diligência duas vezes pelo menos.
É óbvio que países mais endinheirados ou com maior
poderio estratégico são capazes de “desviar” as encomendas em seu proveito,
pouco se interessando pelos países mais débeis, pelos que já assumiram os
encargos – até já tem feito alguns pagamentos – e muito menos pelo princípio de
que ninguém pode ficar para trás. Assim, está em perigo a concretização da
vacina como gratuita, facultativa, mas universal.
Por outro lado, é possível que haja dificuldade em
conseguir a tempo matéria-prima e produzir ao ritmo do que é necessário.
Entrada a vacina no país, dada a necessidade
específica do seu armazenamento, é inevitável que acidentalmente algumas doses
se percam, como sucedeu recentemente no Hospital de Penafiel, com problemas no
sistema de refrigeração, não se devendo atribuir culpas precipitadamente.
Quanto à ministração indevida de vacinas, há dois
tipos de casos a considerar: o da vacinação dita indevida de administradores e
familiares de Misericórdias e IPSS; e o da vacinação de pessoas procuradas “ad
hoc” para evitar a inutilização de doses.
Em relação ao primeiro caso, a Task Force deveria
ter especificado que deviam ser vacinados, com os idosos, os funcionários e
também, mas só, os administradores e voluntários que efetivamente estão em
contacto com os utentes – situação que deve ser mantida, considerando abusivas
todas as outras vacinações oportunistas ou fruto do chico-espertismo e devendo
ser apurados os factos e as respetivas responsabilidades disciplinares e
criminais.
No atinente ao segundo caso, não havia de ser
preciso ter vindo à televisão o Primeiro-Ministro explicar que os dirigentes de
cada setor devem ter uma lista de suplentes do mesmo grupo prioritário para
serem vacinados em situações em que doutro modo as doses seriam inutilizadas (se uma dose correspondesse a um frasco, faltando o
convocado guardava-se; como do mesmo frasco se retiram 6 doses, faltando um ou
dois dos convocados ou estando algum deles infetado no momento, a vacina seria
aplicada num ou dois suplentes sem se procurarem candidatos à última da hora). Não é crível que o Primeiro-Ministro
tenha de vir dizer a cada setor da sociedade (escola,
hospital, polícia…) como deve ser gerido, como, depois de ser
decretado o confinamento, não devia ser necessário o Primeiro-Ministro vir
dizer que a PSP e a GNR teriam de estar nas ruas e nas estradas. Ora, a
calamidade pública e o confinamento implicam alteração da ordem pública, pelo
que as forças de segurança têm de estar no terreno e com a cooperação das
forças armadas devidamente enquadradas. Onde estavam o Diretor Nacional da PSP,
o Comandante Geral da GNR e o CEMGFA? A tratar da extinção do SEF, a discutir
quem escolta as carrinhas transportadoras das vacinas ou a determinar se os
militares ajudam com armas ou sem armas? O que são militares desarmados?
Por outro lado, os boys e girls que
enxameiam alguns serviços do Estado já tiveram tempo de conseguir competências
para o bom desempenho, através de estudo, desejo de aprender, humildade e
dedicação aos cargos. Aliás, é velho o adágio “exercendo disces” (com o exercício aprenderás).
E, por acaso, for verdade que tudo nas vacinas
estava devidamente planeado, então falhou a fiscalização, que em situação
excecional deveria estar excecionalmente preparada.
Enfim, é preciso saber de planeamento e de
logística, mas recuso acreditar que, nestas matérias, os militares sejam os
únicos. São bons nisto, mas são-no sobretudo em estratégia e tática.
De resto, precisamos de boas leis, zelosa administração,
assídua fiscalização e célere e eficaz justiça. Caso contrário, a prevaricação galopa
e sobre desenfreadamente.
2021.02.06 –
Louro de Carvalho
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