As próximas eleições para os órgãos das
autarquias locais – municípios e freguesias – estão a agitar muita gente. Uns
protestam contra a nova legislação atinente à matéria; outros querem o adiamento
do ato eleitoral por via da situação de pandemia.
Na verdade, a Lei Orgânica n.º 1-A/2020, de 21 de
agosto procede à nona alteração à LO (Lei Orgânica) n.º 1/2001, de 14 de
agosto, que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais,
dando nova redação aos seus artigos
7.º, 19.º, 23.º, 31.º, 103.º e 170.º.
Assim, o n.º
2 do art.º 7.º, no quadro dos também não elegíveis
para os órgãos das autarquias locais em causa, inclui uma alínea c) com nova
redação inibindo “os membros dos corpos sociais, os gerentes e os sócios
de indústria ou de capital de sociedades comerciais ou civis, bem como os
profissionais liberais em prática isolada ou em sociedade irregular que prestem
serviços ou tenham contrato com a autarquia não integralmente cumpridos ou de
execução continuada, salvo se os mesmos cessarem até ao momento da entrega da
candidatura”.
Isto, em meu
entender, clarifica determinadas situações de ambiguidade que ocorriam.
Por seu
turno, o n.º 3 do mesmo artigo estabelece:
“Nenhum
cidadão pode candidatar-se simultaneamente: a) a órgãos representativos de
autarquias locais territorialmente integradas em municípios diferentes; b) a
mais de uma assembleia de freguesia integradas no mesmo município; c) à câmara
municipal e à assembleia municipal do mesmo município.”.
A novidade é
a proibição da candidatura dum cidadão à câmara municipal (CM) e à assembleia municipal (CM) do mesmo município, o que traz problemas a partidos
que em municípios de pouco volume populacional tenham fraca implantação. Porém,
não se veem críticas a tal norma.
O art.º 19.º
estabelece, no atual n.º 4, que “os
grupos de cidadãos eleitores que apresentem diferentes proponentes
consideram-se distintos para todos os efeitos da presente lei, mesmo que
apresentem candidaturas a diferentes autarquias do mesmo concelho”,
excetuando-se, nos termos do igualmente atual n.º 5, “os grupos de cidadãos eleitores que apresentem candidatura
simultaneamente aos órgãos câmara municipal e assembleia municipal, desde que
integrem os mesmos proponentes”.
Por sua vez,
o n.º 8 determina:
“O
tribunal competente para a receção da lista promove sempre a verificação, pelo
menos por amostragem, da autenticidade das assinaturas e da identificação dos
proponentes da iniciativa, lavrando uma ata detalhada das operações realizadas
e dos proponentes confirmados”.
E mantêm-se
todas as outras disposições deste artigo.
O art.º 23.º
fica alterado, no seu n.º 2, nestes termos:
“Para
efeitos do disposto no número anterior (apresentação
das candidaturas), entendem-se por
elementos de identificação a denominação, sigla e símbolo do partido ou
coligação, a denominação e sigla do grupo de cidadãos e o nome completo, idade,
filiação, profissão, naturalidade, residência e número de identificação civil
dos candidatos e dos mandatários”.
O n.º 4
estabelece:
a) A denominação não pode conter mais de seis palavras, nem
integrar as denominações oficiais dos partidos políticos ou das coligações de
partidos com existência legal, expressões correntemente utilizadas para
identificar ou denominar um partido político, nem conter expressões diretamente
relacionadas com qualquer religião ou confissão religiosa, ou instituição
nacional ou local; b) a denominação dos grupos de cidadãos eleitores não pode
basear-se exclusivamente em nome de pessoa singular; c) a denominação dos
grupos de cidadãos eleitores apenas pode integrar um nome de pessoa singular se
este for o do primeiro candidato ao respetivo órgão, salvo no caso dos grupos
de cidadãos eleitores simultaneamente candidatos aos órgãos câmara municipal e
assembleia municipal, conforme previsto no n.º 5 do art.º 19.º; d) o símbolo não pode confundir-se ou ter relação gráfica
ou fonética com símbolos institucionais, heráldica ou emblemas nacionais ou
locais, com símbolos de partidos políticos ou coligações com existência legal
ou de outros grupos de cidadãos eleitores, nem com imagens ou símbolos
religiosos; e) os símbolos e as siglas de diferentes grupos de cidadãos
eleitores candidatos na área geográfica do mesmo concelho devem ser distintos;
f) é vedada a utilização das palavras «partido» e «coligação» na denominação
dos grupos de cidadãos eleitores.”.
E o n.º 8 estabelece:
“Na
declaração de propositura por grupos de cidadãos eleitores, nos casos em que a
presente lei o admitir, os proponentes são ordenados, à exceção do primeiro e
sempre que possível, por ordem alfabética”.
Já o art.º
31.º dispõe que “das decisões finais relativas à apresentação de candidaturas
cabe recurso para o Tribunal Constitucional”; mantém que “o recurso deve ser interposto no prazo de quarenta e
oito horas a contar da afixação das listas”; e que “os recursos das decisões proferidas
sobre denominações, siglas e símbolos de grupos de cidadãos eleitores têm
caráter urgente sobre as demais e devem ser decididas no prazo de 72 horas”,
quando dantes estas decisões eram irrecorríveis.
Nos termos do
art.º 103.º, “os eleitores podem obter
informação sobre o local onde exercer o seu direito de voto na sua junta de
freguesia, aberta para esse efeito no dia da eleição, para além de outras
formas de acesso à referida informação disponibilizadas pela administração
eleitoral”. E o art.º 170.º estipula:
“1 – Quem aceitar candidatura em mais de uma
lista concorrente ao mesmo órgão autárquico é punido com a pena de prisão até 1
ano ou pena de multa até 120 dias.
“2 – Quem aceitar ser proponente de mais de uma lista de candidatos de
grupos de cidadãos eleitores para a eleição do mesmo órgão autárquico é punido
com pena de multa até 30 dias.”.
***
O movimento de cidadãos “Matosinhos Independente” pediu audiência
ao Presidente da República para apelar à redução do número de assinaturas de
proponentes para que as suas candidaturas sejam possíveis, dando conta das
dificuldades, pois “as restrições impostas pela covid-19, já há longos meses,
têm dificultado ao máximo a recolha de assinaturas, por terem de se evitar
locais movimentados e a proximidade social”. E o presidente da ANMAI (Associação Nacional dos Movimentos
Autárquicos Independentes) admite “inquietação” sobre o
processo de recolha de assinaturas, tendo o assunto sido abordado com
a Comissão Nacional de Eleições, que apenas aconselhou os movimentos a “respeitar
as normas da DGS” nos contactos de rua.
Julgam anacrónico, quando já não é possível
dispor de listas telefónicas e há proteção de dados, obrigar-se a recolha de
assinaturas na rua, sem os potenciais candidatos terem a possibilidade de saber
a que eleitores se dirigir. Por isso, da estratégia de realizar sessões de
esclarecimento e auscultar a opinião dos munícipes passam à de tentar conseguir
as assinaturas criando nos respetivos sites um campo para as pessoas imprimirem
a propositura e assinar sem o risco de contágio.
O art.º 19.º da LO n.º 1/2001, de 14 de agosto, na atual redação, estabelece
que “as listas de candidatos a cada órgão
são propostas pelo número de cidadãos eleitores resultante da utilização da
fórmula: n/(3 x m), em que n é o número de eleitores da autarquia e m o número
de membros da câmara municipal ou de membros da assembleia de freguesia, conforme
a candidatura se destine aos órgãos do município ou da freguesia” e que os
resultados da aplicação da fórmula “são
sempre corrigidos por forma a não resultar um número de cidadãos proponentes
inferior a 50 ou superior a 2000, no caso de candidaturas a órgão da freguesia,
ou inferior a 250 ou superior a 4000, no caso de candidaturas a órgão do
município”.
Ora, porque a uma eleição autárquica
a Constituição permite que concorram independentes, devem criar-se condições de
igualdade para o poder fazer, sendo proposta, pelo menos, neste momento de
exceção, a redução para metade o número de proponentes.
De facto, é muito complicado jogar
com número tão elevado de assinaturas, sobretudo em tempos de dificuldade de contactos
por via das regras sanitárias.
Helena Roseta considera o número de
assinaturas exigidas “exagerado”, mas aponta “problemas maiores” não resolvidos,
como o facto de os movimentos que suportam candidaturas independentes se
extinguirem no dia das eleições, deixando os candidatos sem suporte no momento
em que “começa o trabalho”, já para não falar do financiamento.
A ANMAI considera que as
alterações legislativas acima enunciadas prejudicam sobretudo as candidaturas
independentes, designadamente as atinentes a assembleias de freguesia, ao ser
exigido que tenham um grupo diferente do que o mesmo movimento propõe para a
candidatura à câmara e à assembleia municipal. Por outro lado, PS e PSD propuseram e
aprovaram que, em nome da transparência, um candidato dum grupo de cidadãos
apenas pode concorrer a um dos órgãos autárquicos (câmara e assembleia
municipal), e não a ambos, nem a mais que uma assembleia de freguesia. Assim,
também a ANMAI se
reuniu com Marcelo para tentar travar a alteração, mas sem sucesso. E
suspeita estas novas dificuldades criadas pelos partidos levem muitos a aderir
a partidos populistas, porque assim evitam estes problemas.
Além disso, os movimentos, que se
queixam de não terem sido ouvidos, dizem que tais alterações são “uma injustiça
de todo o tamanho”.
Aurélio Ferreira sublinha que grupo
de cidadãos que apenas se candidate apenas a uma assembleia de freguesia não
terá direito a subvenção do Estado, pois “as subvenções são pagas em função do
úmero de eleitores nas assembleias municipais. Esquece-se do tempo em que as
candidaturas de grupos de cidadãos não eram possíveis para os órgãos do
município. E até considera a AMAI que a LOL viola claramente o art.º 113.º, n.º
3 b) da CRP e o art.º 40.º da LOL, no âmbito da igualdade de oportunidades. Só que
as normas invocadas referem-se à igualdade de oportunidades e de tratamento no
âmbito da campanha eleitoral no atinente à liberdade de propaganda eleitoral a
efetuar nas melhores condições, “devendo as entidades públicas e privadas
proporcionar-lhes igual tratamento, salvo as exceções previstas na lei” (LO), estipulando a CRP “igualdade de oportunidade de oportunidades e
de tratamento” – o que não obsta à especificidade diferente para a
constituição de partidos e de movimentos.
Concordo com a reivindicação da
redução do número de assinaturas e concordo com a manutenção dos grupos de
cidadãos durante o mandato, bem como acho incrível que o mesmo movimento não
possa candidatar-se com os mesmos proponentes – obviamente com candidatos
deferentes – aos três órgãos autárquicos. Não vejo que haja razão para recusar
a verificação da identificação das assinaturas ao menos por amostragem, como
alguns reivindicam, ou para recusar a proibição da utilização de palavras como
“partido” ou “coligação” e siglas e símbolos de partidos e coligações já
existentes, bem como as demais proibições do n.º 4 do art.º 19.º. As colagens
são sempre de natureza e efeitos dúbios.
Ademais, se tolero as candidaturas de
grupos de cidadãos, devo dizer que, em princípio, as candidaturas a órgãos
eleitos do poder político devem ser reservadas a partidos ou grupos orgânicos
de igual valor, que tenham um programa consistente e que se sujeitem coerentemente
a escrutínio e avaliação pública, o que não sucede com estes grupos, que se
dissolvem após a eleição. Quem lhes pode retirar ou reiterar a confiança
política? Ora, sucede que a maioria dos ditos independentes são apenas cidadãos
dissidentes ou ressentidos de partidos a que pertenceram e a cujos aparelhos
deixaram de agradar, sendo que o aparelhismo tem de ser mitigado para bem da
democracia intra e extrapartidária. Admito, sim, candidaturas de cidadãos
independentes incluídos na lista de partidos, com quem estes façam acordo de
mandato.
***
Outro aspeto de agitação é o putativo
interesse em adiar as eleições autárquicas. A ideia foi lançada por Santana
Lopes com a invocação da pandemia e de que não haverá violação da Constituição,
não porque o voto venha a ser condicionado, pois no caso das presidenciais
correu bem (Santana dixit), mas pela campanha eleitoral, pois,
nestas eleições os candidatos precisam de mais tempo, têm de ir a todo o lado (empresas, escolas, serviços, rua a
rua, porta a porta), não
tendo atrás de si televisões, rádios e jornais nacionais. Estas ideias estão a
fazer caminho, a ponto de o PSD já ter vindo dizer que é questão a ponderar e decidir;
e o PS adverte que é discussão prematura.
Sendo habitual termos estas eleições
em outubro, não vejo, se as coisas se mantiverem em termos de pandemia, que
outubro seja mês tão perigoso como janeiro. Ora, se os políticos, invocando
indevidamente a Constituição, sem atenderem ao estado de necessidade em
situação verdadeiramente excecional, resolveram não adiar a eleição
presidencial, mas agitaram o fantasma do perigo pandémico da eventual
necessidade de uma 2.ª volta, como ousam pôr na agenda o adiamento das eleições
locais de outubro para março/abril (meses altamente perigosos em 2020)? Os candidatos não têm os meios de
comunicação nacionais atrás de si, mas têm as rádios e jornais locais e as
redes sociais. Têm de ir a todo o lado? Comecem mais cedo e tudo correrá bem.
Ou valem-se a pandemia para estarem inativos ou se autodispensarem da ida a
jogo?
Dos partidos ditos do arco da
governação já é de esperar tudo. Quando me lembro de que, em tempo de crise de
um deles, a prioridade do líder, em vez da
reorganização do partido, era afinar o regime de incompatibilidades, a
refiliação partidária ou a lei de limitação de mandatos, e a de outro era a
colagem a uma moção de censura ao Governo apresentada por um partido que
disputava o mesmo espaço eleitoral (PRD),
o combate à teoria da cabala, a crítica suave à governança da troika ou as
eleições primárias…
Porém, adiar eleições autárquicas não
se justifica em meu entender, a menos que nos portemos demasiado mal no verão e
não larguemos o vírus, que já deve estar farto de fazer doentes, provocar
internamentos, sujeitar pessoas a cuidados intensivos e causar mortes em
hospital ou ao domicílio. Se nos sacrificámos em janeiro para termos PR, porque
não hemos de o fazer em outubro para temos Assembleia Municipal, Câmara
Municipal e Assembleia de Freguesia? Devem os candidatos ao poder local
autoespevitar a sua criatividade. A democracia agradecerá.
Haja Deus e crie-se esperança
robustecida!
2021.02.10 – Louro de Carvalho
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