A pandemia de Covid-19 trouxe, como não podia
deixar de ser, perturbação ao sistema educativo. De facto, por motivos de
segurança e saúde pública, desde o dia 16
de março todos os estabelecimentos de educação e ensino, desde creches a
universidades e institutos politécnicos, estão encerrados para conter a
propagação do novo coronavírus.
Assim, na
sequência da suspensão das aulas presenciais, cerca de dois milhões de alunos tiveram
de trocar as salas de aula pelas suas casas e os professores tiveram de adotar
modelos de ensino inovadores, recorrendo a plataformas de “e-learning” e
aplicações de videochamada para as aulas e enviando trabalhos por “e-mail” ou “whatsapp”.
Porém, nas duas semanas de ensino à distância (de 16 a 27 de março), antes da interrupção das atividades letivas por
ocasião da Páscoa, pais, professores e diretores escolares alertaram para
vários constrangimentos ocasionados por esta estratégia de emergência, que
deixou de fora os alunos mais desfavorecidos, os que não têm Internet nem
equipamentos para conseguir acompanhar as aulas a partir de casa. Entretanto, o
ME (Ministério
da Educação) estabeleceu
uma parceria com a RTP para começar a transmitir no 3.º período conteúdos
programáticos dirigidos aos alunos do 1.º ao 9.º ano de escolaridade. E para o
ensino secundário mantém-se a situação das aulas não presenciais ministradas
pelos respetivos professores pelos meios ao seu alcance até que possa
decidir-se de outro modo.
Para todos,
desde a educação pré-escolar até ao 12.º ano, o 3.º período inicia-se a 14 de
abril, sendo que, os alunos do 11.º e 12.º anos poderão
voltar, neste ano letivo, a ter aulas presenciais, como anunciou o Primeiro-Ministro
no dia 9, frisando que “se e quando” os alunos voltam às escolas será decidido
segundo a evolução da pandemia. Na melhor das hipóteses (Plano A do
Governo), isso poderá ocorrer a 4 de maio.
Mas poderá ocorrer mais tarde ou nem ser possível. Entretanto, os exames
nacionais do ensino secundário – cuja 1.ª fase iria de 15 de junho a 7 de julho e cuja 2.ª
fase iria de 21 a 27 de julho – terão a sua 1.ª fase de 6 a 23 de julho e a 2.ª de 1 a 7 de setembro, de modo
que as aulas possam estender-se até 26
de junho.
Mesmo que
volte a haver aulas presenciais, apenas as 22 disciplinas sujeitas a exame
nacional serão lecionadas dentro das escolas, continuando as restantes a ser
trabalhadas à distância. E os alunos apenas realizarão exames finais nacionais
nas disciplinas que elejam como provas de ingresso para efeitos de concurso
nacional de acesso ao ensino superior. Os que se destinam apenas para aprovação
de disciplinas e conclusão do ensino secundário estão cancelados, devendo a
média final do ensino secundário ser apurada com base na classificação interna dada
pelos professores em cada uma das disciplinas (de todas).
“Se e quando
se vão retomar” as aulas será decidido posteriormente, disse António
Costa, que avançou que o Governo está a trabalhar num “Plano B”, que passa
pela manutenção das aulas exclusivamente em ensino à distância, “se a evolução
da pandemia assim o exigir”. E, caso voltem às aulas, os estudantes do ensino
secundário, os professores e os funcionários, até posição em contrário das
autoridades de saúde, terão que usar máscara dentro da escola, que será fornecida
pelo ME e as direções dos agrupamentos terão que garantir o cumprimento das
regras de distanciamento e higienização. Os professores e outros trabalhadores
que façam parte de grupos de risco são dispensados do trabalho presencial.
Por
outro lado, todas as faltas dos alunos serão justificadas “sem necessidade de
qualquer requerimento ou atestado”.
As turmas
serão divididas e mais professores serão mobilizados, podendo ser preciso recorrer
a mais contratações e autorizar horas extraordinárias, porquanto os professores
do 11.º ano e do 12.º também lecionam outras turmas de outros níveis de ensino
e de outras ofertas formativas.
O Primeiro-Ministro não abordou
a questão do acesso ao ensino superior, mas, entretanto, o MCTES (Ministério
da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior) anunciou que
o calendário de acesso ao ensino superior vai ser integralmente atrasado em
cerca de três semanas. As candidaturas à 1.ª fase do concurso nacional de acesso
serão apresentadas durante o mês de agosto e os resultados serão conhecidos a
28 de setembro.
“O ano letivo
não acabou”, avisou o Chefe do Governo. O 3.º período vai decorrer na íntegra e
terminar “com avaliação”. Mesmo à distância, a avaliação existirá e os docentes
terão em conta o conjunto do percurso educativo dos alunos, podendo ficar
retidos ou reprovar.
***
Os alunos do
1.º ao 10.º ano vão fazer todo o
3.º período em regime de ensino à distância. “A decisão está
tomada e é definitiva” para estes anos de escolaridade. A avaliação final dos
alunos será feita em cada escola pelos respetivos professores. Para as suas
classificações contará o trabalho desenvolvido no 3.º período e os
estudantes podem não ter sucesso escolar, se os professores assim o verificarem
e entenderem. O Governo decidiu cancelar a realização das provas de aferição do
2.º ano, 5.º ano e 9.º, bem como as provas finais nacionais do 9.º ano.
Do 1.º ao
9.º ano, a lecionação ensino passa agora a ter o reforço da nova Telescola,
ou seja, a “emissão televisiva de conteúdos pedagógicos”, que será emitida na
RTP Memória a partir do dia 20 de abril e complementará o trabalho
que os professores fazem à distância com os alunos.
A RTP
Memória é um canal que está disponível nos serviços de cabo e satélite, mas
também na Televisão Digital Terrestre, uma tecnologia gratuita e que chega
à esmagadora maioria dos lares. As emissões serão feitas por blocos, divididos
por anos de escolaridade, ao longo de todo o dia, começando pelos alunos mais
jovens e terminando ao final da tarde com os conteúdos para os alunos do
9.º ano. Estes
conteúdos “complementarão”, mas não substituirão o trabalho dos professores. E,
no ensino secundário, é tal a diversidade de disciplinas que não será possível
recorrer ao meio televisivo para apoiar as aulas.
A
tutela está a trabalhar em soluções com as câmaras municipais, as forças de
segurança, as televisões e os CTT para continuar a desenvolver mecanismos de
apoios aos estudantes em casa.
Por seu
turno, a RTP2 fará um reforço da programação destinada às crianças em idade
pré-escolar: será um apoio pedagógico de natureza distinta. O Governo afirma
que as atividades nos jardins de infância só poderão ser retomadas quando forem
revistas as regras de distanciamento, sendo prematuro definir um prazo seguro,
ainda que indicativo, que permita saber quando serão alteradas essas regras. As
crianças têm, pois, de continuar em casa.
Por outro
lado, foi decidido que o apoio excecional aos trabalhadores por conta
de outrem e trabalhadores independentes que fiquem em casa a acompanhar os
filhos por causa do encerramento das escolas continuará de pé até ao final do
ano letivo. As regras são as mesmas das primeiras duas semanas de suspensão das
atividades letivas presenciais.
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Fechar
as escolas “é um sacrifício que se justifica”, disse António Costa, lembrando
que a suspensão deu um contributo decisivo para travar o crescimento da
pandemia no país. No entanto, “ainda não chegámos
ao dia em que podemos levantar as medidas de limitação e isolamento social”, e
nem a comunidade científica “pode prever em que dia ou semana o podemos fazer
com a segurança necessária”. Porém, o fecho das salas de aulas
aos estudantes e professores obrigou todos a adaptarem-se ao ensino à
distância, mostrando que a educação não estava preparada para o embate, não só
pela classe de profissionais envelhecida à procura do seu lugar nas
tecnologias, mas também pelos jovens de terras onde não há internet. E
foi a pensar nestes alunos que o Governo negociou a transmissão de aulas pela televisão por cabo, do
1.º ano de escolaridade ao 9.º.
A
decisão de suspender as atividades letivas presenciais no ensino básico é
definitiva. Relativamente ao ensino secundário, o Primeiro-Ministro diz não
estar em condições de fixar uma data no regresso às escolas, com base na
informação atualmente disponível. Mas, havendo menos oportunidade de
recuperação futuro e sendo anos decisivos para a conclusão de um já longo processo
educativo, seja para o acesso ao ensino superior, seja para ingressar na vida
ativa, é particularmente importante que ainda possamos retomar as atividades
letivas” – disse.
***
Deve assinalar-se que
todas estas decisões ou não decisões surgiam no dia 9 de abril depois de o
Governo ter ouvido
durante dois dias especialistas, representantes da comunidade escolar,
partidos, sindicatos e os órgãos consultivos do Ministério da Educação, e que
tudo isto se aplica ao setor público e ao setor privado.
***
Por mim,
saúdo todo o apoio científico, cultural e pedagógico que o ME possa dar e
concitar em favor das crianças, adolescentes e jovens. Todavia, em relação à
nova Telescola, devo recordar que antigamente os alunos estavam em sala com um
acompanhante que lhes concitava e mantinha a atenção, lhes tirava dúvidas e os
apoiava na avaliação. Hoje, crianças de tenra idade ou adolescentes irrequietos
ficam entregues a si próprios? São acompanhados pelos pais, muitos dos quais
não têm literacia suficiente para os acompanhar escolarmente e outros estão
stressados ou sobrecarregados de trabalho doméstico e de teletrabalho para
empresas e serviços?
Depois, os
testes pelos meios eletrónicos, sobretudo se baseados em questões que postulam
respostas de escolha múltipla, são fiáveis? Como se garante que foi o aluno quem
respondeu, se respondeu à sorte ou se foi ver o livrinho?
Por outro
lado, o ME ou a escola vão contratar a mata-cavalos docentes que não disporão
de tempo para se inteirarem dos programas de ensino ou mobilizarão docentes do
próprio grupo de recrutamento que, há anos, não têm contacto com alguns
programas da sua disciplina ou grupo!
Por isso,
afigura-se que a estratégia encontrada terá, ao mesmo tempo, muito do
faz-de-conta e muito de trabalho válido.
Porém, é
confrangedor ver como o ME, as escolas e o Governo no seu todo tentam responder
aos anseios dos alunos e pais, que não a contento, como é natural, e as
instituições do ensino superior aguardam generosamente que todos trabalhem para
elas, como se todos e todas tenham a obrigação exclusiva de lhes fornecer os
alunos do 1.º ano de estudos!
Ora, em maré
de emergência, seria bom que todos abdicassem de algo. As escolas fariam o
esforço de completar a lecionação das disciplinas, avaliariam e apurariam as
médias do ensino secundário, tal como fariam os exames nacionais e de
equivalência à frequência aos alunos de fora do sistema. E as instituições do
ensino superior selecionariam os candidatos aos cursos. Cada um faria a sua
parte. Será que virão, no próximo ano, criticar a insuficiência do ensino
secundário neste ano ou tentarão colmatar as lacunas que obviamente
encontrarão?
2020.04.10 –
Louro de Carvalho
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