A economia em situação de normalidade (sem recessão
económica), no âmbito do
comportamento das famílias em termos de poupança e consumo de bens e serviços,
carateriza-se pela tendência, em ciclos expansionistas (aumento da produção, emprego e rendimento), para aumento do consumo (melhorando o estilo de vida) e da poupança por motivo de precaução (acautelando o
futuro por súbitas quebras de rendimento, problemas de saúde, questões
familiares, dificuldades financeiras na educação dos filhos e na velhice…) e pela maior predisposição, em
ciclos recessivos (baixa da produção, emprego e
rendimento), para redução da poupança mantendo o mais possível o estilo de vida
anterior.
Porém, esta caraterização não se verificou, em termos gerais, na atual realidade
de severa crise sanitária e económica, já que nos encontramos ante uma situação
demasiado anormal em que os comportamentos das famílias se modificam de forma
significativa. Assim, no caso português, segundo os estudiosos, verifica-se que
a taxa de poupança das famílias aumentou agora, em contraciclo, quando historicamente
tem sido quase constante o facto de as famílias portuguesas registarem uma das
mais baixas taxas de poupança comparativamente com o sucedido na União Europeia
a 27 (UE-27) e na Zona Euro a 19 (UE-19). Por exemplo, o Eurostat refere que, em 2018, a
taxa de poupança das famílias portuguesas foi de 7,1% do seu rendimento
disponível em comparação com 12,5% da UE-19 e 11,7% da UE-27, ao passo que do Luxemburgo
regista 21,9% e da Alemanha 19,1%, tendo sido estes os países europeus com
maiores taxas de poupança das famílias. No entanto, antes da adesão de Portugal
ao euro, no início dos anos 2000, as taxas de poupança das nossas famílias situavam-se
acima dos 20%.
Assim, ao invés do sustentado pela teoria económica
tradicional, as famílias portuguesas, sobretudo, aquelas cujos agregados
familiares não tiveram reduções de rendimento por via de despedimento, “lay-off”
ou redução de atividade, aumentaram as poupanças e reduziram o consumo, tendo as
poupanças atingido, em muitos casos, valores máximos no atual contexto, aliás
como sucedeu na crise económica e financeira de 2007/2008. Não obstante, a
poupança das nossas famílias é inferior à da média da UE-27. Com efeito,
segundo o INE (Instituto Nacional de Estatística), no 2.º
trimestre de 2020, a taxa de poupança das famílias subiu para 10,6% do seu
rendimento disponível – quando no 1.º trimestre era de 7,5% –, muito à custa da
baixa de 3,7% do consumo presente das famílias, ao passo que, no mesmo período,
a taxa de poupança das famílias europeias em termos da média da UE-27, foi bem
mais elevada, 24,6%.
Pelos vistos,
segundo os especialistas, estaremos perante o “Paradoxo da Poupança” descrito por J. M.
Keynes em “A Teoria do Emprego, do Juro e
da Moeda” (1936).
Para lá do aludido “motivo de precaução”, gerado pelo clima
de grande incerteza em que se vive, são de ter em conta dois motivos específicos
do momento presente: a redução do incentivo ao consumo (que passou a cingir-se aos bens essenciais), por via do confinamento
e das restrições sanitárias; e a alteração de estilo de vida das famílias com o
refrear do consumo presente fruto de uma mais baixa atividade fora de casa. De
facto, as restrições sanitárias induziram cortes a nível de refeições na
restauração, de idas a centros comerciais, de viagens, de entretenimento, de
vestuário, etc., o que parece configurar uma “poupança forçada ou involuntária”,
dado que as famílias que podiam e queriam consumir mais ficaram impedidas de o
fazer. E, mantendo-se o clima de pandemia e as respetivas restrições
sanitárias, será de esperar a manutenção de uma tendência mais ou menos
duradoura para existir uma maior poupança das famílias no futuro.
Ora, constituindo o consumo das famílias um dos principais
motores da atividade económica e continuando estas na linha da maior poupança
possível e, consequentemente, de menor consumo, a recuperação económica será
mais lenta que o esperado. Quer isto dizer que o fenómeno do “Paradoxo da
Poupança” leva a que, em contexto de profunda crise sanitária e económica, uma
maior poupança das famílias e um decréscimo do consumo, virtuosos a nível
privado, se extensíveis à grande maioria das famílias, a recuperação económica seja
mais lenta que o desejável. Por isso, o Estado terá de continuar com programas
de apoio a empresas e famílias, mas sem permitir aproveitamento oportunista de
tantos que se valem da crise.
***
No atual
contexto pandémico, a poupança representa efetivamente uma forma de salvação
para muitas famílias ante a iminência da crise para 2021, em réplica do que se
verificou na última recessão económica e que se tem vindo a adensar com a
aproximação duma segunda vaga muito severa da pandemia (a OMS até vem apontando uma 3.ª vaga
para a Europa).
É certo que poupar significa amealhar uma parcela da riqueza
adquirida e conter os gastos, o que, em certa medida, acabou por ficar por
conta do confinamento. Ora, se por um lado, os números apontam para o sucesso
antecipado do desígnio nacional de reduzir a despesa e aumentar a riqueza, face
ao que estará para vir, por outro, sabe-se que o mérito dos resultados não é
fruto da repentina alteração comportamental dos consumidores, mas das
circunstâncias em que o consumo foi possível. Bastará para tanto, considerar o
exponencial aumento das compras através do comércio eletrónico.
Se nos
compararmos, neste aspeto, com a UE, concluiremos pela nossa falta de literacia
financeira na hora de opção pela melhor forma de poupança, pois, não se afigura
fácil decidir onde devemos investir as poupanças: obrigações, fundos de
investimento, ações, PPR, depósitos a prazo, certificados de aforro ou do
tesouro. São estes apenas alguns dos produtos para os vários perfis de poupança,
sem que a banca incentive a poupança. No entanto, quantos de nós nos consideramos
com uma opção refletida e com conhecimento suficiente para uma tomada de
decisão consciente! E é por isso que o risco de guardar o dinheiro em casa
ainda é opção muito válida para a grande maioria.
Ora, se todos
os possuidores de rendimentos decidirem poupar, haverá menos procura pelos bens
das empresas e, logo, menos produção, menos riqueza e, paradoxalmente, acabará por
haver menos poupança, pois haverá menos dinheiro para poupar. Assim, um país,
por mais que incentive à poupança, se não a souber aplicar em investimento
produtivo, não dará utilidade à poupança que foi acumulando.
Nestes termos, a poupança é, simultaneamente, a capacidade de
investimento no futuro, isto é, de pôr novamente o dinheiro no ponto de origem.
Todavia, para satisfazer tal desiderato, requer-se um maior empenho das autoridades
na promoção da poupança, até porque o Programa do Governo não contempla medidas
de promoção da poupança e disciplina dos gastos dos consumidores. E, neste
sentido, a resposta do Governo à crise foi a criação dum regime especial para o
resgate de PPR sem penalizações, pondo em causa as poupanças para a reforma
futura. Com efeito, sem poupança, não há investimento; e, sem este, não há
crescimento económico.
***
No
boletim económico de dezembro, o Banco de Portugal (BdP) analisa a evolução do consumo de diferentes grupos de
consumidores e conclui que, em relação às camadas mais pobres, os gastos dos
mais ricos registaram uma queda maior e a poupança registou uma subida superior.
E o
BdP refere, baseado nos dados da Sociedade Interbancária de Serviços (SIBS) sobre a despesa realizada com cartões bancários, que “a redução da despesa foi mais acentuada no grupo de
consumo mais alto e a recuperação subsequente mais lenta” (variações de -35,9% e -0,4%, respetivamente,
em abril e setembro). Já no de consumo mais baixo, a despesa caiu
21,8% e 8,8%, respetivamente, em abril e setembro.
Ora, como o rendimento não terá caído mais entre os mais ricos,
a análise do BdP leva a crer que a dita quebra de despesa estará associada ao
teletrabalho, mais frequente em profissões dos mais ricos, evitando gastos fora
de casa com cartões. Ademais, a estrutura de consumo deste grupo e as
restrições explicam o resto: os bens essenciais pesam menos no orçamento destes
cidadãos, ao invés dos bens duradouros (e mais caros) cuja aquisição esteve mais limitada pelas restrições. Porém,
ao trabalhador médio, o teletrabalho trouxe encargos com equipamentos,
consumíveis e mais horas de trabalho.
Entre os
mais pobres, os bens essenciais pesam mais no orçamento
familiar, o que explica a menor redução da despesa por se tratar de bens de que
não podem prescindir. Não obstante, houve, segundo o BdP, “uma
evolução mais favorável da despesa deste grupo, em particular em bens
duradouros” na retoma do verão, o que aponta para “a eficácia das medidas de
proteção do rendimento e de apoio às famílias mais vulneráveis no período
recente”.
E os
economistas sustentam que o apoio aos grupos mais expostos à crise pandémica
tem de continuar e deve ser focado, já que “as perspetivas setoriais e regionais para a
atividade deverão permanecer diferenciadas até a pandemia estar controlada, o
que aconselha uma abordagem direcionada nas políticas de apoio às empresas e às
famílias”. Na verdade, só com essa ajuda, em conjunto com as vacinas, haverá
uma “recuperação sustentada do consumo privado”.
Além da
diferença entre grupos sociais, o BdP analisa as diferenças regionais.
Assim, o impacto da pandemia no consumo foi superior na AML (Área Metropolitana de Lisboa), registando a maior queda (-41,7% face à média nacional de
-33,4%) face a outras
regiões e uma menor recuperação. Com efeito, as medidas de contenção mantiveram-se
“mais restritivas por um período mais longo nesta região” e “o peso do setor de
serviços é superior ao das restantes regiões”. Por outro lado, os municípios de maior rendimento apresentaram evolução
mais desfavorável que os restantes.
O BdP também
confirma o que já fora antecipado por vários números, inclusive os do PIB: a
pandemia teve efeitos no cabaz de bens e serviços “consumidos”, com o consumo
de bens alimentares a crescer 26,1% entre março e maio. Já os bens duradouros,
cuja natureza permite mais facilmente o adiamento da sua aquisição, registaram “uma
redução acentuada, mas também uma recuperação marcada”. E, nos setores de serviços, que requerem interação
social e para os quais é difícil a substituição intertemporal do consumo, a
despesa caiu fortemente e a recuperação tem sido lenta (quedas de
59% em abril e 8,6% em setembro).
Enfim,
também no aspeto económico, o vírus afeta a todos, mas não com o mesmo impacto.
2020.12.21 – Louro de
Carvalho
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