O Banco de Portugal (BdP) divulgou
hoje, dia 26, o boletim económico de março em que atualiza as previsões incorporando
o impacto económico provocado pelo Covid-19. E confirma a iminência duma
recessão económica, podendo vir o PIB encolher até 5,7% este ano por causa do impacto da pandemia que assola
o país e a Europa, depois de ter atingido a China, podendo devastar vários
países do mundo.
No predito boletim, o nosso banco central apresenta dois cenários, como explica
o comunicado entretanto divulgado. No primeiro, o designado por cenário base, o impacto económico da pandemia será “relativamente
limitado” e a contração será de 3,7%. Já no designado por cenário adverso, o impacto será “mais significativo devido
à paralisação mais prolongada da atividade económica em vários países”, pelo
que a queda do PIB será de 5,7%.
É a incerteza e complexidade da situação que leva o BdP a equacionar duas hipóteses
de cenário, já que não é “possível apresentar um cenário mais provável”.
Na verdade, segundo o BdP, “as perspetivas para a economia portuguesa
deterioraram-se abrupta e significativamente em resultado do impacto da
pandemia Covid-19”. E “a pandemia corresponde a um
choque económico adverso com efeitos muito significativos e potencialmente
prolongados no tempo em termos do bem-estar dos cidadãos e da
atividade das empresas”. Se vier a desenhar-se o cenário adverso, o PIB
português cairá mais do que no pior ano da crise financeira, pois, em 2012, o
PIB caiu 4%.
O banco central considera que as projeções procuram ter em conta o potencial
impacto das políticas adotadas pelas autoridades nacionais e europeias em face
do choque, mas o certo é que “ambos os cenários contemplam
uma recessão da economia portuguesa em 2020” e que o pico do choque acontecerá
no 2.º trimestre, iniciando-se uma recuperação no 2.º semestre.
Ainda não estamos longe da última vez que o BdP atualizou as suas previsões
e as perspetivas são bem diferentes. Em dezembro de 2019, o banco central
antecipava um crescimento do PIB de 1,7%, após ter crescido 2,2% em 2019, 2,6%
em 2018 e 3,5% em 2017. Porém, desde então, mudou tudo com a propagação do novo
coronavírus, o que obrigou à quase total paralisação da economia. Para combater
este “choque”, Carlos Costa, governador do BdP, já defendeu a emissão de eurobonds, títulos de dívida
comunitários.
Não se percebe como já em dezembro de 2019, face ao surto do novo corona vírus
na China, as previsões do BdP referentes a 2020, se mostram imunes ao provável contágio,
subvalorizando os efeitos plúrimos da globalização e não tendo em conta que
hoje a China, as suas pessoas e os seus interesses estão espalhados praticamente
por todo o mundo. Por outro lado, por mais e maiores críticas que se possam fazer
ao seu regime político, o sistema é de portas abertas, podendo lá entrar com
certa normalidade os cidadãos de todo o mundo e de lá sair. Não tem o BdP
consultores para a saúde, para o serviço social e para a educação?
São já muitas as previsões, com pressupostos diferentes, que apontam para
uma forte recessão: no cenário otimista, o NECEP – Católica Lisbon
Forecasting Lab prevê uma contração de 4%; o Fórum para a competitividade
aponta para uma queda entre 1 a 2%; e um estudo da IESE
Business School aponta para os 2,9%.
As previsões do NECEP, divulgadas, a 23 de março, na
folha trimestral de conjuntura relativa ao 1.º trimestre deste ano, apresentam
várias hipóteses de contração do PIB. Segundo as suas previsões, a contração
poderá variar entre 4% (cenário otimista) e 20% (cenário
mais pessimista),
sendo que o cenário central prevê que o PIB encolha 10%. Efetivamente, os
economistas da UCP assumem que “a pandemia criou uma disrupção generalizada na
economia mundial” e admitem como cenário mais provável o “colapso abrupto das
economias desenvolvidas”, apesar de continuar a haver uma “elevada incerteza
sobre a dimensão e a duração da contração” uma vez que estamos perante uma
crise de caraterísticas ímpares, “marcada por um duplo choque do lado da oferta
e do lado da procura”. Por isso, a sua nova estimativa de crescimento
económico para Portugal em 2020 contempla três cenários: um cenário central, em que a fase crítica da epidemia dura cerca de
três meses, encolhendo PIB 10% e subindo a taxa de desemprego para os
10,4%; um cenário pessimista, em que o controlo da epidemia se prolonga
por seis meses, encolhendo o PIB 20% e subindo a taxa de desemprego para
os 13,5%; e um cenário otimista, em que essa fase crítica não se prolonga muito
para além de abril, encolhendo o PIB 4% e subindo a taxa de desemprego para
os 8,5%.
Este último cenário toma em consideração medidas adicionais e mais incisivas
para lá das já anunciadas pelo Governo. Não obstante, segundo os economistas, qualquer destes cenários “corresponderá a um agravamento
significativo do desemprego e em termos de perda do rendimento das
famílias” (Sobre dados do NECEP, cf Tiago Varzim,
“No cenário otimista, PIB encolhe 4% e desemprego sobe para os 8,5% em 2020,
prevê Católica”, in Observador,
23 de março).
No dia 25, Mário Centeno, que prometeu não deixar o
Governo pelo menos enquanto durar a crise, admitiu que o país tem de se preparar para enfrentar uma recessão e disse
que Portugal tem capacidade para a enfrentar, obviamente com algum auxílio e a
solidariedade da UE.
Caso a economia encolha 3,7%, como prevê o cenário base do BdP, a taxa de desemprego, que está na casa dos 6%, subirá para os
10,1%, como antecipa o banco central, que projeta uma queda do emprego de 3,5%
e diz que a evolução projetada para o desemprego depende da configuração
e magnitude das medidas de política que possam ser implementadas de imediato.
Quanto à queda do PIB neste cenário, o BdP espera que o consumo privado se reduza em
2,8%, este ano, refletindo o aumento de forçada poupança das famílias face ao ambiente
de incerteza e a ligeira queda do rendimento disponível real – queda mitigada
pelas medidas que o Governo já anunciou, “antecipando-se um aumento significativo das transferências públicas para as famílias
em 2020“, o que levará a um crescimento do consumo público na ordem dos
2,1%.
O maior decréscimo, pelo menos em termos percentuais, ocorrerá no
investimento. Segundo, o BdP, a formação bruta de capital fixo cairá
10,8%, “devido à forte redução do investimento empresarial e, em
menor magnitude, do investimento residencial”, sendo a incerteza a condicionar
o investimento das empresas.
E a recessão, quase certa a nível mundial, fará cair a pique (-12,1%) as exportações de bens e serviços, tal como as
importações (-11,9%). O destaque
(pela
negativa), neste âmbito, vai para as exportações de turismo e transportes, que serão “fortemente
afetadas pelas limitações à movimentação de pessoas” e registarão acentuada
queda. Porém, como a evolução das exportações e importações é semelhante, as
contas externas continuarão positivas num ano em que beneficiarão da diminuição
do preço do petróleo.
O banco central assume, no atinente à evolução dos preços, que “prevalece
algum efeito descendente sobre os preços” dada a natureza desde choque, levando
a taxa de inflação a permanecer “em níveis baixos ao longo de todo o horizonte
de projeção: 0,2% em 2020, 0,7% em 2021 e 1,1% no último ano do horizonte”.
Se o PIB encolher 5,7%, como prevê o cenário adverso, as exportações de
bens e serviços cairão 19,1%, pois a recessão global e o colapso do comércio
mundial tirarão muita da procura externa dirigida à economia portuguesa. Pela
mesma razão, as importações cairão 18,7%. E a queda simultânea de exportações e
importações permitirá manter positivas as contas externas. A taxa de desemprego
subirá para os 11,7%, sendo que este cenário incorpora uma “maior destruição de capital e perda de emprego”, assim como
“uma maior incerteza e níveis de turbulência mais significativos nos mercados
financeiros”. Neste caso, o que levará à queda do PIB será
a redução do consumo privado em 4,8%, este ano. Com efeito, segundo o BdP, “as
famílias reduzem mais significativamente as despesas de consumo num cenário de
maior incerteza, caraterizado também por uma maior queda do emprego, níveis
mais elevados da taxa de desemprego e condições financeiras mais desfavoráveis”.
Além disso, o investimento levará um tombo de 14,9%. Neste cenário, haverá deflação
em 2020. “A taxa de inflação permanece em níveis ainda mais baixos ao
longo de todo o período, prevendo-se que se situe em -0,1% este ano, 0,5% em
2021 e 0,7% em 2022”, como esclarece o banco central.
Apesar de ter apresentado dois cenários para a situação atual, o BdP
adverte, tal como têm feito as instituições ou economistas que já avançaram com
previsões (algumas bem díspares das do supervisor), que a elevada incerteza dá azo a muito poucas certezas, pelo que não
podem ser excluídos cenários ainda mais adversos. E sustenta que o
país tem agora “vulnerabilidades específicas”, desde logo por causa da
importância do setor do turismo, o que “implica uma elevada exposição à
redução esperada da procura global deste tipo de serviços, que será muito
significativa”. Por outro lado, como adverte o supervisor, um choque
económico desta dimensão coloca dificuldades acrescidas ao tecido empresarial,
dominado por empresas de pequena dimensão e com relativamente frágil situação
financeira. E a situação das famílias não é melhor, visto que existe uma elevada
percentagem perto ou abaixo do limiar de pobreza, o que faz com que tenham uma
“reduzida margem de absorção do choque” no seu rendimento.
É claro que o banco central português, embora não tenha previsões tão
negras como o NECEP, não fecha a porta a cenários como os que este núcleo da UCP
desenha. Com efeito, observa:
“A crise desencadeada pelo novo
coronavírus constitui um inédito e sério desafio às diversas políticas
económicas, que deverão dar prioridade à resposta de curto prazo ao
impacto provocado pela pandemia, mas as considerações de médio prazo deverão
também ser tidas em conta”.
Porém, enquanto reitera a necessidade duma coordenação a nível europeu com
a “necessária solidariedade e a adoção de políticas partilhadas a nível
europeu”, o Banco de Portugal deixa, no final, uma mensagem de esperança:
“Em Portugal, tal como em crises passadas,
os agentes económicos e a sociedade em geral saberão solidariamente ultrapassar
a atual situação de emergência, devendo retirar-se os ensinamentos que permitam
um melhor desempenho no futuro, num quadro de cooperação europeia e
internacional”.
É uma mensagem parecida com algumas do Presidente da República. Talvez seja
útil atender ao que diz o Primeiro-Ministro: agora, tratar da saúde de todos e
ajudar as empresas e as famílias; em junho, relançar a economia.
2020.03.26 –
Louro de Carvalho
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