sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

A OPA ao BPI desembocou em quase operação de compra-venda

Graças ao sucesso da OPA (operação pública de aquisição) do CaixaBank sobre o BPI (Banco Português de Investimento), este virou sem qualquer disfarce no dia 8 de fevereiro de 2017, a sucursal do banco catalão. A própria saída de Fernando Ulrich da presidência da comissão executiva (passa a chairman), em que é sucedido por uma figura de proveniência espanhola, e de Artur Santos Silva, doravante presidente honorário, marca o novo rumo desta entidade bancária e, na prática, o fim da era dos nossos banqueiros. A Ulrich segue-se o até agora diretor-geral do CaixaBank, Pablo Forero, que falará português da próxima vez que intervenha em conferência de imprensa.
Como a maioria dos acionistas do BPI, à exceção da Allianz, se decidiu pelo abandono em massa do banco, os catalães garantem uma participação total de 84,52%. No total, a operação custou-lhes 664,5 milhões de euros e permite-lhes o controlo do banco, dado que os estatutos foram desblindados. Recordo que o BPN desapareceu depois da venda ao BIC por 44 milhões; o Banif desapareceu depois de vendido ao Santander por 150 milhões; e o Novo Banco seria vendido por cerca de 650 milhões. Negócios, não?!
No BCP, em 31 de dezembro de 2016, a distribuição da participação acionista qualificada era: 16,67%, para o Grupo Fosun; 14,8%, para o Grupo Sonangol; e 2,15%, para o Grupo EDP (dos chineses) – ao todo 33,62% – situação algo alterada em fevereiro pp., como se verá adiante.
Os resultados da OPA sobre o BPI foram apurados em sessão especial de bolsa no dia 8, prevendo-se que a sua futura reduzida liquidez significaria descida de divisão na bolsa lisboeta, que o exclui do PSI a partir do dia 10. A operação responde à situação financeira do banco. Com efeito, no prospeto da OPA, o oferente faz referências pouco abonatórias à situação do BPI, em especial quanto à sua eficiência. Assim, pode ler-se no dito documento:
“Sem prejuízo de nos últimos anos a Sociedade Visada ter feito um esforço muito destacável para melhorar a sua posição competitiva em Portugal, em particular em termos de redução de custos, é de esperar que a sua pertença a um grupo bancário de maior escala, como é o grupo do oferente, permita alcançar maiores níveis de eficiência, produtividade e rentabilidade no contexto de um setor bancário doméstico mais competitivo e exigente”.
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Sobre o fim da vida independente do BPI e a integração no grupo espanhol, Santos Silva foi altamente pacificador, assegurando, em conferência de imprensa, que não o preocupa nada “ser uma sucursal de um banco espanhol”, que “é uma instituição grande”. Respondendo à ironia de a instituição que fundou ter acabado em sucursal, declarou que “são os parceiros certos para melhor servirmos a economia portuguesa.” E Ulrich sustentou que a OPA do CaixaBank, que já era o maior acionista, foi uma “operação em família”, pelo que não se devem sobrevalorizar as mudanças, pois “o CaixaBank é nosso acionista desde outubro de 1995 e sempre nos apoiou”. E, sobre a sua saída de CEO, disse que “o BPI deve ser liderado por alguém originário do CaixaBank”, o que facilita a transferência “de tudo o que é positivo” e que o grupo trará.
Do lado catalão foi Gonzalo Gortázar, administrador-delegado, quem falou aos jornalistas, afirmando que o BPI e o CaixaBank “são duas entidades que se complementam perfeitamente”. Quanto aos ganhos que o BPI terá, diz que “o CaixaBank traz estabilidade e capital para a expansão do BPI, que terá melhores condições no rating e, logo, melhor financiamento”. Nada adiantou em relação a um eventual avanço sobre a compra do Novo Banco (NB), mas, sobre o Banco de Fomento Angola (BFA), assegurou que o CaixaBank não decidirá nada com pressa e salientou que as recomendações do BCE para o BPI sair do país africano não são vinculativas.
Sobre a reestruturação, garantiu que o BPI manterá a estratégia seguida ao nível da redução de colaboradores e fecho de balcões, sem recorrer a despedimentos coletivos e sempre de “mútuo acordo”, esclarecendo que o número dos 900 trabalhadores identificados no prospeto da OPA como “excedentários” é “meramente indicativo”.
É mais do mesmo. Tratando-se da reestruturação de banco (por OPA, venda ou outra razão), vêm logo redução de pessoal e encerramento de balcões. Assim, o que reserva o futuro do BPI são eufemisticamente as “sinergias”, alegando-se que investidores e analistas, em operações deste género, tentam logo ver em detalhe a situação do banco, o que leva a cortes de pessoal.
Segundo o prospeto da OPA, já referido, o CaixaBank espera a obtenção de sinergias de 84 milhões anuais, do lado dos custos e de 35 milhões, do lado das receitas. Nos custos, mais de 50% das sinergias advirão de cortes em pessoal e balcões. A administração quer baixar o rácio de gastos pessoal/receitas do BPI de 44% para 35%. E BCE e Moody’s recomendam a saída de África. A este respeito, o grupo catalão diz que o BCE recomenda o total desinvestimento no BFA, a maior fonte de resultados do BPI (cerca de 70% do total). Assim, os catalães precisam:
“O BCE emitiu, no documento que autorizou o CaixaBank a adquirir o controlo da Sociedade Visada através da presente OPA, uma recomendação não vinculativa ao oferente para que reduza gradualmente a participação do BPI no BFA num período de tempo razoável”.
Em relação a isto, Gortázar lembrou que o desinvestimento no BFA se processará no quadro do acordo parassocial existente e no regime de conversações com a Unitel, detida por Isabel dos Santos. Apesar da posição do CaixaBank em relação ao BFA, a Moody’s entende não haver dúvida sobre o que reserva o futuro do banco angolano. Crê que a perda de controlo do BFA aumenta a probabilidade de o BPI reduzir mais a sua participação no banco angolano – o que, sendo positivo em solvabilidade, pode afetar os indicadores de rentabilidade do BPI.
Outro ponto abordado na conferência de imprensa acima referida foi o da necessidade de capitalização do BPI. No prospeto da OPA o banco catalão dizia que o BPI precisava de emitir 350 milhões de euros em dívida subordinada, surgindo para o CaixaBank com um juro de “8 a 10%” que, a par do IRC de 29,5%, elevaria o custo anual, após impostos desta emissão, para os 21 a 26 milhões (o equivalente a 28% dos resultados domésticos do BPI em 2015). Todavia, algumas semanas depois, tal valor acabou revisto em baixa, aquando do fecho de contas de 2016, porque os resultados no último trimestre foram melhores que o esperado e porque a rentabilidade do fundo de pensões foi mais elevada que o pensado (e o fundo de pensões tem impacto nos rácios). Além da redução do montante de capital que o BPI precisa de levantar para entrar em cumprimento com as exigências oriundas dos exercícios regulatórios (SREP – de Supervisory Review and Evaluation Process), o CaixaBank anunciou igualmente que está pronto para subscrever na íntegra a emissão de dívida para que os custos financeiros a ela associados sejam mais reduzidos. A redução dos custos financeiros enfrentados pelo BPI foi, aliás, um dos pontos que Gortázar mais realçou no âmbito das vantagens que o BPI terá depois de integrado no grupo CaixaBank. Segundo ele, “o CaixaBank traz estabilidade acionista para o BPI e capital para expansão da atividade, melhores condições de ‘rating’ e, logo, melhor acesso a financiamento”.
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A este propósito, Helena Garrido, em artigo sob o título “A banca que nos restou” publicado no Observador do dia 9, conclui que “a CGD é agora o único banco controlado por portugueses” e escreve que, “depois da energia e das telecomunicações, foi a vez de a banca ser vendida”. Na verdade, a banca privada deixou de ter acionistas portugueses de peso, as telecomunicações pertencem a franceses e angolanos, a eletricidade a chineses ou espanhóis, o gás e combustíveis estão parcialmente em mãos de angolanas.  
Porém, enquanto a colunista considera a situação como mais um dos efeitos da dívida, que o país vem acumulando, talvez se deva pensar que tal resultou de a governança portuguesa, enredada pelo ditame e controlismo europeus, não ter encontrado outra via de saída que não fosse a privatização e, nalguns casos, a venda ao desbarato, sem ter mão na gestão ruinosa das empresas e, em especial, da banca. Mas assiste-lhe toda a razão ao verificar que se esfumou o entusiasmo dos empresários portugueses pela banca em finais do século XX, sendo esta a semana em que “desapareceram os banqueiros portugueses e o sistema financeiro passou a ser controlado por empresários de Espanha, Angola e China”. E o BPI é o caso mais simbólico, pois terá um CEO espanhol, o que não sucede no Santander Totta, liderado por Vieira Monteiro.
Com efeito, a 8 de fevereiro de 2016, o catalão CaixaBank passou a deter quase 85% do capital e dos direitos de voto. A angolana Isabel dos Santos, que era, através da Santoro, a segunda acionista, vendeu a sua participação por 306 milhões após uma longa batalha com os catalães. O grupo Violas Ferreira, um dos acionistas portugueses (detinha 2,7%) ficou com uma posição simbólica. Mantém-se a seguradora alemã Allianz, que entrou no capital do BPI em 1995, no mesmo ano do La Caixa. Esta reviravolta acionista no BPI (banco que passou a crise sem dificuldades de maior) foi determinada pelas regras da supervisão única europeia, que não reconheceu Angola como país que respeitador dos padrões da Zona Euro. E o banco, que já era pouco português, deixou de o ser totalmente com a assunção da sua liderança por Espanha.
Também nesta semana, o BCP concretizou o seu almejado aumento de capital, arrecadando 1,33 mil milhões, numa operação de aumento de capital que transformou os chineses da Fosun (que controla a seguradora Fidelidade) no seu maior acionista, com quase 24% do capital. A seguir, vem a Sonangol, liderada por Isabel dos Santos, com pouco mais de 15%. Com este aumento de capital, o BCP pagará os 700 milhões que ainda deve ao Estado.
Portugal perde assim os seus grandes banqueiros – como acionistas de peso na banca – vendo desaparecer a última geração de gestores da era da liberalização do sistema financeiro, iniciada na década de 80 do século XX, com a saída de Santos Silva e Ulrich. Mantém-se José Amaral no BPI e António Vieira Monteiro no Santander. A nova geração de gestores da banca está no BCP e sobressairá na CGD (na equipa de Macedo) – gestores menos confrontacionais, pouco assertivos e pouco dados aos corredores do poder. É, segundo Garrido, banca de mão estendida, com muitos problemas do passado a resolver e desafios do futuro tecnológico a ultrapassar.
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A evaporação de acionistas portugueses de peso na banca é problemática para o país. Com efeito, os bancos controlados por acionistas de outros países centralizarão, mais cedo ou mais tarde, as decisões de concessão de crédito nas casas-mãe, pelo que o financiamento só chegará às empresas portuguesas sem risco. As outras, mais arriscadas, terão falta de financiamento.
Por outro lado, a experiência não é animadora se pensarmos no panorama que temos à nossa volta: o desaparecimento de poderosos banqueiros, como Ricardo Salgado; a implosão por falência de acionistas de bancos, como sucedeu com ex-donos de ações do BCP; o colapso de bancos, como o Banif, o BES e o BPN; e a compra das instituições financeiras por estrangeiros.
A experiência deveria constituir uma lição para todos. Para garantir a segurança dos depósitos e evitar a utilização de dinheiro dos contribuintes para salvar bancos, a gestão tem de ser rigorosa, os riscos devem ser calculados, sem embarcar pelo crédito fácil, e a regulação e a supervisão terão de funcionar com eficácia. Caso contrário, a história acabará “ou a salvar os bancos com dinheiro dos impostos ou a vendê-los a estrangeiros por não haver quem tenha dinheiro para os comprar”, como diz Helena Garrido.
Terá o país capacidade para sair da crise ou marcará passo sem andar nem desandar na rota do desenvolvimento e do progresso?

2017.02.09 – Louro de Carvalho

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