Nos últimos anos, o debate político-partidário,
em matéria educativa, nas
campanhas eleitorais centrava-se na
recuperação integral do tempo de serviço dos professores, congelado durante os
três primeiros anos do consulado de José Sócrates e durante o período da crise
financeira, até 1 de janeiro de 2018, quando, no dizer de António Costa, o
relógio voltou a contá-lo.
Obviamente, estava em causa a contagem do tempo
de serviço para efeitos de progressão na carreira docente, e não para efeitos
de aposentação/reforma.
Após ter sido alcançado, na brevíssima legislatura prestes a terminar,
o acordo com os professores para a recuperação de todo esse tempo de
serviço, prevendo a devolução faseada até 2027, o que trouxe alguma serenidade
às escolas – embora isso tenha deixado de fora milhares de professores (os que
se aposentaram, os que aderiram ao programa de rescisão por mútuo acordo e os
que foram atingindo o topo da carreira demasiado tarde) –, os partidos
políticos (ou as suas coligações) atualmente com assento parlamentar pensam,
agora, noutras apostas, algumas das quais com muito pouca novidade.
Em termos genéricos, destaca-se o acesso universal e gratuito à
educação pré-escolar, sendo a principal diferença se deve ser garantido,
predominantemente, pelo setor público ou em parceria com o setor social e com
setor privado. Paralelamente, respondendo ao aumento do número de estudantes
estrangeiros no país, outro tema comum aos vários programas passa pelo reforço
de meios para melhor integração escolar dos alunos
migrantes, nomeadamente, através de programas intensivos para a aprendizagem do
Português. E, ao mesmo tempo, evidenciam-se as diferenças ideológicas
entre a esquerda e a direita (há sempre ideologia) em tópicos mais polémicos como a Estratégia
Nacional de Educação para a Cidadania, mormente, no que diz respeito à
disciplina Cidadania e Desenvolvimento,
sobretudo, no atinente à
igualdade de género.
Sendo consensual o item da necessidade do alargamento
da educação pré-escolar – tão propalado nas últimas legislaturas, mas que tem
dificuldade em sair do papel, mercê da falta de instalações e de educadores/as
suficientes, vejamos o que dizem os partidos sobre outros pontos da Educação.
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O partido Pessoas-Natureza-Animais (PAN) aposta no aumento do investimento
público em Educação, de modo a atingir o valor de 6% do produto interno bruto (PIB),
no final da legislatura. Quer proceder ao levantamento das escolas
degradadas, com vista a uma urgente intervenção nessas infraestruturas,
e pretende o cumprimento do rácio de um psicólogo, para 500
estudantes, com a contratação de profissionais para todas as escolas.
E, no ensino superior, o PAN propõe-se “tornar, progressivamente, as
licenciaturas gratuitas” e rever o modelo de acesso a este
nível de ensino, “não o centrando exclusivamente em resultados académicos”.
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O Livre (L) aposta
na autonomia escolar e na flexibilidade curricular, para que as escolas
desenvolvam as suas propostas pedagógicas, possibilitando aos alunos “maior
liberdade no seu percurso de aprendizagem”, e diversifiquem os suportes de
aprendizagem, garantindo um uso humanista e consciente das ferramentas
digitais, nomeadamente, da inteligência artificial (IA), enquanto
ferramenta potenciadora das aprendizagens e não como fim em si mesma.
Defende uma nova organização não baseada em turmas, mas em
comunidades de aprendizagem, explicita e aponta à criação de mais espaços verdes, nas escolas, que permitam situações
de aprendizagem que coloquem as crianças e jovens em “maior relação com as
problemáticas da preservação da biodiversidade e
das alterações climáticas”.
Outra proposta do Livre consiste em promover a literacia da informação,
incentivando, desde o 1.º ciclo, hábitos de pesquisa, de avaliação e de seleção
da informação, assim como incentivar a utilização de “ferramentas ludo-pedagógicas como estratégia de envolvimento dos
alunos na experiência pedagógica e como métodos de aferição complementares de
avaliação contínua, proporcionando uma abordagem mais holística da
aprendizagem”.
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A Coligação
Democrática Unitária (CDU) – formada pelo Partido Comunista Português (PCP) e pelo Partido
Ecologista “Os Verdes” (PEV), incluindo, normalmente, nas suas listas membros
da Associação de Intervenção Democrática (AID) – além de
manter a gratuitidade dos manuais escolares, pretende alargá-la aos livros de
fichas, com a distribuição de manuais novos e respetivas fichas, no 1.º ciclo. Em nome da valorização da avaliação contínua,
propõe-se eliminar os exames no 9.º, no 11.º e no 2.º ano e rever o regime
de provas de aferição nos 2.º, 5.º e 8.º anos. Batalha por que os
trabalhadores do ensino particular e cooperativo tenham salários, carreiras e
condições de trabalho semelhantes aos das escolas públicas.
Além disso, a CDU quer revogar o Estatuto do Aluno e Ética Escolar (EAEE) e apostar em “mecanismos de participação estudantil”,
reduzir o número de alunos, por turma, em todos estabelecimentos de educação e
ensino. E pretende, em articulação com a comunidade envolvente, criar um Programa de Tempos Livres (PTL), até aos 12 anos, que “promova a
formação integral das crianças e jovens, eliminando e substituindo as atividades
de enriquecimento curricular (AEC), no 1.º ciclo.
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O Bloco de Esquerda (BE) insiste na meta de investir, pelo menos, 6% do PIB na
Educação e em reverter a municipalização, criando um modelo
de descentralização, baseado na autonomia das escolas. Pretende rever o EAEE, para valorizar a participação e os
direitos, proceder ao fim das provas nacionais do 9.º ano
realizar provas de aferição por amostragem e reforçar os materiais
pedagógicos adaptados e diferenciados para alunos com necessidades educativas especiais.
O BE propõe incluir a desmaterialização dos manuais escolares no processo
de transição digital e rever os modelos de AEC, de
Componentes de Apoio à Família (CAF) e de Atividades de Animação de Apoio à
Família (AAF), de modo a valorizar as atividades lúdicas, combatendo a
excessiva curricularização e a precariedade dos vínculos dos profissionais. E
propõe-se estender aos alunos do 1.º e 2.º ciclos restrições,
nos períodos de intervalo, ao uso de smartphones em
vigor nas horas letivas, o reforço do número de psicólogos escolares, para
atingir o rácio de um psicólogo, por cada 500 alunos, ou a criação, na escola pública de cursos pós-laborais dirigidos aos
adultos que pretendam melhorar a sua escolaridade.
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A Iniciativa Liberal (IL) está focada em “dar liberdade às famílias para
escolherem as escolas que melhor servem os seus filhos, promovendo diversidade
e inovação no sistema educativo”, tal como defende um modelo em que todas as creches licenciadas, independentemente da sua natureza,
possam ser escolhidas pelas famílias.
Em nome de maior autonomia dos agrupamentos escolares, em
matéria pedagógica, financeira, organizacional e de gestão de recursos,
de modo que as escolas possam adaptar estratégias às necessidades dos seus
alunos, a IL quer os apoios focados nas escolas e nos alunos com maior défice
de aprendizagem, através de “planos de ação concretos, mensuráveis e
acompanhados”.
Isso já está em marcha, há bastante tempo.
A IL quer integrar a literacia digital e financeira no ensino
obrigatório, substituir a disciplina de Tecnologias de Informação e Comunicação
(TIC) por um novo modelo de ensino tecnológico (ensino computacional e
inteligência artificial) e promover o ensino profissional como via
prioritária para empregabilidade jovem.
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O partido Chega (C) quer rebatizar o atual Ministério da Educação, Ciência
e Inovação (MECI) em Ministério do Ensino. Por outro
lado, fala em “combater o desperdício financeiro causado pela máquina
burocrática intermédia” e em extinguir todos os organismos ministeriais que não
sejam “absolutamente fundamentais”, para alocar as verbas orçamentais, o mais
diretamente possível, aos alunos, aos professores e às escolas. Pretende manuais gratuitos também para os alunos do privado e o aumento do
limite máximo das deduções, no imposto sobe os rendimento das pessoas
singulares (IRS), das despesas com mensalidades ou com propinas, desde o ensino
pré-escolar ao superior.
No campo da (in)disciplina e da violência nas escolas, pede “tolerância zero” e maior agilidade nos
processos burocráticos associados às participações disciplinares. Além disso,
quer mais meios humanos e materiais para o programa Escola Segura da
Guarda Nacional Republicana (GNR) e Polícia de Segurança Pública (PSP) e a
recuperação do programa de vigilantes nas escolas, “especialmente,
naquelas onde se verifiquem maiores índices de violência”.
Além de passar a opcional a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento (com
“neutralidade ideológica”), o Chega assegura aos encarregados de educação
o direito de escolha sobre a participação em atividades pedagógicas
baseadas em ideologia de género e o levantamento concreto e
detalhado da identificação das escolas onde há casas de
banho e balneários mistos e de género neutro, não podendo estas ser as “únicas
opções disponíveis”.
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O Partido Socialista (PS) pretende corrigir os desequilíbrios e colmatar as
carências existentes na rede pública do ensino básico e do secundário,
expandindo a oferta atual em territórios que registam uma maior pressão
demográfica; quer reforçar o programa de
requalificação de escolas do 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e
concluir as intervenções em escolas secundárias; e propõe-se aperfeiçoar a constituição de turmas, para assegurar “maior
heterogeneidade, do ponto de vista da integração de alunos de diferentes
estratos socioeconómicos.
Pretende avaliar o impacto das recomendações de interdição da entrada e de uso do telemóvel nos espaços escolares, admitindo
a sua interdição efetiva, pelo menos, até ao 2.º ciclo do ensino básico. Outro
ponto em que insiste é o incentivo à constituição de parcerias entre as escolas profissionais, o tecido empresarial
local e as instituições de ensino superior, melhorando a articulação entre o
planeamento da rede e as necessidades das empresas. Ao invés, para
“promover uma escola que forme cidadãos”, defende a valorização da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento e pondera
o reforço do seu ensino no secundário.
Para os alunos que frequentaram o ensino básico,
durante a pandemia, o PS pretende que continuem a dispor de um acompanhamento
continuado do seu desempenho, mediante
realização de testes de diagnóstico e a adoção de planos personalizados de
recuperação de aprendizagens.
Por outro lado, aposta num novo Plano Tecnológico da
Educação (PTE) – pelo reforço das infraestruturas e equipamentos, a par
da dotação adequada em pessoal qualificado que assegure a sua manutenção – e na expansão da Rede de Laboratórios Digitais Escolares (RLDE),
com o objetivo de garantir que todos os agrupamentos de escolas públicas
tenham, até 2030, pelo menos, um espaço pedagógico equipado com tecnologia
atualizada e “orientado para o desenvolvimento das competências digitais do
século XXI”.
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A AD – Coligação PSD/CDS (Partido
Social Democrata/CDS - Partido Popular), atualmente num governo minoritário de
gestão, aponta para um novo modelo de autonomia e gestão das escolas para
lhes “robustecer” a autonomia financeira, pedagógica e de gestão de recursos
humanos, bem como para melhorar o sistema de transferência de competências para
as autarquias e para atribuir às Comissões de Coordenação e
Desenvolvimento Regional (CCDR) responsabilidades de planeamento na
definição da rede escolar e dos investimentos em infraestruturas. Além disso,
pretende criar um Estatuto do Diretor, “indexando a sua remuneração
ao escalão mais elevado da carreira docente e implementando um
modelo de avaliação dos diretores das escolas.
Refira-se que já está implementando o modelo de avaliação dos diretores.
Por outro lado, o estatuto remuneratório do diretor, como foi indicado, vai
desencadear uma corrida inadequada ao cargo, bem como a corrida à respetiva
formação específica, paga pelos potenciais candidatos.
A AD propõe-se também proceder à avaliação das aprendizagens essenciais de
todas as disciplinas do ensino básico e secundário, incluindo a disciplina de
Cidadania e Desenvolvimento, e o reforço do ensino experimental
das Ciências e o ensino de literacias (financeira e digital). Quer proibir, no recreio, o telemóvel até ao 6.º ano e um
uso limitado até ao 9.º ano.
Para alunos carenciados ou em risco, propõe-se criar um serviço online gratuito de apoio ao estudo
(“de qualidade e personalizado”), melhorar o sistema de apoio a essas famílias,
mesmo que frequentem o ensino particular e cooperativo, e combater a segregação social entre escolas com avaliação das
regras de prioridade nas matrículas, na transparência na alocação dos alunos e na
publicação das áreas de influência geográfica das escolas da rede
pública.
No âmbito das parcerias com o ensino particular e
cooperativo, pretende “revisitar e atualizar” os modelos dos contratos de
associação (obviamente, em desprimor da escola pública). E aponta à
otimização da rede de oferta de ensino profissional,
alinhando-a com as estratégias de desenvolvimento das regiões e com as
necessidades do tecido empresarial, consolidando a implementação do novo
Catálogo Nacional de Qualificações (CNQ) e o investimento nos Centros
Tecnológicos Especializados (CTE), alterando o seu modelo de financiamento.
***
A
AD, o Chega e a IL perfilham, claramente, uma ideologia de privatização de
áreas fundamentais do Estado, como a Saúde, a Educação e a Segurança Social.
Contraditoriamente, defendem a manutenção do Estado em áreas de interesse
público. Quer dizer que, por absurdo, a Saúde, a Educação e a Segurança Social
não são de interesse público.
A
AD quer retomar os contratos de associação com escolas privadas,
independentemente de haver na mesma localidade oferta pública de ensino.
É
excessiva a proposta do Chega de selecionar o ensino profissional como via
única para a empregabilidade jovem; e é extemporânea e perniciosa a recuperação
dos “vigilantes” nas escolas (há outras formas de eliminar ou reduzir a
violência escolar). Aliás, que fariam os vigilantes contra atos de violência
perpetrados por agentes do exterior? Porém, é importante a aposta na redução da
burocracia e na simplificação dos processos disciplinares dos alunos.
Para
a direita, a Cidadania é um cancro ideológico (pelo que deve ser abolida, reescrita
ou tornada opcional); para a esquerda, ela deve ser alargada a todos os níveis de
educação e ensino.
Por
fim, é de referir que a municipalização da educação está a ter resultados
asfixiantes para a escola, tornando-a arena de disputa político-partidária e
açoteia de defesa de interesses e abrindo caminho à privatização (Nesse aspeto,
a AD e o PS estão juntos). Além disso, nenhum dos partidos se propõe restaurar
a autoridade do professor e a sua autonomia profissional, valorizar, a sério, a
formação e o recrutamento de professores e cuidar de promover a atratividade da
carreira docente, em termos salariais, de condições de trabalho, de reforma-aposentação
em idade adequada e de serenidade da docência, livre de interferências abusivas
dos poderes públicos e de muitos encarregados de educação.
2025.05.13 – Louro de Carvalho