terça-feira, 13 de maio de 2025

A Educação nas propostas dos partidos com assento parlamentar

 

Nos últimos anos, o debate político-partidário, em matéria educativa, nas campanhas eleitorais centrava-se na recuperação integral do tempo de serviço dos professores, congelado durante os três primeiros anos do consulado de José Sócrates e durante o período da crise financeira, até 1 de janeiro de 2018, quando, no dizer de António Costa, o relógio voltou a contá-lo.

Obviamente, estava em causa a contagem do tempo de serviço para efeitos de progressão na carreira docente, e não para efeitos de aposentação/reforma.      

Após ter sido alcançado, na brevíssima legislatura prestes a terminar, o acordo com os professores para a recuperação de todo esse tempo de serviço, prevendo a devolução faseada até 2027, o que trouxe alguma serenidade às escolas – embora isso tenha deixado de fora milhares de professores (os que se aposentaram, os que aderiram ao programa de rescisão por mútuo acordo e os que foram atingindo o topo da carreira demasiado tarde) –, os partidos políticos (ou as suas coligações) atualmente com assento parlamentar pensam, agora, noutras apostas, algumas das quais com muito pouca novidade.

Em termos genéricos, destaca-se o acesso universal e gratuito à educação pré-escolar, sendo a principal diferença se deve ser garantido, predominantemente, pelo setor público ou em parceria com o setor social e com setor privado. Paralelamente, respondendo ao aumento do número de estudantes estrangeiros no país, outro tema comum aos vários programas passa pelo reforço de meios para melhor integração escolar dos alunos migrantes, nomeadamente, através de programas intensivos para a aprendizagem do Português. E, ao mesmo tempo, evidenciam-se as diferenças ideológicas entre a esquerda e a direita (há sempre ideologia) em tópicos mais polémicos como a Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania, mormente, no que diz respeito à disciplina Cidadania e Desenvolvimento, sobretudo, no atinente à igualdade de género.

Sendo consensual o item da necessidade do alargamento da educação pré-escolar – tão propalado nas últimas legislaturas, mas que tem dificuldade em sair do papel, mercê da falta de instalações e de educadores/as suficientes, vejamos o que dizem os partidos sobre outros pontos da Educação.

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O partido Pessoas-Natureza-Animais (PAN) aposta no aumento do investimento público em Educação, de modo a atingir o valor de 6% do produto interno bruto (PIB), no final da legislatura. Quer proceder ao levantamento das escolas degradadas, com vista a uma urgente intervenção nessas infraestruturas, e pretende o cumprimento do rácio de um psicólogo, para 500 estudantes, com a contratação de profissionais para todas as escolas.

E, no ensino superior, o PAN propõe-se “tornar, progressivamente, as licenciaturas gratuitas” e rever o modelo de acesso a este nível de ensino, “não o centrando exclusivamente em resultados académicos”.

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O Livre (L) aposta na autonomia escolar e na flexibilidade curricular, para que as escolas desenvolvam as suas propostas pedagógicas, possibilitando aos alunos “maior liberdade no seu percurso de aprendizagem”, e diversifiquem os suportes de aprendizagem, garantindo um uso humanista e consciente das ferramentas digitais, nomeadamente, da inteligência artificial (IA), enquanto ferramenta potenciadora das aprendizagens e não como fim em si mesma.

Defende uma nova organização não baseada em turmas, mas em comunidades de aprendizagem, explicita e aponta à criação de mais espaços verdes, nas escolas, que permitam situações de aprendizagem que coloquem as crianças e jovens em “maior relação com as problemáticas da preservação da biodiversidade e das alterações climáticas”.

Outra proposta do Livre consiste em promover a literacia da informação, incentivando, desde o 1.º ciclo, hábitos de pesquisa, de avaliação e de seleção da informação, assim como incentivar a utilização de “ferramentas ludo-pedagógicas como estratégia de envolvimento dos alunos na experiência pedagógica e como métodos de aferição complementares de avaliação contínua, proporcionando uma abordagem mais holística da aprendizagem”.

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A Coligação Democrática Unitária (CDU) – formada pelo Partido Comunista Português (PCP) e pelo Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV), incluindo, normalmente, nas suas listas membros da Associação de Intervenção Democrática (AID) – além de manter a gratuitidade dos manuais escolares, pretende alargá-la aos livros de fichas, com a distribuição de manuais novos e respetivas fichas, no 1.º ciclo. Em nome da valorização da avaliação contínua, propõe-se eliminar os exames no 9.º, no 11.º e no 2.º ano e rever o regime de provas de aferição nos 2.º, 5.º e 8.º anos. Batalha por que os trabalhadores do ensino particular e cooperativo tenham salários, carreiras e condições de trabalho semelhantes aos das escolas públicas.

Além disso, a CDU quer revogar o Estatuto do Aluno e Ética Escolar (EAEE) e apostar em “mecanismos de participação estudantil”, reduzir o número de alunos, por turma, em todos estabelecimentos de educação e ensino. E pretende, em articulação com a comunidade envolvente, criar um Programa de Tempos Livres (PTL), até aos 12 anos, que “promova a formação integral das crianças e jovens, eliminando e substituindo as atividades de enriquecimento curricular (AEC), no 1.º ciclo.

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O Bloco de Esquerda (BE) insiste na meta de investir, pelo menos, 6% do PIB na Educação e em reverter a municipalização, criando um modelo de descentralização, baseado na autonomia das escolas. Pretende rever o EAEE, para valorizar a participação e os direitos, proceder ao fim das provas nacionais do 9.º ano realizar provas de aferição por amostragem e reforçar os materiais pedagógicos adaptados e diferenciados para alunos com necessidades educativas especiais.

O BE propõe incluir a desmaterialização dos manuais escolares no processo de transição digital e rever os modelos de AEC, de Componentes de Apoio à Família (CAF) e de Atividades de Animação de Apoio à Família (AAF), de modo a valorizar as atividades lúdicas, combatendo a excessiva curricularização e a precariedade dos vínculos dos profissionais. E propõe-se estender aos alunos do 1.º e 2.º ciclos restrições, nos períodos de intervalo, ao uso de smartphones em vigor nas horas letivas, o reforço do número de psicólogos escolares, para atingir o rácio de um psicólogo, por cada 500 alunos, ou a criação, na escola pública de cursos pós-laborais dirigidos aos adultos que pretendam melhorar a sua escolaridade.

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A Iniciativa Liberal (IL) está focada em “dar liberdade às famílias para escolherem as escolas que melhor servem os seus filhos, promovendo diversidade e inovação no sistema educativo”, tal como defende um modelo em que todas as creches licenciadas, independentemente da sua natureza, possam ser escolhidas pelas famílias.

Em nome de maior autonomia dos agrupamentos escolares, em matéria pedagógica, financeira, organizacional e de gestão de recursos, de modo que as escolas possam adaptar estratégias às necessidades dos seus alunos, a IL quer os apoios focados nas escolas e nos alunos com maior défice de aprendizagem, através de “planos de ação concretos, mensuráveis e acompanhados”.

Isso já está em marcha, há bastante tempo.

A IL quer integrar a literacia digital e financeira no ensino obrigatório, substituir a disciplina de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) por um novo modelo de ensino tecnológico (ensino computacional e inteligência artificial) e promover o ensino profissional como via prioritária para empregabilidade jovem.

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O partido Chega (C) quer rebatizar o atual Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) em Ministério do Ensino. Por outro lado, fala em “combater o desperdício financeiro causado pela máquina burocrática intermédia” e em extinguir todos os organismos ministeriais que não sejam “absolutamente fundamentais”, para alocar as verbas orçamentais, o mais diretamente possível, aos alunos, aos professores e às escolas. Pretende manuais gratuitos também para os alunos do privado e o aumento do limite máximo das deduções, no imposto sobe os rendimento das pessoas singulares (IRS), das despesas com mensalidades ou com propinas, desde o ensino pré-escolar ao superior.

No campo da (in)disciplina e da violência nas escolas, pede “tolerância zero” e maior agilidade nos processos burocráticos associados às participações disciplinares. Além disso, quer mais meios humanos e materiais para o programa Escola Segura da Guarda Nacional Republicana (GNR) e Polícia de Segurança Pública (PSP) e a recuperação do programa de vigilantes nas escolas, “especialmente, naquelas onde se verifiquem maiores índices de violência”.

Além de passar a opcional a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento (com “neutralidade ideológica”), o Chega assegura aos encarregados de educação o direito de escolha sobre a participação em atividades pedagógicas baseadas em ideologia de género e o levantamento concreto e detalhado da identificação das escolas onde há casas de banho e balneários mistos e de género neutro, não podendo estas ser as “únicas opções disponíveis”.

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O Partido Socialista (PS) pretende corrigir os desequilíbrios e colmatar as carências existentes na rede pública do ensino básico e do secundário, expandindo a oferta atual em territórios que registam uma maior pressão demográfica; quer reforçar o programa de requalificação de escolas do 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e concluir as intervenções em escolas secundárias; e propõe-se aperfeiçoar a constituição de turmas, para assegurar “maior heterogeneidade, do ponto de vista da integração de alunos de diferentes estratos socioeconómicos.

Pretende avaliar o impacto das recomendações de interdição da entrada e de uso do telemóvel nos espaços escolares, admitindo a sua interdição efetiva, pelo menos, até ao 2.º ciclo do ensino básico. Outro ponto em que insiste é o incentivo à constituição de parcerias entre as escolas profissionais, o tecido empresarial local e as instituições de ensino superior, melhorando a articulação entre o planeamento da rede e as necessidades das empresas. Ao invés, para “promover uma escola que forme cidadãos”, defende a valorização da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento e pondera o reforço do seu ensino no secundário.

Para os alunos que frequentaram o ensino básico, durante a pandemia, o PS pretende que continuem a dispor de um acompanhamento continuado do seu desempenho, mediante realização de testes de diagnóstico e a adoção de planos personalizados de recuperação de aprendizagens.

Por outro lado, aposta num novo Plano Tecnológico da Educação (PTE) – pelo reforço das infraestruturas e equipamentos, a par da dotação adequada em pessoal qualificado que assegure a sua manutenção – e na expansão da Rede de Laboratórios Digitais Escolares (RLDE), com o objetivo de garantir que todos os agrupamentos de escolas públicas tenham, até 2030, pelo menos, um espaço pedagógico equipado com tecnologia atualizada e “orientado para o desenvolvimento das competências digitais do século XXI”.

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A AD – Coligação PSD/CDS (Partido Social Democrata/CDS - Partido Popular), atualmente num governo minoritário de gestão, aponta para um novo modelo de autonomia e gestão das escolas para lhes “robustecer” a autonomia financeira, pedagógica e de gestão de recursos humanos, bem como para melhorar o sistema de transferência de competências para as autarquias e para atribuir às Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) responsabilidades de planeamento na definição da rede escolar e dos investimentos em infraestruturas. Além disso, pretende criar um Estatuto do Diretor, “indexando a sua remuneração ao escalão mais elevado da carreira docente e implementando um modelo de avaliação dos diretores das escolas.

Refira-se que já está implementando o modelo de avaliação dos diretores. Por outro lado, o estatuto remuneratório do diretor, como foi indicado, vai desencadear uma corrida inadequada ao cargo, bem como a corrida à respetiva formação específica, paga pelos potenciais candidatos. 

A AD propõe-se também proceder à avaliação das aprendizagens essenciais de todas as disciplinas do ensino básico e secundário, incluindo a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, e o reforço do ensino experimental das Ciências e o ensino de literacias (financeira e digital). Quer proibir, no recreio, o telemóvel até ao 6.º ano e um uso limitado até ao 9.º ano.

Para alunos carenciados ou em risco, propõe-se criar um serviço online gratuito de apoio ao estudo (“de qualidade e personalizado”), melhorar o sistema de apoio a essas famílias, mesmo que frequentem o ensino particular e cooperativo, e combater a segregação social entre escolas com avaliação das regras de prioridade nas matrículas, na transparência na alocação dos alunos e na publicação das áreas de influência geográfica das escolas da rede pública.

No âmbito das parcerias com o ensino particular e cooperativo, pretende “revisitar e atualizar” os modelos dos contratos de associação (obviamente, em desprimor da escola pública). E aponta à otimização da rede de oferta de ensino profissional, alinhando-a com as estratégias de desenvolvimento das regiões e com as necessidades do tecido empresarial, consolidando a implementação do novo Catálogo Nacional de Qualificações (CNQ) e o investimento nos Centros Tecnológicos Especializados (CTE), alterando o seu modelo de financiamento.

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A AD, o Chega e a IL perfilham, claramente, uma ideologia de privatização de áreas fundamentais do Estado, como a Saúde, a Educação e a Segurança Social. Contraditoriamente, defendem a manutenção do Estado em áreas de interesse público. Quer dizer que, por absurdo, a Saúde, a Educação e a Segurança Social não são de interesse público.

A AD quer retomar os contratos de associação com escolas privadas, independentemente de haver na mesma localidade oferta pública de ensino.

É excessiva a proposta do Chega de selecionar o ensino profissional como via única para a empregabilidade jovem; e é extemporânea e perniciosa a recuperação dos “vigilantes” nas escolas (há outras formas de eliminar ou reduzir a violência escolar). Aliás, que fariam os vigilantes contra atos de violência perpetrados por agentes do exterior? Porém, é importante a aposta na redução da burocracia e na simplificação dos processos disciplinares dos alunos.

Para a direita, a Cidadania é um cancro ideológico (pelo que deve ser abolida, reescrita ou tornada opcional); para a esquerda, ela deve ser alargada a todos os níveis de educação e ensino.   

Por fim, é de referir que a municipalização da educação está a ter resultados asfixiantes para a escola, tornando-a arena de disputa político-partidária e açoteia de defesa de interesses e abrindo caminho à privatização (Nesse aspeto, a AD e o PS estão juntos). Além disso, nenhum dos partidos se propõe restaurar a autoridade do professor e a sua autonomia profissional, valorizar, a sério, a formação e o recrutamento de professores e cuidar de promover a atratividade da carreira docente, em termos salariais, de condições de trabalho, de reforma-aposentação em idade adequada e de serenidade da docência, livre de interferências abusivas dos poderes públicos e de muitos encarregados de educação.  

2025.05.13 – Louro de Carvalho


segunda-feira, 12 de maio de 2025

UE está a sentir o impacto da nova subida dos preços da energia

 
Nova subida dos preços da energia está a ter impacto na União Europeia (UE) e as circunstâncias de guerra podem induzir novas subidas.
Segundo o Eurostat, o gás atingiu o seu custo mais elevado de que há registo, no segundo semestre de 2024. E a taxa média é, agora, de 12,33 euros por 100 kWh (quilowatts-hora), contra 11,04 euros, no primeiro semestre de 2024.
Foi também a primeira vez que os preços subiram, na UE, após a crise energética de 2022. Todavia, ao contrário de há três anos, quando a guerra na Ucrânia e o corte nas importações de gás russo (de 45%, em 2021, para 13%, em 2025) fizeram disparar os preços, desta vez, os impostos são os principais responsáveis pelo aumento. “O aumento deve-se, em grande parte, ao aumento dos impostos em muitos países da UE, uma vez que as anteriores medidas de alívio foram reduzidas”, considera o Eurostat.
Por outro lado, tanto nos países da UE, como nos países terceiros, são enormes as diferenças de preços. Estes vão de 18,93 euros por 100 kWh, na Suécia, e 16,71 euros, nos Países Baixos, a 1,73 euros, na Geórgia, 2,13 euros, na Turquia, 3,15 euros, na Hungria, 4,56 euros, na Croácia, 4,92 euros, na Sérvia, 5,13 euros, na Bósnia-Herzegovina, e 5,41 euros, na Roménia.
Nenhum dos países com os preços de gás mais baratos – excluindo a Croácia e a Roménia – cortou o fornecimento de gás russo.
A situação é ligeiramente diferente, quando se tem em conta o poder de compra efetivo. Na UE, Portugal e Itália são, de facto, os países que pagam mais pelo gás natural. Já a Croácia e a Roménia podem reduzir a sua dependência da Rússia e manter os preços baixos, graças a estratégias energéticas ambiciosas de longo prazo.
O terminal crucial de gás natural liquefeito da Croácia em Krk ficou operacional em 2021, mas, agora, o país planeia aumentar a produção de gás em 82%, nos próximos três anos.
A Roménia é um dos países mais independentes da UE, em termos energéticos, e está a planear tornar-se completamente autónoma, em termos de gás.
O projeto Neptune Deep offshore é fundamental. Tem como objetivo duplicar a produção romena de gás e prevê-se que esteja operacional em 2027 e.
A crise energética foi desencadeada com a guerra na Ucrânia, iniciada a 20 de fevereiro de 2022, mercê da economia de guerra que se instalou e, sobretudo, das sanções económicas impostas à Rússia pela UE, aliás, como o dito Ocidente (com destaque para o Canadá e para o Reino Unido), designadamente, as atinentes à renúncia da UE à dependência energética europeia da Rússia e, posteriormente, à não renovação do contrato da Ucrânia com a Rússia sobre a passagem de gás russo pela Ucrânia para alguns países do Leste europeu. E, as sanções, em vez de enfraquecerem a economia russa, porque o país encontrou, rapidamente, novos clientes, o que lhe permitiu afinar a máquina de guerra, abateu-se, por ricochete, sobre as economias mais frágeis da UE.     
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Não obstante, a UE fixou o ano de 2027 como a data limite para os 27 estados-membros, do interior ao litoral, eliminarem, gradualmente, todas as compras de energia russa, nomeadamente, os carregamentos de gás natural liquefeito (GNL) que continuam a chegar às costas do bloco, apesar da guerra brutal na Ucrânia. Numa primeira fase, ocorrerá a proibição de contratos novos e de curto prazo, até ao final de 2025; e, na segunda fase, os contratos de longo prazo, que representam dois terços do gás russo, serão rescindidos até ao final de 2027.
Serão introduzidas novas restrições para reprimir a frota sombra que transporta, secretamente, o petróleo russo e para impedir as importações de urânio russo e de outros materiais nucleares. E cada estado-membro será convidado a elaborar um plano nacional que especifique a forma como tenciona retirar do seu cabaz energético o gás, o nuclear e o petróleo russos.
Todas as medidas constam de uma estratégia global, apresentada pela Comissão Europeia, na tarde de 6 de maio. Porém, o roteiro, que precisa de ser plasmado em textos legislativos, estava previsto para os primeiros 100 dias da nova Comissão, mas foi adiado, várias vezes, devido à incerteza sobre o impulso de Donald Trump para lançar negociações entre a Ucrânia e a Rússia.
A retoma das compras de energia russa foi apresentada como possível condição para um futuro acordo de paz. Com a sua estratégia, Bruxelas exclui a ideia e institui as salvaguardas necessárias para, definitivamente, atirar os combustíveis fósseis russos para o passado.
“Mesmo que houvesse paz, amanhã, não seria sensato ficarmos, novamente, dependentes dos combustíveis russos”, afirmou Dan Jørgensen, comissário europeu para a Energia, esclarecendo:
“Antes de mais, [Vladimir] Putin mostrou que não se importa de utilizar o gás como arma. Não devemos voltar a colocar-nos numa posição vulnerável como essa. E, em segundo lugar, não queremos encher o seu baú de guerra e apoiar a sua economia de guerra, porque quem sabe que países serão os próximos.”
O consumo de energia russa tem estado no centro do debate político, desde o início da invasão da Ucrânia, quando a UE se viu a contar com a sua dependência de vários milhares de milhões de euros de Moscovo. Em reação, Bruxelas aprovou medidas sem precedentes para cortar as importações de carvão russo e de petróleo marítimo, mas o gás, grande fonte de receitas para o Kremlin, permaneceu visivelmente poupado às sanções.
Em 2024, a UE comprou 31,62 mil milhões de metros cúbicos (bcm) de gás russo por gasoduto e 20,05 bcm de GNL russo, o que representa 19% do consumo total de gás, mas o petróleo bruto russo passa pelo oleoduto Druzhba, isento de sanções, devido à pressão húngara.
No total, a UE gastou cerca de 23 mil milhões de euros em combustíveis fósseis russos, em 2024, superando o apoio militar prestado à Ucrânia, o que tem sido longa fonte de fricção entre os estados-membros, que, apesar dos constantes apelos de Kiev, nunca conseguiram chegar a um consenso para eliminar, totalmente, a energia russa.
No início deste ano, dez países da UE – a Chéquia, a Dinamarca, a Estónia, a Finlândia, a Irlanda, a Letónia, a Lituânia, a Polónia, a Roménia e a Suécia – assinaram carta conjunta a exigir a proibição total do gás russo, incluindo as importações de GNL, pois a capacidade da Rússia para sustentar o esforço de guerra está muito ligada às suas receitas energéticas. Em contraponto, a Hungria e a Eslováquia cerraram fileiras para se oporem às sanções, aduzindo que isso poria em perigo as suas economias nacionais e a competitividade da UE.
Os dois países sem litoral reagiram furiosamente, quando o presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskyy, rescindiu o contrato com a Gazprom, fazendo cessar o trânsito de gás russo, através do território do seu país, no final de 2024. Porém, a Comissão Europeia absteve-se de criticar a medida de Zelenskyy, pois esta contribuiu para acelerar a eliminação progressiva. E o TurkStream, que atravessa a Turquia, rumo aos Balcãs e à Europa Central, é o único gasoduto que transporta gás russo para a UE, tendo os fluxos através dos gasodutos NordStream e Yamal-Europe cessado em 2022.
Como afirmou Jørgensen, as novas proibições serão adotadas por maioria qualificada, ao invés das sanções, que requerem a unanimidade, mas importando que todos cumpram.
Enquanto as compras de gás russo por gasoduto caíram para mínimos históricos, os navios que transportam GNL russo continuam a entrar nos terminais da UE, em volumes ainda maiores, sem qualquer impedimento, causando engulhos a Bruxelas.
De acordo com o Centro de Investigação sobre Energia e Ar Limpo (CREA), as importações de GNL russo pela UE, em 2024 aumentaram 9%, em relação a 2023. Quase 90% destas compras chegaram à França (7,7 bcm), à Espanha (5,7 bcm) e à Bélgica (5,1 bcm).
A ausência de restrições permitiu que as empresas europeias assinassem, livremente, contratos com os fornecedores russos, alguns dos quais com duração até 2040. Com efeito, a Rússia, que está altamente dependente do mercado da UE, para as exportações de gás, forneceu 52% das suas receitas de exportação de GNL.
De acordo com o plano da Comissão Europeia, a proibição de comprar gás russo será suficiente para as empresas da UE declararem força maior e libertarem-se de compromissos legais. No entanto, a opção corre o risco de ser contestada em tribunal, podendo resultar em sanções pesadas para os Europeus. Com efeito, segundo a Reuters, os litígios judiciais entre empresas da UE e fornecedores russos ascendem já a 18,5 mil milhões de euros. Para Elisabetta Cornago, investigadora principal do Centro para a Reforma Europeia (CER), o método mais seguro para invocar a força maior e desafiar os processos em tribunal seria a aprovação de sanções a nível da UE, mas as posições da Hungria e da Eslováquia tornam isso impossível.
A apresentação do novo plano de proibições ocorre numa altura em que acontecem negociações comerciais entre a Comissão Europeia e a Casa Branca. Donald Trump lançou a ideia de aumentar as vendas de GNL de fabrico americano para reequilibrar o excedente de bens com a UE.
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Robert Fico, primeiro-ministro da Eslováquia, criticou o plano da UE para acabar com as importações de gás natural russo, até ao final de 2027, para privar o presidente Vladimir Putin das receitas que ajudam a alimentar a guerra na Ucrânia, considerando o plano “absolutamente inaceitável” para o seu país e dizendo que o seu governo estava pronto para o vetar. Isto, porque, na sua ótica, a medida seria prejudicial para a Eslováquia e para toda a UE, uma vez que o preço do gás aumentaria em consequência. Por outro lado, a Eslováquia tem um acordo de fornecimento de gás com a Rússia que expira em 2034, o que levará Fico a pedir indemnização por danos, se o plano for avante. E Fico também rejeitou uma proposta de suspensão das importações de petróleo e de combustível nuclear da Rússia para a UE.
Todavia, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse ao Parlamento Europeu (PE), a 7 de maio, em Estrasburgo, que a Rússia provou, repetidamente, não ser fornecedor de energia fiável, sendo a dependência do país má para a segurança e para a economia europeias.
A Hungria e a Eslováquia, cujos líderes são considerados os aliados mais próximos de Putin na Europa, bloquearam a assistência militar da UE à Ucrânia e esperava-se que se opusessem aos planos de gás da Comissão Europeia, como efetivamente se opõem.
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Ursula von der Leyen excluiu, inequivocamente, a possibilidade de retoma da compra de combustíveis fósseis russos, após o fim da guerra na Ucrânia, advertindo que isso representaria um “erro de dimensões históricas” para a Europa. “A era dos combustíveis fósseis russos, na Europa, está a chegar ao fim”, declarou aos eurodeputados em Estrasburgo.
A sua recusa categórica surge a par do esforço de Donald Trump para chegar a acordo de paz entre a Rússia e a Ucrânia, tentativa que tem visto a Casa Branca acolher muitos pontos de vista do Kremlin, como as reivindicações sobre a Crimeia e sobre os territórios ocupados.
A diplomacia de Trump alimentou a especulação de que a energia russa poderia fazer parte de um futuro acordo, dado o papel fundamental das exportações de combustíveis fósseis no orçamento de Moscovo e o desejo de Vladimir Putin de reanimar a sua precária economia.
Durante décadas, a UE foi o maior cliente da Rússia, mas esta relação comercial colapsou no início de 2022, com a invasão russa da Ucrânia e com a UE a adotar medidas inéditas para reduzir o consumo de combustíveis fósseis russos, incluindo proibições abrangentes sobre o carvão e o sobre o petróleo transportado por via marítima.
Com os responsáveis norte-americanos a apontarem para o alívio das sanções, como incentivo ao presidente russo para aceitar um cessar-fogo duradouro, o que este vem recusando, o conjunto de medidas impostas pela UE está prestes a ser analisado. Assim, para o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, a aproximação entre Washington e Moscovo abordou o futuro dos gasodutos Nord Stream, que ligam a Rússia à Alemanha e que estão fechados.
“Provavelmente, será interessante, se os americanos usarem a sua influência na Europa e a obrigarem a não recusar o gás russo”, destacou Lavrov, no final de março.
Porém, Ursula von der Leyen traçou uma linha vermelha sobre o tema. “Há quem continue a dizer que devemos reabrir a torneira do gás e do petróleo russos. Isso seria um erro de dimensões históricas. E nós nunca o permitiremos”, afirmou, lembrando que “a Rússia já provou, vezes sem conta, que não é um fornecedor fiável”, visto que Vladimir Putin já cortou os fluxos de gás para a Europa, em 2006, em 2009, em 2014, em 2021 e durante a guerra.
Com o objetivo de colmatar as lacunas existentes, a Comissão Europeia apresentou um roteiro ambicioso para eliminar todas as aquisições de energia russa, incluindo o GNL, o petróleo e os materiais nucleares, o mais tardar até ao final de 2027. Este novo plano prevê uma proibição das importações de gás russo, que as empresas da UE utilizarão para invocar força maior e quebrar os contratos de longo prazo com os fornecedores (estes contratos são regidos por cláusulas de take-or-pay que implicam pesadas sanções em caso de incumprimento).
Ao invés das sanções, cuja aprovação requer unanimidade e são vulneráveis a vetos nacionais, as proibições ao gás russo basear-se-ão na política energética e comercial, que requer uma maioria qualificada. A Hungria e a Eslováquia, dois países sem litoral, que dependem de Moscovo, já criticaram o roteiro, sustentando que poria em risco a competitividade da UE.
No seu discurso ante o PE, instituição que defende, há muito, a eliminação total dos combustíveis russos, Ursula von der Leyen manteve-se fiel à sua estratégia, descrevendo-a como um elemento indispensável para garantir uma paz justa e duradoura na Ucrânia. “Temos de fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para reforçar a posição da Ucrânia. Porque todos nós já vimos como a Rússia negoceia. Bombardeando. Intimidando. Enterram as promessas debaixo de escombros”, afirmou, vincando que Moscovo “quer forçar a Ucrânia a aceitar o inaceitável”, pelo que a tarefa, neste ponto, é ajudar a Ucrânia a manter-se forte, a desafiar Vladimir Putin e a iniciar conversações de paz sem condições prévias.
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Está visto. Para a UE, a obsessão de cercear a ação da Rússia sobrepõe-se a tudo: criação de outras dependências, quiçá tão ou mais onerosas; aumento do custo de vida, pelo preço dos produtos ou pela carga fiscal; eliminação dos combustíveis fósseis, sem cuidar do custo das fontes alternativas de emergia ou sem ter em conta as pessoas de carteira quase vazia.  
Enfim, hoje, somos forçados a renunciar aos combustíveis fósseis. Teremos, amanhã de renunciar ao lítio, à platina, ao ouro, ao Sol, ao vento, ao mar? Talvez o melhor seja a utilização variada e equilibrada dos recursos. Na guerra não vale tudo e a experiência mostra-o!  

2025.05.12 – Louro de Carvalho


domingo, 11 de maio de 2025

Face a Jesus, o Belo Pastor, persiste-se na dialética rejeição-aceitação

 

O quarto domingo da Páscoa é assumido, tradicionalmente, como o “Domingo do Bom Pastor”, pois, em todos os anos, a sua liturgia nos proporciona a proclamação e a escuta de um trecho do capítulo 10 do Evangelho de João, em que Jesus se apresenta como o Belo Pastor.

No Evangelho (Jo 10,27-30), Jesus Cristo fulge como o belo, bom e verdadeiro Pastor, que ama as ovelhas e que conhece cada uma delas. Por isso, quem pretende integrar o rebanho de Jesus, deve escutar as suas indicações, acolher as suas propostas, dispor-se a segui-Lo. Ele levará as ovelhas, a quem Ele tanto quer, aonde há vida verdadeira e não permitirá que Lhe sejam roubadas.

Jesus está no templo de Jerusalém, no pórtico Salomão, grande passagem coberta do lado oriental do pátio externo. Os dirigentes judaicos vão ter com Ele e, para clarificar as coisas, perguntam-Lhe se Ele é o Messias. Jesus confirma, implicitamente, a sua missão messiânica, mas observa que qualquer declaração que faça não muda, substancialmente, nada: apesar de tudo o que tem dito, das suas obras em prol do homem, os líderes que O confrontam nunca O reconheceram como enviado de Deus para libertar Israel. Deus enviou-O como Pastor para dar vida ao seu povo; mas os que presidem aos destinos da comunidade judaica nunca lhe deram crédito, não O quiseram seguir, não aceitaram fazer parte do seu rebanho, não querem ser ovelhas suas.

Jesus, conversando, explica-lhes o que significa fazer parte do rebanho do qual Ele é o Pastor. Fazem parte do seu rebanho aqueles/as que escutam a sua voz e O seguem. O verbo “escutar” não implica apenas o “ouvir com os ouvidos”, mas indica acolher e guardar no coração as propostas de Jesus. O verbo “seguir” implica assumir o estilo de vida de Jesus, tornar-se discípulo, deixar-se guiar por Jesus, ir atrás d’Ele no caminho do amor e do dom da vida.

Quem escuta a voz de Jesus acolhe as suas propostas e vai atrás d’Ele, está unido a Jesus de forma especial. Recorrendo a linguagem típica do ambiente pastoril, João diz que Jesus “conhece-os”. O verbo “conhecer” indica proximidade, intimidade, familiaridade, comunhão de vida e de destino. Os que Jesus conhece estão intimamente unidos a Ele por fortes laços de amor e de afeto. Os discípulos, os que Jesus “conhece” – têm uma relação muito próxima com Jesus, veem-No como a sua referência e seguem-No sem hesitações, porque Ele lhes dá a vida verdadeira e definitiva (“Eu dou-lhes a vida eterna e nunca hão de perecer”). Como Bom Pastor, Jesus recria-os, vivifica-os, cuida deles, protege-os, defende-os, condu-los às pastagens verdejantes e às fontes de que brota a água que sacia a sede de vida. Nunca se perderão, pois a vida que Jesus lhes dá supera o poder da morte. Nada os afastará do amor de Jesus.

Mesmo que os líderes judaicos não O reconheçam como o Pastor, Ele continua a cuidar das suas ovelhas, de todos os que O escutam, O seguem e O amam. Foi essa a missão que recebeu do Pai: fazer nascer o Homem Novo, a Humanidade recriada, que vive animada pelo Espírito de Deus. Ninguém pode impedir Jesus de concretizar o desígnio do Pai para as ovelhas (“Meu Pai, que Mas deu, é maior do que todos e ninguém pode arrebatar nada da mão do Pai”).

Jesus termina a conversa com os dirigentes judaicos que o acossam no pórtico de Salomão, garantindo-lhes que Deus está presente n’Ele e que Se manifesta em tudo o que Ele faz (“Eu e o Pai somos um”). Jesus e o Pai identificam-se totalmente. Jesus atua em nome de Deus para recriar e vivificar o Homem. Quem recusar Jesus recusa o próprio Deus e quem se opõe a Jesus opõe-se a Deus. Os dirigentes judaicos têm de decidir se querem continuar a recusar Deus.

Os líderes de Israel compreendem a importância do que Jesus lhes diz e a seriedade da acusação que Jesus lhes faz, mas reagem, apanhando pedras para O liquidarem, pois não O reconhecem como o Pastor que Deus enviou para pastorear o seu rebanho.

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primeira leitura (At 13,14.43-52) fala-nos de pessoas que assumem atitudes diferentes ante a proposta do Pastor (Cristo): de um lado, as ovelhas instaladas nas certezas, no orgulho, nas velhas seguranças, na autossuficiência, recusando a pertença ao rebanho de Jesus; do outro, as interessadas em escutar a voz de Jesus e dispostas a segui-Lo até às pastagens da vida abundante. É esta última atitude que nos é proposta.
O facto de grande número de pessoas se ter deslocado à sinagoga de Antioquia da Pisídia para escutar a pregação de Paulo, gerou o ciúme e a inveja dos líderes judaicos. E reação negativa desses líderes ao testemunho de Paulo resultou da autossuficiência que os caraterizava, tal como dantes, aos outros líderes judaicos: convictos da sua verdade, arvorando-se em únicos intérpretes autorizados de Deus, não estavam disponíveis para acolher a novidade.
Todavia, a proposta de salvação que Deus oferecia através do labor missionário de Paulo e de Barnabé não podia ficar desperdiçada. E Paulo declarou que, tendo os judeus recusado a salvação que lhes era oferecida, chegara a altura de a apresentar aos pagãos. Aliás, Paulo conhecia o que, alguns séculos antes, Deus tinha dito através do Deuteroisaías: “Fiz de ti a luz das nações, para levares a salvação até aos confins da terra.” O apóstolo dos gentios sentia que a sua missão seria concretizar esse desígnio. O Evangelho estava em condições de saltar as fronteiras estreitas do Mundo judaico para se tornar a salvação destinada às gentes de todas as raças, culturas e lugares. Por sua vez, os pagãos, acolheram esta decisão com grande alegria: Deus convidava-os a integrar a sua família e o acolhimento desse convite abria-lhes rotas novas de vida e de realização.
Porém, os líderes judaicos tentaram virar a opinião pública contra Paulo e Barnabé. “Instigando algumas senhoras piedosas mais distintas e os homens principais da cidade”, conseguiram que os dois apóstolos fossem expulsos. Paulo e Barnabé foram forçados a deixar aquela cidade, mas a semente estava lançada. Lá ficaram pessoas, cheias “de alegria e do Espírito Santo”, que tinham abraçado a fé e se dispunham a caminhar com Jesus. Quanto a Paulo e Barnabé, sem desanimarem, prosseguiram a missão que lhes fora confiada por Deus. Dirigiram-se a outras cidades da Ásia Menor (Icónio, Listra e Derbe), para aí continuarem a dar testemunho de Jesus.

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segunda leitura (Ap 7,9.14b-17) mostra-nos o reencontro final de Jesus com as ovelhas que, tendo escutado a voz de Jesus e tendo-O seguido, venceram a injustiça, a violência e a morte. No final do seu caminho na terra, reencontraram Jesus, o Bom Pastor, e, com Ele, acederão eternamente às fontes da água viva. E João, profeta de Patmos, convida-nos a olhar para a “multidão imensa, que ninguém podia contar, de todas as nações, tribos, povos e línguas”. Essa multidão está de pé, em sinal de vitória, pois participa da vitória de Cristo sobre a morte. Todos os que integram essa multidão estão vestidos “com túnicas brancas” e “levam palmas nas mãos”.
O branco é a cor de Deus. São, portanto, pessoas que pertencem a Deus. As palmas apontam para os ramos de verdura com que Jesus foi acolhido, ao entrar na sua cidade santa de Jerusalém, mas aludem, sobretudo, à festa das tendas (evocava a passagem dos Hebreus da terra da escravidão para a terra da liberdade) durante a qual os israelitas entravam no recinto do Templo cantando e agitando ramos de palmeira. As palmas simbolizam vitória, festa, vida nova e eterna.
Depois, passamos, diretamente, para o versículo 14b, onde um dos seres vivos que está diante do trono de Deus explica que aqueles “vieram da grande tribulação”, “lavaram as túnicas e as branquearam no sangue do Cordeiro”. São os mártires, os que suportaram a perseguição, mas que se mantiveram fiéis a Jesus. Redimidos pelo sacrifício de Cristo, não foram derrotados pela morte.
Agora, estes mártires, redimidos pelo sangue de Cristo, estão diante de Deus tributando-Lhe culto, dia e noite. Livres do sofrimento e da precariedade (“nunca mais terão fome nem sede, nem o sol ou o vento ardente cairão sobre eles”), gozam de uma felicidade eterna, junto de Deus. O Cordeiro levá-los-á “às fontes da água viva” e o próprio “Deus enxugará todas as lágrimas dos seus olhos”.
Trata-se de uma mensagem magnífica, destinada a alimentar a esperança dos cristãos perseguidos.
A todos esses homens e mulheres injustiçados e magoados pela maldade e pela violência do império, João garante que cumpre o novo e definitivo êxodo e que, depois da intervenção final de Deus na História, os “santos” passam da escravidão para a liberdade plena. Serão acolhidos na tenda de Deus, ficarão definitivamente livres da morte, do sofrimento, das lágrimas. Cristo ressuscitado é o pastor deste novo povo: garantir-lhe-á os bens definitivos e conduzi-lo-á à fonte de onde brota a vida plena e eterna.

“Nós somos o povo de Deus, somos as ovelhas do seu rebanho.” Por isso, entoamos o hino dos redimidos:

“Aclamai o Senhor, terra inteira, / servi o Senhor com alegria, / vinde a Ele com cânticos de júbilo.

“Sabei que o Senhor é Deus, / Ele nos fez, a Ele pertencemos, / somos o seu povo, as ovelhas do seu rebanho.

“O Senhor é bom, / eterna é a sua misericórdia, / a sua fidelidade estende-se de geração em geração.”

 “Eu sou o bom pastor, diz o Senhor: conheço as minhas ovelhas e elas conhecem-Me.”

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O Evangelho desta dominga foi comentado por Leão XIV, antes da recitação do Regina Coeli, com a multidão, na Praça de São Pedro, nos seguintes termos:
“Considero um dom de Deus que o primeiro domingo do meu serviço como Bispo de Roma seja o Domingo do Bom Pastor, o quarto Domingo do Tempo Pascal, em que proclamamos, sempre, na Missa, uma passagem do capítulo décimo do Evangelho de João, na qual Jesus Se revela como o verdadeiro Pastor, que conhece e ama as suas ovelhas e dá a vida por elas
“Neste domingo é celebrado, há 62 anos, o Dia Mundial de Oração pelas Vocações. Além disso, Roma acolhe o Jubileu das Bandas e do Espetáculo Popular. Saúdo, com afeto, todos estes peregrinos e agradeço-lhes porque, com a sua música e as suas apresentações artísticas, alegram a festa de Cristo Bom Pastor. Sim, é Ele que guia a Igreja com o seu Espírito Santo.
“Jesus afirma no Evangelho que conhece as suas ovelhas e que elas escutam a sua voz e O seguem (cf Jo 10,27). Com efeito, como ensina o Papa São Gregório Magno, as pessoas ‘correspondem ao amor daquele que as ama’ (Homilia 14, 3-6).
“Portanto, hoje, irmãos e irmãs, tenho a alegria de rezar convosco e com todo o Povo de Deus pelas vocações, especialmente pelas vocações sacerdotais e religiosas. A Igreja tem grande necessidade delas! E é importante que os jovens e as jovens encontrem, nas nossas comunidades, acolhimento, escuta e encorajamento, no seu caminho vocacional, e que possam contar com modelos críveis de dedicação generosa a Deus e aos irmãos.
“Façamos nosso o convite que o Papa Francisco nos deixou na sua Mensagem para o dia de hoje: o convite a acolher e acompanhar os jovens. E peçamos ao nosso Pai celeste que sejamos uns para os outros, cada um segundo a sua condição, pastores ‘segundo o seu coração’ (cf Jr 3,15), capazes de se ajudarem mutuamente a caminhar no amor e na verdade. E aos jovens eu digo: Não tenhais medo! Aceitai o convite da Igreja e de Cristo Senhor.
“Que a Virgem Maria, cuja vida inteira foi uma resposta ao chamamento do Senhor, nos acompanhe sempre no seguimento de Jesus.”
Depois da recitação do Regina Coeli, deixou recados ao Mundo:
A grande tragédia da Segunda Guerra Mundial terminou há 80 anos, a 8 de maio, após causar 60 milhões de vítimas. No cenário dramático de hoje, de uma terceira guerra mundial por partes, como o Papa Francisco afirmou, por mais de uma vez, também me dirijo aos grandes do Mundo, repetindo o apelo: ‘Nunca mais à guerra!’
“Tenho no coração os sofrimentos do amado povo ucraniano. Seja possível alcançar uma paz autêntica, justa e duradoura, o mais rápido possível. Sejam libertados todos os prisioneiros e possam as crianças retornar às suas famílias.
“Estou profundamente triste com o que está a acontecer na Faixa de Gaza. Cesse, imediatamente, o fogo! Preste-se ajuda humanitária para à esgotada população civil e libertem-se todos os reféns.
Saúdo, com satisfação o cessar-fogo no conflito entre a Índia e o Paquistão e espero que, através de negociações, se alcance um acordo duradouro.
“Porém, quantos outros conflitos há no Mundo! Confio à Rainha da Paz este sentido apelo, para que Ela o faça chegar ao Senhor Jesus para obter o milagre da paz.”

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Contudo, importa que fixemos as primeiras palavras – já programáticas – com que o Pontífice se dirigiu à multidão, a 8 de maio, falando da verdadeira paz (termo que repetiu por várias vezes):
“A paz esteja com todos vós! “Caríssimos irmãos e irmãs, esta é a primeira saudação de Cristo Ressuscitado, o Bom Pastor, que deu a vida pelo rebanho de Deus. Também eu gostaria que esta saudação de paz entrasse no vosso coração, chegasse às vossas famílias, a todas as pessoas, onde quer que se encontrem, a todos os povos, a toda a terra. A paz esteja convosco!
“Esta é a paz de Cristo Ressuscitado, uma paz desarmada e uma paz que desarma, que é humilde e perseverante. Que vem de Deus, do Deus que nos ama a todos incondicionalmente.
“Conservamos ainda nos nossos ouvidos aquela voz fraca, mas sempre corajosa, do Papa Francisco que abençoava Roma, o Papa que, naquela manhã de Páscoa, abençoava Roma e dava a sua bênção ao Mundo inteiro. Permiti-me que dê prosseguimento àquela mesma bênção: Deus nos ama, Deus vos ama a todos, e o mal não prevalecerá! Estamos todos nas mãos de Deus. Portanto, sem medo, unidos de mãos dadas com Deus e uns com os outros, sigamos em frente! “Somos discípulos de Cristo. Cristo vai à nossa frente. O Mundo precisa da sua luz. A Humanidade precisa d’Ele como ponte para poder ser alcançada por Deus e pelo seu amor. Ajudai-nos também vós e, depois, ajudai-vos uns aos outros a construir pontes, com o diálogo, o encontro, unindo-nos todos para sermos um só povo sempre em paz. Obrigado, Papa Francisco!
“Quero também agradecer a todos os meus irmãos Cardeais que me escolheram para ser o Sucessor de Pedro e para caminhar convosco, como Igreja unida, procurando sempre a paz, a justiça, esforçando-se sempre por trabalhar como homens e mulheres fiéis a Jesus Cristo, sem medo, para anunciar o Evangelho, para ser missionários.
“Sou agostiniano, um filho de Santo Agostinho que dizia: ‘Convosco sou cristão e para vós sou bispo’. Neste sentido, podemos caminhar todos juntos em direção à pátria que Deus nos preparou.
Uma saudação especial à Igreja de Roma! Devemos procurar, juntos, o modo de ser uma Igreja missionária, uma Igreja que constrói pontes, que constrói o diálogo, sempre aberta para acolher a todos, como esta Praça, de braços abertos, a todos aqueles que precisam da nossa caridade, da nossa presença, de diálogo e de amor.
(Em espanhol)
“E se me permitem uma palavra, uma saudação [em espanhol] a todos e, especialmente, à minha querida Diocese de Chiclayo, no Peru, onde um povo fiel acompanhou o seu bispo, partilhou a sua fé e deu tanto, tanto, para continuar a ser uma Igreja fiel a Jesus Cristo.
A todos vós, irmãos e irmãs de Roma, da Itália, de todo o Mundo: queremos ser uma Igreja sinodal, uma Igreja que caminha, uma Igreja que procura sempre a paz, que procura sempre a caridade, que procura sempre estar próxima, sobretudo dos que sofrem.
Hoje é o dia da Súplica a Nossa Senhora do Rosário de Pompeia. A nossa Mãe, Maria, quer sempre caminhar connosco, estar perto, ajudar-nos com a sua intercessão e o seu amor. Gostaria, por isso, de rezar convosco. Rezemos juntos por esta nova missão, por toda a Igreja, pela paz no Mundo e peçamos a Maria, nossa Mãe, esta graça especial: Ave Maria...

2025.05.11 – Louro de Carvalho


David Attenborough apresenta filme e livro sobre o oceano

 

Sir David Attenborough, o veterano da radiodifusão, para quem os oceanos são os locais mais importantes da Terra, considera o filme “Oceano”, um documentário sobre o mar aberto, apresentado a 6 de maio, por ocasião do seu 99.º aniversário – que ocorreu a 8 de maio – como o mais importante da sua carreira, pois acredita que ele poderá desempenhar papel importante na preservação da biodiversidade e na proteção do planeta contra as alterações climáticas.

Por isso, o filme constitui eloquente apelo aos líderes políticos para a firmeza na proteção da vida marinha, até pela importância dos ecossistemas marinhos como aliados na luta contra as alterações climáticas.

Esta peça cinematográfica, que apresenta as maiores descobertas da investigação marinha dos últimos 20 anos, foi lançada, a 8 de maio, juntamente com o livro “Oceano – O Último Reduto Selvagem”, escrito em coautoria com Colin Butfield.

No filme, que chegou, efetivamente, às salas de cinema britânicas, a 9 de maio, o cineasta mostra como a sua vida coincidiu com a era da descoberta dos oceanos. São mostrados, em sequências, recifes de coral, florestas de algas e o oceano aberto, para ilustrar como um oceano saudável mantém todo o planeta estável e próspero. Simultaneamente, revela-se a razão por que o oceano está em tão mau estado e, quiçá mais importante, mostra-se como ele pode recuperar-se. Este pode ser, efetivamente, o momento da mudança.

Os cineastas prometem “imagens impressionantes e comoventes” que mostram a vida sob o mar e retratam, de modo inédito, as realidades e os desafios que os oceanos enfrentam, desde métodos de pesca destrutivos até ao maciço branqueamento dos recifes de coral.

David Attenborough destaca histórias inspiradoras de toda a parte, mas a mensagem principal é que o oceano pode atingir uma grandeza que excede tudo o que qualquer ser vivo já viu.

O cineasta-escritor afirmou que, após quase 100 anos no planeta, compreendeu que o lugar mais importante da Terra não é a terra, mas o mar. Com efeito, nos últimos 100 anos, cientistas e exploradores descobriram novas espécies notáveis, migrações épicas e ecossistemas complexos e deslumbrantes que superam tudo o que o também naturalista britânico imaginaria, quando era jovem. “Neste filme, partilhamos algumas dessas descobertas maravilhosas, revelamos porque o nosso oceano está em tão mau estado e, quiçá o mais importante, mostramos como ele pode ser recuperado. Este pode ser o momento da mudança”, enfatiza David Attenborough, vincando: “Quase todos os países do Mundo acabaram de concordar, no papel, em atingir este mínimo e proteger um terço do oceano. Juntos, enfrentamos, agora, o desafio de colocar isso em prática.”

O filme contou com a consultoria de especialistas da Universidade de Exeter, no Reino Unido. O Dr. Casper van de Geer, que trabalhou no livro com o coautor, afirmou que o filme é direcionado a quem deseje saber mais sobre o estado atual dos oceanos e sobre o seu futuro, reunindo as maiores descobertas da ciência marinha dos últimos 20 anos. E a doutoranda Madi Bowden-Parry, que reviu o conteúdo do capítulo do livro sobre algas marinhas, afirmou: “O livro descreve algumas das descobertas mais inovadoras no campo da investigação marinha e da conservação da Natureza, nas últimas duas décadas, e inclui relatos pessoais das pessoas que as inspiraram.”

O filme será lançado noutros países, incluindo a Austrália, a Nova Zelândia, a França, o Canadá, a Alemanha, a Áustria, a Suíça, os Países Baixos, a Bélgica, o Luxemburgo, a Suécia, a Noruega, a Finlândia, a Dinamarca, a Islândia e a África do Sul, e estará disponível, ainda neste ano, em todo o Mundo na National Geographic, na Disney+ e na Hulu. E, em Portugal, o lançamento está previsto para junho, no canal Nat Geo e na plataforma de streaming Disney+.

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O filme mostra a profunda transformação do oceano, ao longo dos últimos 100 anos, do branqueamento em massa dos corais, à força destrutiva da pesca de arrasto de fundo. Esta arte de pesca não só tem elevados custos socioambientais, como também liberta enorme quantidade de dióxido de carbono (CO2), o principal gás com efeito de estufa (GEE).

Quando as pesadas e vastas redes são arrastadas pelo leito do oceano, deixam para trás um extenso manto de destruição que faz libertar sedimentos do fundo do mar. O carbono enterrado tende a subir e a ser emitido para a atmosfera. O ecólogo marinho Enric Sala, explorador da Sociedade National Geographic e produtor executivo do filme, calcula que a pesca de arrasto custe à Europa 11 milhões de euros, por ano. E David Attenborough, sustentando que a pesca de arrasto de fundo deveria ser ilegal, mas não o é, considera: “A ideia de demolir uma floresta tropical causa indignação, mas fazemos o mesmo debaixo de água, todos os dias.”

Apesar das imagens desoladoras e revoltantes, “Oceano” deixa entrever uma mensagem de esperança de o oceano “voltar à vida”. Com efeito, vários países já se comprometeram a proteger 30% das águas marinhas, até 2030, a chamada meta 30x30, estabelecida em dezembro de 2022, no Quadro Global de Biodiversidade Kunming-Montreal, mas o apresentador-cineasta espera que o filme crie um sentido de urgência e encoraje os líderes políticos a agirem com firmeza e com ambição. Efetivamente, quando o documentário Blue Planet II foi emitido, há oito anos, teve tão grande repercussão que há quem julgue que a obra contribuiu para mudar a forma como as pessoas usam e descartam plástico. “Como parte do Blue Planet II, Sir David captou a beleza dos nossos oceanos e as ameaças que enfrentam, incluindo os impactos da poluição por plásticos – e isso ajudou a criar um impulso para um apelo global à ação”, afirmou Inger Andersen, diretora da agência das Nações Unidas para o ambiente (UNEP), ao diário britânico The Gaurdian.

No documentário em referência, o naturalista dá como exemplo de sucesso a campanha pela preservação das baleias. Há meio século, estavam à beira da extinção. Com a mobilização global e com a criação de regras internacionais, as baleias voltaram a singrar no oceano. Assim, é de crer que, se o oceano “for deixado em paz”, o ecossistema marinho pode recuperar e prosperar para lá de tudo “o que qualquer pessoa viva alguma vez viu”.

De facto, como sugere, no filme, o antigo radialista e diretor da cadeia britânica BBC – que acumula mais de sete décadas de trabalho na área da comunicação e na documentação da vida selvagem – um oceano mais saudável será um oceano com maior capacidade de reter carbono e de atuar como um agente termorregulador.

Enric Sala, citado pela Reuters, afirmou, numa entrevista: “Quando David Attenborough começou, havia dois canais de televisão e toda a gente o conhecia como a voz da Natureza. Agora, há centenas de canais, redes sociais, mas ele continua a ser a voz da Natureza.”

O filme foi apresentado, pela primeira vez, no dia 6, em Londres, no Reino Unido, em sessão que contou com a presença do Rei Carlos III de Inglaterra e John Kerry, antigo enviado dos Estados Unidos da América (EUA) para o clima. Chegou aos cinemas um mês antes da 3.ª Conferência do Oceano das Nações Unidas, que decorrerá, em junho, na cidade francesa de Nice. Nessa ocasião, espera-se que mais países ratifiquem o Acordo do Alto-Mar, assinado em 2023, o qual, até hoje, não reuniu as 60 ratificações necessárias para entrar em vigor.

Toby Nowlan, que produziu o documentário, diz que a obra não é um filme típico de David Attenborough. “Não se trata de ver novos comportamentos de História Natural. É a melhor mensagem que ele já contou”, esclareceu, citado pela BBC.

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David Attenborough é um naturalista e radialista britânico. A sua carreira representa a voz e o rosto dos programas sobre História Natural, nos últimos 60 anos. Os seus inúmeros trabalhos foram feitos para a rede britânica de televisão BBC, de que foi diretor, de 1965 a 1972.

Após sair da Marinha, foi contratado por uma editora para a qual escreveu livros escolares sobre ciência. Porém, desiludido com esse trabalho, tentou outra oportunidade. Em 1950, tornou-se produtor de rádio na BBC. Embora rejeitado, de início, o seu currículo atraiu o interesse de Mary Adams, chefe de departamento da BBC. Como a maioria dos britânicos, ao tempo, não possuía televisão e só assistira a um programa televisivo, até então. Porém, aceitou a oferta para três meses de treino e, em 1952, juntou-se à BBC, em definitivo. Inicialmente desanimado, por não aparecer ante as câmaras, porque Mary Adams pensou que os seus dentes eram demasiado grandes, tornou-se produtor para o Talks Department, no qual realizou todas as transmissões de não-ficção.

A associação de David Attenborough com programas de História Natural iniciou-se com a produção e com a apresentação de uma série de três partes “The Pattern of Animals”. Falava sobre os animais do jardim zoológico de Londres, com o naturalista Julian Huxley e discutiu temas como a camuflagem, o aposematismo (mostra de sinais de autodefesa) e outros mecanismos de defesa animal. E, por causa desse programa, realizou, junto do curador da casa de répteis do jardim zoológico, Lack Lester, a série “Zoo Quest”, com a primeira transmissão em 1954.

David Attenborough foi convidado a participar na BBC Natural History Unit, formalmente criada, em 1957, foi em Brsitol, mas recusou, não querendo mudar-se de Londres, onde ele e a família já estavam estabelecidos. Ao invés, formou o seu próprio departamento, a Travel and Exploration Unit, o que lhe permitiu continuar à frente da “Zoo Quest” e produzir outros documentários, como “Travellers’ Tales” e “Adventure”.

No início de 1960, desligou-se do quadro permanente da BBC para fazer uma pós-graduação em Antropologia Social, na London School of Economics, intercalando o estudo com as filmagens. Porém, aceitou convite para voltar à BBC, como diretor da BBC 2 antes de terminar a pós-graduação. Assim, entre 1965 e 1969, foi diretor da BBC 2. Durante esse tempo foram exibidos diversos programas, como “Match of the Day”, “Civilisation”, “The Ascent of Man”, “The Likely Lads”, “Not Only… But Also”, “Man Alive”, “Masterclass”, “The Old Grey Whistle Test” e “The Money Programme”. Tal diversidade reflete o pensamento de Attenborough de que a programação da BBC 2 deve ser a mais variada possível. Em 1967, sob o seu comando, a BBC 2 foi o primeiro canal de TV no Reino Unido a transmitir a cores.

Entre 1969 e 1972 foi diretor de programação da BBC Television. Por fim, rejeitou a proposta de promoção para diretor-geral da BBC e voltou a ser criador e apresentador de programas.

No início, os principais documentários de David Attenborough incluíam temas respeitantes ao impacto da sociedade humana no Mundo natural. Por exemplo, o último episódio de “The Living Planet” focaliza, quase inteiramente, a destruição do ambiente pelo homem e as soluções a tomar poderiam para amenizar ou até acabar com o problema. Apesar disso, os seus programas foram criticados por não terem uma mensagem mais explícita sobre a crise. Alguns ambientalistas sentem que os seus documentários dão um retrato falso da região selvagem e não fazem o bastante para mostrar que tais áreas estão a ser cada vez mais invadidas por humanos.

Entretanto, a sua mensagem de encerramento de “State of the Planet” foi bem franca: “O futuro da vida na Terra depende da nossa habilidade de reagir a problemas. Muitos indivíduos estão a fazer o que podem, mas o sucesso real só pode acontecer, se houver uma mudança na nossa sociedade, na economia e na política. Eu fui afortunado em poder ver, na minha vida, alguns dos maiores espetáculos que a Natureza tem a oferecer. Certamente, nós temos a responsabilidade de deixar para as gerações um planeta saudável e habitável por todas as secies.”

Desde de 1980, tornou-se cada vez mais franco na sustentação de causas ambientais. Em 2005, ingressou no projeto Birdlife International, para cessar a matança dos albatrozes brancos por barcos pesqueiros. Apoiou, publicamente, uma campanha da WWF (Fundo Mundial para a Natureza) para que 220 mil quilómetros quadrados da floresta tropical de Bornéu fosse protegida. E passou a integrar o grupo Fauna na Flora International, de que foi vice-presidente.

Disse, por diversas vezes, que a superpopulação humana é a origem de muitos dos problemas ambientais. Em ambas as séries, a já mencionada “State of the Planet” e “The Life of Mammals” e, no respetivo livro, fez um apelo para que os humanos freassem o crescimento populacional, caso contrário outras espécies não poderão sobreviver.

Tem escrito e falado sobre a certeza que tem de o aquecimento global ser causado pelos humanos e de ser um perigo real para a nossa espécie e para todo o planeta. No documentário “State of the Planet”, completa com esse tema a mensagem mencionada acima: “No passado, nós não conhecíamos os efeitos das nossas ações e, assim, plantámos o vento e, agora, literalmente, colhemos o furacão. Mas não temos mais tempo para essa desculpa: agora, reconhecemos as consequências de nosso comportamento e, certamente, devemos agir para o mudar, individual e coletivamente, nacional e internacionalmente. Ou daremos às gerações futuras a catástrofe.”

Em entrevista à revista BBC Wildlife, em 2005, considerou George W. Bush o maior “vilão ambiental” dos tempos atuais.

Em 2005, numa entrevista com Simon Mayo para a BBC Radio Five Live, considerou-se agnóstico. E, questionado se a sua observação da Natureza lhe deu fé num criador, afirmou sentir que toda a evidência da evolução no planeta mostra, claramente, ser esta a melhor maneira de explicar a diversidade da vida e que, havendo um ser superior, “teria escolhido a evolução orgânica como uma maneira de trazer a existência do mundo natural”.

É certo que os documentários expuseram a milhões de pessoas a diversidade da vida na Terra, incluindo os defensores do criacionismo, mas David Attenborough pouco fala dos mecanismos da evolução, exceto em “Life on Earth”, série sobre a evolução da vida. Em vez disso, descreve as vantagens de cada adaptação, em maior detalhe, como porque têm as flores certas formas num determinado caso, porque migram as aves e outros animais, como podem os mecanismos de mimetismo proteger ou atrair insetos e outros animais, e assim por diante. E, em 2022, juntou-se ao esforço de clérigos e de cientistas contra a inclusão do criacionismo no currículo das escolas.

Ao contrário dos seus equivalentes nos EUA, a maior parte das igrejas da Grã-Bretanha, tal como as principais correntes da Igreja Católica, já abraçou, há muito tempo, a evolução como o mecanismo responsável pela diversidade biológica na Terra, apesar da oposição de uma minoria fundamentalista. A única ressalva que fazem é que, segundo a fé, Deus está por de trás de toda a génese e evolução da vida, o que não contraria a evolução, como afirmava Santo Agostinho ou Teilhard de Chardin.

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É cada vez mais urgente cuidar do planeta, pois, só articulando economia e ecologia, se fará, de forma eficaz, o cuidado integral das pessoas e das comunidades.

2025.05.10 – Louro de Carvalho