sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Reitora do Colégio da Europa, suspeita de fraude, demitiu-se do cargo

 
A sede dos Negócios Estrangeiros da União Europeia (UE), o Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE) – uma espécie de Ministério dos Negócios Estrangeiros da Comissão Europeia, em Bruxelas –, o Colégio da Europa (prestigiada universidade que recebe financiamento da UE), em Bruges, na Bélgica, e uma série de residências particulares foram alvo de rusga da polícia belga, na manhã de 2 de dezembro, no âmbito da investigação a alegada fraude, segundo noticiaram os meios de comunicação belgas.
Dessa rusga resultou a detenção de Federica Mogherini, antiga chefe dos Negócios Estrangeiros da UE e reitora do Colégio da Europa, desde setembro de 2020, bem como de outros altos funcionários, o que motivou, consequentemente, a demissão da antiga alta representante da UE para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança, entre 2014 e 2019, do cargo de reitora do Colégio da Europa, devido a suspeitas de fraude.
A ex-vice-presidente da Comissão Europeia, antiga chefe dos Negócios Estrangeiros da UE e reitora da Universidade da Europa (Colégio da Europa), Federica Mogherini, foi detida, no dia 2, de acordo com os meios de comunicação social belgas, na sequência de buscas feitas pela polícia da Bélgica, em concertação com a Procuradoria Europeia (EPPO), por suspeita de fraude. E também foi detido o ex-secretário-geral do Serviço de Ação Externa da UE, Stefano Sannino, bem como uma terceira pessoa, que se crê ser o diretor do referido colégio.
O antigo rosto da UE na diplomacia foi um dos três detidos na sequência de uma investigação por suspeita de fraude na atribuição de financiamento da Comissão Europeia a um projeto para instrução de jovens diplomatas. De acordo com a EPPO, um dos candidatos terá tido acesso a informação confidencial que o beneficiou, pondo em causa a competição justa do processo.
A investigação, conduzida pela EPPO, centra-se em suspeitas de que o SEAE violou as suas regras de concurso, ao fornecer informações antecipadas ao Colégio da Europa, no âmbito de propostas para um programa de 130 mil euros, destinado a formar jovens diplomatas europeus. Todavia, nem Federica Mogherini nem os outros dois suspeitos – um alto funcionário da UE e um dirigente do Colégio da Europa – foram formalmente acusados, de imediato.
Por outro lado, fontes europeias confirmaram à Euronews que Stefano Sannino, também detido no dia 2, tirou uma licença antecipada, porque tenciona reformar-se, no fim do ano, do seu cargo de diretor-geral do departamento da Comissão para o Médio Oriente, para Norte de África e para o Golfo (DG MENA) – uma decisão tomada antes do rebentamento deste escândalo.
Stefano Sannino, que trabalhou, anteriormente, no SEAE e como diplomata italiano, é considerado uma figura influente nas instituições de Bruxelas. A sua identidade foi revelada pelos jornais L’Echo e Le Soir, citando fontes.
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A vice-presidente da Comissão Europeia, Roxana Mînzatu, disse à Euronews, no programa matinal “Europe Today”, que ficou “absolutamente chocada” com a notícia de que a antiga chefe da política externa da UE tinha sido acusada, “formalmente”, numa investigação de fraude em curso, vincando que a confiança na UE “precisa de ser defendida”. “É claro que não posso comentar a investigação, mas é importante que estas investigações sejam acompanhadas de perto, porque se trata de dinheiro da UE, dinheiro dos contribuintes e, mais uma vez, a confiança nas instituições europeias precisa de ser defendida”, declarou.
Claro que ficou “absolutamente chocada” com a notícia que dava conta da investigação, por suspeitas de fraude, envolvendo o braço da política externa da UE, o SEAE, que abalou Bruxelas.
Com efeito, embora os três suspeitos tenham sido libertados, depois de ouvidos pela polícia, Federica Mogherini, até há pouco reitora do Colégio da Europa e que foi chefe da política externa da UE entre 2014 e 2019, foi formalmente notificada das acusações que impendem sobre ela, no âmbito da investigação em curso sobre suspeitas de fraude, em torno de uma formação da UE para diplomatas juniores. E, numa declaração, na noite do dia 3, a principal visada afirmou: “Tenho total confiança no sistema judicial e acredito que a correção das ações do Colégio será comprovada. […] Continuarei, obviamente, a oferecer a minha total colaboração às autoridades.”
A EPPO indicou que as acusações contra os três suspeitos dizem respeito a “fraude e corrupção em contratos públicos, conflito de interesses e violação do sigilo profissional”.
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Numa carta dirigida aos seus alunos e aos antigos alunos, a antiga chefe da política externa da UE anunciou a demissão do cargo de reitora do Colégio da Europa, a universidade especializada em assuntos europeus. “De acordo com o maior rigor e justiça com que sempre desempenhei as minhas funções, decidi, hoje, demitir-me do cargo de reitora do Colégio da Europa e diretora da Academia Diplomática da União Europeia”, escreveu Mogherini em e-mail visto pela Euronews.
“Estou orgulhosa do que alcançámos juntos e estou profundamente grata pela confiança, estima e apoio que os estudantes, professores, funcionários e antigos alunos do Colégio e da Academia demonstraram e demonstram para comigo. […] Tem sido uma honra e um prazer para mim servir a comunidade do Colégio e a sua missão, juntamente com todos vós”, explicitou.
Mogherini foi uma dos três suspeitos levados para interrogatório na manhã do dia, depois de as autoridades belgas terem feito buscas nos escritórios do SEAE, no Colégio da Europa, na cidade de Bruges, e numa série de casas particulares. A investigação centra-se na Academia Diplomática da UE, um curso de formação de nove meses para jovens diplomatas adjudicado ao Colégio da Europa, na Bélgica, entre 2021 e 2022, no âmbito de um concurso público. E os procuradores procuram determinar se o SEAE violou as suas regras de concurso ao partilhar informações com o Colégio, antes de o projeto ter sido formalmente adjudicado.
As três pessoas foram libertadas no dia 2, depois de interrogadas pela polícia e formalmente notificadas das acusações: fraude e corrupção na adjudicação de contratos, conflito de interesses e violação do sigilo profissional.
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A política italiana foi detida na sequência de uma rusga ao Colégio da Europa, instituição que dirige desde 2020, depois de ter tido grande visibilidade em Roma e em Bruxelas. A sua detenção, como é natural, deixou Bruxelas e Roma surpreendidas, pois Federica Mogherini é conhecida nos círculos diplomáticos, tem fortes ligações e desempenhou funções políticas de topo, incluindo a de ministra dos Negócios Estrangeiros de Itália, sob a direção de Matteo Renzi, e a de Alta Representante da União Europeia. E, até agora, era reitora do Colégio da Europa, uma instituição dedicada a estudos europeus, considerada uma plataforma de acesso a empregos na UE.
Nascida em 1973 em Roma, Federica Mogherini começou a sua atividade política, ainda adolescente. Em 1988, aderiu à Federação da Juventude Comunista Italiana.
Após a dissolução do Partido Comunista Italiano (PCI), aderiu aos sociais-democratas. Com o Partido Democrático Italiano (PDI), a sua carreira progrediu rapidamente: em 2008, tornou-se deputada ao parlamento nacional, com especial incidência nos assuntos externos, mas a verdadeira descoberta surgiu em 2014, quando foi nomeada ministra dos Negócios Estrangeiros do governo de Matteo Renzi. No entanto, o seu mandato como ministra dos Negócios Estrangeiros não durou muito tempo, pois, ainda nesse ano, o primeiro-ministro candidatou-a ao cargo de Alta Representante da Comissão Europeia liderada por Jean-Claude Juncker.
Apesar da resistência dos Estados bálticos, preocupados com a sua política, face à Rússia, e com o aparente apaziguamento de Moscovo, foi nomeada Alta Representante, em 2014, coordenando a política externa dos estados-membros, tendo assento nas reuniões do Colégio da Comissão Europeia e presidindo ao Conselho dos Negócios Estrangeiros da UE.
Como chefe da política externa, tornou-se uma referência nos círculos internacionais e o seu perfil aumentou, quando representou a UE, nas negociações do acordo nuclear com o Irão (JCPOA).
Após o termo do seu mandato, a antiga ministra e comissária europeia foi nomeada reitora do Colégio da Europa, em 2020, apesar das críticas sobre a sua falta de credenciais académicas para o cargo. E enfrentou reações que invocavam um conflito de interesses, uma vez que o Colégio é financiado, principalmente, pela Comissão Europeia, a seu antiga empregadora.
O Colégio, sediado em Bruges, é conhecido por ser um trampolim para os estudantes que procuram entrar nas instituições da UE e estabelecer contactos profissionais. É um instrumento de soft power. As propinas para um ano letivo completo ascendem a 30 mil euros.
Numa declaração, enviada por correio eletrónico, o Colégio da Europa disse à Euronews que iria “cooperar, plenamente, com as autoridades no interesse da transparência e do respeito pelo processo de investigação”. E um porta-voz da instituição confirmou, no dia 2, que as rusgas ocorreram, mas recusou-se a dizer se Mogherini estava entre os detidos.
Mogherini foi Alta Representante para a Política Externa, liderando o SEAE, o braço diplomático do bloco, entre 2014 e 2019. Desde setembro de 2020, era reitora do Colégio da Europa. E a EPPO solicitou as buscas no âmbito de uma investigação sobre suspeitas de fraude relativas a um projeto de formação de jovens diplomatas financiado pela UE.
Numa declaração, a EPPO afirmou que a investigação se centra na Academia Diplomática da UE, um projeto de formação de nove meses para jovens diplomatas, adjudicado ao Colégio da Europa, na Bélgica, entre 2021 e 2022, no âmbito de um concurso da UE. Assim, as autoridades estão a investigar se o SEAE violou as suas regras de concurso ao partilhar informações com o Colégio antes da adjudicação do projeto. “Podemos confirmar que a polícia esteve hoje no edifício do SEAE”, disse um porta-voz da UE, no dia 2, especificando que a investigação em curso diz respeito a atividades que tiveram lugar “no mandato anterior”.
Na verdade, o SEAE, tal como o Colégio da Europa e a Comissão Europeia, confirma presença policial na sede, em Bruxelas,
A reitora do Colégio da Europa era, até agora, Federica Mogherini, que esteve à frente do SEAE entre 2014 e 2019. Sucedeu-lhe Josep Borrell, que foi substituído pela atual chefe da política externa, Kaja Kallas, em dezembro de 2024.
Na sua declaração, a EPPO especificou que existem “fortes suspeitas” de que as regras da UE, em matéria de “concorrência leal”, foram violadas durante o processo de concurso e que “informações confidenciais relacionadas com o concurso em curso foram partilhadas com um dos candidatos que participaram no concurso”.
Os factos “podem constituir fraude em matéria de contratos públicos, corrupção, conflito de interesses e violação do sigilo profissional. […] A investigação está em curso, para esclarecer os factos e para avaliar se ocorreram quaisquer infrações penais”, declarou a EPPO.
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O Colégio da Europa, fundado em 1949, é um instituto universitário independente para estudos europeus de pós-graduação. Tem o estatuto de “Institution of Public Interest”, segundo a lei belga. E possui três campi, um com sede em Bruges, na Bélgica; outro, desde 1993, em Natolin, em Varsóvia, na Polónia; e outro, desde 2024 em Tirana, na Albânia.
Os estudantes admitidos à sua frequência são, geralmente, selecionados através de procedimentos que tramitam nos Ministérios dos Negócios Estrangeiros dos respetivos países, sendo a entrada altamente competitiva. Esta instituição é bilingue, devendo os alunos ter proficiência em Inglês e em Francês. E, após o período de formação, com a duração de um ano letivo, os estudantes recebem um diploma de mestrado avançado. Ora, o Mestrado Avançado é um ciclo de estudos de pós-graduação que aprofunda conhecimentos numa área específica, formando especialistas com competências de vanguarda e com visão estratégica, muitas veze, com foco em tecnologias emergentes, em inovação e em liderança, para resolver desafios complexos.
De acordo com o “The Times”, “o Colégio da Europa, na cidade belga medieval de Bruges representa, na elite política europeia, o que a Havard Business School é na vida corporativa norte-americana. Para o “The Economist”, é “uma escola de aperfeiçoamento de elite para os aspirantes a eurocratas. O “Finantial Times” chama-lhe “a elite da Europa”. Ján Figel, ex-comissário europeu para a Educação, descreveu-o colégio como um dos centros mais emblemáticos de estudos europeus, na UE. E tem sido descrito como “o lugar de liderança para estudar os assuntos europeus” e como “o centro de treinamento de elite para a classe política da União Europeia”.
Foi fundado em 1949, logo após o  Congresso de Haia, de 1948 (em que mais de mil delegados de 20 países europeus debateram novas formas de cooperação na Europa), pelos líderes europeus como Salvador de Madariaga, Winston Churchill; Paul-Henri Spaak e Alcide De Gasperi, para promover “um espírito de solidariedade e [de] compreensão mútua entre todas as nações da Europa Ocidental”, a fim de “fornecer treinamento para indivíduos que defendem esses valores” e de “treinar uma elite de jovens executivos para a Europa”.
Graças aos esforços dos cidadãos, liderados, principalmente, pelo padre Karel Verleye, a cidade de Bruges foi escolhida como sede do instituto, e o professor Hendrik Brugmans foi o seu primeiro reitor, entre os anos 1950 e 1972.
As transformações nas regiões central e Leste da Europa, após a queda do comunismo, culminaram no estabelecimento do segundo campus, em Natolin, após apoio da Comissão Europeia e do governo polaco, e o colégio passou a funcionar como “um Colégio – dois campi”, e o “esprit de Bruges” passou a ser o “esprit du Collège”, o que se confirmou, em 2024, com a criação do campus de Tirana. Em 2012 o Colégio da Europa tornou-se membro apoiante do Movimento Europeu, vincando a relação estreita do Movimento Europeu com a criação do Colégio da Europa. Entre 2009 e 2019, a sua direção foi entregue ao espanhol Íñigo Méndez de Vigo. E, em 2019, o belga Herman van Rompy foi escolhido como seu presidente.
Não se deve confundir o Colégio da Europa com a Universidade Europeia, que é uma universidade privada portuguesa, com sede na cidade de Lisboa, reconhecida pelo Decreto-Lei n.º 87/2013, de 26 de junho, e cuja entidade instituidora, em Portugal, é a ENSILIS – Educação e Formação, Unipessoal, Lda. A Universidade Europeia teve a sua origem no Instituto Superior de Línguas e Administração (ISLA), criado em 1962.
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Seja em Portugal, seja na UE, os casos de fraude, sobretudo, com dinheiros públicos, devem ser prevenidos, debelados, combatidos e punidos. Porém, se a Justiça europeia for como a portuguesa, podemos esperar sentados. E a Justiça é o valor supremo do Direito.

2025.12.04 – Louro de Carvalho


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