quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

Opositora venezuelana recebeu Nobel da Paz, sem estar na cerimónia

 

María Corina Machado, líder da oposição venezuelana, não chegou a Oslo, a tempo da cerimónia de entrega do prémio Nobel da Paz, a 10 de dezembro, mas a filha, Ana Corina Sosa, discursou por ela na Câmara Municipal de Oslo. E, evocando a História da democracia venezuelana e de como esta acabou nas mãos do regime de Nicolás Maduro, avisou: “Se queremos democracia, temos de estar dispostos a lutar pela liberdade.”
Lembrando que a sua geração “nasceu numa democracia vibrante” tomada por “garantida”, Ana Corina Sosa, lendo, em Inglês, o discurso que a mãe preparara para a cerimónia, vincou, aludindo a Hugo Chávez: “Presumíamos que a liberdade era tão permanente como o ar que respirávamos. Valorizávamos os nossos direitos, mas esquecíamos os nossos deveres. […] Quando, finalmente, nos apercebemos da fragilidade das nossas instituições, um homem que outrora liderara um golpe militar para derrubar a democracia foi eleito presidente. Muitos acreditavam que o carisma poderia substituir o Estado de Direito.”

***

A líder da oposição venezuelana não esteve na cerimónia de entrega do Prémio Nobel da Paz, em Oslo, mas a sua filha Ana Corina Sosa leu o discurso que ela preparou para a ocasião. O lugar de María Corina Machado ficou vazio no pódio.
A 10 de outubro, o Comité Nobel Norueguês anunciou que o prémio deste ano seria atribuído a María Corina Machado “pelo seu trabalho incansável na promoção dos direitos democráticos do povo venezuelano e pela sua luta para alcançar uma transição justa e pacífica da ditadura para a democracia”. 
A líder da oposição venezuelana, que não aparece em público, há 11 meses, deveria realizar, na tarde do dia 9, uma conferência de imprensa, como é hábito os laureados fazerem, um dia antes da cerimónia formal de entrega do prémio. Porém, a conferência foi, primeiro, adiada e cancelada, depois. O Comité Nobel não especificou se a conferência acontecerá noutro momento. “Não podemos, neste momento, fornecer mais informações sobre quando e como chegará para a cerimónia de entrega do Prémio Nobel da Paz”, declarou o seu presidente.
“María Corina Machado já declarou, em entrevistas, o quão desafiante será a viagem para Oslo, na Noruega”, disse o comité, num e-mail enviado às redações. Primeiro, a opositora que vive na clandestinidade, avisou que, enquanto Nicolás Maduro estiver no poder, não pode abandonar o local onde se encontra, “por motivos de segurança”. Todavia, depois, avançou que, embora tenha decidido ir à cerimónia, se não pudesse comparecer, o prémio seria recebido pelos presidentes do Paraguai, Santiago Peña, e do Panamá, José Raúl Mulino.
Horas antes da cerimónia, o Comité Nobel Norueguês confirmava que María Corina Machado não estaria na cerimónia, apesar de ter feito “tudo o que estava ao seu alcance para estar presente”. Numa pequena nota, falava numa “viagem em situação de extremo perigo”, explicitando que “embora não tenha conseguido chegar à cerimónia e aos eventos de hoje, estamos profundamente felizes por confirmar que ela está bem e que estará connosco em Oslo”. E divulgou, depois, o telefonema em que ela confirmava que não podia estar presente: “Antes de mais, em nome do povo venezuelano, quero agradecer, mais uma vez, ao comité norueguês do Nobel este imenso reconhecimento da luta do nosso povo pela democracia e pela liberdade. Estamos muito emocionados e honrados, por isso lamento muito informar que não poderei chegar a tempo.”
A cerimónia decorre, todos os anos, a 10 de dezembro, aniversário da morte de Alfred Nobel, em 1896. O evento começou com a atuação do músico venezuelano Danny Ocean, que vive há vários anos nos EUA.
“A senhora [María Corina] Machado deverá chegar entre esta noite e quinta-feira de manhã a Oslo”, disse Kristian Berg Harpviken, diretor do Instituto Nobel norueguês.

***

Antes de começar a ler o discurso da laureada, a filha agradeceu o prémio, dizendo que, dentro de poucas horas, poderia abraçá-la, mas outras filhas e filhos não o poderiam fazer.
O discurso propriamente dito começou com o desejo de contar “a História de um povo e de uma longa marcha pela liberdade”, frisando como a Venezuela teve uma das primeiras constituições democráticas e de tudo o que alcançou ao longo dos séculos. E fez uma referência aos portugueses, entre os refugiados e migrantes – María Corina Machado é descendente de portugueses – que a Venezuela recebeu: “Eles tornaram-se venezuelanos”, destacou, para verificar: “Construímos uma democracia que se tornou na mais estável na América Latina”, mas “até a mais forte democracia enfraquece”.
O discurso prosseguiu com uma referência às eleições presidenciais de julho de 2024 e à forma como a oposição obteve as provas da vitória de Edmundo González (María Corina Machado foi impedida de se candidatar, apesar de ter ganho as primárias). Mas o regime não aceitou a derrota. “Este prémio tem um significado profundo. Lembra ao Mundo que a democracia é essencial para a paz. E mais do que tudo, o que nós, venezuelanos, podemos oferecer ao Mundo, é a lição forjada nesta viagem longa. Se queremos democracia, temos de estar dispostos a lutar pela liberdade”, afiançou a oradora.
O discurso de María Corina Machado termina com o desejo de ver regressar os nove milhões de venezuelanos que tiveram de deixar o país. E lembra os presos políticos, os jornalistas que ficaram sem voz, os artistas, os líderes mundiais que apoiaram a Venezuela, e “os milhões de venezuelanos anónimos que arriscaram a sua vida” por amor ao seu país. “A eles pertence o futuro”, conclui.
Por seu turno, o líder do Comité Nobel Norueguês, o deputado Jørgen Watne Frydnes, começou a cerimónia falando de vários venezuelanos, presos políticos, que estão desaparecidos ou detidos pelo regime de Nicolás Maduro: “Alguém que ainda acredita em dizer a verdade pode desaparecer, violentamente, num sistema construído, especificamente, para erradicar esta crença. […] Enquanto nos sentamos aqui, na Câmara Municipal de Oslo, pessoas inocentes estão presas na Venezuela. Não podem ouvir os discursos, apenas os gritos das pessoas que estão a ser torturadas”, lamentou.
A seguir, denunciou: “A Venezuela transformou-se num Estado autoritário e brutal, enfrentando uma profunda crise humanitária e económica. Enquanto isso, uma pequena elite no topo, protegida pelo poder político, pelas armas e pela impunidade legal, enriquece.”
“Quando a democracia perde, o resultado é mais conflito, mais guerra”, advertiu, observando que a situação na Venezuela não é única no Mundo, havendo cada vez mais líder autoritários. “Os regimes autoritários aprendem uns com os outros”, afirmou, dizendo que, atrás de Maduro, está Cuba, a Rússia, a China, o Irão, o Hezbollah, que “tornam o regime mais robusto”.
O discurso de Jørgen Watne Frydnes foi interrompido para forte aplauso ao presidente eleito da Venezuela, Edmundo González. E um segundo aplauso irrompeu, após a indicação de que, apesar de não ter chegado a tempo para a cerimónia, María Corina Machado está em segurança e estaria em Oslo, mais tarde. “As pessoas que vivem sob ditaduras têm muitas vezes de escolher entre o difícil e o impossível. No entanto, muitos de nós, a uma distância segura, esperamos que os líderes democráticos da Venezuela prossigam os seus objetivos com uma pureza moral que os seus adversários nunca demonstram. Isso é irrealista. É injusto. E demonstra ignorância histórica”, reiterou o líder do Comité Nobel Norueguês.
Jørgen Watne Frydnes sustenta que a origem da violência não está nos ativistas, nem nos opositores, mas em quem está no poder, aludindo às críticas de que a oposição é alvo por, alegadamente, defender uma invasão. “Esta é a versão da realidade que o regime de Maduro apresenta ao Mundo: a de que é o garante da paz. Mas a paz baseada no medo, no silêncio e na tortura não é paz. É submissão, disfarçada de estabilidade”, enfatizou.
O deputado centrou-se, depois, na figura da laureada, que pede eleições livres, há duas décadas, que defende “votos, não balas”. Ora, quando os opositores das eleições presidenciais do verão de 2024 recolheram as atas das urnas de voto, para provarem a vitória de Edmundo González, o regime negou tudo e agarrou-se ao poder. E “María Corina Machado pediu apoio internacional, não a invasão do país”, reforçou o orador, para deixar uma mensagem a Nicolás Maduro e a outros líderes autoritários: “O vosso poder não é permanente. A vossa violência não vai prevalecer sobre pessoas que se erguem e resistem. Senhor Maduro, aceite o resultado das eleições e demita-se.”
“Hoje, honramos María Corina Machado. Prestamos também homenagem a todos os que esperam na escuridão. A todos os que foram presos e torturados, ou que desapareceram. A todos os que continuam a ter esperança. A todos os que, em Caracas e noutras cidades da Venezuela, são obrigados a sussurrar a língua da liberdade. Que nos oiçam agora. Que percebam que o Mundo não se está a afastar. Que a liberdade está cada vez mais perto. E que a Venezuela se tornará pacífica e democrática. Que uma nova era amanheça, concluiu, antes de chamar a filha da líder da oposição venezuelana, para receber a medalha e o diploma do Prémio Nobel da Paz.

***

A irmã da opositora venezuelana, Clara Machado Parisca, afirmou, no dia 9, à rádio colombiana Blu Radio que o desejo de Corina Machado era deslocar-se a Oslo, para receber o Nobel, mas escusou-se a garantir a sua presença na cerimónia do dia 10, na capital norueguesa.
A própria María Corina Machado tinha previsto dar uma conferência de imprensa, no dia 9, no Instituto Nobel de Oslo, a qual começou por ser adiada e, depois, acabou por não acontecer, sem quaisquer explicações por parte do instituto. Em Oslo, segundo a agência EFE, encontrava-se a mãe, Corina Parisca, a irmã e a filha, que estará acompanhada na cerimónia pelos dois irmãos.
Esta não é a primeira vez que um vencedor do Prémio Nobel da Paz está ausente no dia da entrega.
Quando o chinês Liu Xiaobo, então preso, ganhou o Prémio Nobel da Paz, em 2010, ninguém compareceu para receber o prémio. Foi colocada foto sua na cadeira que fora destinada e a atriz norueguesa Liv Ullmann leu o discurso de aceitação. Em 2022, o bielorrusso Ales Bialiatski, um dos três vencedores do Nobel do ano e que permanecia na prisão, foi representado pela esposa, Natallia Pinchuk. E, quando a iraniana Narges Mohammadi, presa, recebeu o prémio em 2023, foram os filhos que viajaram para Oslo para receberem o prémio e para lerem o discurso.
Além dos filhos de Machado, várias figuras proeminentes da oposição venezuelana estavam em Oslo. Entre estas, sobressai Edmundo González Urrutia, candidato nas eleições presidenciais do ano passado e exilado em Espanha, desde setembro de 2024, que viajou, no dia 9, para a capital norueguesa, marcará presença na cerimónia. Também já se encontravam ali, a convite da premiada, os presidentes do Panamá, José Raúl Mulino, e da Argentina, Javier Milei, e esperava-se a chegada dos chefes de Estado do Paraguai, Santiago Peña, e do Equador, Daniel Noboa.
Os quatro presidentes latino-americanos foram recebidos, em audiência, pelo rei da Noruega, Harald V, depois da cerimónia de entrega do prémio, e reuniram-se, depois, separadamente, com o primeiro-ministro norueguês, Jonas Gahr Støre.

***

Pela primeira vez na História, uma figura da oposição venezuelana recebe o maior prémio do Mundo para a defesa da paz e dos direitos humanos. O anúncio veio de Oslo, mas o seu eco soou alto, em todo o Mundo: María Corina Machado, figura central da oposição venezuelana, há mais de duas décadas, recebe o Prémio Nobel da Paz – um salto que não só consagra a sua figura, mas também redefine a perceção global da luta democrática na Venezuela.
O prémio reconhece “a sua defesa inabalável dos direitos democráticos do povo venezuelano” e a sua “luta para conseguir uma transição justa e pacífica da ditadura para a democracia”. E coroa uma carreira marcada pelo confronto com o chavismo, pela mobilização dos cidadãos e pelos sucessivos períodos de perseguição política, que limitaram a sua participação institucional e a sua capacidade de ação pública.
Engenheira industrial formada pela Universidade Católica Andrés Bello, María Corina Machado entrou na vida pública no início dos anos 2000, ao cofundar a organização Súmate, para promover a participação eleitoral e a transparência nos processos eleitorais. O seu papel no referendo de 2004 contra Hugo Chávez pô-la no centro do debate político. Em 2010, foi eleita deputada, embora tenha perdido, em 2014, o mandato, depois de participar como representante suplente do Panamá numa sessão da Organização dos Estados Americanos (OEA). Desde então, tem-se afirmado como uma das vozes mais fortes contra o chavismo, denunciando a deterioração institucional e exigindo mudança política baseada em eleições livres.
É a figura cuja dedicação pessoal às liberdades fundamentais inspirou milhões de venezuelanos dentro e fora do país. O Comité Nobel fala da sua liderança como “estritamente não violenta”, tendo contribuído para evitar um cenário de confronto armado no país.
A sua primavera política ressurgiu, em força, em 2023, quando venceu as primárias da oposição, com mais de 90% dos votos. A sua popularidade cresceu e a sua candidatura desencadeou uma onda de esperança que se espalhou entre os setores desencantados e os afastados da oposição. O regime reagiu, reinstalando a estratégia utilizada contra outros líderes da oposição: desqualificação política, restrições à circulação e vigilância constante. E foi impedida de concorrer às eleições presidenciais. Porém, em 2024, a sua visibilidade internacional deu um salto decisivo, quando o Conselho da Europa lhe atribuiu o Prémio Václav Havel para os Direitos Humanos, em reconhecimento do seu trabalho de denúncia das violações das liberdades fundamentais na Venezuela e da sua defesa persistente da via democrática.
O comité sublinha que, apesar das ameaças, das detenções e dos atentados, Machado recusou abandonar o país e continuou a apelar à pressão internacional combinada com uma mobilização interna não violenta. Este empenho na paz e na democracia é, segundo o júri, o seu contributo mais decisivo num momento regional marcado pela polarização. O prémio foi interpretado como apoio global ao povo venezuelano e aviso ao regime de que a comunidade internacional continua vigilante.  E o comité Nobel salienta que o seu trabalho teve repercussões além da Venezuela: o seu movimento tornou-se modelo de organização civil em sociedades polarizadas e a sua trajetória pode servir de guia para outras lutas democráticas. Machado é a voz que tentaram apagar e que, agora, está mais alta do que nunca.

***

É abjeto o regime que tolhe a liberdade de expressão cidadã e política, bem como a liberdade de circulação, e persegue, suave ou violentamente, os opositores. E fica o aviso: “A democracia e as liberdades nunca estão garantidas.”

2025.12.11 – Louro de CarvalhoParte superior do formulário

 


Sem comentários:

Enviar um comentário