segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

UE terá 1,2 mil milhões de euros para melhorar redes elétricas

 

A Comissão Europeia, tendo identificado oito projetos-chave no domínio da energia, no âmbito do Pacote de Redes Europeias, vai lançar um plano de cerca de 1,2 mil milhões de euros, que esteve em consulta pública, até ao início do passado mês de agosto, e que se destina a ajudar os estados-membros da União Europeia (UE) a acelerar as licenças para infraestruturas de rede, projetos de energias renováveis e de armazenamento, na tentativa de modernizar a rede elétrica do bloco e de aumentar o transporte de eletricidade na UE27. O executivo europeu vai também apoiar projetos de armazenamento e de hidrogénio.
Como referia, a 16 de setembro, no ECO online, em artigo de opinião, António Lobão Teles, “em resposta ao blackout [apagão] na Península Ibérica, foi anunciado o Pacote de Redes Europeias, no âmbito da Bússola para a Competitividade e do Pacto da Indústria Limpa”, e cuja adoção pela Comissão Europeia está prevista para o final de 2025.
O pacote prevê, ainda segundo Lobão Teles, propostas legislativas para modernizar e expandir redes elétricas e para agilizar o licenciamento de projetos de energias renováveis – propostas que atuem em problemas fundamentais das redes europeias e catalogáveis nos seguintes itens: insuficiente capacidade instalada renovável, pois há significativo gap (lacuna) entre as necessidades de expansão da rede e os projetos de desenvolvimento da rede, o que impede a descarbonização do sistema energético europeu; licenciamento lento de projetos de energias renováveis, a que se junta a execução morosa de projetos de produção, de armazenamento e de infraestruturas de energias renováveis, comprometendo os objetivos de transição energética; e segurança insuficiente das infraestruturas transfronteiriças.
O Regulamento Redes Transeuropeias de Energia (RTE-E) estabelece o quadro jurídico para infraestruturas energéticas transfronteiriças da UE. Na revisão de 2022, incluiu infraestruturas de hidrogénio, redes offshore e projetos transfronteiriços com países vizinhos.
O Pacote de Redes Europeias propõe a otimização do quadro jurídico das redes energéticas, como o RTE-E, promovendo o planeamento integrado e transfronteiriço das redes europeias, visando medidas como: melhoria do planeamento das redes de distribuição, com foco em eficiência energética, digitalização e inovação; agilização dos processos de licenciamento de redes, renováveis e armazenamento, com avaliações ambientais otimizadas e a redução de prazos para as licenças; e apoio ao desenvolvimento de infraestruturas de hidrogénio e de dióxido de carbono (CO2), removendo barreiras ao investimento e visando a eletrificação da economia.
A modernização de infraestruturas, a expansão das redes e a simplificação do licenciamento de projetos de energias renováveis contribuirá para a UE reforçar a sua segurança energética e para alcançar as metas de médio prazo, em matéria de energia e clima. E, a nível económico, o reforço, a simplificação a melhor integração da rede energética europeia contribuem para a valorização do setor europeu da energia, viabilizando novos investimentos e reforçando a atração de investidores para este setor, potenciando o comércio de energia transfronteiriço, com menores custos para o consumidor final.

***

O sistema de planeamento e licenciamento da rede tem sido criticado como fragmentado e como inadequado ao ritmo da expansão necessária, constituindo obstáculo significativo à integração das energias renováveis. Os estados-membros e os intervenientes da indústria têm apelado ao executivo da UE para acelerar o processo de licenciamento, já que os projetos de energias renováveis podem levar até nove anos a serem adjudicados, provocando atrasos e custos adicionais. No âmbito do próximo plano de renovação da rede elétrica do bloco de 27 membros, o executivo da UE identificou oito projetos para reforçar as estruturas existentes e para assegurar recursos, com o objetivo de ver progressos concretos, nos próximos seis a nove meses. Estes projetos incluem interconexões elétricas, armazenamento e hidrogénio.
O plano centra-se nas ligações à rede, através dos Pirenéus, para melhor integrar a Península Ibérica, na ligação de Chipre à Europa continental e na ligação dos Estados Bálticos, através da ligação da Lituânia e da Polónia. A Comissão Europeia apoiará, igualmente, o desenvolvimento duma plataforma de interconexão offshore na Dinamarca, visto que vê potencial para se expandir e para se ligar a outros pontos do Mar Báltico. E, além disso, pretende reforçar as capacidades de armazenamento de energia, na região Sudeste, e promover a coordenação, para desenvolver o corredor meridional de hidrogénio a ligar a Tunísia, a Itália, a Áustria e a Alemanha.
Um projeto de corredor de hidrogénio entre Portugal e a Alemanha será também objeto de “forte coordenação” e de “apoio político”, por parte da Comissão Europeia.
O bloco tem a obrigação legal de atingir a neutralidade climática, até 2050, pelo que tem investido, fortemente, na produção de energias renováveis. Todavia, a infraestrutura obsoleta de transporte de energia elétrica está a criar enorme atraso nos projetos de energias renováveis, que aguardam ligação à rede, e a prejudicar a transição climática. E, neste momento, a UE27 não está no bom caminho para atingir os seus objetivos de interligação da rede, de 15%, até 2030, pois 14 estados-membros ainda não atingiram esse objetivo.
O plano da Comissão Europeia visa combater as infraestruturas obsoletas do bloco, sobretudo, na capacidade de transmissão entre os estados-membros, e melhorar a digitalização, para garantir a adaptação das infraestruturas à futura procura de eletricidade e às necessidades da transição energética. De acordo com funcionários do organismo regulador da energia do bloco, a Agência de Cooperação dos Reguladores da Energia (ACER), incidentes como o apagão de 28 de abril deste ano, na Península Ibérica, que afetou mais de 60 milhões de pessoas, poderiam ser evitados, se as redes fossem melhoradas. E, se o pacote da Comissão Europeia, se concretizar, facilitará a integração das energias renováveis e reduzirá, potencialmente, os custos da energia, ao longo do tempo, dado que os preços da eletricidade no bloco continuam a ser duas a três vezes superiores aos dos EUA, de acordo com os relatórios Draghi e Letta.
O plano pode também ajudar as regiões a beneficiar de ligações transfronteiriças e de uma melhor integração da produção local de energia solar ou eólica, bem como a aumentar a eficiência das importações e exportações. As implicações de ter uma rede modernizada serão de grande alcance, porque a UE pode melhorar a capacidade para veículos elétricos, para bombas de calor e para descarbonizar a indústria pesada.
Tom Lewis, especialista em política energética da organização não-governamental (ONG) ambiental Climate Action Network Europe (CAN Europe), congratulou-se com o plano da Comissão Europeia, por facilitar a transição do bloco para uma rede totalmente renovável e resiliente. “Através de um novo planeamento a nível europeu, podemos expandir e modernizar as redes de forma mais eficaz, maximizando, simultaneamente, a utilização das nossas redes existentes”, afirmou Tom Lewis, sustentando que novas regras de participação pública e de partilha de benefícios “permitirão aos cidadãos colher os benefícios das energias renováveis, reforçar o apoio público e evitar atrasos na transição”.
Não obstante, a CAN Europe apela à prudência, para evitar retrocessos ambientais e reações do público contra o desenvolvimento da rede. E, para antecipar potenciais contratempos, recomenda aos decisores políticos que deem prioridade à implementação da lei das energias renováveis do bloco, à digitalização dos processos de licenciamento e à dotação de pessoal e financiamento adequados às autoridades de licenciamento nacionais e locais.
Kristian Ruby, secretário-geral da Eurelectric, associação comercial que representa a indústria da eletricidade, instou os decisores da UE a valorizarem a energia hidroelétrica por bombagem indispensável, pois representa mais de 90% da capacidade global de armazenamento de eletricidade. “À medida que aumentamos a energia eólica e solar, a uma velocidade sem precedentes, temos de investir em soluções de armazenamento de longa duração que mantenham o sistema fiável, acessível e resiliente”, afirmou num evento, em setembro, em Paris.
O executivo da UE estimou um investimento gigantesco de 1,2 mil milhões de euros para renovar a infraestrutura da rede elétrica do bloco, até 2040, sendo necessários cerca de 730 mil milhões de euros, para investimentos na rede de distribuição, e 477 mil milhões de euros, para as redes de transporte. E, embora a forma como o financiamento será estruturado ainda não esteja clara, a UE teria de recorrer a uma série de opções, incluindo fundos comunitários, orçamentos nacionais, investimento privado e partilha de custos, especialmente, tendo em conta a grande escala do investimento necessário.
A Eurelectric apelou à Comissão Europeia para que criasse um mecanismo de rede descentralizada no orçamento plurianual da UE, abrangendo o período entre 2028 e 2034, entre outros. E a indústria, em geral, sugere que a UE reserve uma parte dos fundos para a eletrificação, para a modernização, para a atualização ou para a expansão da rede de distribuição.

***

Portugal antecipou-se e, entre as 31 medidas apresentadas, em fins de julho, pela ministra do Ambiente e Energia, conta-se o lançamento dum leilão para baterias de armazenamento, até 2026, bem como apoios de 25 milhões em fundos europeus, para projetos-piloto em infraestruturas críticas, como painéis fotovoltaicos, em hospitais. O governo previa, então, investir até 400 milhões de euros, nas referidas 31 medidas, para impedir que o país fique, de novo, sem energia, como sucedeu aquando do apagão que afetou também Espanha e partes de França.
A ministra Maria da Graça Carvalho assegurava que o impacto do Plano de Reforço da Segurança do Sistema Elétrico Nacional para os contribuintes seria residual. “Estimamos que, por cada 25 euros de fatura de eletricidade, se verifique o impacto de um cêntimo, ou seja, 0,04%. É um valor ínfimo, se olharmos para todo este investimento como um seguro feito na nossa rede energética”, afirmou a governante, em conferência de imprensa, em Lisboa.
Uma das principais medidas é um leilão para baterias de armazenamento de, pelo menos, 750 MVA de potência, até 2026, e a abertura de concurso, com fundos europeus, no valor de 25 milhões de euros, para melhorar a capacidade de resposta de infraestruturas críticas.
MVA, em eletricidade, significa Megavolt-Ampere, unidade de potência aparente que representa a potência total num circuito elétrico, combinando potência real, quilowatt (kW), e reativa, quilovolt-ampere reativo (kVAR), a energia elétrica emprestada para criar campos magnéticos em equipamentos indutivos (motores, transformadores), que não gerando trabalho útil, é essencial para o funcionamento. É crucial para classificar grandes equipamentos, como transformadores, e para definir níveis de tensão (Média Tensão (MT), geralmente, acima de 200 kVA até 10 MVA, e Alta Tensão (AT), acima de 10 MVA), e a capacidade de instalações industriais.
Serão implementados projetos-piloto baseados em baterias e em painéis fotovoltaicos para hospitais ou para empresas de água e de saneamento básico. “Há, aqui, todo um novo paradigma da produção de eletricidade. No passado, tínhamos grandes centrais, centrais a carvão, centrais hídricas. Nós, agora, temos projetos de energia descentralizados, de autoconsumo, com painéis fotovoltaicos. Precisamos de uma rede que aguente todo este novo modelo de produção de energia”, salientou Maria da Graça Carvalho.
Será, igualmente, acelerado um investimento de 137 milhões de euros, para reforço da capacidade de operação e de controlo da rede elétrica. Este montante estava previsto pela REN – Redes Energéticas Nacionais e aprovado pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), mas é agilizado com a aprovação de uma autorização autónoma para que possa ser executado “o mais rapidamente possível”.
Do plano do consta o aumento do número de centrais que prestam serviço de auxílio ao arranque autónomo do sistema (black start), passando a ser quatro ao todo: às centrais da Tapada do Outeiro e de Castelo de Bode juntam-se as do Baixo Sabor e Alqueva. É garantido o funcionamento da central da Tapada do Outeiro, até 2030, com a atual faculdade de arranque autónomo.
Alterar-se-ão os sistemas de controlo da rede elétrica, avançando-se com maior informatização num sistema único de recolha de dados, e haverá um mapa verde para “as zonas preferenciais de produção energia renovável”, o qual ficará pronto até ao final do ano e indicará os locais onde a produção de energia renovável terá menos impacto”. “Este mapa é um fator de segurança para qualquer investidor, que saberá que naquela área terá já um estudo ambiental estratégico, que será uma autorização muito simples e não um estudo ambiental detalhado, como agora, mais moroso e que exige pareceres de várias entidades”, observou a governante, adiantando que o executivo estava a estudar a possibilidade de uma ligação elétrica com Marrocos.
Graça Carvalho confirmou que foram estabelecidos contactos entre os ministros dos Negócios Estrangeiros dos dois países, num passo “muito preliminar” a ser complementado com uma reunião técnica entre representantes portugueses e marroquinos, em Lisboa. Será equacionado o papel de Portugal como ponto de conexão entre Marrocos e o centro da Europa. Com efeito, Rabat já beneficia de uma ligação a Espanha e tem mais interesses no continente europeu, estando já a estudar uma solução com a Alemanha. Para Portugal, um projeto “novo, de raiz, será muito dispendioso”, mas o executivo vai avaliar a sua viabilidade.
O grupo de acompanhamento, criado pelo governo, após o apagão elétrico de 28 de abril, ficou de apresentar um relatório, no final de outubro, com uma série de recomendações para a melhoria da rede elétrica nacional. A ministra lembrou que, segundo a legislação europeia, há sempre um relatório a emitir sobre o assunto. O documento, a nível europeu, seria produzido pela entidade que junta os operadores de rede dos estados-membros que teria a reunião final em outubro, devendo ser conhecido o relatório com as causas do apagão, dois a três meses após essa reunião.
Haverá um outro relatório dos reguladores de energia, que será completamente independente, porque não tem nenhum dos operadores. De acordo com Graça Carvalho, deveria ficar pronto, na mesma altura do relatório da entidade que reúne os operadores de rede, o qual concluiu que o apagão ibérico foi causado por falhas em cascata, na produção renovável, ou seja, foi provocado pela sucessão de falhas súbitas de produção renovável e pela subsequente perda de sincronismo com a rede continental europeia.

***

O problema é europeu, mas os países ibéricos são mais vulneráveis, nesta área, o que se repercute em vertentes conexas com o Pacote de Redes Europeias, como o Pacote dos Serviços Digitais – Regulamento dos Serviços Digitais (RSD) e Mercado dos Serviços Digitais (MSD) –, bem como nos instrumentos para 5G e em políticas de redes transeuropeias. Efetivamente, importa a eficaz modernização e o real fortalecimento da infraestrutura digital e de conectividade. 

2025.12.08 – Louro de Carvalho


Sem comentários:

Enviar um comentário