domingo, 7 de dezembro de 2025

Foi e é necessária a vinda de Jesus ao nosso encontro

 

Na segunda etapa do caminho do advento, iniciada com o 2.º domingo do Advento, no Ano A, a liturgia refere-se à razão da vinda de Jesus ao nosso encontro: realizar as promessas de Deus e inaugurar um Mundo novo, radicalmente diferente do Mundo velho que nos envolve, repleto de ódios, de conflitos, de mentiras, de violências, de guerras. Por isso, somos instados a acolher, de braços abertos, a Deus e a aceitar o seu desafio para integrarmos a comunidade do Reino.

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Na primeira leitura (Is 11,1-10), Isaías propõe, em linguagem poética e com convicção profética, o projeto de Deus em favor do Seu povo: no tempo oportuno, virá um ungido de Javé, nascido da família do rei David, que inaugurará um reino de justiça e de paz infindas, onde “o lobo viverá com o cordeiro e a pantera dormirá com o cabrito; o bezerro e o leãozinho andarão juntos e um menino os poderá conduzir; a vitela e a ursa pastarão juntamente; o leão comerá feno, como o boi; a criança de leite brincará junto ao ninho da cobra; e o menino meterá a mão na toca da víbora”. Este cenário permite-nos entrever o Menino de Belém.
Isaías nasceu por volta do ano 760 a. C., no tempo do rei Ozias. De origem nobre, terá vivido em Jerusalém e frequentado a corte. Culto e respeitado, fazia parte dos notáveis: participava nas decisões relativas ao Reino, falando com autoridade aos altos funcionários e ao rei.
Por volta de 740 a.C., quando tinha cerca de 20 anos, sentiu o chamamento de Deus e iniciou a missão profética, que se estendeu os reinados de Jotam (740-736 a.C.), de Acaz (736-716 a.C.) e de Ezequias (716-687 a.C.), reis de Judá. Era época agitada, do ponto de vista político, marcada pelo expansionismo do império assírio. No ano 745 a.C., Tiglat-Pileser III sobe ao trono assírio e envia os exércitos para subjugar os povos da zona. Os pequenos reinos, assustados com tal política militar agressiva, constituíram coligações defensivas antiassírias. Judá, apesar dos esforços de Acaz, não evitou o envolvimento nesses jogos de política internacional e caiu sob a influência assíria. Isaías nunca aprovou a participação de Judá nesses jogos políticos, sustentando que Judá devia abster-se das alianças políticas estrangeiras, por serem perigosas e geradoras de instabilidade. A única política do povo da Aliança era colocar a sua segurança e esperança nas mãos de Deus.
O trecho em apreço apresenta-nos um poema cujo enquadramento histórico não é fácil de definir. Para alguns, este poema (e outros similares) surge na fase final da atividade profética de Isaías, talvez nos últimos anos do reinado de Ezequias. Desiludido com o aventureirismo político dos reis de Judá, o profeta começou a sonhar um tempo novo, sem armas e sem guerras, de justiça e de paz. Tal reino só podia surgir da iniciativa de Javé (os reis tinham-se revelado incapazes de conduzir o Povo em direção ao futuro de paz); e o instrumento de Javé na implementação do reino seria um descendente de David. Este texto será dessa época, em que se combinam a profecia e o sonho de um Mundo melhor.
Na primeira parte do poema (vv. 1-5), o profeta, apresentando a personagem que será o instrumento de Deus na concretização do reino novo, do Mundo de justiça e de paz que os homens sonham, diz que essa personagem virá “da raiz de Jessé”. Portanto, será da descendência de David (Jessé era o pai do rei David) e recuperará o tempo ideal de bem-estar, de abundância e de paz que o Povo de Deus conheceu durante o reinado de David.
Isaías sustenta que, sobre essa personagem repousará o Espírito de Deus (o “ruah Javé”), que ordenou o universo na aurora da criação, que animou os heróis carismáticos de Israel, que inspirou os profetas e que conferirá ao enviado de Deus as virtudes eminentes dos antepassados: sabedoria e inteligência, como Salomão, conselho e fortaleza, como David, conhecimento e de temor de Deus, como os patriarcas e os profetas (aos seis dons aqui enunciados, a tradução grega dos Setenta acrescentou a piedade: é esta a origem da lista dos sete dons do Espírito Santo).
Ungido pelo Espírito de Deus (Messias) e possuindo a plenitude dos carismas, o descendente de David estabelecerá um reino de justiça, onde os direitos dos mais pobres serão respeitados e onde os oprimidos conhecerão a liberdade, a lealdade e a paz, sendo excluídas, em definitivo, a injustiça, a mentira, a opressão, a violência.
Na segunda parte, o profeta elabora, com belas imagens, o quadro do Mundo novo que o Messias vai instaurar. A revolta dos primeiros humanos contra Deus introduzira, no Mundo, o desequilíbrio que quebrou a harmonia entre o homem e a Natureza, entre o homem e o seu irmão. Agora, o Messias trará a paz e cumprir-se-á o desígnio primevo de Deus para o Mundo: animais selvagens e animais domésticos viverão em harmonia (o lobo e o cordeiro, a pantera e o cabrito, o leão e o bezerro o urso e a vitela) e todos estarão submetidos ao homem (representado pela criança, o ser humano na sua máxima fragilidade). A serpente (que espoletou a desarmonia universal, gerando o afastamento do homem do Deus criador) comungará desta harmonia e desta paz. É a superação total do desequilíbrio, do conflito, da divisão que o pecado introduziu no Mundo.
Destruídas as inimizades, superadas as desarmonias, o homem viverá em paz, em comunhão total com Deus. No primeiro paraíso (Éden), o homem escolheu ser adversário de Deus e viver no orgulho e na autossuficiência; agora, por ação do Messias, voltará à comunhão com o criador e viverá no conhecimento de Deus. É o regresso ao paraíso original, ao sonho do criador.

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No Evangelho (Mt 3,1-12), João Baptista avisa todos os que o procuram no vale do rio Jordão: o Reino de justiça e de paz, anunciado por Deus, está próximo. Para acolher o enviado de Deus, é necessário “converter-se”, deixando os caminhos sem saída em que se anda e voltar para trás, ao encontro de Deus. Os que aceitarem o “caminho de conversão”, estarão preparados para acolher o Reino de Deus e para integrar a comunidade do Messias.
Depois do “Evangelho da Infância de Jesus”, Mateus apresenta a figura de João, o Batista. Foi no final do ano 27 ou no princípio do ano 28 que João, profeta original e independente, começou a pregar nas margens do rio Jordão, nas franjas do deserto de Judá. O local onde se instalou terá sido o atual Qasr El Yahud, perto de Jericó, a cerca de dez quilómetros do Mar Morto, um local de passagem para os peregrinos que vinham da Galileia para Jerusalém. A pregação de João atraiu multidões e provocou certo alvoroço no cenário religioso. Os primeiros cristãos identificaram João, o Batista, com o mensageiro de Deus referido em Is 40,3, apresentado como “uma voz que clama no deserto” e que convida o povo a preparar “o caminho do Senhor”. Também o ligaram ao profeta Elias (2Rs 1,8), que, segundo a tradição, viria anunciar a Israel a chegada do Messias. Para a catequese cristã João seria, portanto, o precursor de Jesus.
Nesta primeira apresentação que Mateus faz do Batista, há fatores que sobressaem: a figura, a mensagem, as reações ao anúncio, a comparação entre o batismo de João e o de Jesus.
Diferentemente de Lucas – que, no seu “Evangelho da Infância”, nos fala dos pais do Batista (Zacarias e Isabel) e do seu nascimento –, Mateus nada nos diz sobre as origens de João. Coloca-o em cena, recorrendo à fórmula genérica de apresentação: “Naqueles dias, apareceu João Batista a pregar no deserto da Judeia”.
O deserto é o lugar dos rebeldes, dos que vivem à margem. E João é o rebelde, que rompeu com a religião institucional, pois não crê que seja capaz de mudar a realidade de pecado em que Israel está mergulhado. O deserto, aonde não chegam as discussões dos doutores da Lei, as notícias das intrigas políticas, os ecos das festas sociais, os pregões dos comerciantes cheios de dinheiro, é o lugar adequado para escutar a Palavra de Deus. E, como lugar de privação e de despojamento, é mais indicado para deixar para trás a vida velha e para iniciar o caminho de conversão e de mudança. Tal mudança não passa pelos sacrifícios de animais e pelo culto do templo, mas pelo reconhecimento dos pecados e pelo batismo, marcando o começo de vida radicalmente diferente.
João usa “uma veste tecida com pelos de camelo e uma cintura de cabedal à volta dos rins” (era desse modo que se vestia Elias), não as roupas finas, com pregas cuidadosamente estudadas, dos sacerdotes que frequentam os átrios do templo; a sua alimentação frugal (de “gafanhotos e mel silvestre”) contrasta com as iguarias finas servidas nas mesas dos ricos de Jerusalém. João é, pois, o homem que – com palavras e com a sua pessoa – questiona o estilo de vida voltado para os bens materiais, para as coisas frívolas, para o efémero, para o ter. Interpela, convida à conversão, propõe a mudança de valores, desafia a esquecer o supérfluo para viver centrado no essencial.
Mateus resume a interpelação de João num imperativo: “Convertei-vos” (“metanoeîte”). O verbo grego (metanoéô) tem, normalmente, o sentido de “mudar de mentalidade”; mas aqui deve ser visto na linha da teologia profética, onde a “conversão” (“shub”) passa por fazer o caminho de regresso a Deus, reatando a relação com Deus que o pecado interrompeu. Esse “voltar para Deus” postula o abandono das vias do egoísmo e da autossuficiência, a escuta de Deus, o acolhimento das suas indicações, a volta à caminhada no sentido de Deus. Implica, assim, a mudança de comportamento, uma atitude nova, um novo modo de viver.
Esta conversão é urgente, porque o “Reino dos céus” está perto. João liga a vinda iminente do Reino ao juízo de Deus, a uma intervenção justiceira de Deus que destruiria os maus e inauguraria, com os bons, um Mundo novo. Em linguagem rude, João avisa que “o machado já está posto à raiz das árvores” e que toda a árvore que não dá fruto será cortada e lançada ao fogo”. Era inútil a gente má querer escapar da ira de Deus. Chegara o tempo das grandes decisões; só a verdadeira conversão podia evitar o castigo. Era a perspetiva em voga em certos ambientes apocalípticos da época, nomeadamente, entre os essénios de Qumran.
João não pretendia afundar o povo no desespero, mas queria pô-lo ante as suas responsabilidades, frente a Deus e aos compromissos da Aliança; e pretendia apontar-lhe a única saída possível: a conversão radical a Deus, a inflexão profunda do sentido da existência. Se o povo reconhecesse as suas infidelidades, se se lavasse das suas faltas, se se comprometesse com a completa mudança de vida, poderia entrar na terra prometida e esperar, confiante, a iminente chegada de Deus. Todos os que fizessem a “caminhada pelo deserto”, seriam acolhidos no Reino que estava prestes a chegar, trazido pelo “messias” de Deus.
Trata-se de uma mensagem destinada a todos. Mateus fala da “gente que acorria de Jerusalém, de toda a Judeia e de toda a região do Jordão” e que era batizada “por ele, no rio Jordão, confessando os seus pecados”. Porém, faz referência especial aos fariseus e saduceus, aos quais o profeta dirige palavras duras: “Raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da ira que está para vir? Praticai ações que se conformem ao arrependimento que manifestais. Não penseis que basta dizer: ‘Abraão é nosso pai’.” Por trás deste “julgamento” duro de João estará a convicção de que esses fariseus e saduceus, ao invés do que sucedia com o povo simples, não estavam disponíveis para acolher a interpelação que lhes era feita. Tinham vindo ao vale do Jordão por curiosidade ou para se manterem a par das novidades, mas não se sentiam questionados, nem sentiam medo do “juízo de Deus”. Consideravam-se “filhos de Abraão”, membros privilegiados do Povo eleito, pelo que Deus não os condenaria, quando viesse fazer o seu julgamento. Contudo, João avisa-os de que nada está garantido, nem para os que têm o nome inscrito nos registos do povo eleito. Só a verdadeira conversão a Deus, a verdadeira mudança de vida, os porá a salvo.
Os que aceitavam o apelo à conversão eram convidados a realizar o gesto do batismo, um gesto feito uma única vez, ao contrário dos rituais de purificação feitos pelos essénios de Qumran, repetidos, várias vezes, ao dia. Esse gesto consistia na imersão total da pessoa na água do Jordão. Quando a pessoa, depois de mergulhar, emergia da água, sentia-se limpa das faltas, perdoada por Deus, preparada para o recomeço. Esses batizados voltavam para casa dispostos a viver de uma maneira nova, como membros de um povo renovado, preparados para acolher a chegada iminente de Deus. Porém, os que tinham aderido à comunidade de gente renovada, deviam preparar-se para algo novo e mais decisivo. João dizia-lhes: “Eu batizo-vos com água, para vos levar à conversão. Mas Aquele que vem depois de mim é mais forte do que eu e não sou digno de levar as suas sandálias. Ele batizar-vos-á no Espírito Santo e no fogo.”
De facto, o batismo de Jesus vai muito além do batismo de João: confere a quem o recebe a vida de Deus (o Espírito), torna-o filho de Deus, incorpora-o na comunidade da salvação, torna-o participante na missão da Igreja. Não significa, apenas, o arrependimento e o perdão dos pecados, mas configura um quadro de vida novo, a relação de filiação com Deus, de fraternidade com Jesus e com todos os outros batizados.

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Na segunda leitura (Rm 15,4-9), Paulo, dirigindo-se aos cristãos de Roma, lembra-lhes algumas exigências resultantes do compromisso que assumiram com Cristo. Sendo, junto dos concidadãos, o rosto visível de Cristo, devem testemunhar união, harmonia e fraternidade, acolher e ajudar os irmãos mais débeis e ser sinais do Mundo novo que Cristo inaugurou.
O trecho em causa tem de ser entendido no contexto mais amplo da perícopa que vai de 15,1 a 15,13, construída, literariamente, na base de dois parágrafos simétricos (cf. Rm 15,1-6 e 15,7-13) com a mesma sequência e organização: exortação, motivação cristológica, iluminação a partir da Escritura e súplica final.
No primeiro desses parágrafos, o apóstolo exorta os membros da comunidade que se consideram fortes a darem as mãos aos mais débeis, ajudando-os a superar as dificuldades do caminho cristão. Esses “fortes” devem sentir-se motivados pelo exemplo de Cristo, que não se escondeu atrás de um caminho de facilidade e de bem-estar, mas escolheu o caminho do amor e do dom da vida. Esta é a atitude que a Escritura – que foi escrita para instrução dos crentes – ensina a todos os que integram a família de Deus. E Paulo pede ao “Deus da perseverança e da consolação” que dê aos cristãos de Roma “os mesmos sentimentos uns para com os outros”, a fim de que vivam em harmonia e louvem a Deus com um só coração e uma só alma.
No segundo daqueles parágrafos, Paulo exorta a comunidade a não fazer discriminações, mas a acolher todos, sem exceção. Mais uma vez propõe o exemplo de Cristo, que acolheu todos, independentemente das suas fragilidades e diferenças. Justifica o que disse atrás com o exemplo da Escritura (e aqui termina o trecho em referência), citando textos do Antigo Testamento que mostram como Cristo, procedendo assim, cumpriu as promessas outrora feitas por Deus. E faz votos para que o “Deus da esperança” cumule os crentes “de alegria e de paz, na fé”.
A comunidade cristã é constituída por homens e mulheres de muitas proveniências, com histórias de vida muito diversas. Todavia, é chamada a ser no meio dos homens testemunha do Mundo novo, sonhado por Deus. Os discípulos de Jesus, a partir do exemplo que Ele lhes deixou, devem cuidar uns dos outros, especialmente, dos mais frágeis, e acolherem-se uns aos outros como Cristo os acolheu. Irmanados em Cristo, testemunham a fraternidade, vivem no amor e proclamam, a uníssono, os louvores de Deus.
Essa é a vocação fundamental da comunidade dos crentes que se reúne à volta de Jesus.

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É, pois, inteiramente justo cantar com o Salmista:

“Nos dias do Senhor nascerá a justiça e a paz para sempre.”

“Ó Deus, dai ao rei o poder de julgar / e a vossa justiça ao filho do rei. / Ele governará o vosso povo com justiça / e os vossos pobres com equidade.

“Florescerá a justiça nos seus dias / e uma grande paz até ao fim dos tempos. / Ele dominará de um ao outro mar, / do grande rio até aos confins da terra.

“Socorrerá o pobre que pede auxílio / e o miserável que não tem amparo. / Terá compaixão dos fracos e dos pobres / e defenderá a vida dos oprimidos.

“O seu nome será eternamente bendito / e durará tanto como a luz do sol; /nele serão abençoadas todas as nações, todos os povos da terra o hão de bendizer.

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Aleluia. Aleluia. Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas / e toda a criatura verá a salvação de Deus.”

2025.12.07 – Louro de Carvalho


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