A 16 de outubro, o presidente dos Estados Unidos da América (EUA), Donald Trump, disse que se vai encontrar com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, em Budapeste, na Hungria, para tentar resolver a guerra na Ucrânia, mas a data ainda não foi determinada.
Donald Trump falou com o homólogo russo, ao telefone (segundo o Kremlin, a chamada foi iniciativa de Moscovo), numa altura em que analisa o pedido de mísseis de longo alcance Tomahawk, da parte da Ucrânia, e revelou que a chamada com Putin foi produtiva.
O telefonema antecedeu a reunião do presidente norte-americano, na Casa Branca, com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskyy, no dia 17. “Acredito que houve um grande progresso com a conversa telefónica de hoje. […] O presidente Putin e eu encontrar-nos-emos, então, num local acordado, [em] Budapeste, [na] Hungria, para ver se podemos pôr fim a esta guerra ‘inglória’ entre a Rússia e a Ucrânia”, escreveu Trump na rede Truth Social, após falar com Vladimir Putin, com quem se reuniu em Alasca, em agosto, mas sem avanços diplomáticos.
De acordo com o inquilino da Casa Branca, antes do encontro entre Donald Trump e Vladimir Putin, uma delegação norte-americana liderada pelo secretário de Estado, Marco Rubio, deverá reunir-se com representantes russos. Porém, um assessor do Kremlin, Yuri Ushakov, citado pelo The Guardian, considerou que o encontro entre os dois presidentes será precedido por uma chamada telefónica entre o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, e o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, nos próximos dias.
Yuri Ushakov referiu que a conversa telefónica entre os presidentes russo e norte-americano se realizou por iniciativa da Rússia e que o presidente russo disse ao homólogo americano, que o fornecimento de mísseis de cruzeiro Tomahawk pelos EUA à Ucrânia prejudicaria o processo de paz e contribuiria para a deterioração das relações entre os EUA e a Rússia.
Donald Trump declarou aos jornalistas que o acompanharam, no dia 14, em viagem a Israel, que planeava discutir os mísseis Tomahawk com Vladimir Putin, como forma de o pressionar a pôr fim à guerra. […] Será que eles querem que os mísseis Tomahawk sejam lançados nessa direção? Acho que não. […] Acho que posso falar com a Rússia sobre isso”, disse.
Com o frágil cessar-fogo entre Israel e o Hamas e o acordo sobre reféns em vigor, o presidente dos EUA propôs-se, agora, prestar atenção à guerra na Ucrânia e pondera fornecer a Kiev armas de longo alcance. Aliás, garantir que iria acabar com as guerras, na Ucrânia e em Gaza, foi um ponto fulcral da campanha de Donald Trump para a reeleição, em 2024, tendo criticado, duramente, o antecessor pela forma como lidava com os conflitos. Contudo, nunca conseguiu impor a sua vontade a Vladimir Putin. Após o recente cessar-fogo em Gaza, e com a confiança renovada, o presidente norte-americano voltou a sinalizar que estava pronto para voltar a pressionar o presidente russo a sentar-se à mesa de negociações. E, segundo a porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, a chamada entre Trump e Putin durou mais de duas horas.
Depois de Trump ter anunciado o encontro com Putin, na Hungria, o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, um dos maiores aliados de Moscovo, na União Europeia (UE), reagiu, prontamente, nas redes sociais, vincando que é “uma ótima notícia para as pessoas que gostam da paz, em todo o Mundo”, e que a Hungria está pronta para acolher esse encontro.
O presidente ucraniano Volodymyr Zelenskyy, presente em Washington, participou, no dia 16, em reuniões com representantes de empresas de defesa e de empresas norte-americanas do setor da energia. E confirmou, no X, que iria encontrar-se com o homólogo norte-americano, no dia 17. “Amanhã, está agendada uma reunião com o presidente Trump e esperamos que o impulso de conter o terror e a guerra que teve sucesso no Médio Oriente ajude a acabar com a guerra da Rússia contra a Ucrânia. Putin, certamente, não é mais corajoso do que o Hamas ou qualquer outro terrorista”, escreveu o chefe de Estado ucraniano, mostrando-se convicto de que “a linguagem da força e da justiça funcionará, inevitavelmente, contra a Rússia”.
O líder ucraniano sustenta que Moscovo se apressa, para retomar o diálogo, “assim que ouve falar sobre Tomahawks”, e sublinhou que “não deve haver alternativa, a não ser paz e segurança garantida de forma confiável”.
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Há,
no entanto, duas objeções à vinda do presidente russo à Hungria: as sanções com
que foi contemplado pela UE e um mandado de detenção do Tribunal Penal
Internacional (TPI) que impende sobre ele, mas o convite refere que Vladimir
Putin virá a Budapeste.Por telefone, como dissemos, os líderes dos EUA e da Rússia acordaram, provisoriamente, em reunir-se naquela capital da UE e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), para discutirem o fim da invasão em grande escala da Ucrânia. A notícia causou impacto nas capitais europeias, já que pode tratar-se da primeira incursão de Vladimir Putin no território da UE, desde o início de 2020, minando os esforços ocidentais para o isolarem. Por outro lado, além da geopolítica à iniciativa e da logística complexa que envolve a organização de tal cimeira, levanta-se a questão se Vladimir Putin pode entrar na UE.
Logo após as tropas russas terem invadido as fronteiras da Ucrânia e marchado para Kiev, a UE aplicou uma série de sanções para enfraquecer a máquina de guerra do Kremlin. Entre elas, que são inúmeras, os estados-membros sancionaram centenas de altos funcionários russos responsáveis pelo planeamento e pela supervisão da invasão. Isso implica a proibição de viajar para o bloco e o congelamento de bens pessoais. Ora, Vladimir Putin e o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, também foram visados, mas com a ressalva de apenas os seus bens terem sido congelados – uma medida simbólica, dada a obscuridade em torno da riqueza do líder do Kremlin. Não foi proibida a viagem para contactos diplomáticos.
Segundo Josep Borrell, então alto representante da UE, Vladimir Putin foi o terceiro líder mundial sancionado pessoalmente pelo bloco, depois do presidente bielorrusso Alexander Lukashenko e do então presidente sírio Bashar al-Assad. E, à luz de tal decisão pode entrar na EE.
Contudo, há um obstáculo adicional: a UE fechou o seu espaço aéreo aos aviões russos, no âmbito do seu regime de sanções generalizadas. Segundo a Agência Europeia para a Segurança da Aviação (AESA), a proibição de voo atinge aeronaves operadas por transportadoras aéreas russas, registadas na Rússia e pertencentes ou fretadas por pessoa ou por entidade russa e voos não regulares que possam transportar cidadãos russos para reuniões de negócios ou para destinos de férias na UE. Porém, admitem-se exceções, como aterragens de emergência ou para fins humanitários; e os estados-membros podem conceder derrogações, caso a caso.
Em 2024, Sergei Lavrov deslocou-se a Malta para uma controversa reunião da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), mas foi obrigado a fazer desvio de sete horas para evitar o espaço aéreo europeu, até chegar à ilha, que o autorizou a aterrar por razões diplomáticas. Em contraponto, a sua porta-voz, Maria Zakharova, sujeita à proibição de viajar e ao congelamento de bens, viu negada isenção, após as objeções de várias capitais.
Vladimir Putin ou opta por um longo desvio, para entrar na Hungria, pelos países candidatos à UE nos Balcãs Ocidentais, ou obtém derrogações dos membros da UE, ao longo da rota mais curta: a Polónia e a Eslováquia. Em alternativa, poderia passar pelo Mar Negro e pela Roménia, firme aliado de Kiev, que acolhe um contingente multinacional da NATO.
A Comissão Europeia, que supervisiona a aplicação das sanções, acolheu “quaisquer medidas que conduzam a uma paz justa e duradoura para a Ucrânia”, sem se comprometer a facilitar a cimeira. Resta saber que medidas tomará Donald Trump, para garantir a reunião e se este aspeto foi decidido, quando a opção de Budapeste foi discutida entre os dois interlocutores.
O facto de Vladimir Putin voltar a pisar solo europeu representará uma vitória para o líder russo, após anos de isolamento e marcará um momento assustador para a UE, já que os seus líderes assistem ao encontro, num país membro, entre os presidentes russo e americano, que têm tentado sabotar o apoio coletivo à Ucrânia. Contudo, recusar a viagem de Putin a Budapeste seria uma opção explorada pelo Kremlin para reforçar a sua narrativa de que é a própria UE que procura o confronto com a Rússia, em vez da paz. Entretanto, a vontade de Kiev sobre a cimeira pode ajudar a influenciar a resolução desta controvérsia.
Além das sanções da UE, diretamente aplicáveis, o presidente russo está sujeito a mandado de detenção do TPI, com sede em Haia, nos Países Baixos. E facto, Vladimir Putin e Maria Alekseyevna Lvova-Belova, comissária para os Direitos da Criança, são acusados de responsabilidade na deportação e na transferência de dezenas de milhares de crianças ucranianas das zonas ocupadas para a Rússia, o que constitui crime de guerra.
Nem a Rússia nem os EUA fazem parte do TPI, pelo que não reconhecem a sua jurisdição (o Kremlin emitiu um mandado de detenção contra o procurador-geral do tribunal). Porém, todos os países da UE assinaram o Estatuto de Roma, que criou o TPI. E, por padrão, espera-se que ajudem na sua luta global contra a impunidade.
No início deste ano, a Hungria tornou-se o primeiro membro da UE a anunciar a retirada do TPI, em resposta ao mandado de captura contra o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, que a Hungria, tal como os EUA, tinha contestado. A decisão foi tornada pública, pouco depois de Viktor Orbán o ter recebido em Budapeste, tendo desrespeitado, abertamente, a obrigação de o deter. Porém, como a retirada da Hungria só entra em vigor em junho de 2026, um ano após ter apresentado a notificação, durante este período, continua vinculada ao Tribunal.
Quando os Estados se preocupam em cooperar com o TPI, podem consultá-lo, de forma atempada e eficiente, mas não lhes cabe determinar, unilateralmente, a solidez das decisões legais do Tribunal. Como o TPI não dispõe de meios para fazer cumprir os seus mandados, depende da disponibilidade de cada governo. Entretanto, em 2024, a Mongólia, membro do TPI, foi alvo de recriminações europeias, mas sem consequências, por ter recebido Vladimir Putin, numa visita de Estado. E cenário similar ocorreu, quando Viktor Orbán recebeu Netanyahu, neste ano.
Um diplomata sénior da UE, falando sob anonimato, disse que, se Putin aterrar em Budapeste, “a detenção deverá ser a consequência lógica”, mas “ninguém ficará surpreendido, se os húngaros não prenderem Putin”, porque não é a primeira vez que a Hungria viola as suas obrigações para com o TPI, o que “é problemático”. Enfim, o TPI depara-se, frequentemente, com o obstáculo da imunidade diplomática.
O artigo 27.º do Estatuto de Roma estabelece que as regras se aplicam a todas as pessoas, “sem qualquer distinção com base na sua qualidade oficial”, incluindo chefes de Estado e de governo. Porém, o artigo 98.º refere que os países “não podem dar seguimento” a um mandado, se este violar a sua obrigação de respeitar a imunidade de um Estado não-parte. Nestes termos, “se as leis internas de um país dizem que não podem deter um chefe de Estado, que um chefe de Estado tem imunidade, então isso aplica-se”, como explicou Mahmoud Abuwasel, vice-presidente do Instituto de Haia para a Justiça Internacional.
No entanto, não cabe a um Estado, em particular, fazer essa determinação, por si próprio. Tem de consultar o TPI, que pode considerar que a imunidade não se aplica por qualquer motivo. Porém, a França, embora defenda o Tribunal, indicou, em abril, que não podia prender Benjamin Netanyahu, porque Israel não assinou o Estatuto de Roma. E a Hungria pode, agora, invocar um argumento similar, pois até já prometeu passagem segura para Vladimir Putin.
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A
notícia de que o presidente dos EUA se vai encontrar com o presidente russo,
Vladimir Putin, em Budapeste, na tentativa de reavivar as conversações sobre o
fim da guerra na Ucrânia, pode não surpreender a Europa, nem os aliados da
NATO. Na reunião dos ministros da Defesa da NATO, no dia 15, os participantes
pareceram algo otimistas, quanto ao potencial de progresso resultante da
reunião do dia 17, entre Donald Trump e Volodymyr Zelenskyy.A esperança de negociações de paz ou de um cessar-fogo na Ucrânia tinha acabado, até ao anúncio da Casa Branca, na noite do dia 16. As conversações pareciam ter sido interrompidas, depois de a reunião entre Trump e Putin, no Alasca, não ter produzido resultados.
Donald Trump dizia-se frustrado e irritado com o compromisso dissimulado de Vladimir Putin após tal cimeira. Durante o encontro, o presidente russo concordou em realizar uma reunião trilateral com Zelenskyy e o presidente dos EUA, mas, depois, negou a decisão.
O objetivo da reunião do dia 17 com o presidente ucraniano era ouvir a conclusão de Trump sobre a possibilidade de a Ucrânia receber de Washington mísseis Tomahawk de longo alcance e surgiu o consenso de que Trump planeava continuar a dinâmica do cessar-fogo e do acordo de troca de reféns e prisioneiros em Gaza, renovando o seu interesse na guerra na Ucrânia.
Embora a questão crucial de saber se Trump daria autorização à Ucrânia para aceder aos mísseis Tomahawk fosse o tema principal das conversações do dia 17, tornou-se claro que o plano era, com a ameaça dos Tomahawks, forçar Putin a voltar à mesa das negociações.
O conselheiro principal do comandante militar máximo da NATO sustenta que há uma série de coisas, a nível mundial, que tornam mais possível o movimento em direção à paz, por exemplo, os desenvolvimentos no Médio Oriente. E o embaixador dos EUA na NATO, Mathew Whitaker, disse que um acordo sobre os Tomahawks poderia levar Putin às negociações.
A UE e a NATO coordenam planos de criação de um muro de drones, no âmbito da necessidade de a Europa aumentar as suas capacidades de defesa e dissuasão, e afirmam que é urgente avançar com a tecnologia atual, para defender o continente de uma série significativa de drones e de jatos russos que violaram o espaço aéreo da NATO. Na reação inicial, a NATO anunciou a Operação Sentinela Oriental para o reforço imediato das defesas no flanco oriental, onde ocorreu a maior parte das tensões provocadas pelas violações do espaço aéreo. Porém, a abordagem a médio e longo prazo implica proteger todo o continente do que a NATO e Bruxelas consideram uma ação beligerante, no âmbito da guerra híbrida da Rússia.
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Face
a um sério esforço de paz, devem suspender-se as sanções e os mandados de
captura, por mais justos que sejam. E, a meu ver, as sanções económicas prejudicaram
o bem-estar das populações dos países que as decretaram.
2025.10.18 – Louro de Carvalho
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