sexta-feira, 17 de outubro de 2025

Incêndios mostram crescente fragilidade ecológica da Amazónica

 

Um novo estudo do Centro Comum de Investigação da Comissão Europeia, publicado na revista Biogeosciences (BG), a 8 de outubro, revela que os incêndios afetaram 3,3 milhões de hectares da Amazónia, só em 2024.

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A Biogeosciences (BG) é uma revista científica internacional sem fins lucrativos, da Plataforma Interativa da EGUsphere, dedicada à publicação e à discussão de artigos de pesquisa, de comunicações breves e de artigos de revisão sobre todos os aspetos das interações entre os processos biológicos, químicos e físicos da vida terrestre ou extraterrestre com a geosfera, com a hidrosfera e com a atmosfera. Tem por objetivo ultrapassar as fronteiras das ciências estabelecidas e alcançar uma visão interdisciplinar dessas interações, pelo que a ela são bem-vindas abordagens experimentais, conceituais e de modelagem.

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A floresta amazónica sofreu a sua “época de incêndios florestais mais devastadora” em mais de duas décadas, apesar da tendência de desaceleração do desmatamento. 
Os investigadores Clément Bourgoin, René Beuchle, Alfredo Branco, João Carreiras, Guido Ceccherini, Duarte Oom, Jesus San-Miguel-Ayanz e Fernando Sedano sustentam que isto desencadeou emissões recorde de carbono e a degradação do ecossistema, expondo a “crescente fragilidade ecológica” da região.
A partir de dados do sistema de monitorização de Florestas Tropicais Húmidas (TMF) e filtrando sinais falsos causados por incêndios agrícolas ou por coberturas de nuvens, os cientistas dizem que conseguiram detetar e verificar a degradação florestal causada por incêndios com um “nível de precisão inédito”. Assim, descobriram que os incêndios de 2024 libertaram cerca de 791 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) para a atmosfera, o que é, aproximadamente, a quantidade de emissões que a Alemanha produz num ano, o que representa um aumento de sete vezes, em relação à média dos dois anos anteriores e marca, pela primeira vez, que a degradação provocada por incêndios ultrapassou o desmatamento, como principal causa das emissões de carbono, na Amazónia.
“A escalada de incêndios, impulsionada pelas alterações climáticas e pelo uso insustentável da terra, ameaça empurrar a Amazónia para um ponto de inflexão catastrófico,” alerta o estudo, vincando que “esforços urgentes e coordenados são cruciais para mitigar estes fatores e [para] prevenir danos irreversíveis ao ecossistema.”
Outra preocupação dos investigadores é a disseminação geográfica dos incêndios, com o Brasil a registar o nível mais elevado de emissões por degradação florestal de sempre.
Na Bolívia, os incêndios afetaram quase um décimo (9%) da cobertura florestal intacta do país, o que foi descrito como um “golpe dramático” para uma região que, há muito, serve de reservatório vital de biodiversidade e de sumidouro de carbono.
Graças à elevada humidade e às chuvas regulares, as florestas amazónicas têm, historicamente, sido resistentes ao fogo. Porém, depois da seca de 2023-2024, das ondas de calor intensas e da aceleração da atividade humana, os recursos hídricos de superfície foram reduzidos e a humidade do solo diminuiu – o que aumenta a probabilidade e a severidade dos incêndios.
A seca de 2023/2024, superando recordes anteriores, combinada com a fragmentação florestal, aumentou, drasticamente, a vulnerabilidade ao fogo. Analisando os dados da Floresta Tropical Húmida (TMF) e do Sistema Global de Informação sobre Incêndios Florestais (GWIS), encontra-se um aumento de 152% nas perturbações florestais, em 2024, atingindo um pico de duas décadas, de 6,64 milhões de hectares. A degradação florestal, particularmente, a degradação em larga escala ligada a incêndios, aumentou em mais de 400%, superando, em muito, o desmatamento. O Brasil e a Bolívia sofreram os impactos mais severos. A degradação florestal causada por incêndios, na Pan-Amazónia, libertou 643 milhões de toneladas de CO2, em 2024, um aumento de sete vezes em relação aos dois anos anteriores. A crescente ocorrência de incêndios, impulsionada pelas mudanças climáticas e pelo uso insustentável do solo, ameaça empurrar a Amazónia para um ponto crítico catastrófico.
Em 2024, as perturbações aumentaram 152%, atingindo o maior nível, em 20 anos. A degradação florestal gerada por incêndios aumentou mais de 400%, superando a causada pelo desmatamento. Esses incêndios libertaram enormes quantidades de CO2 (sete vezes mais do que nos últimos anos), empurrando a região para um perigoso ponto de inflexão. São, pois, cruciais esforços urgentes e coordenados para mitigar esses fatores e prevenir danos irreversíveis ao ecossistema.
Os investigadores dizem que o surto extraordinário de atividade de incêndios é alimentado pelo stresse extremo da seca, agravado pelas mudanças climáticas, pela fragmentação florestal (grandes áreas contínuas de floresta divididas em pedaços menores pela atividade humana) e pela má gestão do uso da terra. 
Isso inclui incêndios de escape (técnica com que os bombeiros iniciam um incêndio menor, em área segura, para criar uma zona deserta para onde se retiram, quando um incêndio maior se aproxima) e incêndios criminosos iniciados por grileiros (pessoas que se apropriam de terras alheias, especialmente, de terras públicas, usando títulos falsificados). 
Os incêndios podem erodir a integridade da floresta, sem a limparem, e “florestas degradadas podem parecer intactas, vistas de cima, mas [que] perdem uma parte significativa da sua biomassa e função ecológica”. Por isso, os investigadores apelam a uma “ação imediata e coordenada”, de ajuda à redução do uso do fogo, ao fortalecimento das políticas de proteção florestal e ao apoio aos esforços de gestão local, para evitar danos irreversíveis.

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Porém, não é só a Amazónia que sofre o impacto dos incêndios. Neste ano, no princípio de setembro, os incêndios florestais, em toda a União Europeia (UE), já tinham queimado uma área quase com metade do tamanho da Sicília, de acordo com os últimos dados do Sistema Europeu de Informação sobre os Incêndios Florestais do Copernicus, tendo ardido, até então, cerca de 986 mil hectares, mais do triplo dos 227627 hectares registados em 2024 e detetados quase dois mil incêndios.
Desde o final de fevereiro, o número médio mensal de incêndios é o mais elevado de que há registo. A Espanha foi o país mais afetado, com mais de 380 mil hectares ardidos, o que corresponde a cerca de 1,5 vezes o tamanho do Luxemburgo. Portugal sofreu danos ainda mais graves, em relação à sua dimensão, com cerca de 263 mil hectares destruídos, o que corresponde a cerca de oito vezes a dimensão de Malta. E a emergência levou a uma ajuda internacional, com os bombeiros malteses a juntarem-se aos esforços em Portugal e na Grécia.
De acordo com o Eurostat, em toda a UE, há quase 400 mil bombeiros em serviço. A Alemanha detém o maior número de bombeiros (66 mil), seguida de França (52 mil), da Polónia (49 mil) e de Itália (43500). No entanto, o maior número de bombeiros, em relação à dimensão do mercado de trabalho encontra-se na Croácia (0,45%), seguida da Grécia (0,41%). E os Países Baixos vêm em último lugar, com 0,08%.
Contudo, em termos de dinheiro, a Roménia lidera. O seu governo afeta quase 1% do seu orçamento à proteção contra incêndios florestais, seguido do da Estónia e do da Grécia, com 0,7%.
Os países com o orçamento mais baixo são: a Dinamarca (0,1%), Malta (0,2%), Portugal e a Áustria (com 0,3%). E a média na UE é de 0,5%, num total de 40 mil milhões de euros gastos.
À medida que o fim do verão se aproximava, os dados da UE mostravam a escala surpreendente da destruição causada pelos incêndios florestais, em todo o continente, em 2025.

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Nem só os incêndios alteram a paisagem da superfície terrestre e dificultam a vida humana. As montanhas glaciares são caraterística fundamental de vários parques nacionais dos Estados Unidos da América (EUA), como o de Yosemite, na Califórnia. Porém, é sem precedentes o derretimento dos glaciares nas montanhas da Sierra Nevada, na Califórnia. Aliás, com o aquecimento global, muitas massas de gelo centenárias estão a derreter rapidamente. 
Um novo estudo, publicado na revista Science Advances, mostra quão novo é o derretimento na Sierra Nevada. São algumas massas de gelo no Oeste dos EUA que os investigadores descrevem como “emblemas públicos das mudanças climáticas”.
O estudo analisou quatro glaciares, na Sierra Nevada: Conness, Maclure, Lyell e Palisade – bons “indicadores” para observar o desaparecimento dos glaciares, pois resistiram ao teste do tempo e ao aquecimento da era industrial. Analisando amostras de rochas expostas, os investigadores determinaram que o gelo existe, há muito mais tempo do que se pensava. Os glaciares existem, pelo menos, desde todo o Holoceno, isto é, nos últimos 11700 anos, desde a última era glacial. A datação cosmogénica in situ por exposição a carbono-14 e a berílio-10, em leitos rochosos pró-glaciais recém-expostos, indica contínua cobertura do Holoceno, talvez por gelo.
Num glaciar menor próximo, as idades de exposição e de soterramento do leito rochoso sugerem expansão glacial, há cerca de sete mil anos, antes do que se reconhecia antes. As idades de exposição a moreias, nesses locais e no maior glaciar da Sierra Nevada, estão distribuídas ao longo dos últimos milhares de anos, sugerindo que os glaciares estavam próximos da sua extensão pré-industrial, em grande parte do Holoceno tardio. Tais descobertas implicam que uma Sierra Nevada sem glaciares é inédita desde antes do Holoceno. Os futuros ambientes glaciais alpinos na Califórnia são, provavelmente, cenário sem paralelo no atual período interglacial.
O fluxo de gelo foi documentado, pela primeira vez, na região, no final do século XIX. O eventual desaparecimento marcaria a primeira vez que esses topos de montanha ficariam livres de gelo.
No Oeste dos EUA, prevê-se que as montanhas glaciares desapareçam até 2100 EC (EC: Era Cristã), de acordo com pesquisas anteriores. “A nossa reconstrução da História glacial indica que uma futura Sierra Nevada sem gelo é inédita na História humana, desde a presença conhecida das Américas, há cerca de 20 mil anos”, escrevem os autores do estudo. 
O derretimento dos glaciares é fenómeno global. A cada ano, à medida que as geleiras derretem, perdem mais água do que o Mundo consumirá em três décadas.
Também a Europa tem assistido a um enorme derretimento, devido ao aquecimento global. Na Suíça, onde existe o maior número de glaciares na Europa, mais de mil pequenos glaciares já desapareceram. O glaciar Ventina, na Itália, foi grandemente afetado pelo clima quente. O derretimento rápido e o terreno instável tornam a visita insegura. Por isso, os geólogos dependem de ferramentas de monitorização remota, para avaliarem os danos. E também estão a derreter, mais rapidamente do que nunca, os glaciares da Suécia e da Noruega. Em 2024, o ano mais quente da história da Europa, esses locais registaram um derretimento médio de aproximadamente 1,8 metros, o que supera as médias históricas.
Enfim, o colapso glacial está a tornar-se mais frequente, ameaçando as comunidades locais. Por exemplo, no início de 2025, enorme deslizamento de gelo soterrou a maior parte de uma aldeia alpina suíça. Porém, é possível a recuperação dos glaciares, se o aquecimento global for revertido, de algum modo, mas, ainda que isso venha a acontecer, não será durante a nossa vida.
O estudo simulou a mudança dos glaciares em “cenários de ultrapassagem”, até 2500. Estas são situações em que o planeta ultrapassa o limite de 1,5 °C (graus celsius) até 3 °C e, em seguida, arrefece, de novo. “Os nossos modelos mostram que levaria muitos séculos, se não milénios, para que os grandes glaciares polares se recuperassem de uma ultrapassagem de 3 °C”, diz Lilian Schuster, autora principal do estudo.

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Ao aquecimento global, à seca extrema, à perda de humidade, ao degelo (neves, glaciares, icebergs), ao aumento do nível da água dos oceanos, ao excesso da atividade extrativa e de desmatamento e à má gestão do uso da Terra adicionam-se as emissões de gases com efeito de estufa (GEE) com origem humana, que atingiram o nível mais elevado de sempre, em 2024, apesar de todas as promessas de ação climática mais consequente. E a Organização Mundial de Meteorologia (OMM) considera “essencial” a sua redução.
Boletim sobre Gases com Efeito de Estufa da Organização Mundial de Meteorologia, n.º 21, divulgado a 15 de outubro e citado pelo site Esquerda.net, revela que, em 2024, os níveis de CO2, na atmosfera, atingiram níveis recorde.
Desde a década de 1960, as taxas de crescimento de CO2 triplicaram. O seu aumento médio, que era de 0,8 ppm (partes por milhão), por ano, passou para 2,4 ppm, por ano, na década de 2011 a 2020. Contudo, entre 2023 e 2024, a concentração média global de CO2 aumentou 3,5 ppm. É o maior aumento, desde que as medições modernas começaram, em 1957.
O Boletim atribui este crescimento às emissões com origem em atividades humanas, como a persistência na queima de combustíveis fósseis a níveis incomportáveis, e o aumento dos incêndios florestais. Ao mesmo tempo, verifica-se a redução da absorção de CO2, através dos “sumidouros de carbono”, o que “ameaça ser um ciclo vicioso climático”. Até agora, perto de metade das emissões de CO2 anuais eram retiradas da atmosfera, através da dissolução no oceano ou da absorção por árvores e por plantas em crescimento. Mas os oceanos estão a ficar mais quentes, absorvendo, assim, menos CO2, e condições mais quentes e secas e mais incêndios florestais implicam também menos crescimento das plantas.
As concentrações atmosféricas de metano e de óxido nitroso, que são o segundo e o terceiro gases com efeito de estufa mais importantes conexos com as atividades humanas, também atingiram níveis recorde no ano passado.
Ko Barrett, secretária-geral adjunta da OMM, explica que o calor retido pelo CO2 e por outros GEE “está a sobrecarregar o clima e a conduzir a eventos climáticos mais extremos. A redução das emissões é, portanto, essencial não só para o nosso clima, mas também para a nossa segurança económica e o bem-estar da comunidade”. E a OMM alerta que os efeitos das emissões de CO2, perdurarão por séculos, devido ao tempo de vida longo deste gás, na atmosfera.
E Oksana Tarasova, coordenadora do Boletim, defende que manter e expandir a monitorização dos GEE “é fundamental para apoiar estes esforços” de redução de emissões. Aliás, um dos objetivos desta edição é fornecer “informação científica credível” à próxima Cimeira sobre as Alterações Climáticas, a COP 30, se reunirá, em novembro em Belém, no Brasil.

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Têm de levar uma volta as políticas ambientais e da ação climática, para bem de todos.

2025.10.17 – Louro de Carvalho


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