quinta-feira, 16 de outubro de 2025

As casas em Portugal são das mais sobrevalorizadas da Europa

 

Um novo relatório da Comissão Europeia, publicado a 14 de outubro, mostra que o valor das casas, em Portugal, é dos mais altos da Europa, sendo os principais fatores do seu aumento o turismo e a crise no setor da construção.
O relatório “Housing in the European Union: Market Developments, Underlying Drivers, and Policies” (“Habitação na União Europeia: evolução do mercado, fatores subjacentes e políticas”) mostra que os preços das casas, nos últimos dez anos, tiveram uma subida drástica, em toda a União Europeia (UE), e Portugal está na lista dos países onde as casas são mais sobrevalorizadas.
As taxas de juros mais altas, a procura de habitação, por famílias mais ricas e por investidores; a urbanização; a migração e as mudanças nas estruturas familiares; o aumento de arrendamentos de curta duração; a falta de construção nova e a escassez de mão de obra na área da construção contribuem para o atual estado da habitação, na UE.
Entre 2014 e 2024, os preços das habitações, na UE, aumentaram, em média, 50 %, mas na Hungria, na Lituânia, na Chéquia, em Portugal, na Estónia, na Bulgária e na Polónia, o crescimento nominal dos preços das habitações excedeu 200 %. Estima-se que a valorização dos preços das casas acima do valor real médio é mais significativa, em Portugal, estando os preços sobrevalorizados em cerca de 35 %, sendo o nosso o único país onde a sobrevalorização terá aumentado, significativamente, em 2024.
Diversas as razões justificam o preço inflacionado das casas, em Portugal, mas há fatores mais determinantes do que outros. O relatório destaca o turismo e o arrendamento de curta duração, sobretudo, em áreas turísticas.
O aumento das plataformas de partilha de casas, como o Airbnb, perturbou o mercado imobiliário e contribui para a diminuição da oferta no mercado de arrendamentos de longa duração. “Há cada vez mais evidências empíricas que sugerem que o aumento do turismo, em geral, e o aumento das plataformas de partilha de casas, em particular, contribuíram para o aumento das rendas e dos preços da habitação em algumas localizações privilegiadas, como os centros históricos das cidades”, conclui o estudo, que indica Portugal como o país da UE onde o turismo teve o “maior impacto nos preços das habitações”.
Contudo, o problema também atinge países, como a Espanha, em que a turistificação é um problema nas grandes cidades, como em Barcelona, onde já foram tomadas medidas, como a eliminação dos dez mil apartamentos turísticos da cidade, até 2028.
Em Portugal, a taxa do parque habitacional público é uma das mais baixas da Europa (cerca de 2% do total) de acordo com os últimos dados do estudo feito pelo ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa, “O Estado da Nação e as Políticas Públicas 2025”. Esta realidade aliada a outro fator expresso no relatório da Comissão Europeia ajuda a explicar a crise: “Em algumas áreas urbanas, parte do parque habitacional é propriedade de empresas, e o longo período de taxas de juros baixas contribuiu para o aumento da procura por parte de investidores institucionais.”
O relatório da UE sustenta que investidores institucionais, como seguradoras e fundos de pensões, tiveram papel importante no aumento dos preços imobiliários, na última década, sobretudo, nas capitais globais. E, em Portugal, os fundos de pensão têm “exposição significativa”.
A emissão de licenças de construção é problema para o aumento do parque habitacional público e, em países, como Portugal, a Croácia, a Espanha e a Grécia, caiu drasticamente, após a crise financeira global, estando as licenças de construção próximas de mínimos históricos.
Também a burocracia morosa para o licenciamento de construção explica a falta de habitação. Na maioria dos países da UE, os prazos fixos para a emissão da licença variam entre três semanas, na Lituânia, e 31 semanas, em Portugal. Segundo o estudo, “o processo de licenciamento, em alguns países, é sobrecarregado por requisitos de documentação complexos, o que pode criar atrasos desnecessários e encargos administrativos”. Por isso, impõe-se a revisão desses requisitos, com vista à simplificação, como a redução do número ou da complexidade dos documentos exigidos, quando apropriado, o poderá contribuir para maior eficiência.
Igualmente, está na ordem do dia a incalculável quantidade de imóveis devolutos. De facto, o tema em debate da habitação, em Portugal, e o relatório da UE vão ao encontro da questão, pois “a questão dos imóveis devolutos representa um desafio significativo em toda a UE, estimando-se que, aproximadamente, um em cada seis imóveis esteja devoluto em toda a Europa”. E Portugal aparece no topo da lista de países com imóveis devolutos, a par da Bulgária, da Roménia, de Malta, de Chipre e da Hungria. E os investigadores sugerem que a elevada percentagem de imóveis devolutos, em algumas grandes cidades, contribui bastante para a escassez de habitação.
Tem o problema da habitação sido tema constante na política portuguesa e objeto de crítica aos últimos governos, com manifestações frequentes, pelo aumento das rendas e pela inexistência de habitação acessível.
Entre as medidas apresentadas, destaca-se o novo incentivo fiscal à construção, há muito reivindicado: a redução do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) para 6%, na construção, até 648 mil euros, bem como em arrendamento, até ao valor de 2300 euros (isto é, à construção para arrendar até este valor). A decisão do limite de 2300 euros, no arrendamento, tem na base as “áreas de maior pressão”, onde os montantes médios são superiores a este.
Em junho, a Comissão Europeia tinha alertado para o facto de os governos portugueses não serem eficazes na resposta à crise da habitação e recomendou medidas concretas, nomeadamente, o controlo de rendas ou a imposição de limites ao alojamento local (AL).

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Portugal está, pois, nos lugares de topo de vários indicadores da habitação, não por bons motivos. Desde o aumento de preços às dificuldades no acesso à habitação, o país destaca-se na sobreavaliação média em que é líder.
Portugal está no conjunto de países cujo crescimento nominal dos preços das habitações ultrapassou os 200%, em dez anos – situação verificada apenas em países da Europa Central e do Leste: a Bulgária, a Chéquia, a Estónia, a Hungria, a Lituânia e a Polónia.
No ajuste dos preços à inflação entre 2014 e 2024, na maioria dos países da UE, o preço das habitações cresceu, em média, 25%. Todavia, Portugal regista um aumento superior a 50%, o que tem implicações na inflação. “Os países com o maior crescimento dos preços das casas também tiveram uma inflação mais elevada”, diz o relatório.
Segundo os dados mais recentes do Eurostat, os preços das casas mais do que duplicaram (141%), em Portugal, entre 2010 e 2025. “Este é o único país onde se estima que a sobrevalorização tenha aumentado significativamente, em 2024”, lê-se no relatório, segundo o qual, nos restantes países, há uma sobrevalorização entre os 10% e os 20%.
Além disso, o país regista enfrenta considerável deterioração no acesso à habitação. Numa década, o rácio entre o preço das casas e o rendimento das famílias aumentou em 20%, ao passo que a capacidade de endividamento das famílias diminuiu, face a 2019, devido ao aumento das taxas de juro, acompanhado do magro crescimento do rendimento. Em, pelo menos, 85% dos empréstimos, a taxa de esforço era de 50%.
Há evidências de que Portugal é o país da UE onde o turismo teve o maior impacto nos preços das casas. Segundo o relatório, a expansão das plataformas de partilha de casas contribui “para um aumento nas rendas e nos preços da habitação em algumas localizações privilegiadas, como os centros históricos das cidades”. Ora, a oferta de arrendamento a curto prazo torna anómalo o mercado de habitação, “esbatendo as linhas entre o arrendamento a curto e a longo prazo” e incentivando a transferência do arrendamento a longo prazo para o “mercado de curto prazo com lucros mais elevados”.
Em 2023, o valor da renda mensal, em localizações privilegiadas de Lisboa para habitações T2, atingia, em média, os 1850 euros, isto é, mais de 80% do rendimento mediano do agregado. Tal relação só é superada por Budapeste, na Hungria. Já em Roma, por exemplo, a renda mensal situa-se nos 1200 euros, isto é, menos de 40% do rendimento.
Na UE, o investimento recuperou para níveis pré-2008, mas há “redução acentuada” nas novas construções, o que é explicável pelo aumento dos custos de construção e dos relativos aos recursos investidos em renovações, como melhoramentos da eficiência energética. Tal disparidade levou ao abrandamento na construção de novas habitações. A maioria dos países da UE tem o licenciamento de construção em “mínimos históricos”, à exceção de alguns países, como Portugal. Em 2024, foram construídas 1,32 casas por mil habitantes. Para já, nos primeiros seis meses de 2025, foram construídas 7747 casas, cerca de 0,75, por mil habitantes.
Mesmo assim, no parque habitacional, Portugal está entre os países da UE com a menor dimensão, em 2022, ano em que as habitações sociais representavam 1,1% do mercado e o governo gastava cerca de 0,02% do PIB em investimentos no parque habitacional. Porém, houve descida para quase metade, face a 2010, quando se registavam 2%.
Também, uma em cada seis habitações, na UE, está vazia. Este problema é proeminente em Portugal, visto que, nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, uma em cada 10 casas está vazia. Há 723215 habitações vazias, mas só 236927 destas estão no mercado.

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Em setembro, o governo aprovou a criação do novo conceito de habitação “a valores moderados”, eliminando “todos os outros”. Contudo, a proposta do Orçamento do Estado para 2026 (OE2026) recupera o conceito de arrendamento acessível e fala do financiamento do programa que o governo queria extinguir. É o Programa de Arrendamento Acessível (PAA)
O PAA, implementado em 2019, conferia aos senhorios a isenção do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) e sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) sobre as rendas, que deveriam ser, pelo menos, 20% inferiores ao valor de referência do mercado, calculado com base na tipologia, na localização, na eficiência energética, entre outros fatores. Para aceder a este benefício, o contrato deveria ter, pelo menos, cinco anos, e cumprir requisitos mínimos de segurança, de salubridade e de conforto e o rendimento anual bruto do arrendatário tinha de ser inferior ao valor máximo definido pelo programa: até 35 mil euros, para uma pessoa sozinha, ou até 45 mil euros, para um agregado de duas pessoas, somando-se cinco mil euros, por cada pessoa adicional, incluindo menores e dependentes.
Deste programa, o governo mantém o benefício fiscal para as rendas que estejam 20% abaixo da mediana do concelho, eliminando os restantes critérios.
O PAA não tinha tração, na ótica do ministro das Infraestruturas e Habitação. Em 2025, tinha 2797 contratos registados, apenas cerca de 0,3% do universo total de contratos de arrendamento habitacional. Por isso, a ideia era terminar o programa, mas manter as regras para quem dele beneficiava. Todavia, na proposta do OE2026, consta que o Executivo pretende o “aumento do número de contratos de arrendamento acessível celebrados”.
Quando o governo anunciou o conceito de renda moderada, pensava substituir a renda acessível. Com o valor estipulado entre 400 e 2300 euros, a renda moderada permite alguns benefícios fiscais, principalmente, aos senhorios, se o contrato durar três anos.
Também a proposta do OE2026 refere que “o património transferido para o IHRU (Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana)” deve, “para efeitos da celebração de novos contratos de arrendamento, ficar sujeito ao regime de renda condicionada ou ao programa de arrendamento acessível”. Assim, o PAA será para manter.
Entretanto, o Ministério das Infraestruturas e Habitação (MIH) explica que “as condições relativas ao arrendamento acessível se mantêm”. A isenção do IRS para as rendas 20% abaixo do valor da mediana do concelho e a redução do IRS de 25% para 10%, no caso das rendas moderadas, são “duas condições, que conjugam uma política fiscal gradativa [e] passam a integrar o novo conceito de renda moderada”.
Víctor Reis, presidente do IHRU entre 2012 e 2017, sustenta que, em vez de renda moderada, o governo devia ter falado em renda limiar, já que a proposta da renda moderada “não está apresentável em nenhum diploma.
Outra incoerência da proposta do OE2026 é indicação de que o MIH usufruirá das “verbas de receita de impostos para assegurar” o Programa Arrendar para Subarrendar – outro mecanismo que o governo queria extinguir, para juntar todos os programas de apoio ao arrendamento “num único”. Não obstante, o MIH confirma que “está prevista a sua extinção”, mas que “serão assegurados os compromissos já assumidos”.
O ministro das Finanças disse, na conferência de imprensa do OE 2026, que o pacote de simplificação do arrendamento do “Construir Portugal”, anunciado a 25 de setembro, será apresentado em diploma próprio, a votar na Assembleia da República.
A iniciativa Arrendar para Subarrendar coloca o Estado como arrendatário de imóveis privados, para subarrendar, a preços acessíveis, por sorteio, a famílias com rendimentos até ao 6.º escalão de IRS. Porém, em fevereiro deste ano, os últimos dados conhecidos mostravam que, dos 332 imóveis angariados (com 290 contratados), só 62 estavam ocupados.
Víctor Reis acusa o governo de ser “absolutamente incapaz” de avaliar as políticas deixadas pelos governos do Partido Socialista (PS) e de perceber o que faria sentido manter. Passados 16 meses no poder, o executivo está sem “ainda saber o que vai fazer”, enquanto anuncia medidas para a habitação “a conta gotas”. “De repente, quiseram transformar o Estado numa imobiliária”, quando as queixas sobre o funcionamento dos programas se multiplicam, diz o ex-presidente do IHRU.
Enfim, o OE2026 destina 2,1 mil milhões de euros para a Habitação, que arrecada cerca de 24% do orçamento do MIH, que é de 8690 milhões de euros (aumento de cerca de 12%), com o apoio de 1398 mil milhões de euros do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que baixou cerca de 16% (263 mil milhões), face aos anteriores 1661 mil milhões de euros.

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A crise não se resolve lançando-lhe dinheiro para cima. É preciso eliminar as causas, que são do conhecimento de todos, mas que persistem, devido à ambição de poderosos interesses instalados (que o Estado teima em proteger), acompanhada da enorme burocracia que, mostrando um poder anónimo triturante, impede o desenvolvimento e o bem-estar.

2025.10.16 – Louro de Carvalho

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