sábado, 18 de outubro de 2025

O crescimento económico de longo prazo não nasce de mão invisível

 

A Academia Real de Ciências da Suécia anunciou, a 13 de outubro, que o prémio de Ciências Económicas, em 2025, em memória de Alfred Nobel, vulgarmente designado por Nobel de Economia, galardoou um historiador económico e dois economistas cujos trabalhos académicos demonstram que “o crescimento económico de longo prazo não é algo natural, não nasce de uma mão invisível” – conforme escreveu, àquela data, no Expresso, o jornalista Jorge Nascimento Rodrigues. Antes, “precisa de três ingredientes: uma cultura em prol do crescimento económico na sociedade, empreendedores e destruição criativa”.

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O testamento de Alfred Nobel não inclui o galardão para a Economia, mas para a Medicina, a Física, a Química, a Literatura e a Paz – o que não é pouco. Contudo, em 1968, o Sveriges Riksbnak (Banco Central da Suécia) instituiu, em homenagem ao criador dos cinco Prémios Nobel, o Prémio de Ciências Económicas, oficialmente denominado “Sveriges Riksbnak pris e economisk vetenskap till Alfred Nobels minne” (“Prémio do Banco da Suécia para as Ciências Económicas em Memória de Alfred Nobel) – apelidado, na Suécia, de “Ekonomipriset” (“Prémio de Economia”) – e atribuiu-o, pela primeira vez, em 1969.
Embora inclua a dedicatória a Alfred Nobel, é incorretamente referido como “Prémio Nobel de Economia” ou “Prémio Nobel de Ciências Económicas”, porque não é concedido pela Fundação Nobel, ainda que gerido e anunciado pela Academia Real de Ciências da Suécia, mas é pago com dinheiro público. A expressão “em memória de Alfred Nobel” é que gera a confusão.
Entretanto, segundo a Academia Real de Ciências da Suécia, o processo de indicação, os critérios de escolha e a apresentação da decisão são conduzidos de maneira similar à dos Prémios Nobel e “conforme as regras que regulam a atribuição dos prémios criados, a partir do testamento de Alfred Nobel”. Todavia, alguns familiares de Alfred Nobel, nomeadamente, o sobrinho bisneto Peter Nobel, não aceitam que o Prémio de Ciências Económicas seja referido como um Nobel, porque o consideram como uma espécie de “campeonato de relações públicas para economistas” – o que era impensável por Alfred Nobel, que desprezava “pessoas para quem os lucros são mais importantes do que o bem-estar da sociedade”.
Não obstante, o prémio é, usualmente, atribuído a individualidades que olham para a economia de forma diferente de muitos economistas e do comum dos decisores políticos e dos agentes económicos. Um deles até ficou conhecido por ter contestado a solução encontrada pela União Europeia (UE) e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), para resolver a crise económica e financeira, através dos eufemísticos planos de ajustamento económico-financeiro impostos a alguns país do Sul da Europa, nomeadamente, Portugal, a Grécia e a Espanha.   
Não é por acaso que Nascimento Rodrigues escreve, no título do seu artigo, “Nobel da Economia distingue inovação e destruição criativa: o que nos ensinam os laureados?”

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De facto, a relevância da inovação e dos inovadores é evidenciada pelo prémio atribuído pelo Riksbank, o banco central mais velho do Mundo. E o jornalista refere, citando Manuel Mira Godinho, professor de Economia no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) em Lisboa, e um dos académicos especializados em economia da inovação e em políticas de ciência e tecnologia, que “a inovação foi premiada com o Nobel de Economia, neste ano”.
O prémio de Ciências Económicas em memória de Alfred Nobel, de 2025, divide-se em duas partes iguais: uma, para o historiador económico neerlandês Joel Mokyr, professor na Universidade de Northwestern, perto de Chicago, nos Estados Unidos da América (EUA); e a outra, para dois economistas: o francês Philippe Aghion, professor no Collège de France, em Paris e no INSEAD, e o canadiano Peter Howitt, professor na Universidade de Brown, em Providence, nos EUA. Os três contemplados aportaram à teoria económica uma visão histórica das causas do disparo do crescimento económico, desde a Revolução Industrial, pela investigação do historiador económico, e uma modelização matemática do francês e do canadiano, a demonstrar o papel da destruição criativa.
Não é difícil perceber que o crescimento económico de longo prazo não é natural e que não nasce de mão invisível, mas exige “uma cultura em prol do crescimento económico na sociedade”, marcada pelo valor do trabalho, devidamente remunerado, e pela acumulação do trabalho (o capital, em rendimento, em património e no que pode representar estes dois elementos: o dinheiro) e, sobretudo, pela organização, pelo planeamento e pela gestão da empresa e do trabalho. Também se compreende a importância da inovação e do papel dos inovadores, pelo lado da dedicação renovada no emprego e pelo do empreendedorismo.
Já a destruição criativa traz alguma confusão. Na verdade, o conceito de destruição é, em geral, conotado negativamente. Isso vê-se, quando se fala de acidente, de guerra, de terramoto, de incêndio, de vulcão, de tempestade ou de qualquer cataclismo. Mesmo quando se procede a uma destruição necessária e controlada, não faltam objeções de caráter negativo, em termos ambientais e de saúde pública.   
Ora, em economia, o conceito de “schöpferische Zerstörung” (destruição criativa ou destruição criadora deriva do trabalho de Karl Marx e foi assumido pelo austríaco Joseph Schumpeter, no livro “Capitalismo, Socialismo e Democracia”, publicado nos EUA, em 1941. O conceito entrou no pensamento económico e, a partir dos anos 1950, no campo da administração de empresas. E ganhou força com a ascensão do neoliberalismo e do neoconservadorismo. “Esse processo de destruição criativa é o facto essencial do capitalismo. O capitalismo consiste nesse processo e é nele que toda a empresa capitalista tem de viver”, sustentava Joseph Schumpeter, mas atestando que o sistema estaria fadado a ruir, pelo mesmo processo que o faz transformar-se.
Karl Marx tratou da necessidade de movimento constante que rege o capitalismo, de destruir o antigo para criar o novo e de, a todo o tempo, recriar as suas bases. A sua formulação prende-se com uma tradição filosófica popular no pensamento alemão, que remonta a Hegel e ao seu conceito de “aufhebung” (negação, elevação e conservação ou permanência), em que as categorias são superadas, dialeticamente, a partir da contradição interna. Por exemplo, a semente, contém tudo que é necessário para a sua transformação, germinando, deixando de ser semente e tornando-se planta, que voltará a carregar sementes.
De modo análogo, para Schumpeter, a superação de um ciclo económico ou de um paradigma técnico no mercado está no seu próprio desenvolvimento. Entretanto, esse processo de superação, acontece pela falência de diversas empresas, de setores e de iniciativas. Ou seja, as s criações e inovações surgem, como força incontrolável, pela destruição do estabelecido.
A primeira parte da obra de Schumpeter é um resumo da teoria marxista, que ele apresenta para, depois, lhe tecer críticas. Apesar das discordâncias, a ideia de transformação necessária permanece no autor austríaco, mesmo não sendo marxista. Descreve um processo de inovação e de ciclos económicos que ocorrem numa economia de mercado, em que novos produtos destroem empresas velhas e antigos modelos de negócios. Assim, as inovações dos empresários são a força motriz do crescimento económico sustentado a longo prazo, ainda que destrua empresas bem estabelecidas nessa necessidade. Um efeito positivo seria a dificuldade na formação monopólios privados. Enfim, a destruição criativa é a expressão chocante assumida por Joseph Schumpeter, que morreu em 1950, muito antes de o prémio ter sido atribuído pela primeira vez.

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Segundo Mira Godinho, já antes, foram galardoados com o Nobel de Economia economistas que consideram os efeitos da inovação nas dinâmicas económicas, mas, em nenhum, foi destacado, como razão principal para lhes ser atribuído o Nobel, o facto de considerarem, nas suas pesquisas, os efeitos económicos da inovação, pelo que afirma: “É, assim, bem-vinda a decisão deste ano, reconhecendo a centralidade da inovação como motor do crescimento económico.”
A Academia Sueca já premiara a ligação entre crescimento económico e inovação, ao distinguir Robert Solow, em 1986, pelo fator “residual” (batizado de ‘residual de Solow’) que explica tudo o mais que o capital e o trabalho não explicam, e Paul Romer, em 2018, que destacou que o crescimento económico é filho, principalmente, de “forças internas”. O residual e as forças internas de que Solow e Romer falavam eram a inovação, nas várias dimensões.
Porém, Mira Godinho questiona “se já antes não deveria ter havido tal reconhecimento e se este prémio não poderia ter sido atribuído, com maior justificação, a economistas como Chris Freeman, Paul David, Zvi Griliches ou Richard Nelson, todos eles com contributos mais seminais e, porventura, [mais] decisivos [do] que os galardoados deste ano”.
Peter Drucker, o austríaco naturalizado norte-americano, considerado o “pai” do “management”, abordou a ligação umbilical entre inovação e empreendedorismo, em 1985, e Clayton Christensen, da Harvard Business School, publicou, em 1997, “O dilema da inovação”. O dilema é, de acordo com o norte-americano Peter Cohan, do Babson College, perto de Boston, “a divergência entre preservar os lucros com o que ganhou sucesso ou optar por investir em novas curvas de crescimento baseadas em servir necessidades não satisfeitas, através de novas formas”.
Joel Mokyr publicou, em 1990, o livro “A Alavanca da Riqueza: criatividade tecnológica e progresso económico”, para dar carga mais forte à disrupção resultante da Revolução Industrial britânica, no século XVIII; cunhou a expressão “iluminismo industrial” (aludindo à fusão do Iluminismo na Ciência que atravessou a Europa da ‘Época das Luzes’, com os “práticos” no terreno); e salientou o incrível crescimento a que se passou a assistir e que dependeu do “clima, na sociedade favorável à mudança”, de uma “cultura em prol do crescimento”.
Também era sugestivo o artigo “Um modelo de crescimento através da destruição criativa”, de Aghion e de Howitt, publicado na revista Econometrica, em 1992. E o comité sueco considerou-o “uma mudança de paradigma na literatura sobre crescimento económico”, que permitiu conectar a literatura do crescimento macroeconómico com a organização industrial.
Ora, o inspirador de tudo isto foi Schumpeter, ao falar do processo de ‘limpeza’ do velho pelo novo, como o “facto essencial do capitalismo”, e ao introduzir o seu protagonista histórico, o empreendedor, que “é aquele que destrói a ordem económica existente pela introdução de novos produtos e serviços”. Foi uma das suas citações mais popularizadas. E os dois economistas agora galardoados construíram “um enquadramento matemático para estudar como as decisões individuais e os interesses conflituantes ao nível microeconómico da empresa podem levar a um crescimento económico regular a nível agregado”, de acordo com o comité sueco.
Assim, na ótica de Mira Godinho, pela inspiração na “destruição criativa” schumpeteriana, os dois são conhecidos como economistas neoschumpeterianos, cuja inclinação para a formalização matemática “segue uma perspetiva analítica, compaginada com a Economia convencional dos cursos de micro e macroeconomia ensinados na maior parte das universidades”.
Também na gestão, o tema é fascinante, pois, como disse ao Expresso Peter Cohan, consultor de gestão e professor no Babson College, “o foco na destruição criativa é a paixão do empreendedor por dar novo alívio mais eficaz para a dor humana”, já que a destruição criativa surge, impelida por “novas tecnologias, estruturas sociais evolutivas e concorrentes emergentes”, mercê do desajuste entre a oferta atual do mercado e as fontes mutáveis da dor humana, o que leva “as pessoas a procurarem melhores soluções”, que surgem, na maioria das vezes, nas start-ups.
Para Mira Godinho, nos contributos de Joel Mokyr, destaca-se o otimismo com que encara “as dinâmicas de inovação”. Por volta de 2014 e 2015, teve repercussão o debate oral e escrito que o historiador manteve com Robert Gordon, seu colega na Universidade de Northwestern.
Gordon defendia que as inovações ‘fáceis’ já tinham sido todas introduzidas e que, na atual fase, só se lograria introduzir inovações de igual impacto económico com custos de I&D (investigação e desenvolvimento) muito superiores. Tais dificuldades levariam, na sua visão pessimista, à “estagnação do crescimento económico”, como lembra o professor do ISEG. Em contraponto, Mokyr via, nas biotecnologias e nos avanços da computação, promessas de crescimento económico ilimitado. Assim, na ótica de Mira Godinho, pode dizer-se que é esta perspetiva ‘otimista’ que tem estado presente, nos últimos dois anos, no discurso dominante, dos que apostam no potencial económico dos avanços e aplicações da inteligência artificial (IA).
Nessa linha, o comité sueco perfilha algum otimismo: “Um resultado positivo [da investigação de Joel Mokyr] é que as tecnologias avançadas, como a IA, trazem uma nova era da ciência de dados que pode vir a ter um impacto na ciência muito maior do que apenas cálculos em grande escala e análise estatística. […] Equipados com ferramentas mais poderosas, a nossa compreensão dos processos naturais pode acelerar e novas aplicações, algumas imagináveis e outras não, continuarão a surgir”, refere o comité.
Quanto ao trabalho de Aghion e de Howitt, o comité frisa que “um dos determinantes [da taxa de mudança tecnológica no longo prazo] é a existência de um ambiente competitivo” e lembra o argumento fundamentado nesse trabalho de que “o aumento da concentração de empresas e do poder de mercado pode ser fator importante por trás das tendências negativas recentes de produtividade”. Por isso, conclui que o trabalho dos dois economistas “sugere que a supervisão regulatória é parte importante de um mix de políticas para o futuro e que a natureza da mudança tecnológica atual, impelida, em grande parte, pela IA, provavelmente, levará a ajustes estruturais significativos e a muitos ‘perdedores’, pelo menos no curto prazo”. E, nestes termos, recomenda o apoio aos “que precisam de ajuda para mudar de emprego ou de ocupação, sem impedir a transição” – um grande desafio aos “formuladores de políticas”.
Depois de laureado, Philippe Aghion, em declarações ao canal France 2, propôs que Sébastien Lecornu, renomeado primeiro-ministro, “parasse o relógio” da reforma das pensões até à próxima eleição presidencial, vincando que a idade legal de reforma fixada em 62 anos e nove meses manter-se, até ao escrutínio, para acalmar as tensões sociais e políticas. Tal suspensão não significa supressão definitiva da reforma, que poderá ser retomada após a eleição, se nenhuma outra decisão for tomada. Também se opõe a imposto que penalize a inovação, apelando ao esforço fiscal direcionado aos grandes patrimónios, sobretudo, aos abusos de holdings familiares.

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Enfim, o Nobel da Economia mostra como a reperspetivação da leitura da História e a reforma da Economia podem induzir melhores políticas e melhor desenvolvimento económico e social.

2025.10.18 – Louro de Carvalho


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