A
Academia Real de Ciências da Suécia anunciou, a 13 de outubro, que o prémio de
Ciências Económicas, em 2025, em memória de Alfred Nobel, vulgarmente designado
por Nobel de Economia, galardoou um historiador económico e dois economistas cujos
trabalhos académicos demonstram que “o crescimento económico de longo
prazo não é algo natural, não nasce de uma mão invisível” – conforme escreveu,
àquela data, no Expresso, o jornalista Jorge Nascimento Rodrigues. Antes,
“precisa de três ingredientes: uma cultura em prol do crescimento
económico na sociedade, empreendedores e destruição criativa”.
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O
testamento de Alfred Nobel não inclui o galardão para a Economia, mas para a
Medicina, a Física, a Química, a Literatura e a Paz – o que não é pouco. Contudo,
em 1968, o Sveriges Riksbnak (Banco Central da Suécia) instituiu, em homenagem ao
criador dos cinco Prémios Nobel, o Prémio de Ciências Económicas,
oficialmente denominado “Sveriges Riksbnak pris e economisk vetenskap till Alfred
Nobels minne” (“Prémio do Banco da Suécia para as Ciências Económicas em
Memória de Alfred Nobel) – apelidado, na Suécia, de “Ekonomipriset” (“Prémio
de Economia”) – e atribuiu-o, pela primeira vez, em 1969.
Embora
inclua a dedicatória a Alfred Nobel, é incorretamente referido como “Prémio
Nobel de Economia” ou “Prémio Nobel de Ciências Económicas”, porque não
é concedido pela Fundação Nobel, ainda que gerido e anunciado pela Academia
Real de Ciências da Suécia, mas é pago com dinheiro público. A expressão “em
memória de Alfred Nobel” é que gera a confusão.
Entretanto,
segundo a Academia Real de Ciências da Suécia, o processo de indicação, os
critérios de escolha e a apresentação da decisão são conduzidos de maneira
similar à dos Prémios Nobel e “conforme as regras que regulam a atribuição
dos prémios criados, a partir do testamento de Alfred Nobel”. Todavia, alguns
familiares de Alfred Nobel, nomeadamente, o sobrinho bisneto Peter Nobel, não
aceitam que o Prémio de Ciências Económicas seja referido como um Nobel,
porque o consideram como uma espécie de “campeonato de relações públicas para
economistas” – o que era impensável por Alfred Nobel, que desprezava “pessoas
para quem os lucros são mais importantes do que o bem-estar da
sociedade”.
Não
obstante, o prémio é, usualmente, atribuído a individualidades que olham para a
economia de forma diferente de muitos economistas e do comum dos decisores políticos
e dos agentes económicos. Um deles até ficou conhecido por ter contestado a
solução encontrada pela União Europeia (UE) e pelo Fundo Monetário
Internacional (FMI), para resolver a crise económica e financeira, através dos eufemísticos
planos de ajustamento económico-financeiro impostos a alguns país do Sul da
Europa, nomeadamente, Portugal, a Grécia e a Espanha.
Não
é por acaso que Nascimento Rodrigues escreve, no título do seu artigo, “Nobel da
Economia distingue inovação e destruição criativa: o que nos ensinam os
laureados?”
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De
facto, a relevância da inovação e dos inovadores é evidenciada pelo prémio atribuído
pelo Riksbank, o banco central mais velho do Mundo. E o jornalista refere,
citando Manuel Mira Godinho, professor de Economia no Instituto Superior de
Economia e Gestão (ISEG) em Lisboa, e um dos académicos especializados em
economia da inovação e em políticas de ciência e tecnologia, que “a inovação
foi premiada com o Nobel de Economia, neste ano”.
O
prémio de Ciências Económicas em memória de Alfred Nobel, de 2025, divide-se em
duas partes iguais: uma, para o historiador económico neerlandês Joel Mokyr,
professor na Universidade de Northwestern, perto de Chicago, nos Estados Unidos
da América (EUA); e a outra, para dois economistas: o francês Philippe Aghion,
professor no Collège de France, em Paris e no INSEAD, e o canadiano Peter
Howitt, professor na Universidade de Brown, em Providence, nos EUA. Os três contemplados
aportaram à teoria económica uma visão histórica das causas do disparo do
crescimento económico, desde a Revolução Industrial, pela investigação do historiador
económico, e uma modelização matemática do francês e do canadiano, a demonstrar
o papel da destruição criativa.
Não
é difícil perceber que o crescimento económico de longo prazo não é natural e
que não nasce de mão invisível, mas exige “uma cultura em prol do crescimento
económico na sociedade”, marcada pelo valor do trabalho, devidamente remunerado,
e pela acumulação do trabalho (o capital, em rendimento, em património e no que
pode representar estes dois elementos: o dinheiro) e, sobretudo, pela organização,
pelo planeamento e pela gestão da empresa e do trabalho. Também se compreende a
importância da inovação e do papel dos inovadores, pelo lado da dedicação renovada
no emprego e pelo do empreendedorismo.
Já
a destruição criativa traz alguma confusão. Na verdade, o conceito de destruição
é, em geral, conotado negativamente. Isso vê-se, quando se fala de acidente, de
guerra, de terramoto, de incêndio, de vulcão, de tempestade ou de qualquer
cataclismo. Mesmo quando se procede a uma destruição necessária e controlada,
não faltam objeções de caráter negativo, em termos ambientais e de saúde pública.
Ora,
em economia, o conceito de “schöpferische Zerstörung” (destruição criativa ou destruição
criadora deriva do trabalho de Karl Marx e foi assumido pelo
austríaco Joseph Schumpeter, no livro “Capitalismo, Socialismo e
Democracia”, publicado nos EUA, em 1941. O conceito entrou no pensamento
económico e, a partir dos anos 1950, no campo da administração de empresas. E ganhou
força com a ascensão do neoliberalismo e do neoconservadorismo. “Esse
processo de destruição criativa é o facto essencial do capitalismo. O
capitalismo consiste nesse processo e é nele que toda a empresa capitalista tem
de viver”, sustentava Joseph Schumpeter, mas atestando que o sistema estaria
fadado a ruir, pelo mesmo processo que o faz transformar-se. Karl
Marx tratou da necessidade de movimento constante que rege o capitalismo,
de destruir o antigo para criar o novo e de, a todo o tempo, recriar as suas
bases. A sua formulação prende-se com uma tradição filosófica popular no
pensamento alemão, que remonta a Hegel e ao seu conceito de “aufhebung”
(negação, elevação e conservação ou permanência), em que as categorias são
superadas, dialeticamente, a partir da contradição interna. Por exemplo, a
semente, contém tudo que é necessário para a sua transformação, germinando,
deixando de ser semente e tornando-se planta, que voltará a carregar sementes.
De
modo análogo, para Schumpeter, a superação de um ciclo económico ou de um paradigma
técnico no mercado está no seu próprio desenvolvimento. Entretanto, esse
processo de superação, acontece pela falência de diversas empresas, de setores
e de iniciativas. Ou seja, as s criações e inovações surgem, como força
incontrolável, pela destruição do estabelecido.
A
primeira parte da obra de Schumpeter é um resumo da teoria marxista, que ele apresenta
para, depois, lhe tecer críticas. Apesar das discordâncias, a ideia de
transformação necessária permanece no autor austríaco, mesmo não sendo
marxista. Descreve um processo de inovação e de ciclos económicos que ocorrem
numa economia de mercado, em que novos produtos destroem empresas velhas e
antigos modelos de negócios. Assim, as inovações dos empresários são a força
motriz do crescimento económico sustentado a longo prazo, ainda que
destrua empresas bem estabelecidas nessa necessidade. Um efeito positivo seria
a dificuldade na formação monopólios privados. Enfim, a destruição criativa é a
expressão chocante assumida por Joseph Schumpeter, que morreu em 1950, muito
antes de o prémio ter sido atribuído pela primeira vez.
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Segundo
Mira Godinho, já antes, foram galardoados com o Nobel de Economia economistas
que consideram os efeitos da inovação nas dinâmicas económicas, mas, em nenhum,
foi destacado, como razão principal para lhes ser atribuído o Nobel, o facto de
considerarem, nas suas pesquisas, os efeitos económicos da inovação, pelo que afirma: “É,
assim, bem-vinda a decisão deste ano, reconhecendo a centralidade da inovação
como motor do crescimento económico.”
A
Academia Sueca já premiara a ligação entre crescimento económico e inovação, ao
distinguir Robert Solow, em 1986, pelo fator “residual” (batizado de ‘residual
de Solow’) que explica tudo o mais que o capital e o trabalho não explicam, e
Paul Romer, em 2018, que destacou que o crescimento económico é filho,
principalmente, de “forças internas”. O residual e as forças internas de que
Solow e Romer falavam eram a inovação, nas várias dimensões.
Porém,
Mira Godinho questiona “se já antes não deveria ter havido tal reconhecimento e
se este prémio não poderia ter sido atribuído, com maior justificação, a
economistas como Chris Freeman, Paul David, Zvi Griliches ou Richard Nelson,
todos eles com contributos mais seminais e, porventura, [mais] decisivos [do] que
os galardoados deste ano”.
Peter
Drucker, o austríaco naturalizado norte-americano, considerado o “pai” do “management”,
abordou a ligação umbilical entre inovação e empreendedorismo, em 1985, e Clayton
Christensen, da Harvard Business School, publicou, em 1997, “O dilema da
inovação”. O dilema é, de acordo com o norte-americano Peter Cohan, do
Babson College, perto de Boston, “a divergência entre preservar os lucros com o
que ganhou sucesso ou optar por investir em novas curvas de crescimento
baseadas em servir necessidades não satisfeitas, através de novas formas”.
Joel
Mokyr publicou, em 1990, o livro “A Alavanca da Riqueza: criatividade
tecnológica e progresso económico”, para dar carga mais forte à disrupção resultante
da Revolução Industrial britânica, no século XVIII; cunhou a expressão “iluminismo
industrial” (aludindo à fusão do Iluminismo na Ciência que atravessou a
Europa da ‘Época das Luzes’, com os “práticos” no terreno); e salientou o
incrível crescimento a que se passou a assistir e que dependeu do “clima, na
sociedade favorável à mudança”, de uma “cultura em prol do crescimento”.
Também
era sugestivo o artigo “Um modelo de crescimento através da destruição criativa”,
de Aghion e de Howitt, publicado na revista Econometrica, em 1992. E o
comité sueco considerou-o “uma mudança de paradigma na literatura sobre
crescimento económico”, que permitiu conectar a literatura do crescimento
macroeconómico com a organização industrial.
Ora,
o inspirador de tudo isto foi Schumpeter, ao falar do processo de ‘limpeza’ do
velho pelo novo, como o “facto essencial do capitalismo”, e ao introduzir o seu
protagonista histórico, o empreendedor, que “é aquele que destrói a ordem
económica existente pela introdução de novos produtos e serviços”. Foi uma das
suas citações mais popularizadas. E os dois economistas agora galardoados construíram
“um enquadramento matemático para estudar como as decisões individuais e os
interesses conflituantes ao nível microeconómico da empresa podem levar a um
crescimento económico regular a nível agregado”, de acordo com o comité sueco.
Assim,
na ótica de Mira Godinho, pela inspiração na “destruição criativa”
schumpeteriana, os dois são conhecidos como economistas neoschumpeterianos,
cuja inclinação para a formalização matemática “segue uma perspetiva analítica,
compaginada com a Economia convencional dos cursos de micro e macroeconomia
ensinados na maior parte das universidades”.
Também
na gestão, o tema é fascinante, pois, como disse ao Expresso Peter Cohan,
consultor de gestão e professor no Babson College, “o foco na destruição
criativa é a paixão do empreendedor por dar novo alívio mais eficaz para a dor
humana”, já que a destruição criativa surge, impelida por “novas
tecnologias, estruturas sociais evolutivas e concorrentes emergentes”, mercê do
desajuste entre a oferta atual do mercado e as fontes mutáveis da dor humana, o
que leva “as pessoas a procurarem melhores soluções”, que surgem, na maioria
das vezes, nas start-ups.
Para
Mira Godinho, nos contributos de Joel Mokyr, destaca-se o otimismo com que encara
“as dinâmicas de inovação”. Por volta de 2014 e 2015, teve repercussão o debate
oral e escrito que o historiador manteve com Robert Gordon, seu colega na
Universidade de Northwestern.
Gordon
defendia que as inovações ‘fáceis’ já tinham sido todas introduzidas e que, na
atual fase, só se lograria introduzir inovações de igual impacto económico com
custos de I&D (investigação e desenvolvimento) muito superiores. Tais
dificuldades levariam, na sua visão pessimista, à “estagnação do crescimento
económico”, como lembra o professor do ISEG. Em contraponto, Mokyr via, nas
biotecnologias e nos avanços da computação, promessas de crescimento económico ilimitado.
Assim, na ótica de Mira Godinho, pode dizer-se que é esta perspetiva ‘otimista’
que tem estado presente, nos últimos dois anos, no discurso dominante, dos que apostam
no potencial económico dos avanços e aplicações da inteligência artificial (IA).
Nessa
linha, o comité sueco perfilha algum otimismo: “Um resultado
positivo [da investigação de Joel Mokyr] é que as tecnologias avançadas, como a
IA, trazem uma nova era da ciência de dados que pode vir a ter um impacto
na ciência muito maior do que apenas cálculos em grande escala e análise
estatística. […] Equipados com ferramentas mais poderosas, a nossa compreensão
dos processos naturais pode acelerar e novas aplicações, algumas imagináveis e
outras não, continuarão a surgir”, refere o comité.
Quanto
ao trabalho de Aghion e de Howitt, o comité frisa que “um dos determinantes [da
taxa de mudança tecnológica no longo prazo] é a existência de um ambiente
competitivo” e lembra o argumento fundamentado nesse trabalho de que “o aumento
da concentração de empresas e do poder de mercado pode ser fator importante por
trás das tendências negativas recentes de produtividade”. Por isso, conclui que
o trabalho dos dois economistas “sugere que a supervisão regulatória é parte
importante de um mix de políticas para o futuro e que a
natureza da mudança tecnológica atual, impelida, em grande parte, pela IA,
provavelmente, levará a ajustes estruturais significativos e a muitos
‘perdedores’, pelo menos no curto prazo”. E, nestes termos, recomenda o apoio aos
“que precisam de ajuda para mudar de emprego ou de ocupação, sem impedir a
transição” – um grande desafio aos “formuladores de políticas”.
Depois
de laureado, Philippe Aghion, em declarações ao canal France 2, propôs
que Sébastien Lecornu, renomeado primeiro-ministro, “parasse o relógio” da
reforma das pensões até à próxima eleição presidencial, vincando que a idade
legal de reforma fixada em 62 anos e nove meses manter-se, até ao escrutínio,
para acalmar as tensões sociais e políticas. Tal suspensão não significa
supressão definitiva da reforma, que poderá ser retomada após a eleição, se
nenhuma outra decisão for tomada. Também se opõe a imposto que penalize a
inovação, apelando ao esforço fiscal direcionado aos grandes patrimónios, sobretudo,
aos abusos de holdings familiares.
***
Enfim,
o Nobel da Economia mostra como a reperspetivação da leitura da História e a reforma
da Economia podem induzir melhores políticas e melhor desenvolvimento económico
e social.
2025.10.18 – Louro de Carvalho
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