sábado, 27 de setembro de 2025

Primeiro-ministro israelita discursou desvalorizando a guerra em Gaza

 

No seu discurso, a 26 de setembro na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova Iorque, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, dirigiu-se, diretamente, aos reféns detidos pelo Hamas, em Gaza, dizendo: “Não vos esquecemos.”
Durante o discurso, usou um código QR na lapela que remetia para um site com fotos e vídeos do atentado de 7 de outubro de 2023. Exibiu também quadros e fez um pequeno “quiz” sobre quem diz serem os inimigos comuns de Israel e de outros países ocidentais. E lembrou que o Hamas atravessou a fronteira Israel-Gaza e matou 1200 pessoas, raptando cerca de 250. Dos 48 reféns que permanecem em Gaza, Netanyahu diz que 20 estão vivos e deu os seus nomes.
Todavia, esqueceu que, desde então, os ataques de Israel já mataram mais de 65 mil pessoas na Faixa de Gaza, na maioria civis, segundo números das autoridades locais controladas pelo Hamas que a ONU considera fidedignos.

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O gabinete do primeiro-ministro anunciou que os altifalantes do lado israelita da fronteira iriam transmitir o discurso de Benjamin Netanyahu para Gaza, como parte do que chama um “esforço informativo”.
Porém, antes que Benjamin Netanyahu começasse a discursar, houve tumulto no areópago da ONU. Delegados de vários países retiraram-se, em protesto, enquanto outras pessoas na plateia aplaudiam. Isso não foi surpresa. Já em 2024, vários delegados saíram sala, durante o discurso do primeiro-ministro de Israel. Aliás, o embaixador israelita na ONU já tinha afirmado, mesmo antes de acontecer, que a saída dos delegados tinha sido organizada pela missão palestiniana. Não obstante, o discurso deste ano durou 40 minutos, ultrapassando os 15 minutos que lhe estavam destinados.
Exibindo um mapa que mostrava aquilo a que chamou de “a maldição do eixo terrorista do Irão”, afirmou que grande parte dos representantes de Teerão tinha sido dizimada pelas forças armadas israelitas. Falando para os reféns, garantiu, em hebraico e em inglês, que o governo não descansaria, enquanto não os trouxesse “a todos para casa”. Ao mesmo tempo, intimou o Hamas a que “deponha as armas” e liberte já os reféns.  “Israel vai perseguir-vos”, avisou Netanyahu.
Aos reféns israelitas o chefe do governo disse: “Aos nossos bravos heróis, é o primeiro-ministro Netanyahu a falar convosco, em direto das Nações Unidas. [...] Não vos esquecemos, nem por um segundo. O povo de Israel está convosco, não vacilaremos e não descansaremos até vos trazer a todos para casa.”
Ao Hamas deixou um apelo-ameaça: “Libertem os reféns, agora. Se o fizerem, viverão. Se não o fizerem, Israel irá apanhar-vos.”
Aos líderes mundiais, no seu longo discurso, o chefe do governo israelita acusou de “se dobrarem”, após o ataque de 7 de outubro de 2023, e de “cederem”, em vez de apoiarem Israel. “Cederam, perante a pressão de meios de comunicação tendenciosos, vozes radicais islâmicas da sua base e de multidões antissemitas”, frisou, para dizer que Israel tem vindo a travar uma “guerra em sete frentes contra o barbarismo”, durante grande parte dos últimos dois anos.
“Assombrosamente, enquanto nós combatemos os terroristas que assassinaram muitos dos vossos cidadãos, vocês lutam contra nós. [...] Vocês condenam-nos, embargam-nos e empreendem contra nós [uma] guerra política e jurídica”, acusou.
Mais considerou que reconhecer um Estado da Palestina é uma “recompensa aos piores antissemitas da Terra”. E, em resposta aos países europeus que têm vindo a fazê-lo, argumentou que “todos os governos” deviam seguir o exemplo de Donald Trump, ao recusar tomar essa medida. Com efeito, na perspetiva de Israel, “quase 90% dos palestinianos” apoiaram o ataque do Hamas, em 7 de outubro de 2023. E Benjamin Netanyahu descreveu a decisão de reconhecer um Estado palestiniano como uma “mensagem muito clara”: “Matar judeus compensa.”
O primeiro-ministro de Israel disse que os elementos que restam do Hamas estão escondidos na cidade de Gaza e que, por isso, Israel tem de acabar o seu trabalho, sob pena de ver repetidos ataques, como o de 7 de outubro. E acrescentou: “Senhoras e senhores, grande parte do Mundo já não se lembra de 7 de outubro. Mas nós lembramo-nos.”
O conflito começou quando militantes liderados pelo Hamas atacaram o Sul de Israel, a 7 de outubro de 2023, matando cerca de 1200 pessoas, a maioria civis, o que Benjamin Netanyahu considerou um ato de “selvageria indescritível”.
O Hamas fez 251 pessoas reféns e mantém atualmente 48, das quais 20 Israel acredita que ainda estão vivas. “Israel está a travar a vossa luta”, afirmou o primeiro-ministro israelita, mencionando o que chamou de ascensão do islamismo radical em países de todo o Mundo.
Ao exibir o mapa da “maldição do eixo terrorista do Irão”, enfatizou que muitos dos representantes de Teerão tinham sido dizimados pelas forças armadas israelitas, citando como exemplos o Hamas, em Gaza, o Hezbollah, no Líbano, e os Houthis, no Iémen.
“Os nossos inimigos odeiam-nos a todos”, disse Benjamin Netanyahu, negando a evidência de que está a perpetrar um genocídio em Gaza, afirmando que Israel deixou entrar dois milhões de toneladas de ajuda na Faixa de Gaza, mas esquecendo os bloqueios que ordenou à ajuda, que geraram fome a alastrar, subnutrição, epidemias, mortes, civis feridos (e mortos, incluindo funcionários da ONU e jornalistas), e milhares de deslocados ou encurralados.

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Hipocritamente, o chefe de governo de Israel deixou a anexação da Cisjordânia de fora do discurso. Na verdade, o presidente dos Estados Unidos da América (EUA), Donald Trump, assegurou, na véspera, que não permitirá que Israel anexe a Cisjordânia ocupada, dando fortes garantias de que bloqueará uma ação à qual os líderes árabes da região se têm oposto firmemente.
Questionado sobre o facto de as autoridades israelitas terem sugerido, nas últimas semanas, que o seu governo poderia tomar o controlo de, pelo menos, algumas partes da Cisjordânia, o inquilino da Casa Branca foi direto. “Não permitirei que Israel anexe a Cisjordânia”, disse aos repórteres, no Sala Oval, enquanto assinava ordens executivas não relacionadas com a política externa. “Não o permitirei. Isso não vai acontecer”, enfatizou.
A possibilidade de anexação foi aventada em Israel em resposta a uma série de países, incluindo os principais aliados dos EUA, como o Reino Unido, a Espanha e o Canadá, que reconhecem um Estado palestiniano, tal como a França, o Luxemburgo, Malta, o Mónaco, Andorra, a Bélgica e Portugal também o reconheceram, na Assembleia Geral da ONU, deste ano.
Donald Trump disse ter falado com Benjamin Netanyahu e que será firme em não permitir a anexação, acrescentando: “Já foi o suficiente. É altura de parar, agora.”
O presidente dos EUA tem sido um firme apoiante de Israel, mas tem procurado mediar o fim dos combates contra o Hamas, em Gaza. E os seus comentários do dia 25 constituíram um raro exemplo de potencial resistência contra altos funcionários israelitas.
A verdade é que, no início de setembro, o primeiro-ministro de Israel assinou um acordo para avançar com um controverso plano de expansão de colonatos que irá atravessar terrenos que os palestinianos esperam que constituam a base de um futuro Estado. “Não haverá um Estado palestiniano”, afirmou, durante uma visita ao colonato de Maale Adumim, na Cisjordânia, vincando: “Este lugar pertence-nos... Vamos salvaguardar o nosso património, a nossa terra e a nossa segurança. Vamos duplicar a população da cidade.”
O Comité Superior de Planeamento de Israel deu, em agosto, a aprovação final ao projeto de colonização E1, na Cisjordânia ocupada. O plano, num terreno aberto a Leste de Jerusalém, esteve em estudo, durante mais de duas décadas, mas foi congelado, devido à pressão dos EUA, durante as administrações norte-americanas anteriores.
Ora, o momento é preocupante, visto que Israel está a levar a cabo uma ofensiva militar de grande envergadura, na tentativa de tomar a cidade de Gaza, enquanto expande os colonatos na Cisjordânia, que são ilegais, à luz do direito internacional.
É de recordar Israel conquistou a Cisjordânia, Jerusalém Oriental e a Faixa de Gaza na Guerra dos Seis Dias, em 1967. Os palestinianos querem que os três territórios constituam o seu futuro Estado. Porém, os palestinianos, tal como grande parte da comunidade internacional, afirmam que a anexação acabaria com qualquer possibilidade de uma solução de dois Estados, que é vista, internacionalmente, como a única forma de resolver décadas de conflito israelo-árabe.
Benjamin Netanyahu tem visita agendada à Casa Branca, para 29 de setembro, na sua quarta viagem a Washington desde o início do segundo mandato de Donald Trump, em janeiro.

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Voltando ao discurso do chefe do governo israelita, dizem alguns observadores que Benjamin Netanyahu pretendeu falar, diretamente, ao povo norte-americano. Fez referências ao 11 de setembro, agradeceu, nominalmente, ao presidente dos EUA, o que arrancou aplausos da delegação do país e disse que Donald Trump está do seu lado, em relação à situação com o Irão.
O primeiro-ministro de Israel tem, constantemente, tentado retratar a guerra em Gaza como um confronto entre o bem e o mal e enquadrar as ações de Israel como “uma luta contra o terrorismo”.
No discurso na ONU, não foi diferente. Usou o púlpito para rebater a organização e a grande maioria dos países que, juntos, exigem um cessar-fogo imediato, a libertação dos reféns do Hamas, o fim da construção de assentamos e a criação do Estado palestiniano. Negou que Israel esteja, deliberadamente, atacando civis, e rejeitou acusações de genocídio ou que esteja a fazer com que as pessoas passem fome, de propósito.
No entanto, no início de setembro, uma comissão de inquérito da ONU afirmou que Israel cometeu genocídio contra palestinianos, em Gaza. A comissão citou declarações de líderes israelitas e o padrão de conduta das forças israelitas como evidência de intenção genocida. Contudo, o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Israel diz que o relatório é distorcido e falso.
Netanyahu deixou o palco sob aplausos de pé da delegação e de um grande grupo de observadores na sacada acima do salão da Assembleia Geral. Alguns ergueram os punhos em apoio ao primeiro-ministro israelita – um forte contraste com os assentos oficiais dos delegados no salão principal abaixo, que estavam praticamente vazios.

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Em síntese, o primeiro-ministro focou-se na “maldição do eixo terrorista do Irão”. Em diversos momentos, exibiu cartazes, um deles com o questionamento: “Quem grita morte à América?”, seguido de opções que incluía os Houthis, o Hezbollah, o Hamas, o Irão ou “todas as opções acima”. E disse que “[Donald Trump] entende melhor do que qualquer outro líder que Israel e os Estados Unidos [da América] enfrentam uma ameaça comum”.
Destacou alguns dos sucessos de Israel em combater esses grupos, no último ano. Tocando nos países no mapa, mencionou diferentes líderes, incluindo Yahya Sinwar, do Hamas, Hassan Nasrallah, do Hezbollah, e os principais cientistas atómicos do Irão. Todos “se foram”, afirmou.
Após serem instalados altifalantes na fronteira de Gaza para transmitir o seu discurso para o território, Benjamin Netanyahu dirigiu-se, diretamente, aos reféns mantidos pelo Hamas, garantindo não se esquecer deles e que o povo de Israel está com eles. E, em determinado momento, sugeriu que grande parte do Mundo se esqueceu dos ataques de 7 de outubro e apontou para um código QR na lapela do seu casaco que, segundo ele, continha o motivo “pelo qual devemos lutar e pelo qual devemos vencer”.
Negou ter atacado civis em Gaza, e disse que o seu país distribuiu “milhões de panfletos” pedindo para que a população evacuasse o território. Também negou que esteja a fazer com que as pessoas passem fome. Na sua ótica, se há moradores de Gaza que não têm comida suficiente, é porque o Hamas “rouba, acumula e vende”. A respeito das acusações de genocídio, perguntou se um país que comete genocídio imploraria à população para que se afastasse do perigo: “Os nazistas pediram aos judeus que partissem?”, questionou.
No encerramento do seu discurso, o primeiro-ministro israelita criticou, em particular, a decisão do Reino Unido e da França de reconhecerem o Estado palestiniano, classificando esse movimento de “suicídio nacional” para Israel. “É pura loucura, é insano e não faremos isso”, concluiu, acrescentando que o reconhecimento por parte de outros países é “vergonhoso”.

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O discurso do líder do governo de Israel foi altamente hipócrita e assaz acusador. Foi hipócrita, pois acusou os malefícios do Hamas, mas esqueceu, ostensivamente, a reação desproporcionada que adotou em relação ao que ele chama de grupo terrorista, bem como o bloqueio sistemático à ajuda humanitária. Foi acusador, porque insultou quantos se declararam opostos à sua política em algum aspeto e, imputando-lhes todos os males que impendem sobre Israel, responsabiliza-os pela crescente onda de antissemitismo.
É vergonhoso que negue a sua responsabilidade no espectro de fome generalizada, em Gaza.
Salienta a diferença entre o tratamento que faz à população da Faixa de Gaza e o que faziam os nazis alemães aos judeus, não avisando a população. É verdade que os israelitas mandam evacuar Gaza, mas apertam os palestinianos no Sul da Faixa de Gaza. E, com a fome generalizada e utilizada como arma de guerra, matam a população aos poucos. Se Benjamin Netanyahu quer comparar, então que se lembre de que os nazis matavam, por fuzilamento ou por envenenamento, não pelo sofrimento fritando em lume brando.
É óbvio que não é lícito matar judeus, mas também não o é matar outros cidadãos ou fazer a guerra até à eliminação do último palestiniano. E a legítima defesa tem regras e limites.
Quanto aos países que reconhecem o Estado palestiniano, uma posição demasiado tardia, é de questionar onde o vão instalar, se Israel tem o território praticante todo ocupado. Pensarão que é possível voltar à situação anterior a 1967? Aliás, Benjamin Netanyahu garante que esse Estado nunca existirá e, nisso, tem o apoio ativo dos ministros mais radicais. Virá aí uma outra guerra?
Aliás, é preciso promover a reconstrução da Faixa de Gaza. Israel e Donald Trump já desistiram de fazer ali a nova Riviera mediterrânica? Conseguirá a União Europeia (UE), que sempre esteve do lado de Israel e contra a Rússia, fazer a tal reconstrução com os 400 milhões de euros que aprovou, a 24 de setembro, para financiamento à Palestina?

2025.09.27 – Louro de Carvalho

 

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