Os ministros dos Negócios Estrangeiros da Grã-Bretanha, David Lammy, da França, Jean-Noël Barrot, e da Alemanha, Johann Wadephul – os países chamados E3 – e a chefe da política externa da União Europeia (UE), Kaja Kallas, estiveram em conversações com Abbas Araghchi, chefe da diplomacia iraniana, num hotel de Genebra, quase durante quatro horas.
Foi o primeiro encontro frente a frente entre diplomatas ocidentais e iranianos, desde o início do conflito, isto é, depois de Israel ter atacado o Irão, no dia 13, devido ao seu programa nuclear.
Kaja Kallas declarou, que tinham concordado “em discutir o nuclear, mas também questões mais amplas” que estão em agenda “e manter as discussões abertas”.
Johann Wadephul, considerando que ambas as partes mantiveram “conversações muito sérias”, referiu: “O bom resultado de hoje é que deixámos a sala com a impressão de que o lado iraniano está fundamentalmente pronto para continuar a falar sobre todas as questões importantes.”
Jean-Noël Barrot disse aos jornalistas que as operações militares podem abrandar o programa nuclear iraniano, mas não o eliminar. “Sabemos bem, depois de termos visto o que aconteceu no Afeganistão, no Iraque e na Líbia, como é ilusório e perigoso querer impor uma mudança de regime a partir do exterior”, apontou Barrot, vincando que as nações europeias “convidaram o ministro iraniano a prever negociações com todas as partes, incluindo os Estados Unidos [da América], e sem esperar pelo fim dos ataques”.
Abbas Araghchi manifestou apoio à “continuação das conversações com o E3 e com a UE e mostrou a sua disponibilidade para se reunir novamente num futuro próximo”. Porém, denunciou os ataques de Israel contra as instalações nucleares do Irão e revelou a “grande preocupação” com a “não condenação”, por parte dos países europeus.
Por seu lado, David Lammy, instou Teerão a prosseguir as conversações com os Estados Unidos da América (EUA). “Estamos empenhados em prosseguir as discussões e as negociações com o Irão e instamos o Irão a prosseguir as suas conversações com os Estados Unidos”, disse Lammy.
E a chefe da diplomacia da UE clarificou que “o Irão não pode ter uma arma nuclear”, que há “uma janela de duas semanas em que podemos ver uma solução diplomática” e instou o Irão a “tomar essa rampa de saída”.
Entretanto, continua a não ser claro como isso acontecerá, já que o presidente dos EUA, Donald Trump, continua a ponderar se deve atacar o Irão, atacando a sua bem defendida instalação de enriquecimento de urânio Fordow, enterrada sob uma montanha e amplamente considerada fora do alcance de todas as bombas, exceto as bombas “bunker-buster” dos EUA.
Donald Trump disse, no dia 18, que decidirá, dentro de duas semanas, se os militares dos EUA se envolverão diretamente na guerra, dada a “oportunidade substancial” de novas negociações sobre o programa nuclear do Irão. E Israel diz que lançou a campanha de ataques aéreos para impedir que o Irão se aproxime da possibilidade de construir uma arma nuclear.
O Irão e os EUA têm estado a negociar a possibilidade de novo acordo diplomático sobre o programa de Teerão, embora Donald Trump tenha dito que a campanha de Israel veio depois de uma janela de 60 dias que ele estabeleceu para as negociações. Porém, face à possibilidade de envolvimento dos EUA, o líder supremo do Irão rejeitou, no dia 18, os apelos de Donald Trump à rendição e avisou que qualquer envolvimento militar dos Norte-americanos causaria “danos irreparáveis para eles”.
Pouco antes de se encontrar com os diplomatas europeus, Abbas Araghchi fez breve aparição ao Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) em Genebra, dizendo que os “ataques de Israel às instalações nucleares são graves crimes de guerra” e porfiando que o Irão tem “o direito [...] e está determinado a defender a sua integridade territorial, a sua soberania nacional e a sua segurança com toda a força”.
Há muito que Teerão insiste que o seu programa nuclear é pacífico, apesar de ser o único Estado sem armas nucleares a enriquecer urânio até 60%, um passo curto e técnico em relação aos níveis de 90% para armas. E o acordo nuclear de 2015 entre o Irão e as potências mundiais foi negociado, em grande parte, pelas três nações europeias. Contudo, a cooperação do Irão com a Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA), organismo de vigilância nuclear da ONU, tem sido insuficiente, o que levou os Estados da UE a alertarem para a possibilidade de reimporem as sanções que foram suspensas ao abrigo do acordo.
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Parece factual que os EUA se preparam para eventual entrada direta no
conflito. Na verdade, a Base das
Lajes, nos Açores, tem visto, nos últimos dias, um movimento acima do normal da
aviação norte-americana, que mantém, há décadas, um acordo com Portugal para
utilizar a base da Força Aérea portuguesa no arquipélago açoriano. Porém, os Norte-americanos não confirmam se o reforço
da presença militar é conexo com a atual situação no Médio Oriente.No entanto, a agência Lusa constatou que estavam no local 12 aeronaves de reabastecimento aéreo, após uma página dedicada à aviação nos Açores ter contado oito aviões norte-americanos, no dia 19. Ao final do dia 20, a rádio TSF garantia que eram 20 as aeronaves dos EUA, na Base das Lajes. E, segundo a RTP Açores, são, sobretudo, reabastecedores KC135 E KC46 PEGASUS e alguns cargueiros.
Questionada sobre a presença destas aeronaves nas Lajes, fonte do Departamento de Defesa dos EUA disse à Lusa que “o Comando Europeu dos EUA acolhe, habitualmente, aviões militares (e pessoal) dos EUA, em regime transitório, em conformidade com acordos de acesso a bases e, sobrevoo, com aliados e parceiros”. E não houve qualquer comentário sobre se a movimentação nas Lajes estava relacionada com a situação no Médio Oriente.
A RTP Açores diz que o aumento da presença americana nas Lajes é conexo com operações e logística, em matéria de transportes de pessoal e de material, visto que os EUA estão a retirar pessoal não essencial do Médio Oriente, devido ao agravamento do conflito entre Israel e Irão.
No dia 18, a agência Lusa já tinha questionado o Departamento de Defesa dos EUA sobre um possível reforço da atividade militar nas Lajes, devido à situação no Médio Oriente, tendo-lhe sido comunicado que, à data, não havia alterações a anunciar. Porém, segundo contou à TSF José Correia Guedes, antigo piloto e especialista em aviação, não havia tantos aviões norte-americanos na Base das Lajes, desde a guerra do Iraque.
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Israel iniciou uma ofensiva militar
contra o Irão, a 13 de junho, lançando ataques aéreos contra infraestruturas
militares e nucleares do país. Houve retaliação iraniana quase imediata, com o
país a lançar dezenas de mísseis contra território israelita. Os ataques de
parte a parte continuam desde essa altura, apesar dos apelos mundiais à
negociação.Nas suas últimas intervenções sobre o tema, Donald Trump não confirmou se iria aliar-se a Israel na ofensiva militar, mas exigiu a “rendição incondicional” ao Irão. A possibilidade de uma ação militar norte-americana originou a reação de Ali Khamenei, com o líder supremo do Irão a desencorajar os EUA de se intrometerem no conflito.
A porta-voz do executivo americano, Karoline Leavitt, informou, no dia 19, que Donald Trump decidirá sobre eventual intervenção norte-americana no Irão, “nas próximas duas semanas”.
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Enquanto o presidente dos EUA pondera as suas opções na escalada do
confronto entre Israel e o Irão, enfrenta críticas de alguns dos apoiantes mais
proeminentes, que lhe recordam a promessa de campanha, para 2024, de não se
envolver em novos conflitos externos.Enquanto alguns republicanos veem a escalada contra o Irão como uma necessidade estratégica, outros agarram-se ao princípio “America First” (“América em primeiro lugar”), que abriu a porta à crítica pública dentro das fileiras republicanas e começou com rostos proeminentes que estão entre os apoiantes mais fervorosos do presidente.
Tucker Carlson, uma das principais figuras da campanha de Trump para 2024, disse, no dia 16, que o apoio do presidente a qualquer intervenção no conflito em curso é uma violação da sua promessa de campanha. “Não me vão convencer de que o povo iraniano é meu inimigo... Eu sou um homem livre. Não me podem dizer quem devo odiar”, disse Carlson, observando que “a verdadeira divisão não é entre os que apoiam Israel e os que apoiam o Irão ou os Palestinianos, mas entre os que encorajam a violência e os que procuram evitá-la, entre os belicistas e os pacificadores”.
Trump não demorou a responder, escrevendo na sua plataforma de redes sociais: “Alguém, por favor, explique ao louco do Tucker Carlson que o Irão não pode ter uma arma nuclear!”
A deputada republicana Marjorie Taylor Greene disse, num post, no X: “As guerras estrangeiras, as intervenções e as mudanças de regime colocam a América em último lugar, matam pessoas inocentes, levam-nos à falência e, em última análise, conduzem à nossa destruição. Foi nisto que milhões de Americanos votaram. É nisto que acreditamos: ‘A América em primeiro lugar.”
O ativista republicano Charlie Kirk mostrou-se preocupado com a divisão entre os apoiantes de Trump, julgando não haver “nenhuma questão que divida tanto a direita como a política externa”. E, mais tarde, frisou que o apoio da geração mais jovem de apoiantes de Trump se baseia no facto de ele ser “o primeiro presidente que não começou uma nova guerra”, acrescentando: “A última coisa que a América precisa, neste momento, é de uma nova guerra. O nosso primeiro objetivo deve ser a paz.”
Segundo Charlie Kirk, 60% dos Norte-americanos não querem que os EUA se envolvam numa guerra com o Irão.
O ex-conselheiro presidencial Steve Bannon avisou que uma intervenção militar dos EUA no Médio Oriente minaria a base que levou Trump à Casa Branca, que foi construída com base em promessas de acabar com o envolvimento em guerras, acabar com a imigração ilegal e reduzir o défice comercial. E considerou: “Não só prejudicaria a coligação, como também prejudicaria o que estamos a fazer no que é mais importante, que é deportar os imigrantes sem documentos.”
Não obstante, apoiantes proeminentes de Donald Trump apelam a posição mais agressiva, liderados pelo senador republicano Lindsey Graham, que, julgando ser o momento certo para um grande ataque ao Irão, declarou à Fox News: “Israel precisa do apoio dos EUA para destruir a instalação nuclear subterrânea de Fordow, e espero que Trump esteja pronto para dar esse apoio.”
Assim, entre apelos à desescalada e pressões para a escalada, Donald Trump ou mantém a base do seu slogan “América em primeiro lugar” ou desliza para uma intervenção que pode baralhar as suas cartas eleitorais e políticas.
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Há cada vez mais sinais de guerra no
Médio Oriente, com uma visão internacional cautelosa sobre a possibilidade do
envolvimento dos EUA. O Irão preparou mísseis e equipamento militar para ataques
a bases norte-americanas no Médio Oriente, caso Washington se junte à campanha
militar de Israel contra Teerão, de acordo com o New York Times, que cita funcionários norte-americanos familiarizados
com relatórios dos serviços secretos.De acordo com o jornal, Washington enviou cerca de 36 aviões de reabastecimento para a Europa para apoiar os aviões de guerra, caso tenham de proteger as bases americanas ou de realizar ataques de longo alcance, especialmente, contra as instalações nucleares iranianas de Fordow, que estão fortificadas no interior de uma montanha.
Com a crescente pressão israelita sobre a administração americana para intervir, o comando militar dos EUA elevou o nível de alerta nas suas bases, nos Emirados Árabes Unidos (EAU), na Arábia Saudita e na Jordânia, onde estão presentes mais de 40 mil soldados americanos, em antecipação a qualquer desenvolvimento militar súbito.
Fontes em Washington sugerem que um ataque dos EUA a Fordow levaria a resposta imediata dos representantes do Irão, liderados pelos Houthis no Iémen, que poderiam retomar o ataque a navios americanos no Mar Vermelho, para lá de possíveis ataques de milícias pró-Teerão no Iraque e na Síria contra bases americanas. “Qualquer tentativa de impor uma vontade militar ao Irão estará condenada ao fracasso”, afirmou Abbas Araqchi, numa declaração oficial citada pelo New York Times, responsabilizando Israel e os EUA pela expansão da guerra, caso esta se concretize.
Dois responsáveis iranianos afirmaram ao jornal que Teerão teria como alvo as bases norte-americanas, desde o Iraque até às que se encontram noutros países árabes, vincando que Teerão não precisa de muito tempo para se preparar, já que que possui plataformas de mísseis a curta distância das bases norte-americanas no Bahrein, no Qatar e nos EAU.
Os analistas acreditam que um ataque eficaz contra as instalações de Fordow exigiria o apoio direto dos EUA, sugerindo que Washington recorrerá a bombardeiros furtivos B-2 equipados com bombas de fragmentação. Porém qualquer ataque a Fordow, por parte dos EUA ou com a sua assistência, levaria a ampla resposta iraniana, incluindo aliados na região.
Segundo o jornal, os relatórios dos serviços secretos indicam que o Irão não tomou a decisão final de produzir uma arma nuclear, mas tem capacidade técnica para construir uma bomba rudimentar, em menos de um ano. Neste contexto, os responsáveis norte-americanos afirmaram que os recentes ataques israelitas terão levado Teerão a reconsiderar a sua estratégia e, eventualmente, a acelerar o seu programa nuclear, como forma de dissuasão.
Ora, a guerra seria escalada difícil de inverter e o envolvimento dos EUA no conflito aumentaria o incentivo do Irão para desenvolver uma arma nuclear. Porém, os indícios estão a aumentar, com a possibilidade de um envolvimento direto dos EUA. Enquanto Israel aposta na intervenção decisiva do principal aliado, o Irão alerta para respostas duras, ameaçando um confronto regional que poderá ultrapassar todos os cálculos.
2025.06.21 – Louro de Carvalho
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