A Agência Internacional da Energia Atómica (AIEA) revelou, a 20 de junho, que um ataque aéreo israelita ao reator de água pesada de Arak, no Irão, danificou edifícios importantes, “incluindo a unidade de destilação”. Segundo a AIEA, o reator atingido estava em construção e não estava operacional, pelo que não continha material nuclear.
Rafael Grossi, chefe da AIEA, esteve no Conselho de Segurança das Nações Unidas, no mesmo dia, a dar informações sobre a situação das instalações nucleares iranianas.
O programa nuclear iraniano está no centro do atual conflito com Israel, que já ia, a 20 de junho, no oitavo dia, com os responsáveis israelitas a prometem destruir o que consideram ser uma ameaça existencial.
Anteriormente, o Irão tinha assinado um acordo nuclear internacional, conhecido como Plano de Ação Conjunta Global (PACG), que permitiu ao país beneficiar de uma redução das sanções em troca da limitação das atividades nucleares. Porém, em 2018, no primeiro mandato como presidente dos Estados Unidos da América (EUA), Donald Trump retirou o seu país deste pacto, classificando-o como “o pior acordo alguma vez negociado” e aplicando novas sanções ao Irão.
Desde então, os outros signatários do acordo têm lutado para manter o Irão em conformidade, mas Teerão considera o acordo nulo e prossegue com o enriquecimento de urânio, que se situa, nos níveis atuais, em 60%, valor tecnicamente inferior aos níveis de enriquecimento de urânio para fins militares, que são de 90%, mas muito superior aos 3,67% permitidos pelo PACG.
O Irão insiste em dizer que pretende um programa nuclear pacífico e, meramente, para fins civis, pelo que o reator de Arak só vai ser utilizado para investigação, para desenvolvimento e para produção de isótopos médicos e industriais. Ao invés, Israel sustenta que Teerão está a trabalhar para a construção de uma arma nuclear, que pode vir a ser utilizada contra Israel.
Por seu turno, o presidente francês, Emmanuel Macron, prometeu que os diplomatas europeus fariam uma “oferta de negociação abrangente, diplomática e técnica” ao Irão, em Genebra, a 20 de junho, como resposta à ameaça” representada pelo programa nuclear iraniano. “Ninguém pode acreditar, seriamente, que esta ameaça pode ser enfrentada, apenas com as operações atuais [de Israel]”, disse Macron, frisando: “Porque existem algumas centrais que estão altamente protegidas e porque, atualmente, ninguém sabe, exatamente, onde o urânio é enriquecido a 60%. Por isso, temos de recuperar o controlo sobre o programa [nuclear iraniano], através de conhecimentos técnicos e de negociações.
E, anunciando que ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Jean-Noël Barrot, coordenaria as conversações, em Genebra, com os seus homólogos britânico e alemão – conhecidos como os países do E3 –, antes de se encontrarem com o ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano, Abbas Araghchi, Macron insistiu: “É absolutamente essencial dar prioridade ao regresso às negociações substanciais, incluindo as negociações nucleares, para avançar para o enriquecimento zero [de urânio], negociações balísticas para limitar as atividades e a capacidade do Irão e o financiamento de todos os grupos terroristas e a desestabilização da região que o Irão tem levado a cabo há vários anos.”
E Macron reiterou o apelo a que cessem os ataques de Israel às infraestruturas energéticas e civis e à população civil, no Irão, por não haver “qualquer justificação para isso”.
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Também o Irão ataca Israel, de forma acutilante
e persistente. Assim, no dia 19, um míssil iraniano atingiu um hospital israelita,
com Teerão a afirmar que o ataque visava instalações militares, enquanto o
ministro da Defesa israelita descreveu o ataque como um “crime de guerra”.Segundo o Ministério da Saúde de Israel, 71 pessoas ficaram feridas depois de o míssil ter atingido o Hospital Soroka, mas não houve vítimas graves, visto que já tinha sido evacuada a parte do hospital que foi diretamente atingida.
O chefe da diplomacia de Teerão, Abbas Araghchi, afirmou que o ataque eliminou, com precisão, um quartel-general do Comando Militar, Controlo e Inteligência israelita e outro alvo vital” e “causou danos superficiais numa pequena secção” do hospital.
As imagens de vídeo mostram uma destruição significativa dos edifícios do complexo hospitalar, bem como trabalhadores médicos a correr para evacuar o local, e outras provas fotográficas sugerem que os edifícios do hospital foram diretamente atingidos por mísseis.
Tais provas contradizem as afirmações do ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano de que os danos no local foram superficiais e causados por uma “onda de explosão de um ataque próximo.
Os hospitais têm proteção especial, ao abrigo da Convenção de Genebra, mas perdem-na, se forem usados para cometer atos prejudiciais ao inimigo, como lançar ataques ou armazenar armas.
Israel tem visado, sistematicamente, os hospitais na sua guerra em Gaza, alegando estarem a ser utilizados por militantes do Hamas. Porém, até agora, não surgiram provas que sugiram que as instalações do Hospital Soroka estivessem a ser utilizadas pelas Forças de Defesa de Israel (FDI).
No entanto, o Irão não alegou que o hospital em si estivesse a ser utilizado para fins bélicos, mas que o seu míssil tinha como alvo dois alvos militares nas imediações do hospital: um “quartel-general de comando e informações (C4i)” e um “campus de informações do exército no Parque Tecnológico de Gav-Yam Negev”.
A C4i é a unidade tecnológica de elite do exército israelita e foi descrita pela FDI, em 2021, como responsável por todos os seus contactos, computadores e comunicações no campo de batalha; o outro alvo situa-se perto do local do ataque, a cerca de 1,5 quilómetros a Nordeste.
Não surgiram vídeos a sugerir que o campus das FDI tenha sido atingido no ataque do dia 19. Os vídeos verificados mostram apenas o impacto no próprio complexo hospitalar. Assim, parece que o Irão, se pretendia atingir alvos militares, falhou.
Na manhã do dia 20, os meios de comunicação social públicos israelitas informaram que um novo ataque a Beersheba “visava um bairro residencial”, com relatos iniciais a sugerirem que o local do parque Gav-Yam Negev tinha sido afetado. De facto, no X, o ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano partilhou um mapa que tenta mostrar dois alvos militares israelitas ao lado do Hospital Soroka. Todavia, os nomes das ruas e a topografia não correspondem à área, e os principais locais, incluindo o parque tecnológico Gav-Yam Negev, estão mal escritos.
Provavelmente, estamos já perante a guerra da contrainformação.
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Em entrevista à Euronews, a 19
de junho, Ali Bahraini embaixador
do Irão e representante permanente na Organização das Nações Unidas (ONU) em
Genebra, afirmou que a diplomacia ainda
tem hipótese, se Israel parar com os ataques, mas avisou que o Irão atacará os
EUA, se este país decidir entrar no conflito. E disse que o mínimo que
os Europeus podem fazer é condenar, explicitamente, Israel e pararem o seu
apoio.Ali Bahraini disse que a relutância da Europa em condenar a agressão de Israel e a sua incapacidade de manter o PACG à tona contribuíram para a intensificação das hostilidades entre o Irão e Israel. Por isso, Terão solicita à Europa que pressione Israel a parar com a agressão, pois a Europa deve assumir a sua responsabilidade para pôr fim à impunidade de Israel, deixando de o ajudar financeiramente, militarmente ou através dos serviços secretos, e explicando aos EUA e a Israel que “a tecnologia nuclear iraniana não é algo que possa ser destruído”.
Ali Bahraini disse que o que chama de fracassos da Europa seria apresentado aos ministros dos Negócios Estrangeiros da França, da Alemanha e do Reino Unido, nas conversações em Genebra, para discussão do programa nuclear iraniano, que está no centro do conflito. E considera que, para o seu povo e para o seu país, a prioridade é parar a agressão, parar os ataques. E não imagina que exista forte probabilidade, agora, de uma iniciativa diplomática, porque julga “inadequado pensar ou falar, neste momento, sobre qualquer coisa que não seja parar os agressores”.
De facto, paralelamente às trocas diárias de ataques com mísseis e com drones que têm tido lugar, desde o dia 13, o conflito levou a uma escalada da guerra de palavras, particularmente, entre Donald Trump e algumas figuras de topo no Irão.
Quando os jornalistas lhe perguntaram, no dia 18, se tencionava envolver as forças armadas americanas no conflito, para atacar, o Irão ao lado de Israel, Donald Trump disse: “Posso fazê-lo, posso não o fazer. Ninguém sabe o que vou fazer.” Posteriormente, garantiu que estava a pensar e que decidiria, em duas semanas, se atacaria Terão.
Embora Trump tenha evitado comprometer-se com uma ação militar, o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, interpretou os seus comentários como demonstração de apoio e, em discurso televisivo, no dia 18, à noite, agradeceu a Trump por “estar ao nosso lado”.
Também a missão do Irão junto da ONU afirmou que nenhum funcionário do país “se rebaixaria às portas da Casa Branca” para chegar a um acordo nuclear com os EUA.
Ali Bahraini disse ser claro que os EUA “têm sido cúmplices do que Israel está a fazer agora”. Por isso, o Irão responderá com firmeza, se os EUA “ultrapassarem as linhas vermelhas”, e não exclui a possibilidade de atacar o país. “As nossas forças militares estão a acompanhar a situação. É da sua competência decidir como reagir. […] O que vos posso dizer, com certeza, é que as nossas forças militares têm um forte domínio da situação, têm uma avaliação e um cálculo muito precisos sobre os movimentos dos Estados Unidos [da América]. E eles sabem onde os Estados Unidos [da América] devem ser atacados”, alertou Bahraini, salientando que o Irão não solicitou qualquer apoio internacional e que se está a proteger de forma independente.
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O
referido encontro, em Genebra, dos chefes de diplomacia da França, da Alemanha
e do Reino Unido com a chefe da política externa da União Europeia (UE), Kaja
Kallas, desanuviaria os confrontos entre as duas potências do Médio Oriente. Ou
seja, os Europeus pretendem iniciar uma diplomacia de vaivém entre Israel, o
Irão, Washington e as principais capitais europeias, conducente ao restabelecimento
de um diálogo de segurança com Teerão, similar ao interrompido, em 2018, com os
EUA a porem fim a uma das principais conquistas da política externa europeia.O PACG, assinado pelo Irão juntamente com a China, a UE, a França, a Alemanha, a Rússia e o Reino Unido, em 2015, estipulava o alívio das sanções ocidentais contra o país do Médio Oriente, em troca do compromisso de Teerão de uma redução drástica das reservas de urânio e das centrifugadoras nas suas instalações nucleares. Estas instalações estão agora a ser alvo de ataques de mísseis israelitas, incluindo as de Natanz e Isfahan.
O acordo representou uma oportunidade para a UE reabrir as relações comerciais com o Irão, após décadas de sanções dos EUA e do Ocidente contra a República Islâmica. Porém, o regime iraniano estigmatizou a UE pelo fracasso do acordo, deixando que os EUA retomassem as pesadas sanções económicas a Teerão e refreassem a vontade da Europa de desenvolver relações comerciais que foram autorizadas após 2015.
O Irão é parte no Tratado de Não Proliferação Nuclear, desde o tempo do Xá Reza Pahlavi, fundador do programa nuclear iraniano, o que levou o Irão a abrir as suas instalações às inspeções das agências da ONU e a ser tratado pela UE como ator potencialmente racional.
Há alguns anos, Teerão pôs fim à produção de urânio altamente enriquecido, mas continuou a desenvolver as suas capacidades militares balísticas convencionais e a financiar os seus representantes no Médio Oriente, incluindo o Hamas, em Gaza, o Hezbollah, no Líbano, e os Houthis, no Iémen. “Era uma espécie de questão de orgulho nacional”, no dizer de Robert Cooper, diplomata e conselheiro britânico sénior, que sustenta que uma força nuclear estratégica marcaria o Irão como uma das potências mais importantes do Médio Oriente e como uma potência internacional além do Médio Oriente.
Javier Solana, o chefe da política externa e de segurança da UE na altura, participou nas negociações em Teerão, como um dos principais arquitetos do acordo, acreditando que um acordo é melhor do que qualquer conflito e que a UE estava mais bem posicionada para o mediar.
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Desde que o Irão iniciou a resposta
militar a Israel, o sistema de defesa aérea de Israel, líder mundial, tem
intercetado a maioria dos mísseis iranianos, dando à Força Aérea israelita
tempo para atacar o Irão, sem incorrer em grandes perdas na frente interna.
Porém, à medida que a guerra prossegue, Israel consome os intercetores mais
rapidamente do que os produz, o que gera preocupação no sistema de segurança
sobre a possibilidade de o país ficar sem reservas, antes de o Irão esvaziar o
seu arsenal, pelo que as FDI passaram a racionalizar a utilização dos intercetores,
priorizando a proteção das zonas povoadas e das infraestruturas estratégicas.O Irão parece estar a reduzir a frequência dos ataques, reconhecendo que as suas reservas podem estar esgotadas. E Israel conta vários sistemas de defesa, nomeadamente: o sistema Arrow, para intercetar mísseis de alta altitude; o sistema David’s Sling, para intercetar mísseis a média altitude; e o sistema Cúpula de Ferro, para combater mísseis de curto alcance e os estilhaços dos intercetores. E os EUA forneceram a Israel sistemas de defesa adicionais, alguns dos quais são lançados a partir de navios no Mediterrâneo, bem como um novo sistema a laser, que ainda não foi amplamente testado, e caças, para intercetar drones.
Entretanto, começaram a surgir, em Israel, vozes a pedir o fim da guerra, antes que as defesas do país sejam testadas para lá dos seus limites. Ao invés, outros apostam na capacidade de Israel destruir os restantes lançadores iranianos, fixos e móveis, espalhados por terra, com o objetivo de enfraquecer a capacidade de Teerão para lançar ataques simultâneos em grande escala.
No final, a continuidade e a sustentabilidade desta guerra dependem da ponderação entre os limitados recursos de defesa de ambos os lados e a sua capacidade de resiliência económica e moral, face à escalada dos custos humanos e materiais.
Tudo se complicará, se os EUA entrarem a guerra. Mas esta é uma tentação, pois os EUA não renunciarão a terem os seus interesses promovidos e defendidos na região. Por outro lado, a UE e o Ocidente, em geral, não têm autoridade moral para o apelo à diplomacia. Sempre reconheceram o direito de Israel se “defender”, sem limites para os massacres, e legitimam o uso de armas nucleares a Israel, quando negam ao Irão o direito de produzir energia nuclear. Ora, o Irão é um Estado tão soberano como Israel. Se querem resolver o problema do nuclear, ponham entre parêntesis todas as armas nucleares existentes, parem todos com a produção de armas e usem a energia nuclear, como todas as outras, para fins pacíficos e de desenvolvimento.
O resto é hipocrisia e ambição, por vezes, disfarçada de solidariedade.
2025.06.20 – Louro de Carvalho
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